10.6.09





Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA
Superintendência Regional de Alagoas – SR-22/AL



NOTA TÉCNICA 01-2006

Alternativas sustentáveis para as terras e os parques industriais das antigas usinas AGRISA e PEIXE a partir das suas eventuais desapropriações para fins de reforma agrária




Assessoria do Gabinete da Superintendência*




*Nota Técnica elaborada por Golbery Lessa, Especialista em Política Pública e Gestão Governamental do quadro funcional do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), em exercício no Incra (SR22) como assessor especial do Gabinete da Superintendência, a partir dos debates do seminário “Viabilidade técnica da Agrisa integrada ao Plano Regional de Reforma Agrária e alternativas econômicas para a região” e das considerações do grupo de trabalho formado no seminário para apresentar uma posição sobre o tema.


Maceió – março de 2006

ÍNDICE

Introdução
1. Usina de açúcar e destilaria de álcool: os piores negócios do mundo
1.2. Setor Sucroalcooleiro e o Capitalismo Periférico em Alagoas
2. Cooperativa agroindustrial sucroalcooleira: todos os males e nenhum benefício
2.1. Quais são as vantagens de uma cooperativa?
2.2. O funcionamento da Agrisa como cooperativa agroindustrial
2.3. Uma Alternativa: cooperativas de produção de frutas, cereais e hortaliças
2.3.1. Introdução e Metodologia
2.3.2. Análise das Tabelas
2.3.3. Conclusões e Projeções
3. Referências Bibliográficas
4. Anexo












