15.3.06

Um Carnaval se faz com homens e litros! (Bruno César)


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04/02/2006
Um Carnaval se faz com homens e litros!
Ou o que tornou possível a glória dos velhos festejos de Momo em Maceió

por Bruno César Cavalcanti*
Durante décadas, um bordão publicitário radiofônico lembrava que "se no Recife tem...". Na verdade, nós, alagoanos e, particularmente, maceioenses, crescemos sem o menor constrangimento em confessar uma tendência para imitar a cultura urbana do Recife. Isso nos pareceu sempre algo legítimo, por termos uma origem comum aos pernambucanos; e, notadamente, por não nos ter custado maiores sacrifícios a emancipação política, o que não nos remeteu à criação de uma identidade cultural reativa para com os vizinhos - como o é todo processo identitário. Por isso gostamos deles e de muitas de suas características culturais que, estamos convencidos, são igualmente nossas.Disso sabia muito bem, ao que parece, o velho marqueteiro da Casa do Colegial!Entre os elementos que poderiam ser elencados para demonstrar esse vínculo histórico com o Leão do Norte está sem dúvida a festa do carnaval, o 'carro-chefe' desse dispositivo local. Que o digam nos dias de hoje as Pecinhas, A Seresta da Pitanguinha e o Pinto da Madrugada, mas também aquelas agremiações, de há muito extintas, como Vassourinhas, Lenhadores, Abanadores, ou maracatus como o Cambinda de Ouro, que tomaram parte nos carnavais maceioenses do início do século XX, mas já se encontrando todos de "fogo morto" quando por aqui chegou o frevo nos últimos anos da década de 1920. De toda a área de influência do frevo de Pernambuco foi Alagoas aquela mais aderente e "fervente". Aqui, na terra do coco-de-roda, tivemos tamanho envolvimento com essa modalidade de festa carnavalesca, treinados que estávamos com as danças dos pés, que criamos o destaque para o passista solo, inventamos campeonatos animadíssimos de "passo", e tivemos grandes campeões; a ponto de Théo Brandão querer acreditar que tínhamos, inclusive, gestado uma forma particular de "fazer o passo", que seria algo assim... mais... "quebrado", feito um coco. E jamais duvidaríamos de sermos, os alagoanos e maceioenses, gente legítima do frevo. Em meados dos anos 1930, quando o Major Bonifácio da Silveira sugeria suas glosas para que os leitores construíssem versos, e com eles concorressem a prêmios da imprensa e do comércio, disparou ele certa vez: "segure o passo quebrado, no compasso de amargar!"Tudo indicava que a nossa imitação do carnaval recifense seria tão eficaz e duradoura que não mais necessitaríamos continuar a vida inteira a viver de prévias carnavalescas, e não mais viajaríamos os cerca de 300 km para viver aquela cocanha festiva das cidades de Olinda e do Recife; aquela festa que o antropólogo Roger Bastide viu como sendo um "barroco de rua", tamanha a sua riqueza e diversidade cultural. E contudo, hoje se busca inventar diferentes mecanismos de atração para envolver o povo no entusiasmo necessário às coreografias arrojadas do "passo"; e mesmo oferecem-se até pequenos cursos e oficinas para re-introduzir nos nativos o gosto daquelas pernadas ao vento. O que terá ocorrido? Por que acabamos sucumbindo? O fato é que o carnaval de rua de Maceió se tornou o que é hoje: socialmente segmentado, exclusivo, de uma efêmera empolgação que não resiste a nada mais que uma prévia para a classe média maceioense lembrar a data com polidez e estilo, com hora marcada e espaços bem delimitados. Isso significa afirmar que apesar do trabalho tremendo dos que apostam na continuidade da brincadeira carnavalesca, sejam "seresteiros", "pintos", "filhinhos", "pecinhas", ou "rolinhas", todos, isolados, não fazem verão! E dado ao atual estado crítico em que agonizam os resistentes, e outrora tão impávidos e gloriosos, blocos populares "históricos", incluindo-se o "Cavaleiro dos Montes", o "Sai da Frente" e outros, não resta muito mais a dizer acerca das limitações que se mantém estruturantes sobre o esquálido carnaval maceioense.Assim, não conseguimos reeditar os bons tempos do carnaval relativamente ampliado que o passado assistiu nessa cidade de tão altos contrastes sociais. Para tentar organizar uma discussão em torno do carnaval de Maceió e seu passado, umas perguntinhas: gostaríamos mesmo de reeditá-los, os mitificados "velhos carnavais"? Por que nossa imitação não mais consegue arrebatar aquela capacidade de realizar uma festa participativa e de massa? Por que nossa imitação, hoje em dia, é tão socialmente segmentada? E, por fim, e dito de um outro modo, que especificidades sociológicas inviabilizam que tenhamos um carnaval popular como outrora? Como veremos, a resposta para este dilema já foi dada pelo velho e bom Major Bonifácio da Silveira, e desde quando realizávamos ainda os primeiros carnavais de rua verdadeiramente participativos, no início da longínqua década de 1930.###É da "da pontinha"... é "de amargar!" A chegada do frevo do Recife se dá ao mesmo tempo em que Maceió começa a ter um carnaval de massa, diferentemente da antiga ocupação momesca do Centro quando ali ainda residia parte da elite socioeconômica. A cidade crescia a olhos vistos, urbanizava-se, ganhava melhores serviços de iluminação e transporte, via surgirem inúmeros grêmios ou associações artísticas e literárias, cresciam ambientes de convivialidade e boemia, diversificava-se e especializava-se o comércio de gêneros importados e exclusivos às ocasiões dos vários ciclos festivos. A velha cidade, há 100 anos atrás, não tinha mais que 5 desses 50 bairros de hoje: Levada, Farol, Bebedouro e os então distritos do Poço e de Jaraguá. E o aparecimento de uma massa urbana expressiva passa a ocorrer somente quando, a partir dos anos 1920, começa a efetiva ocupação residencial de áreas que se tornariam bairros denominados por Ponta Grossa, Pontal da Barra, Pajuçara - mas também, e na seqüência, Prado, Ponta da Terra, Cambona, Mutange, Trapiche, o então chamado Alto do Urubu etc. Este processo começa a repercutir no carnaval de Maceió logo no começo da década de 1930, com a formação de clubes e blocos carnavalescos de grande popularidade e que fariam história na cidade. Dentre esses inúmeros blocos, clubes e troças estavam os rivais Vou Botar Fora e Cavaleiros dos Montes, ambos aparecidos em 1932. Já no carnaval do ano seguinte, o Jornal A Notícia comentava assim sobre o Vou Botar Fora: "um espetáculo interessante [...] é a saída de um blococarnavalesco. Mulheres, crianças, velhos e moços, ricos e pobres, gazeteiros e estudantes, uma doida coordenação carnavalesca, vivendo aquela hora de uma alegriaincompreensível...é "Vou Botar Fora" , club de todo mundo".A idéia de que vivíamos certo apogeu festivo, de gosto cívico até, aparecia também na nova safra de composições próprias desse entusiasmado carnaval, que não deixavam dúvidas sobre onde morava a festa:"...Em Bebedouro, no Farol, na Ponta Grossacom o Sururu da Nega a folia é nossa...O bom problema é o sururu lá da Levada...". ***Porém nem sempre estiveram as organizações populares a serviço de tal alegria criativa, espontânea e massiva. Muito antes dessa fase do carnaval no Centro de Maceió, agremiações como os famosos "Morcegos" da Levada (ao qual estiveram vinculados muitos dos integrantes da autodenominada Liga dos Republicanos Combatentes, que comandou o massacre dos terreiros de Xangô de Maceió em fevereiro de 1912); mas eram sociedades carnavalescas que primavam pelo luxo dos veludos, em desfiles bem organizados com garbo e gosto de tons civilizatórios, com o fito de arrebatar dividendos de civilidade e de aceitação social ante aquela tão pequena e, por vezes, frívola