22.2.11

Proposta de Nota Técnica


Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)
 SR-22 – Maceió, AL
Gabinete da Superintendência






Proposta de Nota Técnica
Precondições normativas para um planejamento do desenvolvimento integrado do Projeto Especial AGRISA-AL
por Golbery Luíz Lessa de Moura
[Assessor do Gabinete da SR-22, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG]






Maceió, julho de 2010



Introdução
Não existe qualquer normatização expedida pelo INCRA para aquilo que alguns técnicos vêm denominando, por necessidade lógica e coerência conceitual, de Plano de desenvolvimento Integrado (PDI) de área reformada.[1] Na prática essa noção tem sido usada no planejamento dos projetos especiais de assentamento definidos a partir de 2007 pelo presidente da autarquia e pelo ministro do desenvolvimento agrário. A idéia de desenvolvimento integrado tem efetivamente movido setores do INCRA para o foco em ações mais eficientes, eficazes e efetivas naquelas áreas reformadas particularmente extensas. Além da celeridade, essas ações têm primado por um planejamento mais cuidadoso, a simultaneidade de sua execução e a tempestividade em relação às necessidades dos assentados. Entretanto, é importante destacar que, mesmo já influenciando positivamente a implantação de novos assentamentos, a noção de PDI de áreas reformadas carece de uma melhor delimitação no que toca à sua aplicação na política nacional de reforma agrária e necessita de uma normatização adequada.
Nos projetos especiais que foram erigidos como assentamentos únicos, como os projetos MAISA - RN, Harmonia - PE e Bordolândia - MT, a contradição entre Plano de Desenvolvimento de Assentamento (PDA) e PDI não veio à tona. O PDA terminou funcionando como um PDI, ou seja, ganhou uma dimensão geográfica e uma complexidade produtiva muito maior por abarcar área e recursos mais amplos do que os comumente envolvidos em um único assentamento. A necessidade de trabalhar com o PDI também não apareceu com força nas SR’s que conviveram muito tempo com a implantação de PA’s pequenos e significativamente isolados no tempo e no espaço. Em situação bem distinta, a SR-22 precisa lidar com uma área que combina grande extensão e fragmentação em 28 (vinte e oito) PA’s; nesse caso, a inexistência de norma do INCRA instituindo o PDI como privilegiado elemento de planejamento tem causado problemas agudos.
Os esforços para a definição de um modelo produtivo e de gestão para o projeto especial AGRISA-AL acabam, desse modo, sendo dificultados pelo fato de que a normatização não prevê sequer a integração dos PDA’s, o que termina desestimulando a elaboração de uma perspectiva de totalidade dos rumos daquela área reformada no interior do órgão e mesmo entre as empresas de assistência técnica. Os esforços de superar a lacuna normativa por meio da construção de um consenso entre os vários atores em torno da integração informal dos PDA’s esbarram na resistência consciente e inconsciente de setores do órgão, das empresas de ATES e dos movimentos sociais a atuarem à contrapelo das normas, além de serem dificultados por não se poder contar com dotações orçamentárias para as ações necessárias.
No sentido de contribuir para a solução do impasse no planejamento do projeto especial AGRISA-AL, na presente nota técnica procuramos detalhar o problema e propor uma alternativa para solucioná-lo. Faremos uma breve justificativa para a normatização pelo INCRA  da noção de Plano de Desenvolvimento Integrado (PDI) de área reformada, buscando superar o problema particular de planejamento do projeto especial AGRISA-AL por meio de uma proposta de mudança geral no planejamento dos PA’s.