Introdução

A provável desapropriação de 20 mil hectares de terras pertencentes ao grupo empresarial Nivaldo Jatobá (áreas ligadas às falidas usinas AGRISA e PEIXA), localizadas nos municípios de Joaquim Gomes, Flexeiras e São Luís do Quitunde, tornará disponível para o assentamento de trabalhadores rurais sem-terra a maior área da história de Alagoas pertencente a um único proprietário e, por outro lado, que representa trinta por cento do que já foi disponibilizado em toda a história da reforma agrária do Estado. A possibilidade de equacionar alguns dos mais agudos problemas sociais desses municípios (já que haveria espaço para o assentamento de 2 mil famílias) tem deixado mais evidente a necessidade de aprofundarmos a reflexão sobre os rumos da reforma agrária, principalmente no que se refere às alternativas econômicas para o desenvolvimento dos assentamentos e no que toca à sua relação com os outros setores do mundo rural e da sociedade como um todo.
As grandes dificuldades enfrentadas pelos cerca de cem assentamentos existentes em Alagoas, expressas na freqüente desorganização da produção, na falta de integração com os mercados locais, nacionais e internacionais e no caráter rotineiro da tecnologia que empregam, unidas à ideologia legitimadora que envolve secularmente a lavoura da cana-de-açúcar, constituíram um espaço para que alguns setores técnicos da máquina pública e da academia passassem a aceitar a possibilidade de que as terras e o parque fabril das antigas usinas AGRISA e PEIXA fossem, tão logo desapropriados, alocados para a formação de uma cooperativa agroindustrial constituída por famílias de trabalhadores sem-terra com o objetivo de produzir cana, açúcar e álcool. A proposta tem sido apresentada como inovadora, já que aparece como uma espécie de superação da posição considerada sectária de perceber a lavoura da cana-de-açúcar em si mesma como a causa essencial dos problemas fundiários e agrícolas do Leste Alagoano.
Como procuraremos detalhar neste texto, esta proposta constitui-se no contrário do que aparenta. Uma cooperativa para produzir o mesmo que os usineiros de Alagoas têm produzido há séculos não possui viabilidade econômica e nem supera a lógica perversa das relações sociais típicas do capitalismo periférico estabelecido em terras caetés. A não ser que se transforme em um enorme ralo por onde as instâncias do governo federal e estadual façam correr rios de subsídios, insustentáveis a partir de quaisquer padrões de desenvolvimento econômico, social e político, a referida cooperativa sucroalcooleira teria poucas chances de competir vitoriosamente no mercado e, caso conseguisse fazê-lo, tenderia a reproduzir as dimensões mais perversas do modelo canavieiro tradicional: superexploração do trabalho, monocultura exportadora (que inibe o desenvolvimento do mercado interno e da divisão social do trabalho), destruição dos recursos naturais e fortalecimento de uma cultura política oligárquica e patrimonialista. Resultados que estariam em pleno desacordo com as principais diretrizes do Plano Nacional de Reforma Agrária, o qual está alicerçado no desenvolvimento sustentável da agricultura familiar e na crítica ao modelo do chamado agronegócio.
1.Usina de açúcar e destilaria de álcool: os piores negócios do mundo
Ao contrário do que parece, uma unidade fabril do setor sucroalcooleiro é um dos empreendimentos mais difíceis de sobreviver em um mercado competitivo. Sem uma série de interferências e de ausências da máquina estatal, bem como várias práticas ecológica e socialmente condenáveis, dificilmente este setor teria sobrevivido no Brasil, notadamente na região Nordeste. Os principais problemas da indústria canavieira têm relação direta com os limites que a própria cana e seus derivados colocam para a sua produção em moldes capitalistas, a saber: 1) a pouca absorção de mão-de-obra durante a fase do plantio, da maturação e do processamento da matéria-prima; e 2) a natureza imediatamente perecível que a cana adquire após a colheita.
A baixa absorção de mão-de-obra na produção de cana-de-açúcar repete-se, em outro patamar e por outras razões, no seu processamento. A natureza essencialmente química da fabricação do açúcar e do álcool impõe um processo de trabalho no qual os operários não entram em contato direto com a matéria-prima, o que torna mais rápido, como em toda indústria química, o processo de diminuição do número de trabalhadores por unidade fabril; isso significa um rápido avanço relativo do capital constante em relação ao capital variável; fato que gera uma diminuição particularmente rápida no valor impregnado em cada unidade dos produtos finais.
O caráter extremamente perecível que a cana-de-açúcar adquire após o corte impede a existência de um comércio mundial desta matéria-prima. Segundo os técnicos mais experientes do setor, atualmente só é economicamente viável a cana plantada até 100 km de distância da unidade fabril em que será processada, o que é determinado pelos altos custos relativos do transporte e pelo caráter perecível do produto. Essa natureza perecível da cana colhida também impede a existência de um mercado nacional e mesmo estadual; o processo de compra e venda desta gramínea acaba sendo realizado num circuito municipal ou intermunicipal. Esse caráter perecível torna também impossível a constituição de estoques. Qualquer usina é obrigada a localizar-se muito próxima dos canaviais e, quase sempre, está territorialmente envolvida por estas plantações.
As singularidades físicas e químicas da planta impõem outras particularidades decisivas para as relações capitalistas no setor. A inexistência de um mercado mundial de cana para abastecer ininterruptamente as unidades fabris e a impossibilidade da constituição de estoques desta matéria-prima que tivesse o mesmo objetivo impõem à parte industrial do setor uma grande diminuição na velocidade de rotação do capital, o que determinará uma tendência de baixa significativa na taxa de lucro. Sabe-se que dois capitais de igual grandeza e iguais taxas de mais-valia e de lucro produzem diferentes massas de mais-valia e de lucro, se tiverem tempos de rotação diferentes. Ou seja, pressupondo duas empresas de mesmo capital, é mais rentável a empresa que fabrica e vende mercadorias todos os dias do que uma empresa que gasta um tempo mais longo entre a preparação e a venda de seus produtos. A primeira empresa faz girar o seu capital circulante (matéria-prima e gastos com mão-de-obra) mais rapidamente e, portanto, mais vezes, o que determina uma maior absorção de mais-valia, uma maior massa de lucro, um menor tempo de amortização do capital e uma maior disponibilidade de liquidez.
Enquanto uma indústria automobilística produz e vende muitos veículos a cada dia do ano, uma usina produz e vende açúcar apenas durante seis meses de cada ano, já que precisa esperar a maturação dos canaviais. Os meses de paralisia somente podem ser compensados pelo aumento das escalas produtivas (mas esse recurso tem limites relativamente estreitos, já que os aumentos de escala também geram externalidades negativas, como o aumento do tempo de amortização do capital) e pela brutal elevação da taxa de mais-valia, entre outros expedientes de graves conseqüências sociais e ambientais.
Para aumentarem sua massa de lucro e continuarem acumulando capital, os usineiros têm utilizado os seguintes expedientes: 1) ampliação das áreas de “cana própria” com o objetivo de amealhar as rendas absoluta e relativa da terra e para tornar frágil a posição dos fornecedores de cana no mercado dessa matéria-prima; 2) aumento contínuo das escalas de produção, com o intento de diminuir o impacto financeiro negativo da baixa absorção de valor por unidade de cana e de produto final, o que implica na multiplicação dos latifúndios e na imposição da monocultura; 3) efetivação de altas taxas de sonegação de impostos estaduais e federais, bem como de retenção ilícita das contribuições para a previdência social; 4) descumprimento de vários artigos fundamentais da legislação trabalhista, com graves prejuízos para a vida profissional dos trabalhadores canavieiros; 5) combinação do uso da mais-valia relativa com a mais-valia absoluta, adquirindo esta última contornos realmente trágicos, expressos nos baixíssimos salários e na alta intensidade do trabalho, com impactos corrosivos para os sindicatos e outras organizações preocupadas com a organização dos trabalhadores agrícolas; 6) descumprimento da legislação ambiental, com o intuito de diminuir os custos de produção, com trágicos resultados para o equilíbrio ecológico; e 7) radicalização da captura das instâncias estadual e municipal da máquina pública e da cultura patrimonialista.
1.2. Setor Sucroalcooleiro e o Capitalismo Periférico em Alagoas
A agroindústria sucroalcooleira alagoana não é a industrialização do campo, é a ruralização da indústria. Constitui-se em um verdadeiro dinossauro econômico; a sua calda agrícola extensiva embarga-lhe o passo, esmaga gerações de trabalhadores alagoanos, atravanca a divisão social do trabalho e inibe o desenvolvimento dos traços mais positivos do capitalismo. Nas condições alagoanas, este setor econômico tem, além disso, o enorme inconveniente de possuir um grande potencial de reproduzir-se por séculos. Isso acontece não porque Alagoas tenha uma vocação genética, cultural ou metafísica para produzir açúcar, mas porque essa agroindústria inibe radicalmente a divisão social do trabalho e, portanto, dificulta muito o surgimento de atividades econômicas que possam superá-la. Há séculos o litoral nordestino, o alagoano em particular, é dominado pelos canaviais e pelo subdesenvolvimento radical que impõem.
Não podemos confundir o desenvolvimento agrícola do capitalismo clássico com o desenvolvimento agrícola do capitalismo periférico. Por exemplo, a grande propriedade agrícola nos Estados Unidos de hoje, que tira vantagens do uso da economia de grande escala, é resultado do desenvolvimento da pequena propriedade rural capitalista, é a expressão de toda uma trajetória progressista e democrática durante a qual criou-se um amplo mercado interno de bens agrícolas, o qual foi decisivo para o barateamento dos alimentos e, portanto, para aumento relativo da renda dos trabalhadores e para a consolidação da mais-valia relativa em detrimento da mais-valia absoluta (como se sabe, a mais-valia relativa é também acionada pelo barateamento dos bens consumidos pelos trabalhadores, que pressupõe o desenvolvimento da produtividade na constituição desses produtos). No caso alagoano, a grande propriedade é a expressão do mais completo atraso, representa a negação do caminho progressista e democrático trilhado pelos Estados Unidos. A economia de grande escala das usinas alagoanas não expressa a modernidade, mas o desperdício em escala aumentada e representa uma enorme muralha que paralisa a verdadeira modernidade capitalista na agricultura; modernidade que se fundamenta na oferta de alimentos a preços constantemente declinantes para os trabalhadores urbanos.
Alguns intelectuais têm utilizado, muitas vezes inconscientemente, a teoria de Lênin sobre o caráter progressista da economia de escala na agricultura para defender o setor canavieiro alagoano. Ora, Lênin se referia a economia de grande escala no contexto do capitalismo clássico e não no seio dos capitalismos prussiano e colonial. O autor de O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia sabia mais do que qualquer outro cientista as enormes diferenças entre o caminho clássico e o caminho não clássico de desenvolvimento da agricultura, tanto que foi quem mais aprofundou as reflexões de Marx e de Engels sobre o tema. Sabia claramente que em um contexto prussiano ou colonial a grande propriedade agrícola era um estorvo para o avanço do capitalismo no campo e em todas as esferas da sociedade. Utilizar de maneira descontextualizada a teoria do líder bolchevique sobre determinadas vantagens da grande propriedade na agricultura é o mesmo que inverter essa teoria e inviabilizar a compreensão adequada das realidades particulares.
Apesar de todas as debilidades econômicas que possuem e de constituírem-se na causa principal do atraso do capitalismo alagoano, as usinas criam fortunas milionárias para os seus proprietários e impõem-se na paisagem com a perenidade das pirâmides. Isso é possível devido à colaboração dos governos federal e estadual e, principalmente, pelo fato de que a sociedade alagoana é essencialmente organizada no sentido de doar todos os seus recursos, de todas as suas esferas, para que essas empresas possam dar a maior massa de lucro possível aos seus proprietários. Por um lado o governo da União, por meio de subsídios generosos, da reserva de parte do mercado exterior (a chamada cota americana) e nordestino para o açúcar alagoano, afasta o máximo possível a concorrência e todos os outros mecanismos de mercado que representem perigo para esses capitais; por outro lado a sociedade e seu aparelho estatal são utilizados por essas empresas como um vasto campo de concentração, no qual podem encontrar ilimitados sacrifícios humanos de toda a ordem e magnitude. Outro suporte básico dessas empresas é a monopolização da renda da terra, ou seja, daquele ganho proveniente não do capital empregado mas do simples fato de deter um monopólio geográfico. Como as propriedades rurais dessas empresas são imensas, grandes parcelas dos seus ganhos são provenientes desse monopólio de largos pedaços da natureza; ganhos que não custam nenhum investimento.
Pela ajuda generosa que historicamente ofereceram ao setor canavieiro, os vários governos federais do passado receberam o apoio de muitos deputados e senadores alagoanos, os quais, em sua maioria, são patrocinados diretamente pelos usineiros e sempre se colocam como fiéis defensores dos interesses desses capitalistas. A maioria da população alagoana, ao contrário, não ganha absolutamente nada por constituir-se em um mero instrumento da lucratividade desses capitais; cada centavo dos lucros das usinas é constituído por cada fato concreto da tragédia social, cultural e política vivida pela maior parte do povo alagoano. Entre outros fatos conhecidos de todos, as fontes de cada partícula dos ganhos monetários da agroindústria canavieira alagoana são as seguintes: 1) a morte das crianças da classe trabalhadora e o seu sepultamento em covas rasas; 2) a inibição do seu crescimento físico e intelectual pela precariedade dos alimentos e pela debilidade dos sistemas de saúde e educação; 3) a velhice precoce de homens e mulheres devido à dureza do trabalho e aos longos períodos de subalimentação e doença; 4) a destruição das culturas popular e erudita e de milhares de novos talentos artísticos, literários e científicos; 5) a precariedade da alimentação que atinge toda as regiões do Estado; 6) a marginalização de todos os valores morais democráticos e humanistas em benefício da prepotência, das hierarquias ilegítimas e do poder econômico; 7) a inexistência de recursos estatais para a constituição de políticas públicas adequadas; 8) a repressão à liberdade de pensamento e de organização sindical e política; 9) a destruição das estradas, do equilíbrio financeiro do sistema energético e de outros elementos da infra-estrutura sob a responsabilidade do estado; 10) o descumprimento das legislações trabalhista e ambiental e o aniquilamento de todos os recursos naturais mais importantes, como as matas, os animais silvestres e as fontes de abastecimento de água potável; e 11) o aproveitamento da desvalorização da moeda nacional frente ao dólar ou ao euro para a ampliação de sua rentabilidade.
As precárias condições de vida que surgem desse modelo econômico tendem a tirar a legitimidade ideológica da burguesia agroindustrial; mesmo gastando muito em várias formas de propaganda ideológica, esta classe está sempre na iminência de ficar desmoralizada e desacreditada diante da opinião pública e da massa popular. O seu domínio, geralmente, sustenta-se muito mais na coerção do que no consenso, ou seja, mais na força bruta do que na sua capacidade de convencer as outras classes sociais das positividades do modelo de sociedade que propõe. Para que evitemos profundos erros teóricos e políticos, é preciso perceber claramente que esta classe social não tem condições objetivas de propor uma alternativa de desenvolvimento menos precário e desumano; as suas debilidades econômicas congênitas empurram-na para uma brutalidade constante e crescente e para o mais radical estreitamento político. Não há qualquer setor progressista, democrático e antiimperialista no seio dessa burguesia agroindustrial. Nenhum membro dessa classe dominante pode propor o progresso, a democracia e defesa dos interesses de Alagoas e da soberania nacional porque essa classe não representa o pólo moderno no nosso Estado, representa a união indissolúvel de um moderno atrasado, em relação ao moderno das regiões mais desenvolvidas do país, com um atraso também mais acentuado do que o atraso dessas regiões. Para esta classe social, combater o atraso seria combater a si mesma, o que certamente não está disposta a fazer. Além de construir, pela utilização da mais-valia absoluta, uma sociedade de miseráveis, a agroindústria alagoana, por seu caráter exportador, cria uma sociedade sem estabilidade econômica, sem mercado interno substancial e carente de qualquer grau significativo de divisão social do trabalho. A atual economia alagoana superou a escravidão, porém conserva ainda, de maneira modernizada, os outros traços da economia alagoana do período colonial; ainda baseia-se na monocultura, na união entre agricultura e indústria e na exportação dos seus principais produtos.
Quando uma empresa vende um milhão de dólares, está trocando, do ponto de vista do valor, “seis por meia dúzia”, ou seja, está trocando um milhão em mercadorias por um milhão em dinheiro; o valor econômico é o mesmo, tendo havido apenas uma mudança na maneira de expressar-se: antes, expressava-se em mercadoria, depois da troca, expressa-se em dinheiro. O lucro das empresas não vem dessa troca de valores iguais; o lucro vem da troca desigual entre os empresários e seus trabalhadores, origina-se no fato de que os trabalhadores oferecem uma mercadoria (sua força de trabalho) que produz muito mais do que aquilo que os capitalistas pagam por ela; o lucro do capitalista vem dessa troca desigual e não da venda ao consumidor. Pelo desconhecimento desse mecanismo e o seu relacionamento com a constituição dos preços, muitas pessoas imaginam que a exportação é a única e principal fonte de riqueza de qualquer formação social. Ora, os países mais desenvolvidos do mundo baseiam sua riqueza no mercado interno e não na exportação. Os EUA e o Japão, por exemplo, não exportam atualmente mais do que quinze por cento de seus produtos; essas nações vêem o mercado exterior apenas como uma válvula de escape para os seus excessos de produção e como um dos mecanismos básicos de controle do valor de suas moedas.
O preço de uma mercadoria oscila em torno do seu valor, mas a estabilização do mercado desta mercadoria tende a igualar valor e preço. Antes de haver a confluência completa entre valor e preço, é possível ganhar ou perder vendendo esta mercadoria acima ou abaixo do seu valor. O setor sucroalcooleiro alagoano dá tanta atenção às exportações pelo fato de que, por meio destas, consegue vender suas principais mercadorias acima do valor contido nelas, o que é possibilitado pelo sistema de câmbio, isto é, pela conexão particular da moeda brasileira com a moeda norte-americana e o euro. Em outras palavras, as trocas econômicas entre dois países, pelo fato de serem muito afetadas por variáveis não-econômicas (taxas, impostos e subsídios) e pela diferença de produtividade nas duas nações, constituem um mercado particularmente afetado pela dificuldade de confluência entre valor e preço. O setor sucroalcooleiro alagoano aproveita esta natureza particular do mercado mundial para auferir um lucro extra que, na maioria das conjunturas, não acontece na mesma magnitude no abastecimento do mercado interno.
Pelo fato de exportar a maior parte de seus produtos, Alagoas entra em um círculo perverso: quanto mais exporta, mais fica dependente de poucos produtos e de poucos mercados e, por outro lado, mais inibe a diferenciação interna da sua economia e mais reproduz o modelo exportador. O Estado ergue, então, o mesmo tipo de economia no qual o Brasil estava submerso antes do processo de substituição de importações, iniciado nos anos trinta. O país exportava café e outros produtos tropicais e importava todos os outros bens que necessitava. É o que ocorre ainda hoje em Alagoas; importamos de outras formações sociais (principalmente de Estados brasileiros) quase todos os produtos industrializados e agrícolas, bem como grande parte dos serviços que necessitamos. Essa situação inviabiliza qualquer desenvolvimento econômico capaz de tornar a economia auto-sustentável e de possibilitar uma melhor distribuição dos recursos econômicos entre as várias classes e setores sociais da população.
Enfim, a grande propriedade agroindustrial é a principal protagonista do atraso da Zona da Mata alagoana. O interior dessas propriedades é um dos locais privilegiados da reprodução da subjugação do historicamente novo pelo historicamente velho e da profunda inércia histórica que é a característica básica desta formação social. A condenação desse tipo de empreendimento e da espécie de capitalismo que pressupõe não é apenas ou principalmente um impulso ético, configura-se no resultado de uma análise apoiada em uma constatação científica que acompanha de perto algumas das mais importantes teorias produzidas pelas correntes progressistas de pensamento existentes no Brasil e no mundo.