burguesia.Ainda à época, a música dos chamados Zé Pereira era originária de antigas quadrilhas, e os ritmos outros que insistiam em circular na cidade, como os maracatus, eram muito mal recepcionados seja pela imprensa seja por outros formadores de opinião e pessoas de prestígio e poder. A música de carnaval executada por essas agremiações, então, era bem mais apta para os anseios dos cortejos mais ordeiros e elegantes que ao confusional e circular ambiente gerado pelas orquestras de metais das bandas de frevo que apareceriam nas décadas seguintes, endiabrando as multidões com seus encontros de blocos, seus frevos "de encontro" ou "de abafa", suas rivalidades e as paixões torrenciais dos frevantes por suas agremiações, despertando amor pelos estandartes e cores dos blocos e clubes.Ante certa luxúria incentivada pelos "carnavais da civilização" dos anos anteriores, o modelo ao qual adeririam as populações crescidas na pobreza agora anônima dos novos arrabaldes da cidade era aquele constituído pelos brincantes marginais do antigo entrudo, bem lembrados por Luis Veras em seu "Carnavais Adormecidos", pela gente acostumada com as bandas de pífanos e com os vários folguedos, povo das mascaradas toscas ou primitivas, e dos entremeios lúdicos como o nosso resistente e heróico Boi de Carnaval, até então muito pouco à vontade na área nobre da cidade que pretendia jogar um carnaval de flores à moda de Nice e de outras praças famosas do mundo de "carnaval civilizado".Os desfiles de agremiações à base das estrondosas orquestras de frevo, ao que parecem, favoreceram o desenvolvimento de multidões aglutinadas na função de "fazer o passo" seguindo os blocos, marchando para a grande aglomeração da área central da cidade, vindas de todos os lados, e notadamente da Ponta Grossa, criando pólos de folia ou ainda pulando alucinadas em torno das bandas distribuídas em palanques, na extensão que ia da Praça dos Martírios ao ponto onde se ergueria o edifício do antigo Produban.Era também o tempo, também, da circulação cada vez mais acessível de diferentes marcas de produtos exclusivos para a festa carnavalesca, e entre esses o combustível inebriante do lança-perfume. Juntamente com o capital do comércio de fantasias, de tecidos e dos demais adereços carnavalescos, a indústria dos lança-perfumes promovia e esquentava o ambiente momesco, patrocinava, publicizava e endossava o carnaval da velha Maceió. Quem se debruçar sobre os jornais diários do período carnavalesco nas décadas de 1930 ou 1940 verá a força participativa da propaganda e do comércio do lança-perfume, a atenção dispensada a este produto pelos colunistas carnavalescos. O mesmo se poderia dizer dos refrigerantes e das bebidas, muitas das quais de fabricação local. Portanto, foi quando todas essas condições estiveram reunidas que o frevo, sua música e sua dança - com mais tudo aquilo que de coreográfico e rítmico lhe habita a ambiência festiva, como os maracatus, os caboclinhos, as la ursas, os grupos de bobos e outros - se tornaram a forma preferida da brincadeira dos maceioenses nos velhos carnavais populares. Eram os bons tempos da folia nos bairros com fluidez automática à área central de Maceió. Foi a época do já idoso Major Bonifácio da Silveira, da juventude do Moleque Namorador e do Ras Gonguila, além da emblemática e insuperável criação da Nega Jujú na famosa composição "Sururu da Nega" de Pedro Nunes e Aristóbulo Cardoso em 1934.Coincidentemente, o major Bonifácio da Silveira era recifense, nascido em 1867, tendo vindo residir em Maceió juntamente com os pais, onde se estabeleceram como comerciantes na atual avenida Moreira Lima. Republicano e abolicionista militante, ocupou a Intendência de Maceió em 1892, por indicação de Gabino Besouro. Foi Tenente Honorário do Exército Nacional, segundo decreto de Floriano Peixoto, e Major