1. O PDA e seus limites para o desenvolvimento integrado dos PA’s
           
A INSTRUÇÃO NORMATIVA/INCRA/No29, de 12 de abril de 1999, é uma das primeiras que trata do Plano de Desenvolvimento de Assentamento (PDA) e já o coloca como principal ferramenta de planejamento dos PA’s. A seguinte passagem demonstra como aquele instrumento era concebido:  
c) o Plano de Desenvolvimento do Assentamento deverá ser elaborado no contexto do Plano Municipal de Desenvolvimento Rural, quando existir, e deverá conter como principais componentes, os seguintes: [grifo nosso]
1) levantamento dos recursos naturais;
2) perfil sócio-econômico dos assentados;
3) organização espacial, incluindo plano de parcelamento, se for o caso, e a localização coletiva das habitações;
4) as atividades econômicas agrícolas e não agrícolas a serem desenvolvidas em função da demanda do mercado;
5) educação, saúde, cultura e lazer;
6) questões de gênero e juventude;
7) infra-estrutura básica ( estradas de acesso, água para consumo humano e energia);
8) gestão ambiental.
d) os beneficiários poderão selecionar e contratar livremente a assessoria técnica para a elaboração do Plano, recrutada dentre pessoas, empresas ou entidades previamente credenciadas no INCRA ou no Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, quando existir;
e) o Plano de Desenvolvimento do Assentamento - PDA será elaborado com base em um roteiro técnico de orientações, objeto de Norma de Execução, a ser editada pela Diretoria de Assentamento – DP. [grifo nosso]
           
O PDA deveria, portanto, tratar de maneira integrada de todos os aspectos relevantes do desenvolvimento de um assentamento e já era percebido no contexto do município no qual seria implantado, de onde decorre a preocupação de que levasse em conta o Plano Municipal de Desenvolvimento Rural, quando esse existisse. A NORMA DE EXECUÇÃO/INCRA/No2, de 28 de março de 2001, cumprindo o disposto na alínea “e” acima citada, detalha a natureza do PDA por meio de um “Roteiro Básico para a Elaboração do Plano de Desenvolvimento Sustentável de Assentamento – PDA”, inscrito no Anexo II. Nesse roteiro fica ainda evidente que o planejamento do assentamento deveria adequar-se ao seu contexto, o qual compreenderia principalmente o município e a microrregião. Isso pode ser exemplificado com a citação de duas alíneas do item “3”, intitulado “Cenário Sócio-econômico e Ambiental da Região de Influência do Projeto de Assentamento”, nas quais se exige que sejam descritas:
d) [a] situação social, demográfica e fundiária do município e micro-região: população urbana e rural, densidade demográfica, migração, estrutura fundiária, nível educacional e de renda da população, infra-estrutura física e social, etc.;
e) [a] economia do município e microrregião: principais atividades econômicas, principais produtos agropecuários, evolução recente da economia, projetos/programas de desenvolvimento regional e municipal, existência de Conselho e/ou Plano Municipal de Desenvolvimento Rural e Ambiental, etc.