2. Cooperativa agroindustrial sucroalcooleira:
todos os males e nenhum benefício

2.1. Quais são as vantagens de uma cooperativa?

Quais seriam as diferenças e identidades entre uma usina administrada por uma cooperativa de trabalhadores rurais e uma usina administrada por capitalistas? Como toda cooperativa em uma sociedade regida pelo mercado, a entidade proposta seria uma espécie de “capitalista coletivo”, contudo com algumas singularidades em relação a uma empresa capitalista tradicional, empresas estas que se distribuem entre as de capital fechado e as de capital aberto. Em relação a uma empresa de capital aberto, qualquer cooperativa possui como principal singularidade o fato de que cada um de seus membros tem a mesma quantidade de poder nas decisões gerenciais. Cada associado representa um voto na assembléia geral e, portanto, as diferenças em termos de número de cotas, ou seja, as distintas quantidades de investimento individual, mesmo que determine diferentes rendimentos, não se expressam em um superior poder de influenciar a gestão. Como se sabe, uma sociedade anônima comporta diversos tipos de ações e os participantes podem enfeixar distintas porcentagens do total desses papéis, isso possibilita diferentes quantidades de poder de gestão e de acesso aos rendimentos líquidos da empresa. Em relação a uma empresa de capital fechado, a cooperativa possui a singularidade de ser um empreendimento igualitário em termos de gestão.
O igualitarismo na gestão, que é da essência de uma cooperativa, determina que esse tipo de empresa seja mais adequado para determinados ramos produtivos e operações econômicas e menos adequado para outros. A igualdade de todos na gestão inibe o interesse dos grandes capitalistas que estão em busca de alta rentabilidade; isso impõe, na grande maioria dos casos, graves limites para o tamanho do patrimônio e para o capital de giro de uma cooperativa, o que vai determinar a sua inadequação aos ramos da economia nos quais os investimentos são mais altos. Uma grande siderúrgica dificilmente pode sobreviver no mercado durante um tempo significativo se for organizada como cooperativa. Na verdade haveria enormes dificuldades até para formar o capital inicial, que é muito grande nesse ramo. Existem exceções a essa tendência, mas são determinadas por circunstâncias muito específicas, de natureza política e de capacidade de obtenção de consenso em torno da visão do sistema de idéias cooperativista.
O sistema cooperativista é eficiente para reunir em um único corpo econômico os pequenos e médios produtores, consumidores e trabalhadores que precisam adquirir ou vender produtos ou serviços, bem como ter acesso mais vantajoso ao crédito. Ou seja, a cooperativa atua bem no sentido de diminuir a concorrência entre os pequenos e médios agentes econômicos no seu confronto cotidiano com os grandes agentes ou no seu contato com as dificuldades infra-estruturais do seu ramo de atividade ou de seu consumo individual. As estatísticas mais recentes sobre o cooperativismo no Brasil comprovam essa maior adequação do sistema cooperativista a essas funções; demonstram também que as cooperativas na agropecuária são mais numerosas do que em outros ramos, seguidas pelas cooperativas de crédito e de trabalho. Outros números da mesma fonte nos informam que a maior parte dessas cooperativas é formada por pequenas e médias empresas. As cooperativas de produção, que abarcam a indústria, têm números pouco expressivos.
2.2. O funcionamento da Agrisa como cooperativa agroindustrial
Pressupondo as características do cooperativismo e da economia mercantil, bem como suas singularidades em Alagoas, como funcionaria uma cooperativa agroindustrial que assumisse as terras e o parque fabril das usinas AGRISA e PEIXA? Como qualquer usina, cada uma dessas empresas seria uma mistura entre agricultura e indústria, contudo teria a singularidade de também se constituir em uma mistura entre agricultura familiar e patronal. As duas mil famílias assentadas seriam gestoras da parte coletiva do projeto, formada pela área agrícola comum (se houvesse opção pela constituição de uma área desse tipo, como ocorreu na usina Catende, no município do mesmo nome, em Pernambuco) e pelo parque industrial, bem como das suas respectiva parcelas individuais. Na medida em que a cana, o álcool e o açúcar são produtos que impõem uma agricultura extensiva e uma produção industrial de grande escala e o cooperativismo não se compatibiliza com esse modelo, a configuração organizacional proposta pressuporia graves problemas de adequação do cooperativismo à parte fabril e aos tipos de mercadorias produzidas.
Haveria também problemas para a consolidação da lógica da agricultura familiar. Já que as parcelas seriam necessariamente muito pequenas, com cerca de sete hectares utilizáveis, e as famílias não poderiam fazer retiradas significativas do lucro do parque industrial sem descapitalizar a empresa, o caráter extensivo da lavoura canavieira, que determina um baixo rendimento por hectare, imporia uma renda agrícola muito baixa para cada família e talvez não as pudesse elevar acima do nível da pobreza, mesmo somando esta renda com a auferida pelos salários ganhos na parte industrial e no trabalho na lavoura comum. A possível coletivização não teria qualquer efeito significativo no sentido de aumentar a renda ou a produtividade, já que a constituição de uma área comum a partir da diminuição das parcelas individuais não teria o condão de multiplicar os rendimentos por hectare e nem diminuir o número de pessoas que precisaria obter rendimentos da mesma área de produção, bem como não representaria nenhuma modificação técnica relevante (pressupondo que as famílias teriam acesso às mesmas condições técnicas para trabalharem suas parcelas).
Um dos problemas mais importantes da fábrica residiria no fato de que o seu capital não poderia ser aberto, isto é, não poderia contar com uma capitalização por meio do mercado de ações. Por outro lado, na medida em que a usina teria que passar vários anos sem distribuir parte substancial do seu lucro líquido com seus gestores, sob pena de tornar-se inviável, e os salários seriam parte decisiva da renda das famílias assentadas, a empresa teria sérios problemas com a rigidez relativa da mão-de-obra, já que tenderia (como ocorre na usina Catende) a ser pressionada a não despedir parte significativa da mão-de-obra agrícola (no caso da existência de uma área comum) e industrial no período da entressafra. Sabe-se que as usinas alagoanas e de outros estados dispensam cerca de metade da mão-de-obra industrial e dois terços da mão de obra agrícola na entressafra; essa dura característica do setor sucroalcooleiro imporia uma grande desvantagem comparativa para a cooperativa agroindustrial proposta.
A falta de capitalização, a rigidez da mão-de-obra e as fortes pressões para a distribuição do lucro líquido da empresa provenientes da baixa remuneração da parte agrícola somar-se-iam às dificuldades de ampliação da massa de lucros típicas do setor sucroalcooleiro para transformar rapidamente a cooperativa numa empresa cronicamente deficitária e ávida por subsídios governamentais cada vez mais freqüentes e abundantes. Essa fome de subsídios seria maior do que a apresentada tradicionalmente pelas empresas privadas do setor, na medida em que as dificuldades econômicas seriam maiores. As pressões sobre as instâncias estatais também seriam mais intensas, já que os argumentos sociais seriam mais fortes do que os comumente utilizados pelos usineiros. Estaríamos diante de um “elefante branco” com a cara dos oprimidos da terra. Enfim, a cooperativa agroindustrial sucroalcooleira proposta não seria competitiva e nem proporcionaria uma elevação substancial do padrão de vida das famílias assentadas. Seria uma espécie de ornitorrinco econômico, capaz de transformar em desvantagens as características mais positivas da grande empresa e as da agricultura familiar.