da Guarda Nacional e do Tiro Alagoano; tendo ainda sido nomeado em 1915 Comandante da Polícia, na gestão do governador Clodoaldo da Fonseca. No tempo que lhe restava organizava inicialmente diversas brincadeiras, como a curiosa "cavalhada de bicicletas", no bairro de Bebedouro e, depois, na Praça Floriano Peixoto (dos Martírios), notadamente por ocasião do Natal, do São João e, claro, do Carnaval. Foi ator, no teatro e no cinema (veja-se "Casamento é negócio?"), mas ficou para a posteridade como produtor cultural de festejos populares e o nosso maior mediador social. A ele se devem os esforços que tornaram possível no seu tempo tantas realizações festivas na cidade, tendo aquelas de Bebedouro alcançado o status de atração turística para os visitantes de Maceió. A qualidade de suas iniciativas, e o apelo que exerciam sobre a cidade podem ser notados quando, por exemplo, o Jornal de Alagoas, em sua edição de 9/1/1932, informava: "quase toda a população festeira da cidade esteve lá". O major também comandava, seguidamente e por indicação do governo municipal, a organização do carnaval, como ocorreu com mais freqüência nos anos 1930. Na verdade, desde a década anterior que a sua notoriedade se acentuara nessa função, sendo inclusive proclamado, em 1927, "Presidente Perpétuo da República da Alegria". De cavalhadas a quadrilhas juninas, passando pela formação e apoio logístico de grupos de folguedos e da participação pessoal em concursos como o banho de mar à fantasia, de tudo fez o Bonifácio da Silveira até a idade proibi-lo.###Major, Moleque, Gonguila: heróis da foliaA função mediadora do Major Bonifácio jamais encontrou correspondente, e o carnaval começou a definhar após sua morte; dada a sua capacidade mobilizadora e a sua paixão pessoal pelas festas. De tanto gostar das festanças coletivas, ele muitas vezes encerrava os festejos natalinos por volta de 10 de janeiro e, não raro, fazia neste último dia um pequeno corso carnavalesco, como que sinalizando o novo espírito a ganhar corpo dali para frente no calendário da pequena cidade. Sendo o maior deles na arte da mediação social provocada pelo fluxo festivo entre elementos de diferentes classes sociais, o Major não estava só. Da altura de sua importância como nosso grande memorialista, Félix Lima Jr. descreveu os antigos carnavais da "Maceió de outrora" daquela primeira metade do século passado nos deixando maravilhosas pistas sobre importantes momentos da nossa festa pública que possibilitaram a fusão de classes sociais. E foi, em nossa opinião, justamente a não manutenção desse agenciamento interativo dos segmentos sociais que fez malograr as conquistas do passado em matéria de cultura carnavalesca. O próprio major Bonifácio previra as dificuldades que se apresentavam na constituição da sociedade maceioense, ao propor a seguinte glosa nos jornais, durante o carnaval de 1932:Segurem esses ricaçosEles querem fugir...Quando o carnaval começa,Querem todos escapulir.***Félix Lima Jr., além de descrever as lojas, os seus proprietários e os produtos importados, as atrações do comércio para o carnaval de cada ano, apontou para outros foliões mediadores que aderiram à festa pública e de rua na velha cidade. Ele cita o Major João Lobo, da então Casa de Detenção, que organizava no início do século XX o "Club dos Feras"; o Chico Barbeiro com suas fantasias absurdas; o Dr. Luiz Mesquita disfarçado de "Pai João", irreconhecível; o mascarado que escondia o Coronel Jacinto Paes Pinto, "respeitável figura da alta sociedade e inspetor do Tesouro do Estado"; o Sr. Antídio Vieira, que chegou inclusive a ser Rei Momo, que se vestia de mulher e "que preferia sair pela noite com leque chinez, duas ou três anáguas bem engomadas, cabeleira postiça". Lembra também o Sr. Floriano Peixoto Tavares de Figueiredo, que "fazia sucesso fantasiado de