            Para os nossos objetivos, é relevante sublinhar apenas duas dimensões daquele documento: 1) a concepção subjacente à expressão “Região de Influência do Projeto de Assentamento” presente no título do item “3”, que parece superestimar a capacidade de influência de um único assentamento, notadamente quando desconectado de outros e incrustado em um ambiente hostil à agricultura familiar; e 2) a ausência da preocupação em garantir a convergência dos PDA’s de PA’s localizados no mesmo município ou microrregião.
Essas duas características iram subsistir na normatização do INCRA referente ao PDA até o presente momento, quando começam a demonstrar mais claramente seus efeitos deletérios. O Manual Operacional de ATES em vigor, aprovado pela NORMA DE EXECUÇÃO/INCRA/DD/N.78, de 31 de outubro de 2008, ainda traz as conceituações acima referidas quando traça o roteiro para a confecção do PDA. O item “4” do “Roteiro Básico Para o Plano de Desenvolvimento de Assentamento”, por exemplo, é intitulado “Diagnóstico Relativo à Área de Influência do PA”. O item “4.1”, por sua vez, é intitulado “Contexto Sócio-Econômico e Ambiental da Área de Influência do Projeto de Assentamento”. As propostas deste item repetem quase literalmente as alíneas “d” e “e” do “Roteiro Básico para a Elaboração do Plano de Desenvolvimento Sustentável de Assentamento – PDA”, inserido no citado Anexo II da NORMA DE EXECUÇÃO/INCRA/N.02, de 28 de março de 2001.
O primeiro problema apontado, a concepção subjacente à expressão “Região de Influência do Projeto de Assentamento”, parece ser resultado da convergência de uma crença exagerada nos efeitos econômicos, sociais e políticos de um assentamento isolado e de uma perspectiva despolitizada sobre os conflitos de interesses entre atores do mundo rural. Na prática, na maior parte dos casos é a microrregião que influencia o PA e não o contrário, como espera a norma. Quando, por exemplo, se implanta um PA isolado e relativamente pequeno num município da zona canavieira alagoana, esse empreendimento de reengenharia social tem que enfrentar um contexto que lhe é decididamente hostil, pois toda a cultura da microrregião e as instituições que sustentam os sistemas produtivos locais estão tradicionalmente focadas no chamado agronegócio e não na agricultura familiar. Assim, o assentamento tende a ter o seu desenvolvimento embargado por constituir-se numa espécie de corpo estranho no organismo do agronegócio, problema que só pode ser superado com a unidade das forças locais interessadas no desenvolvimento da agricultura familiar e com a intervenção dos governos local, estadual e federal no sentido de garantir a pluralidade dos sistemas produtivos agropecuários.
            A partir da concepção de que o planejamento estatal implica em escolhas técnicas que têm impactos no equilíbrio econômico, social, cultural e político, ou seja, aceitando o pressuposto de que não há escolhas técnicas relevantes em política pública que sejam neutras,[2] seria imperioso para o INCRA perceber, sublinhar e normatizar os conflitos que a implantação de assentamentos acarreta e não contorná-los ou dá-los como resolvidos.
Devido ao alto grau de organização das partes em disputa (associação de proprietários rurais e movimentos de trabalhadores sem-terra) e do potencial desagregador dos seus conflitos, o INCRA não tem cometido erro análogo no que se refere à política de obtenção de terras, mas pontos decisivos das normas relativas ao PDA pressupõem uma harmonia entre PA e seu contexto que não é plausível nem empiricamente comprovada, bem como se contrapõe à maior parte da literatura sobre a reforma agrária no Brasil e no mundo. Essa é uma das variáveis que parecem explicar a não existência de uma preocupação de fazer convergir os PDA’s de PA’s do mesmo município, microrregião ou Estado, entre outras possibilidades de articulação de atores que vivem situações análogas e possuem interesses convergentes. O reconhecimento normativo da necessidade de articulação dos PDA’s de uma área reformada, que implicaria na existência de um PDI, pressuporia a constatação dos conflitos entre agricultura familiar e agronegócio (e entre outros atores do mundo rural) e a aceitação de que a primeira precisa desenvolver estratégias econômicas, sociais, culturais e políticas para fortalecer-se diante de adversários mais poderosos e articulados.
O fato de a obtenção de terra ter permanecido residual e esparsa até meados dos anos 1990, sendo relativamente rara a simultaneidade da implantação de vários assentamentos em uma área reformada, tornava desnecessário o PDI e dificultava a percepção de que este instrumento de planejamento integrado se tornaria imprescindível quando houvesse a obtenção sistemática de grandes áreas com PA’s bastante próximos ou contíguos e numerosos.