2.3. Uma Alternativa: cooperativas de produção de frutas, cereais e hortaliças

2.3.1. Introdução e Metodologia
O mercado consumidor de produtos agropecuários no Estado de Alagoas é muito significativo, principalmente nos municípios de Santana do Ipanema, Batalha, União dos Palmares, Palmeira dos Índios, Arapiraca e Maceió. A capital, por exemplo, conta com cerca de 800.000 habitantes. Contudo uma porcentagem muito grande do abastecimento alimentar da população alagoana é suprido por produtos provenientes de outros Estados da Federação. Levando em conta o consumo doméstico e o consumo industrial, Alagoas é auto-suficiente apenas em açúcar, leite, alguns tipos de queijo, manteiga, carne bovina, banana, mandioca e laranja lima. A produção de coco-da-baía, que é suficiente para abastecer o consumo doméstico, não é suficiente para abastecer a fábrica da Sococo, uma das maiores da América Latina. O Grupo Coringa, localizado em Arapiraca, que produz alimentos à base de arroz, milho e mandioca, consumiria em quinze dias de trabalho toda a produção alagoana de milho, se esta tivesse preços competitivos e qualidade suficiente para não ser preterida pelo milho de outras regiões do país. União dos Palmares e Palmeira dos Índios, que são grandes produtores de aves de corte e ovos, também possuem uma demanda de milho incapaz de ser suprida pelos produtores alagoanos.
Temos portanto um amplo mercado de produtos agrícolas que poderia ser suprido pela produção local. Com exceção daqueles produtos cujo clima alagoano não permite a exploração comercial, que constituem uma mínima parte dos produtos consumidos, seria possível produzir com competitividade vários alimentos que hoje são importados de outros Estados e de outros países. A principal vantagem competitiva é o baixo custo do frete para que a produção alagoana de hortaliças, cereais e frutas chegue ao mercado do próprio Estado. Alagoas, uma das unidades da federação com o menor território, está cortada por uma rede de estradas significativa. Por outro lado a existência de três climas bem demarcados nas três mesorregiões do Estado determina a possibilidade da produção dos produtos agrícolas mais diversos. Com base nessa constatação geral sobre o mercado de alimentos, veremos nas tabelas em anexo os números que demonstram as boas condições para a produção de hortaliças, cereais e frutas nas terras a serem desapropriadas.
Antes de entramos na análise das tabelas, é necessário apresentarmos as fontes e a metodologia empregadas. As principais fontes foram o IBGE (Censo Agropecuário e PAM - Pesquisa Agrícola Municipal) e a EMBRAPA (as estatísticas sobre hortaliças no Brasil, baseadas em dados da FAO), bem como o estudo sobre o mercado de hortaliças no Maranhão elaborado por uma empresa de consultoria. As fontes organizadas pelo IBGE não trazem dados sobre o rendimento das hortaliças, nem informações (principalmente área colhida e produção total) a partir dos quais calcularmos este rendimento. O Censo Agropecuário traz informações apenas sobre quatro hortaliças e nem para essas é possível calcular o rendimento. A PAM sequer trata desses produtos. Encontramos no site da EMBRAPA, em artigos de revistas especializadas e em outros estudos esparsos (como o que trata do mercado de hortaliças no Maranhão) os rendimentos médios no Brasil das principais hortaliças. Não foi possível encontrar dados sobre o rendimento médio dessas hortaliças em Alagoas, inclusive porque muitas delas nem são produzidas no Estado. Alguns dados sobre rendimento no Brasil são mais precisos; são datados do ano de 2003. Os dados menos precisos, mas confiáveis, como o rendimento médio de determinadas hortaliças não contempladas pelas estatísticas da EMBRAPA, não têm data precisa; apesar disso, procuramos tomar as estimativas dos estudos mais recentes. Não há, portanto, perigo de estarmos trabalhando com rendimentos muito defasados.
As tabelas são organizadas para correlacionar as dimensões macro e micro do mercado de hortaliças, cereais e frutas em Alagoas. Isso implica, naturalmente, na inclusão de números sobre o Nordeste e o Brasil, para que seja possível aquilatar a competitividade da eventual produção local. Cada tabela inicia-se com um balanço do suprimento em Alagoas de cada produto escolhido. O consumo total alagoano é calculado a partir do consumo médio anual por habitante (Pesquisa de Aquisição Alimentar 2003 - IBGE) multiplicado pela população alagoana. O total da produção alagoana por produto foi tirado da PAM de 2003. Segue os rendimentos agrícolas de Alagoas (dividido em suas três mesorregiões), do Nordeste e do Brasil. A distinção por mesorregião é importante devido às suas diferentes condições climáticas e de solo, que são mais adequadas para determinadas lavouras. Como já afirmamos, não apresentamos os rendimentos para Alagoas (e para o Nordeste) de várias hortaliças por falta de dados. Após esse item, as tabelas (no que se refere aos produtos para os quais temos informações) trazem a área plantada e a área colhida em Alagoas. Essas informações são decisivas para aquilatarmos o grau de estabilidade de suprimento dos produtos considerados. Por essa via, percebemos, por exemplo, que o milho e o feijão em Alagoas foram colhidos em menos da metade das áreas nas quais foram plantados. O que revela uma profunda fragilidade em suas cadeias produtivas. O outro item refere-se ao valor por tonelada, por kg e o valor produzido por hectare, bem como ao valor total da produção (ou seja, a soma dos valores recebidos por todos os produtores). Naturalmente, cada um dos três primeiros elementos citados é obtido por meio de determinada relação entre o valor total produzido e área colhida. Por último, as tabelas trazem, para aqueles produtos cuja produção local não supre completamente o consumo, o número de hectares que seriam necessários para o suprimento do mercado alagoano.