Barão de Vandesmet, todo de branco, barba Pedro II, apoiando-se numa bengala e arrastando a perna direita"; outra figura lembrada por ele foi o Sr. Olimpio Passos, sempre vestido de viúva negra; e, por fim, referiu-se também a essa figura das mais presentes no carnaval das ruas do centro da velha Maceió que foi o Professor Agnelo Marques Barbosa, "vestido de Almocreve, montado num burro cor de rato, com grandes caçuás". O professor Agnelo, mesmo já bastante idoso era presença constante nos banhos de mar à fantasia, onde saia, entre outras, fantasiado de índio. Muitos outros nomes comporiam nas brincadeiras de rua de Maceió, como Ezequiel Pereira, Jose Moreira Lima, Arthur Machado, João Alves de Souza, Abel Ribeiro, Aristides Carteiro, Mario Cardoso, Saleiro Pitão e muitos outros foliões, de clubes e de rua, que chegaram ativos até os últimos anos da velha folia, alguns ainda bem vivos para contar o que foram esses carnavais.Isso não quer dizer que as distinções estivessem abolidas, bem ao contrário. É sabido, por exemplo, que a rua Boa Vista esteve no front da resistência da popularização do carnaval do Centro de Maceió, por tratar-se da artéria que mais tempo manteve-se como local de moradia de certa elite comercial da cidade. As moças da rua Boa Vista, por exemplo, nos tempos do Major, gostavam elas mesmas de realizar a decoração daquela via pública. Anos depois, com a expansão de Maceió, algo semelhante ocorreria no bairro de Jaraguá e na recente Pajuçara, fazendo o nosso cronista se referir à "jeunesse dorée" daquela área. Esses fidalgos, aliás, parecem que inaugurariam o hábito de partir da cidade nos dias de Momo, onde se brincava, já então, na semana anterior ao carnaval propriamente. Diegues Jr., por exemplo, que desfilava num daqueles blocos da "juventude dourada" da Pajuçara, As Marselhesas, confessaria mais tarde que já então rumava para o Recife no carnaval!O mesmo Félix Lima Jr. também descreveu a participação popular nas festividades do Centro de Maceió, com seus tipos amparados nos folguedos, através dos anônimos "máscaras", ursos, Mateus de reisado, fantasiados de "morte", de diabos, de "índios", bois de carnaval, dos primeiros bonecos gigantes, além de pequenos comerciantes ambulantes de limões de cheiro, futuramente substituídos pelo comércio industrializado dos lança-perfumes. Tudo isso viu o cronista em suas andanças pelas ruas de Maceió em dias festivos. E quanto mais os anos passavam mais o frevo penetrava e, assim, a massa de foliões outrora mantida à margem se condensava e seguia com os blocos rumo ao coração da cidade. Poucas opções ficariam aos abastados que não aquela de aderirem à festa popular. O que muitos tentaram e conseguiram durante certo tempo. O problema é que para o desenvolvimento do carnaval seriam necessários vários tipos de adesões interessadas, notadamente aquelas empresariais. Para que o comércio em torno do carnaval florescesse, a contrapartida teria que ser o incremento das vendas com maior participação daqueles que tinham um poder de compra alargado; mas, infelizmente, esses iriam se afastar cada vez mais, como já notara o major Bonifácio.Antes que a fuga das elites se institucionalizasse, a cada ano, outros homens daquela velha Maceió colaboraram para que a festa se tornasse popular e participativa. E independente das posições e funções sociais foram todos eles decisivos para o sucesso dos velhos carnavais. Um desses foi o Sr. Jerônimo Fiúza, jovem amigo do velho Major Bonifácio e representante comercial da multinacional Rhodia, o grande nome em matéria de lança-perfumes. Jerônimo Fiúza unia a atividade empresarial com o gosto pela fuzarca, participando ativamente do carnaval. Integrou o empresariado romântico. E isto significa afirmar que ele não apenas caía na festa, mas também que alimentava o ambiente carnavalesco de