2. O Plano de Desenvolvimento Integrado (PDI) de áreas reformadas

            Para justificar a necessidade da aceitação conceitual e da normatização do PDI pelo INCRA nos casos em que uma grande área reforma é constituída por mais de uma PA, começaremos por sublinhar os ganhos de escala comercial e sinergias produtivas (entre outras) que a articulação dos PDA’s de PA’s geograficamente próximos ou economicamente aproximáveis promete efetivar. No caso do projeto especial de assentamento AGRISA-AL, por exemplo, é evidente que a articulação comercial dos 28 PA’s já implantados diminuiria muito os custos dos insumos agrícolas e fortaleceria as posições de venda das famílias assentadas. Seria possível a racionalização do uso de máquinas agrícolas, armazéns e outros elementos de infra-estrutura. No que se refere à agroindústria, a articulação dos PA’s possibilitaria o aumento das escalas de produção e maior segurança quanto ao fornecimento regular de matérias-primas, o que seria importante para aumentar a rentabilidade e estabelecer uma imagem de eficiência perante o mercado consumidor. Ganhos de escala também poderiam ser conseguidos no que se refere aos investimentos em tecnologia e capacitação de mão-de-obra, bem como no que toca o manejo sustentável dos recursos naturais. Enfim, a articulação dos PA’s por meio de um PDI da área reformada na qual se encontram possibilitaria o uso de uma estratégia parecida com aquele de constituição de complexos agroindustriais que vem sendo usada com sucesso pelo agronegócio no Brasil e no mundo.
            A proposta da formação de complexos agroindustriais baseados na agricultura familiar pressupõe a percepção de que os assentamentos são implantados num espaço competitivo e hostil e são na maior parte das vezes vizinhos de atores muito mais poderosos. Pressupõe também que as tradicionais formas de resistência da agricultura familiar, por demandarem custos humanos muito altos (a superexploração da mão-de-obra do próprio agricultor e de sua família; a aceitação de uma renda familiar muito baixa, incapaz de proporcionar os mínimos sociais; etc.), não são socialmente eficientes e eticamente aceitáveis nas condições contemporâneas, além de inviabilizarem o exercício dos principais direitos do cidadão inscritos na Constituição da República.
            Para significar um ganho efetivo no planejamento, o PDI não poderia ser a articulação a posteriori dos PDA’s. Se assim o fosse, seria apenas um amálgama, um retrato da desconexão, da desintegração. O mais adequado seria o PDI ser construído junto com os PDA’s de uma área reformada, o que pressuporia dois níveis de planejamento e uma distribuição particular do poder deliberativo das famílias assentadas envolvidas no processo de elaboração dos dois documentos. Seria necessário delimitar as dimensões gerais e particulares (as do complexo agroindustrial a ser constituído e as de cada PA) do planejamento, atribuindo as primeiras ao PDI e as últimas aos PDA’s. Isso implicaria, é certo, na renúncia por parte das famílias de cada assentamento em definir todos os aspectos do desenvolvimento do seu PA de maneira independente da opinião das famílias dos outros PA’s,  renúncia que seria recompensado pelas sinergias advindas da constituição de uma complexo agroindustrial. Tratar-se-ia de uma convivência federativa entre os PA’s de uma área reformada, se nos for permitido usar uma analogia que facilita a explicitação do que estamos a propor.
            O PDI, por outro lado, não poderia ser usado em todos os casos, restando aos gestores a avaliação de sua pertinência em cada situação. Por exemplo, no caso de assentamento muito grande que não tenha como vizinhos uma quantidade significativa de outros PA’s, a sua complexidade e vastidão de recursos possibilitam que se torne um complexo agroindustrial isoladamente, sendo o PDI, portanto, dispensável, pois se confundiria com o PDA. No caso de um assentamento pequeno e isolado no interior de uma área reformada, situação em que um PDI também não teria sentido, sua integração com assentamentos de outras áreas reformadas poderia ser feita por meio de uma política comercial conjunta, entre outras formas de articulação.
            Por meio de norma de execução da Diretoria de Desenvolvimento de Projetos de Assentamentos, o PDI deveria ser normatizado no curto prazo como mais um dos instrumentos de planejamento do INCRA para evitar os efeitos deletérios que têm sido percebidos mais claramente nas dificuldades de planejamento integrado do projeto especial AGRISA-AL. Em consonância com o que se disse até aqui, a execução do PDI deverá caber às empresas de ATES que já são responsáveis pela constituição dos PDA’s e seguir os princípios e diretrizes gerais desses documentos, com adaptações pertinentes à sua especificidade de documento integrador de vários PA’s.
            Realizada esta normatização e deslocados recursos financeiros para a execução dos PDI’s, acreditamos que os principais obstáculos para planejamento integrado do projeto especial AGRISA-AL estariam superados. As precondições subjetivas (consenso em torno da necessidade de um projeto produtivo integrado) e objetivas (disponibilidade orçamentária) para o sucesso de um planejamento integrado já existem, mas não têm sido efetivadas plenamente devido à ausência de um instrumento de planejamento capaz de realizar suas potencialidades.


3. Referências

1. BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA. INSTRUÇÃO NORMATIVA/INCRA/N.29, de 12 de abril de 1999.
2. BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA. NORMA DE EXECUÇÃO/INCRA/N.02, de 28 de março de 2001.
3. BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA. NORMA DE EXECUÇÃO/INCRA/DD/N.78, de 31 de outubro de 2008.
4. BRASIL: II PLANO NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA. Paz, Produção e Qualidade de Vida no Meio Rural. Edição Especial para o Fórum Social Mundial 2005. Brasil: 2005.
5. OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma Re (li) gião. RJ: Paz e Terra, 3ª edição, 1981.



[1] BRASIL: II PLANO NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA. Paz, Produção e Qualidade de Vida no Meio Rural. Edição Especial para o Fórum Social Mundial 2005. Brasil: 2005.
[2] Cf. OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma Re (li) gião. RJ: Paz e Terra, 3ª edição, 1981.