2.3.2. Análise das Tabelas
As quatro tabelas (tabelas 1, 2, 3 e 4) relativas ao tema foram constituídas de tal forma que pudessem apresentar os três principais tipos de relação entre o consumo e a produção alagoana. A tabela 1 apresenta exemplos de produtos consumidos e não produzidos localmente. As duas tabelas seguintes apresentam alguns dos principais produtos consumidos, mas insuficientemente produzidos em Alagoas. Os dados sobre esses produtos foram separados em duas tabelas para diferenciarmos os produtos para os quais tivemos acesso a dados completos dos produtos para os quais não encontramos todos os dados necessários, principalmente o rendimento agrícola, a produção total e a área colhida no Estado e no Nordeste. A tabela 4 expõe alguns dos principais produtos que têm o consumo suficientemente coberto pela produção local.
A análise da tabela 1 demonstra que Alagoas não produz cinco dos produtos mais importantes do mercado agrícola: tomate, cebola, batata-inglesa, melão e uva. Os três primeiros são produtos essenciais na cesta básica e os outros dois são significativos para a população que tem um poder de compra mais alto. Todos são plantados no Nordeste com um rendimento superior ao brasileiro, o que revela as boas possibilidades para que sejam explorados pelos agricultores alagoanos. Isto é, a insuficiência de sua produção não é determinada por um problema de inaptidão do clima e do solo local, na medida em que os outros Estados nordestinos de condições naturais parecidas produzem-nos em grande escala e com competitividade. É impressionante o fato de que, apesar de possuir condições naturais propícias, Alagoas não plante e comercialize produtos de tão alto faturamento por hectare. Três dos produtos citados possibilitam um faturamento situado 11 e 14 mil reais (pressupondo o rendimento nordestino); os dois restantes, o melão e a uva, apresentam um faturamento de 21 e 43 mil reais, respectivamente. Para se ter um bom parâmetro de comparação desses faturamentos, é importante observar a cana-de-açúcar colhida em Alagoas no ano 2003 possibilitou um faturamento localizado entre 2.000 e 2.500 reais por hectare, dependendo da produtividade do município considerado.
No que se refere às terras das antigas usinas AGRISA e PEIXA, os dados da tabela comentada e informações agronômicas que tivemos acesso apontam para a possibilidade de as famílias assentadas plantarem melão, tomate, cebola e batata-inglesa e, sob determinadas condições, seria possível explorar até mesmo a uva. Naturalmente o aproveitamento dos produtos referidos pressupõe um grande aporte tecnológico, o qual será necessário criar por meio de um sistema formado pelo o Governo Federal, o Governo do Estado, os Municípios e a sociedade civil. A ausência desse esforço de desenvolvimento tecnológico tem sido uma das principais causas da não exploração desses produtos em solo alagoano, o que por sua vez é um fato determinado pela hegemonia política, econômica e ideológica das grandes propriedades produtoras de cana-de-açúcar.
A tabela 2, uma das que apresentam os produtos insuficientemente abastecidos pela produção alagoana, mostra que o pimentão e o inhame possuem porcentagem significativa (38,85 e 81,16%, respectivamente) do seu consumo suprida pela produção de Alagoas. Os outros produtos (pepino, beterraba e cenoura), igualmente decisivos na cesta básica, têm uma porção mínima de suprimento local. Como já afirmamos, essa tabela está incompleta em relação à anterior. Apesar disso, se usarmos os dados de rendimento do Brasil, podemos ver que é bastante alto o faturamento por hectare desses produtos (média de 6.600 reais), quando comparado ao faturamento das lavouras da cana-de-açúcar, do feijão, do milho e do arroz, que ocupam áreas significativas em Alagoas.
Organizamos a tabela 3 de forma a sublinhar as características específicas de três grupos de produtos. O primeiro grupo é formado pelo arroz, o milho e o feijão; estes são os produtos básicos entre os básicos, já que a maior parte da energia consumida pela população em forma de alimentos é proveniente deles. Pelas suas próprias características, os cereais têm a função de esteio energético em quase todas as nações. No Brasil, o feijão, mesmo não sendo um cereal, também passou a ser uma das colunas da alimentação, principalmente no Nordeste, onde disputando espaço com a mandioca (consumida, como se sabe, principalmente em forma de farinha). O arroz tem uma penetração nacional, enquanto o milho é muito mais presente no Sul e no Sudeste do país. O segundo grupo é formado por três frutas tropicais: o mamão, a melancia e a goiaba. São três das principais frutas consumidas no Brasil e possuem um bom faturamento por hectare. O último conjunto é formado apenas pela castanha de caju, produto de alta rentabilidade quando destinado ao mercado internacional e pouco ofertado no mercado local.
A análise do primeiro grupo demonstra, inicialmente, que há um déficit muito significativo (cerca de 50%) entre a área plantada e a área colhida de feijão e de milho, revelando sérios problemas nessas lavouras. O déficit não é um acidente, os dados do IBGE demonstram que este fenômeno repete-se todos os anos. Esses produtos são explorados principalmente no Sertão e no Agreste. Não temos elementos suficientes para explicar o fenômeno, mas talvez esteja relacionado com a seca (na área produtiva do Sertão), as pragas e as dificuldades de armazenamento e comercialização. Seja como for, no que toca as esses alimentos, Alagoas somente produz um quarto do que consome. Para piorar a situação, o rendimento por hectare dos dois produtos é uma dos mais baixos do país.
É importante sublinharmos que o consumo de milho que apresentamos na tabela (37.000 t) é o resultado da soma do consumo in natura do cereal, que é relativamente pequeno (6.420t), com o milho necessário para fabricar as toneladas consumidas de flocos e fubá de milho. Por não termos encontrados os dados necessários para o cálculo, deixamos de lado o milho necessário para suprir a avicultura alagoana, instalada principalmente nas cidades de União dos Palmares e Palmeira dos Índios. Contudo é relevante acrescentar que a Secretaria de Agricultura e Pesca do Estado de Alagoas estima em 50 mil toneladas o consumo total de milho. Como o feijão não costuma ser industrializado no Estado (e, mesmo no Brasil, a industrialização é insignificante), o consumo in natura coincide com consumo total.
No caso do arroz, há uma constatação positiva e uma negativa. Alagoas tem um rendimento por hectare muito mais alto do que os rendimentos do Nordeste e do Brasil e, por outro lado, produz apenas 27% do arroz que sua população consome. Não estamos levando em consideração o consumo industrial do arroz, principalmente aquele que é usado como matéria-prima pelo Grupo Coringa. É impressionante o fato de que o Estado que tem as melhores condições naturais para a cultura do arroz tenha que importar dois terços deste cereal de outras unidades da Federação.
Ainda na tabela 3, apresentamos o resultado do cálculo da área necessária a ser explorada com esses três produtos para que o consumo alagoano seja suprido pela produção local. Constatamos que a área necessária é maior que a área colhida existente. Os números são muito expressivos, principalmente no que se refere ao milho e ao feijão. A soma das áreas necessárias dos três produtos chega a 139 mil hectares; número que respalda bem a tese de que o suprimento local do consumo alagoano implica na diminuição significativa da área ocupada pela monocultura da cana-de-açúcar. O outro grupo de produtos considerados na tabela não precisa de áreas tão grandes, mas podem ser muito importantes para um projeto específico, como o que estamos planejando para as terras das antigas usinas AGRISA e PEIXA, já que têm um faturamento bastante significativo por hectare.
O caso da castanha de caju é, na realidade alagoana, muito particular e por isso merece ser tratado com mais detalhes. Observemos, inicialmente, que o rendimento por hectare da Leste Alagoano (1.250 kg/h) é três vezes maior do que o rendimento do Ceará (300kg/h), que é o maior produtor e exportador brasileiro. Segundo informações que obtivermos, a produtividade alagoana pode alcançar 2.000kg/h, ou mais, com facilidade. Se considerarmos o atual preço atual do quilo da castanha no mercado externo (4,4 U$) e a solidez da demanda do produto, chegamos à conclusão de que a exploração da castanha no Leste Alagoano seria um empreendimento bastante rentável e com potencialidade de ocupar produtivamente milhares de hectares.
Se fizermos um cálculo considerando o rendimento alagoano de hoje e o preço pago pela castanha no mercado internacional, o faturamento por hectare e a rentabilidade dessa lavoura seriam impressionantes, quando comparados com os outros produtos já mencionados, com exceção da uva. Pode-se objetar que o preço da castanha no mercado internacional não seria o mesmo pago ao agricultor, mas essa objeção deve ser respondida com a afirmação de que os próprios lavradores podem beneficiar a sua produção por meio de fábricas organizadas em regime de cooperativa. Como veremos detalhadamente adiante, a principal desvantagem da produção da castanha se relaciona com a possibilidade de reprodução da lógica da monocultura, o que poderia ser evitado por meio de um pacto entre o Estado e a sociedade civil em torno da administração racional dessa cultura.
Finalmente, a tabela 4 expõe os produtos básicos que são suficientemente supridos pela produção alagoana. Entre esses produtos, há aqueles que são explorados com o objetivo principal de suprir o mercado interno (mandioca, manga e batata-doce) e aqueles que são plantados e beneficiados para a exportação, ou seja, para outros Estados da Federação (laranja e banana) ou outros países (maracujá e abacaxi). O maracujá e o abacaxi são produzidos principalmente na Cooperativa Pindorama, localizada entre Coruripe e Penedo, e só uma pequena parte da sua produção deve chegar à mesa do alagoano. A laranja produzida em Alagoas tem o inconveniente de ser de uma única espécie (lima), enquanto nosso mercado demanda também outros tipos. Isso não ocorre, felizmente, no caso da banana, cujo consumo de todos os seus principais tipos é suprido pela produção local.
O consumo total da mandioca foi obtido, de modo análogo ao do milho, por meio da soma do seu consumo in natura e em forma de farinha. Isso se justifica porque o consumo in natura é tão pequeno em relação aquele em forma de farinha que, caso levássemos em conta apenas o primeiro, chegaríamos a uma representação bem distante da realidade. Em 2003, o consumo de mandioca foi de 8.490 toneladas e o de farinha de 33.702 toneladas. Considerando o aproveitamento atual de uma tonelada de mandioca quando beneficiada (250 kg de farinha), chegamos à conclusão de que o consumo da raiz e da farinha em 2003 demandou 134.808 toneladas de mandioca. Em contrapartida, foram produzidas nos mesmo ano 181.181 toneladas dessa raiz, o que dá uma sobra de 46.373 toneladas. Esses números demonstram que o Estado tem auto-suficiência no que se refere a esse produto e ainda exporta para outras unidades da Federação uma porcentagem significativa de sua produção.
A batata-doce, mesmo sem ter a enorme presença da mandioca, é plantada na microrregião da Mata Norte e a sua produção supre o mercado local de um dos alimentos mais típicos da culinária alagoana, principalmente nas cidades da zona rural do Leste Alagoano e do Agreste. Palmeira dos Índios e União dos Palmares produzem alguma manga em um esquema mais racional, o resto dos municípios parece aproveitar mangueiras esparsas, localizadas nos quintais e plantações de outros produtos. Isso implica no fato de que a qualidade do produto, bem como a sua variedade, deixa bastante a desejar.

2.3.3. Conclusões e Projeções
As tabelas comentadas trazem-nos dados capazes de levarmo-nos a conclusões muito relevantes sobre a questão do abastecimento em Alagoas e relativas às possibilidades dos novos assentamentos que serão implantadas nas terras das antigas usinas AGRISA e PEIXA. Uma primeira conclusão importante é a de que, se excetuarmos a área necessária para que a produção de arroz, feijão e milho supra o consumo alagoano, a área a ser ampliada para a produção local dos outros produtos da cesta básica ultrapassa pouco os 2 mil hectares, o que, a título de comparação, representa a mesma área ocupada por dez grandes fazendas canavieiras (de 240 hectares). Pela pouca área que precisam ocupar para satisfazer as necessidades dos alagoanos, a exploração desses produtos não requer o questionamento prático do modelo monocultor e latifundiário do Leste alagoano, embora implique numa denúncia teórica desse modelo; a sua não exploração nas dimensões necessárias relaciona-se a outras variáveis, como a inexistência em Alagoas de um aparato tecnológico que dê suporte a essas lavouras e à pequena dimensão do mercado de consumo alagoano, que faz os detentores de grandes capitais preferirem produzir cana, açúcar e álcool para os muito elásticos mercados internacionais desses produtos (além de pagarem em dólar). A situação é diferente quando levamos em conta o milho e o feijão, pois requerem grandes espaços para ampliarem suas áreas colhidas de maneira suficiente, os quais necessariamente seriam disputados à lavoura canavieira.
O quadro abaixo sumariza os números que embasam essas considerações. Pode-se perceber que a área para o arroz, o feijão e o milho abarca 98,50% da área que necessita ser implantada. Por outro lado, é fundamental sublinhar que a área necessária total, que é de 141.080,76 hectares, que seria localizada majoritariamente no Leste Alagoano, representa 33,6% da área ocupada atualmente pela lavoura canavieira. Outro aspecto muito relevante encontra-se no fato de que a área existente ocupada com lavouras voltadas para o mercado interno teria que ser aumenta 257% para suprir o consumo do Estado. Isso revela um grande atraso no desenvolvimento da divisão social do trabalho, que é uma das principais características do capitalismo periférico em Alagoas.


Quadro 1


É decisivo refletirmos sobre as condicionantes do preço (principalmente impostos, taxas, condições naturais e fretes) e sobre a origem dos produtos agropecuários importados pelo Estado (que releva o leque de concorrentes dos produtos plantados em solo alagoano), bem como detalharmos algumas características singulares do consumo local de produtos da cesta básica.