outras maneiras. Uma delas eram as constantes doações de caixas de lança-perfume que o comércio local promovia, e de cujas campanhas se nutriam os colunistas exclusivos do período momesco, com suas notas diárias a partir de janeiro lembrando e provocando os leitores à participação na festa do carnaval. O público muito interagia, ao que parece, através das desejadas premiações do éter auxiliar para aquelas explosões festivas das ruas e dos salões, até que o presidente Jânio Quadros acabasse com a brincadeira. Entre outros nomes de comerciantes carnavalescos, que as colunas especializadas da imprensa local destacaram estavam os de Gerbase e filho, Ernani, Morgado, Viana e Zé Calheiros, todos faturando no setor do comércio dos lança-perfumes e dos adereços para o carnaval.Ora, mas de nada adiantariam os empenhos do mediador social e do empresariado carnavalesco sem aquele valioso contributo do arregimentador direto das massas festivas, e o maior deles parece ter sido o Sr. Benedito Santos, um engraxate nascido na antiga rua do Macena, e morto em 1967, de um fulminante ataque cardíaco, em plena rua do comercio. Era largamente conhecido por Ras Gonguila, sendo o criador e líder do Cavaleiro dos Montes. Gonguila é um exemplo muito caro desta nossa cidade, e sua façanha é digna dos maiores reconhecimentos, como, a propósito, lhe prestará este ano o bloco Filhinhos da Mamãe. Um outro grande personagem foi um solista na dança do "passo", um homem comum e perambulante do Centro da cidade, gazeteiro e exímio dançarino do frevo, destacado e imbatível campeão cuja fama ultrapassou os limites de Alagoas. Nascido Armando Veríssimo Ribeiro em 1921, em São Luis do Quitunde, e morto em Maceió em 1949, ficou imortalizado como o Moleque Namorador. Negro como Gonguila, mas passista como ele só. Um antigo brincante do carnaval de Maceió assim falou de seu talento em fazer o "passo quebrado" a que se referira Théo Brandão: "quando ele [o Moleque] saía para quebrar, ninguém quebrava feito ele não".Foram os antigos carnavais as raras oportunidades que a nossa sociedade concedera aos seus filhos anônimos a chance de verem reconhecidos seus talentos lúdicos e espontâneos; umas das poucas lembranças que a memória logrou êxito em dividir a notoriedade social com ricos e pobres.Por isso, o carnaval de hoje em quase nada repete essa glorificação alcançada no antigo reino alagoano de Momo. Que o diga o malogro da tentativa do poder público em trazer, no ano passado, para Jaraguá os antigos e tradicionalíssimos blocos carnavalescos do passado. Estes desfilaram nos dias de carnaval, distante das animadas noitadas da prévia maceioense, e tiveram tão somente os fantasmas do velho Jaraguá a aplaudirem suas pálidas performances. Moral da história: até no carnaval, agora é cada um com seu cada qual!###
* É professor de antropologia e pesquisador no Laboratório da Cidade e do Contemporâneo (LACC) do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pelo rico artigo sobre o carnaval de outrora. Percebemos o quanto este não se assemelha com o atual, porém, verificamos que ainda existe a resistência, ou mesmo, tentativa de resgatar esse traço do carnaval alagoano a partir de blocos que, infelismente, parecem se espelharem no morelo carioca, não que o problema resida em copiar um modelo, pois vimos que de algun modo copiar foi algo positivo para alagoas, mas sim na preocupação em performances e a não valorização de traços alagoanos que dariam a essa "cópia" uma originalidade convidativa dos grupos sociais.

Anônimo disse...

é interessante o paralelo que o autor faz do carnaval alagoano com o recifense, o qual se reflete muito além da época ou da cultura carnavalesca, pois é muito visível ainda na atualidade movimentos culturais da classe média que buscam se firmarem numa quase imitação com os mangues-beat e cia.