O alagoano está entre os brasileiros que consomem menos alimentos e as famílias do Estado ocupam o primeiro lugar entre aquelas que afirmam ter dificuldade de acesso aos alimentos necessários. O consumo per capita em Alagoas é 78,5 % do consumo paulista, 83,6% do consumo baiano e 76,4% do consumo brasileiro (POF/2003). Isso se explica pelas diferenças de renda média, de preço e qualidade dos produtos entre os Estados brasileiros. O alagoano tem menos dinheiro para gastar, o que freia o seu consumo de alimentos e de outros itens (apesar de a cesta básica alagoana está entre uma das mais baratas do Brasil; mas o que conta mesmo é a relação entre o preço desta cesta e a renda disponível para adquiri-la, ou seja, o decisivo é o poder de compra do consumidor e não o nível dos preços em si); por outro lado a baixa qualidade relativa de vários produtos que são importados de outros Estados (como as frutas tropicais e várias hortaliças), principalmente devida às longas distâncias que percorrem (as frutas precisam ser colhidas ainda muito verdes e as verduras acabam se machucando na viagem), poda o seu impulso de ampliar os gastos com alimentos em detrimento de outros.
Desse modo, para sermos rigorosos em nossos cálculos sobre a área a ser plantada, seria preciso levar em conta as possibilidades de aumento de consumo no curto e médio prazo. Esse aumento poderá ser causado pela expansão da renda dos pobres, principalmente via programas de transferência de recursos patrocinados pelo Governo Federal e pela diminuição do preço e melhoria da qualidade que uma produção local pode provocar. Na medida em que o menor consumo alagoano em relação ao brasileiro incide na grande maioria dos produtos alimentares, podemos projetar com alguma razoabilidade que a área necessária para suprir este aumento de consumo gira em torno de 25% da área necessária para suprir o consumo alagoano atual. Contudo esse cálculo precisa ser feito com mais vagar, em um momento posterior da reflexão sobre o assunto.
Não podemos subestimar o papel dos problemas da oferta no baixo consumo relativo do alagoano. Os produtos provenientes de outros Estados não enfrentam barreiras causadas por taxas e impostos (já que um dos componentes da famosa guerra fiscal entre os Estados brasileiros é a prática de quase todos isentarem seus produtos agrícolas de ICMS), mas os produtos não nordestinos, devido às grandes distâncias, têm incorporado aos seus preços um frete tão caro que inviabiliza a sua venda no Estado. Dependendo do caso, o frete pago por um agricultor paulista para transportar o seu produto para Alagoas encarece de 30 a 65% o preço final. Isso torna inviável a exportação para Alagoas da maior parte dos produtos agropecuários de Estados que estejam localizados em outras regiões do país. O problema principal é que o faturamento por tonelada da maioria desses produtos fica bem próximo do custo do frete por tonelada. Desse modo, o abastecimento de Alagoas só pode ser feito, essencialmente, pelos Estados de Pernambuco, Sergipe, Paraíba e Bahia. Portanto, do ponto de vista dos impostos, os produtores alagoanos não têm vantagens comparativas em relação aos produtores de outras unidades da Federação que desejem abastecer o mercado de Alagoas, a grande vantagem comparativa dos produtores alagoanos refere-se ao frete, seus produtos não incorporam os caríssimos fretes das viagens interestaduais.
Tudo isso nos leva a concluir, quando pensamos sobre as alternativas produtivas para as os assentamentos nas terras das antigas usinas AGRISA e PEIXA, que é viável projetar uma área plantada com o objetivo de aproveitar as vantagens comparativas da produção local (além do frete, temos a vantagem de precisar colher os produtos em períodos mais próximos de sua maturação, o que melhora muito a sua qualidade), contudo é necessário constatar que essa espécie de área não é extensa o suficiente para abarcar a maior parte da área disponível. Será necessário projetarmos uma área com esses mesmos produtos com o objetivo de disputar mercados no nível regional (principalmente os de Sergipe, Bahia, Pernambuco e Paraíba). E também será preciso ocupar uma parte da área com produtos de exportação alternativos à cana-de-açúcar. Essas áreas podem ser dividas em termos de risco, entre outras clivagens. A produção para o mercado alagoano tem o menor risco, enquanto que a produção para o mercado exterior tem o maior; mas isso pode ser diferente, dependendo dos produtos que forem exportados, já que existem mercados bem sólidos para determinados gêneros tropicais, como é o caso da castanha.
Na medida em que o conjunto das famílias assentadas teria direito a plantar em 13 mil dos 20 mil hectares desapropriados (os 7 mil hectares restantes constituiriam as áreas de preservação ambiental e reserva legal), chegamos à conclusão de que a área a ser ampliada para atingir o pleno suprimento local dos produtos alimentícios da cesta básica, com exceção do milho, do feijão e do arroz, poderia ocupar 2.500 hectares, que representa cerca de 20% da área disponível. Considerando parcelas que só explorassem esse tipo de produto, o que é apenas uma das possibilidades, essa área ocupada daria rendimentos líquidos médios de 1.200 reais por família. Contudo, das 2.000 famílias assentadas, somente 357 famílias estariam com os seus problemas de emprego e renda equacionados. Restariam ainda 1.643 famílias.
Essas famílias restantes, ocupando uma área de 10.500 h, sempre pressupondo que as parcelas explorassem uma única fatia de mercado, teriam que ser divididas entre aquelas que explorariam os produtos da cesta básica para competir no mercado regional e aquelas que explorariam produtos de exportação para outros países, principalmente a castanha de caju. A dimensão das áreas totais desses dois tipos de exploração somente pode ser calculada em outro momento de nossa reflexão sobre o tema, já que requer um tempo de pesquisa que não dispomos. Contudo, podemos salientar que a exploração de produtos para competir no mercado nordestino é viável, mesmo que mais arriscado que a exploração dos outros dois mercados mencionados. Mesmo com relativamente poucos investimentos, o rendimento do cajueiro é tão alto no Leste Alagoano, o mercado internacional é tão sólido e os concorrentes brasileiros têm rendimentos tão baixos que a exploração da castanha de caju nos assentamentos parece ser o melhor negócio possível, pelo menos em termos de renda líquida média por família. Por outro lado, mesmo sendo muito segura e rentável, a exploração da castanha para o mercado internacional tem o risco de promover a constituição de uma nova monocultura em parcelas significativas do Leste Alagoano. Contudo esse problema pode ser contornado por meio de um pacto entre as várias instâncias do Estado e da sociedade civil no sentido de administrar politicamente a exploração da castanha, com o objetivo de obrigar a sua produção a limitar-se a uma determinada área e a enquadrar-se em um modelo de agricultura social e ecologicamente sustentável.
Com base nos números das tabelas apresentadas no anexo, podemos perceber que a necessidade de introduzir uma área significativa de produtos de exportação para o mercado internacional, que implica no risco de construir uma nova monocultura, tem relação com o tamanho relativamente reduzido das parcelas que estarão disponíveis para cada família. Se essas parcelas tivessem o dobro de hectares, a maioria das famílias poderia plantar aqueles produtos que são a base da alimentação dos alagoanos (o milho, o arroz e o feijão) e cuja exploração é decisiva para constituir as bases da segurança alimentar e do desenvolvimento de uma agropecuária moderna, já que voltada essencialmente para o mercado interno e capaz de estabelecer uma densa rede entre a agricultura, a pecuária e o beneficiamento dos alimentos. A cadeia do milho é fundamental em qualquer sociedade contemporânea. A exploração suficiente de milho ativa a indústria de produtos alimentares, a avicultura e a suinocultura e, na seqüência, estimula o beneficiamento das carnes dessas duas atividades. Isso cria um círculo virtuoso entre produção de milho, aumento do valor agregado, da qualidade dos alimentos, dos empregos e da renda. Algo parecido ocorre com o arroz, que também é capaz de aumentar os empregos e provocar o surgimento de fábricas de beneficiamento e de produtos alimentícios derivados. O feijão, por sua vez, mesmo não tendo a possibilidade de ser usado como ração animal, tem um papel tão importante na alimentação do alagoano que qualquer melhoria no seu preço e ampliação da sua área colhida implica em grandes conseqüências positivas em termos de empregos e renda.
Seria importante mencionar que a três áreas de exploração referidas poderiam ser espalhadas em porcentagens em cada uma das parcelas, respeitando evidentemente os tipos de solo e outras condições naturais. Isso poderia aumentar a diversidade biológica das parcelas e nivelar os riscos e a renda de todas as famílias envolvidas no projeto. Outra medida importante seria o consórcio das culturas mais comerciais com as culturas mais usadas para o consumo da própria família, como o milho, o feijão e o arroz (o arroz somente seria viável nas várias parcelas que possuem área das várzeas dos vários rios da região de Joaquim Gomes, Flexeiras e São Luís do Quitunde). O excedente dessa produção de subsistência poderia ser comercializado, o que também faria aumentar a renda líquida da família. Por outro lado, devido à existência de vários pequenos rios perenes na região, a piscicultura poderia ser uma alternativa muito importante, principalmente devido ao fato de ser achatado o consumo de pescados em Alagoas pela grande deficiência na oferta de peixe e camarões frescos. Por fim, não podemos esquecer os vários recursos existentes nas áreas de proteção ambiental e reserva legal (sete mil hectares) que podem ser explorados de maneira sustentável, principalmente o mel e outros produtos silvestres.
Enfim, essas são as conclusões que pudemos chegar com os recursos e o tempo que dispomos.
1. Não é viável a constituição de uma cooperativa agroindustrial para produzir cana, açúcar e álcool nas terras das antigas usinas AGRISA e PEIXA, pelo menos no contexto no social, econômico e político no qual foram desapropriadas. Devido à pequena dimensão das parcelas, o baixo faturamento da cana por hectare e a rigidez da mão-de-obra provocada pela inadequação da forma cooperativa para uma usina ou uma destilaria, a constituição de uma cooperativa desse tipo repetiria os graves defeitos que se pode constatar na Cooperativa Harmonia (que administra a usina Catende) e significaria a construção de um verdadeiro “elefante branco”, com prejuízos para todas as partes envolvidas no projeto. A Cooperativa Pindorama, que ainda não moeu cinco safras, é sempre bom lembra isso, possui condições muito diferentes daquelas existentes na Cooperativa Harmonia e das que existiriam numa cooperativa sucroalcooleira constituída nas antigas usinas AGRISA e PEIXA. As principais diferenças encontram-se no tamanho dos lotes e na ausência de rigidez da mão-de-obra em Pindorama, além da sua sólida infra-estrutura constituída em décadas de apoio financeiro nacional e internacional a fundo perdido. Em Pindorama, os lotes possuem entre 20 e 30 hectares e a mão-de-obra é assalariada; isso significa uma renda líquida alta por lote e a não existência da rigidez de mão-de-obra no campo e na parte industrial. O modelo de Pindorama não se aplica às condições que existiriam numa cooperativa constituída antigas usinas AGRISA e PEIXA, pelo menos no contexto em que foram desapropriadas, ou seja, com um número de demandantes que impõe lotes de 7 hectares por família e, devido a isso, a impossibilidade de usar outros trabalhadores a não ser aqueles integrantes das próprias famílias assentadas, o que gera necessariamente a referida rigidez de mão-de-obra.
2. A melhor alternativa seria a constituição de várias cooperativas articuladas para explorarem o plantio, o beneficiamento e a venda de produtos agropecuários e de origem animal, com exceção da cana, do açúcar e do álcool (pelas razões expostas acima). Essas cooperativas poderiam ser divididas por produto, movimento social ou por fatia do mercado a ser explorada. Na medida em que cada faixa do mercado implicaria em riscos e rentabilidade diferentes, seria importante que cada parcela fosse composta por produtos destinados a mercados distintos, evitando que algumas famílias ficassem sobrecarregadas com determinados riscos e outras privilegiadas com uma renda mais alta. Essa verdadeira engenharia social implicaria em uma série de pactos decisivos entre as varias instâncias estatais, os movimentos que lutam pela reforma agrária e outros setores da sociedade civil preocupados com a resolução da questão agrária em Alagoas.

3. Referências Bibliográficas

ANDRADE, Manuel C. de. Usinas e destilarias de Alagoas: uma contribuição ao estudo da produção do espaço. Maceió: EDUFAL, 1997.
CARVALHO, Cícero P. de. Análise da reestruturação produtiva da agroindústria sucro-alcooleira alagoana. Maceió: EDUFAL, 1998. (Série Apontamentos, 42).
CARVALHO, Cícero P. de. Pindorama: a cooperativa como alternativa. Maceió: EDUFAL, 2005. (Série Apontamentos, 50).
HEREDIA, Beatriz A. Formas de dominação e espaço social: a modernização da agroindústria canavieira em Alagoas. São Paulo: Marco Zero; Brasília, DF: MTC/CNPQ, 1988.
IANNI, Octávio. Origens agrárias do Estado brasileiro. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.
LIMA, Araken A. A agroindústria canavieira alagoana: da criação do IAA a desregulamentação na década de 1990. Campinas: Instituto de Economia/UNICAMP, 1994. (Dissertação de Mestrado).
LIMA, Araken A. de. A crise que vem do verde da cana: uma interpretação da crise financeira do Estado de Alagoas no período 1988-96. Maceió: EDUFAL, 1998. (Série Apontamentos, 30).
MELLO, Paulo D. A. Reestruturação produtiva na atividade canavieira: ação sindical e dos movimentos sociais rurais em Alagoas a partir de 1985. Recife: Departamento de Ciências Sociais/UFPE, 2002 (Tese de Doutorado).
SZMRECSÁNYI, Tamás. O planejamento da agroindústria canavieira do Brasil: (1930-1975). São Paulo: HUCITEC/UNICAMP, 1979.
UFSCAR – UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. A competitividade do sistema agroindustrial da cana-de-açúcar e novos empreendimentos viáveis baseados na utilização de matérias-primas originadas da cana-de-açúcar e seus derivados. São Carlos/SP: UFSCAR/CNI/IEL/SEBRAE, 2004. (Relatório de pesquisa)
Crise na Assembléia e Limites Políticos da Sociedade Civil Alagoana

(Golbery Lessa, historiador)

Em fevereiro do presente ano, a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) que abriu a possibilidade do retorno à casa de Tavares Bastos dos deputados estaduais afastados pela Justiça teve o efeito de despertar na sociedade civil maior vigor na busca de novos caminhos para a mobilização referentes à mudança da cultura política local. A postura anterior das várias entidades reunidas no Movimento Contra a Criminalidade e a Corrupção (MSCC) baseava-se no elitismo, num exagero na moderação prática e ideológica (algo fora do lugar num contexto de emergência política e ética) e no excesso de confiança no discurso jurídico (como se este fosse suficiente e o único pertinente). O esperado golpe da atual ilegítima mesa diretora de não instalar os trabalhos legislativos do ano de 2009 no dia marcado para uma significativa manifestação popular foi respondido, brilhantemente, com o contragolpe da ocupação do plenário e a instalação simbólica de uma “Assembléia Legislativa Popular”, contundente recado sobre a possibilidade real de um afastamento irreversível entre os poderes constituídos e a sociedade civil, com ocorreu em 17 de julho de 1997. Contudo, ainda há um logo caminho a percorrer para que os alagoanos encontrem forças suficientes para renovar o Poder Legislativo estadual e as suas práticas políticas. Será necessária principalmente uma profunda autocrítica do campo progressista.
Por quais motivos a sociedade civil não está conseguindo mobilizar-se com eficiência e efetividade contra as presumidas ilegalidades (mesmo respeitando o princípio do contraditório e sem querer julga no lugar da Justiça, temos o direito de dizer que existe uma montanha de indícios) praticadas na Assembléia Legislativa? As limitações políticas e ideológicas da mobilização popular estão expressando as limitações da sociedade civil alagoana na presente etapa de seu desenvolvimento, particularmente dos trabalhadores sindicalizados mais atuantes e dos setores empresariais “não-canavieiros”. Essas limitações têm relação com a configuração particular das classes sociais no Estado e a história das idéias e das práticas políticas locais. Deixemos os setores empresariais referidos para um artigo futuro e analisemos o outro sujeito social citado.
Os trabalhadores até agora mobilizados estão reunidos principalmente em entidade de funcionários públicos municipais, estaduais e federais, além de estarem nos movimentos de luta pela terra, cujos membros formam a massa disposta às ações mais contundentes e o grosso das passeatas. Segundo o site do MSCC, o movimento teria sido fundado pelos seguintes sindicatos e entidades: Sindicato dos Policiais Rodoviários (SINDPRF), Sindicato dos Servidores do Judiciário Federal e MPU (SINDJUS), Sindicato dos Urbanitários, Sindicato dos Trabalhadores em Seguridade Social (SINDPREV), Sindicato dos Servidores Públicos de São Miguel dos Campos (SIMESC), Sindicato dos Médicos, Sindicato dos Taxistas, Sindicato dos Trabalhadores em Educação (SINTEAL), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Ordem de Advogado do Brasil – AL. Vê-se que o grosso das entidades fundadoras do movimento é formado de funcionários públicos, principalmente federais, secundados pelos servidores estaduais (urbanitários e trabalhadores na educação). Esse perfil manteve-se inalterado até o presente momento (junho de 2009); basta ver que os “deputados populares” escolhidos simbolicamente durante a ocupação do plenário foram, na maioria, os dirigentes das entidades apontadas e uma minoria de lideranças dos movimentos agrários. O grosso dos trabalhadores do setor privado, a maioria dos trabalhadores da capital e do interior, e suas entidades representativas estiveram ausentes; essa ausência tem tido um impacto decisivo nos rumos práticos e ideológicos do movimento. Por quê? Porque sem diálogo e aliança com os trabalhadores do setor privado o sindicalismo dos funcionários públicos tende a projetar alguns limites estruturais de sua natureza nas práticas e na subjetividade dos movimentos políticos dos quais participa.
Os principais limites do sindicalismo no serviço público são os seguintes: 1) a estabilidade no emprego, arma necessária contra o clientelismo, modifica bastante o significado da greve e de outros atos de rebeldia da força de trabalho; a greve torna-se burocrática e destituída do caráter épico que tem no setor privado, onde existe a angustia pela possibilidade de perder o emprego, o ódio natural contra os pelegos, a vigilância radical dos acordos feitos pelas lideranças, entre outros dilemas; o caráter rotineiro da greve no serviço público cria espaço para um sindicalismo marcado pela moderação, o desleixo com o debate fundamentado de questões mais amplas e a supervalorização política das ações judiciais; essas circunstâncias geram a perpetuação das mesmas lideranças, dificuldade a renovação dos quadros sindicais; 2) a significativa quantidade de servidores que entraram sem concurso público (antes de 1988) por terem “costas quentes” e o grande número de cargos de confiança acabam cooptando para o “patrão” (o governo) ou para as correntes de clientelismo relevante parte das lideranças existentes na categoria, o que dificulta a organização pela base e as mobilizações por bandeiras políticas concretas; e 3) o servidor tem o estado como patrão e não a diretoria de uma empresa privada, o que termina gerando uma identidade entre mobilização sindical e mobilização política, ou seja, os servidores se colocam contra o governo de plantão com mais facilidade do que os trabalhadores privados e parecem se politizar muito mais rapidamente do que estes; contudo, ocorre de fato mais freqüentemente uma “politicização” do que uma politização, isto é, os servidores tendem a limitar os temas políticos a aspectos superficiais e a prognosticar o moralismo como remédio para todos os males, tendo grande dificuldade de perceber os embates econômicos decisivos entre as forças sociais e econômicas que estão na base do universo político; essa dificuldade de perceber os verdadeiros interesses em jogo é ainda reforçada pelo fato de que o próprio exercício da função pública, que objetiva regular os conflitos sociais, gerar a ilusão em quem a exerce de estar acima das classes , de ser um juiz imparcial dos interesses em luta.
Em 1950, os trabalhadores da indústria eram 44% da força de trabalho urbana de Alagoas e os funcionários públicos tinham uma participação muito menor, em torno de 10%. A expansão das atividades estatais iniciada no Estado Novo, continuada na época do “milagre brasileiro” e reforçada pela Constituição Federal de 1988 inverteu esse quadro: em 2000, os funcionários públicos passaram a ser 25% dos assalariados urbanos e os operários industriais foram reduzidos para 18%. Os servidores agora recebem quase 70% da renda do trabalho no Estado e têm em média a metade da participação entre a população que recebe de 3, 5, 10 e 20 salários mínimos. O setor privado passou a ser formado pelos comerciários (13% em 1950 do emprego urbano, 21% em 2000) e pelos prestadores de serviço (24% em 1950 do emprego urbano, 23% em 2000) na maioria empregada em empresas pequenas, mas não apenas nelas. Essas modificações na configuração da força de trabalho acompanharam as modificações no PIB, que passou a ser formado, a partir de meados dos anos 1980, majoritariamente pelo setor de serviços, com forte presença neste das atividades do setor público (administração, saúde, segurança e Justiça), numa porcentagem só alcançada em outros estados menos desenvolvidos do país.
Esta nova realidade quantitativa criou as possibilidades de um mundo diferente na representação sindical e política dos trabalhadores. As lutas sindicais do passado, baseadas nos trabalhadores do setor privado e lideradas pelos comunistas e trabalhistas deram lugar, notadamente a partir de meados dos anos 1980, a lutas nucleadas pelos funcionários públicos e orientadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Uma minoria entre os trabalhadores urbanos protegida pela estabilidade no emprego, lotada em entidades com centenas de indivíduos e possuidora de 70 % da massa salarial, passou a hegemonizar o sindicalismo e a representação política dos assalariados, deixando na penumbra uma maioria formada por operários industriais dispersos nas duas dezenas de usinas, na construção civil e em outros ramos industriais de menor expressão demográfica (os químicos são poucos, mas produzem 20% do PIB alagoano), bem como uma grande quantidade de comerciários espalhados em milhares de pequenas lojas (com exceção dos supermercados) e de assalariados do setor de serviços pessoais e a empresas. Criaram-se, assim, as condições para a existência de duas culturas políticas específicas, com lideranças, idéias e lógicas distintas e, em várias dimensões, antagônicas. Os trabalhadores do setor privado passaram a agir e pensar a política fora dos marcos clássicos do sindicalismo de esquerda, já que foram praticamente abandonados - ou incompreendidos - por esta corrente ideológica, convergindo apenas em alguns momentos com as idéias e as ações dos funcionários.
De modo geral, os trabalhadores alagoanos do setor privado são mais difíceis de organizar devido à existência de um substancial exército laboral de reserva no Estado e da inexistência de estabilidade no emprego, entre outras variáveis. Além destas, cada uma das categorias desses trabalhadores possui dificuldades específicas. Os operários das usinas têm dificuldade de se organizar porque os seus direitos de associação e expressão são negados na prática pelos empresários e outras instâncias de poder (são mais vigiados porque podem parar o coração econômico da oligarquia canavieira); os trabalhadores da construção civil, apesar de estarem concentrados em poucas grandes empresas, têm a desvantagem de conviverem com uma intensa dispersão das equipes ao final de cada obra; os comerciários na maioria estão dispersos em milhares de pequenas lojas, onde o paternalismo patronal e a vigilância se exercem com o mesmo empenho, com a exceção dos grandes supermercados. Algo análogo ocorre com as trabalhadoras domésticas (60 mil em Alagoas) e os assalariados do setor de serviços a empresas. Apesar disso tudo, esses assalariados teriam uma chance de constituírem sindicatos mais fortes se o imaginário político alagoano não estivesse tomado desde meados dos anos 1980 por idéias feitas à imagem e semelhança dos limites do sindicalismo dos servidores públicos, sindicalismo que nega a importância política do trabalhador do setor privado (visto como um lumpemproletariado que vende o seu voto e atrapalha o progresso das idéias progressistas), por mais que esta negação não apareça formulada com sinceridade.
O dia 17 de Julho de 1997, jornada de protesto liderada pelos servidores públicos estaduais que motivou a renúncia do então governador Divaldo Suruagy, ponto culminante de uma crise econômica que se expressava, entre outras coisas, no não pagamento do funcionalismo, foi emblemático dos limites e possibilidades do sindicalismo alagoano contemporâneo. Sua análise ensina sobre as atuais dificuldades de mobilização. Os funcionários públicos estaduais, com o apoio de toda a sociedade civil, derrubaram o mesmo governador no qual tinham votado dois anos e meio antes; o tinham escolhido na esperança de que Suruagy trouxesse de novo uma época áurea para os vencimentos dos servidores. Só que o governador, que até aquele momento era um verdadeiro mito, não foi capaz de realizar a tarefa impossível de trazer de volta a conjuntura de seus primeiros mandatos, nas quais havia dinheiro suficiente para obras públicas e expansão do gasto com pessoal. O “acordo dos usineiros” havia acabado de debilitar os cofres públicos e uma série de circunstâncias legais e econômicas impediram rolagem da dívida do Estado. Diante do acúmulo de meses sem pagamento, os servidores transformaram o apoio em crítica, a simpatia em ódio.
O verdadeiro levante armado de 17 de Julho de 1997 foi uma saída democrática e popular para uma quadra histórica na qual as classes dominantes caíram na inércia porque não tinham coesão nem projeto político definido, não possuíam lideranças públicas com iniciativa e só assistiam sua hegemonia deteriorar-se progressivamente. A partir de um determinado momento, a quase totalidade da população apoiava, mesmo que não ativamente, a vanguarda de sindicatos e associações de servidores públicos que encetou vários tipos de protestos e formas de mobilização até conseguir a destituição do governador, tendo realizado a tarefa aparentemente impossível de impor a sua vontade à maioria folgada que Suruagy possuía na Assembléia Legislativa. Esse movimento político tão poderoso não foi, por outro lado, capaz de aprofundar significativamente o seu diagnóstico e os seus objetivos; virou-se para uma saída moderada demais e muito imprudente para quem havia sofrido tanto com as aventuras do status quo: apoiou uma candidatura (Ronaldo Lessa) sem um compromisso claro com mudanças estruturais e se absteve de eleger uma bancada de deputados progressistas ao lançar a principal liderança do movimento (Heloísa Helena) para o senado federal. Ronaldo Lessa fez dois governos de centro-direita, repetindo no básico os projetos políticos tradicionais (é sempre possível encontrar um roda-pé progressista em qualquer governo e seria possível encontrá-lo no de Lessa, mas isso não muda o seu rumo político essencial). Heloísa transformou-se em liderança nacional e o Brasil a furtou de Alagoas (sua volta com vereadora em 2009 parece ser a forma que a história encontrou para reparar esse erro). Após 12 anos do dia 17 de Julho de 1997, a esquerda alagoana demonstra ter perdido o rumo ideológico e os votos, tornando-se uma força temporariamente residual; o poderoso movimento popular pariu um rato porque expressou a força e os limites de sua principal base social: os servidores públicos isolados dos trabalhadores do setor privado. Muita moral, revolta e capacidade de luta, mas diagnóstico superficial e idéias tímidas.
A fragilidade relativa da atual mobilização da sociedade civil alagoana contra o status quo político na Assembléia Legislativa se explica, entre outras variáveis, pelos limites ideológicos e políticos da base social da vanguarda sindical mobilizada, que se expressa na subjetividade e na ação dessa vanguarda. Seu discurso tem sido abstrato, fragmentado, legalista e eivado de um moralismo empobrecedor do debate. Diz que o sistema político é corrupto porque as principais lideranças são corruptas (uma afirmação quase tautológica) e esquece-se de explicar quais variáveis permitem que os corruptos cheguem ao poder e permaneçam nele.
Os seguintes fenômenos estruturais que determinam a corrupção e a crise no Legislativo são esquecidos: 1) a universalização da aposentadoria rural, a estruturação dos sistemas nacionais de financiamento da saúde e da educação, o Bolsa Família e os programas oficiais de crédito aos pequenos agricultores, entre outros fenômenos análogos, bem como a diminuição radical do número dos moradores das fazendas (a partir de meados dos anos 1980) provocaram mudanças profundas na situação do eleitorado, dando-lhe mais independência das redes de clientelismo e tornando muito mais cara a manutenção das chamadas “bases eleitorais”; 2) a participação majoritária do setor de serviços no PIB, a partir dos anos 1980, determinou o aumento do nível de urbanização do eleitorado e o fortalecimento de novos atores, como o funcionalismo público, os comerciários e os prestadores de serviço a empresas, robustecendo a sociedade civil e o peso da opinião pública no resultado das eleições (na verdade, essa urbanização do voto constituiu-se numa “reurbanização”, já que nos anos 1950 a impossibilidade do voto do analfabeto fizera o voto urbano ter uma importância decisiva, representando por volta de 40% do eleitorado), fatos que “inflacionaram” ainda mais o voto rural e tornaram o voto citadino muito caro para ser “comprado” sem um rede dispendiosa de clientelismo; e 3) o fortalecimento do poder político da União em relação aos Estados a partir de 1995 (por meio do Plano Real e uma série de medidas implementadas pelos governos de Fernando Henrique Cardoso: Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Kandir, Programa de Apoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal dos Estados, vinculação de recursos para as áreas da educação básica [FUNDEF] e da saúde [Emenda Constitucional n° 29], etc.) diminuiu as arbitrariedades nas contas dos Estados que eram aproveitadas politicamente pelas oligarquias; esse desequilíbrio do pacto federativo, apesar de suas intenções neoliberais, teve, em Alagoas, um impacto positivo no que toca ao fortalecimento do espaço democrático ao abrir espaço para a valorização da polícia federal e do Ministério Público, agora reestruturados por constantes concursos e melhorias salariais.
As presumidas irregularidades no uso do dinheiro público na Assembléia Legislativa explicam-se, em nossa opinião, pelo conflito entre as novas circunstâncias hostis ao antigo status quo político e sua disposição de resistir às mudanças democratizantes que a nova realidade impõe. A inflação dos gastos nas campanhas políticas alagoanas originou-se do aumento radical da monetarização dos laços políticos nas cadeias de clientelismo e dos gastos com o marketing necessário para amealhar o voto de um eleitor mais moderno e independente. Em decorrência, diferente do passado, no qual o mandonismo político se realizava com acordos a fio de bigode, o poder político passou a ser determinado, para aqueles que não desejaram trilhar o saudável caminho da disputa democrática, cada vez mais pela capacidade de amealhar dinheiro sonante em quantidades cada vez maiores, daí a busca de acesso irregular aos fundos públicos. A corrupção no sistema político alagoano contemporâneo não é, portanto, expressão da onipotência de um grupo de políticos e a pretensa prova de que tudo permanecerá igualmente miserável nessa terra de natureza luxuriante, é a demonstração que uma nova etapa de modernização se aproxima e de que a sociedade civil precisa superar os seus limites para atenuar as dores do parto e moldar o futuro de maneira mais generosa.

Maceió-AL, junho de 2009.