18.3.06

Viçosa de Alagoas (Alfredo Brandão)

Viçosa de Alagoas
O município e a Cidade
Alfredo Brandão

(http://www.vicosadealagoas.com.br)


...:: abaixo, você pode acessar os trechos de sua preferência ::..


Prefácio, Aldo Rebelo


Duas palavras,
Alfredo Brandão




























Capítulo VIII
Inhamunhá
Lenda da Serra Dois Irmãos



Capítulo I
As origens da Viçosa

Capítulo IX
pathologia e hygiene

Capítulo II
A povoação
do Riacho do Meio

Capítulo X
Flora

Capítulo III
A villa da Assembléa

Capítulo XI
Fauna

Capítulo IV
A villa em 1880

Capítulo XII
Constituição dos terrenos

Capítulo V
As egrejas, os cemiterios
e as missões

Capítulo XIII
Descripção política

Capítulo VI
Ultimos annos da villa
e primeiros tempos da cidade

Capítulo XIV
A vida no engenho

Capítulo VII
Descripção physica

Capítulo XV
Vestígios de raças
prehistoricas na Viçosa


DOCUMENTOS
N.1 N.2 N.3 N.4 N.5 N.6





..:: Prefácio ::..


Para além dos 90 anos
de Viçosa de Alagoas

Ao publicar Viçosa de Alagoas, em 1914, a partir do universo de um pequeno município alagoano, Alfredo Brandão antecipou caminhos e visões de precursor da historiografia contemporânea.
Gilberto Freyre viu no livro passagens dignas de referências para Casa Grande & Senzala, quem sabe homenageando na obra do alagoano a presença do conceito de formação social que marca o trabalho de gigante do escritor pernambucano.

Distribuídos em capítulos que podem ser lidos de forma independente, os temas do escrito de Alfredo Brandão abordam a geografia, a economia, a história social, história dos costumes, história da cultura, história política, a arqueologia, a fauna, a flora, formando um painel abrangente do surgimento e evolução do núcleo rural e urbano de uma área da Zona da Mata nordestina entre meados do século XVII até o início do século XX.

Provavelmente encantou Gilberto Freyre a descrição do mestiço de Alfredo Brandão:

“Sobre o ponto de vista ethnico, ha uma grande mistura oriunda do cruzamento das tres raças que se fundiram – a branca, a preta e a cabocla. Encarado no seu conjuncto o que fere logo a attenção do observador é a mestiçagem, isto é, o producto do caldeamento dos tres elementos heterogeneos. Esse producto tem no cabra o seu mais perfeito representante”.

A visão da dança do côco revela os dotes de escritor de Alfredo Brandão:

“Sôa o ganzá e as palmas estrugem.
Aligeros e frementes os pares rodopiam no meio do circulo, cantando e voluteando num forte sapatear.
Vão chegando mais convivas – moços e moças; a roda dos pares augmenta, augmentam as vozes e o côco cada vez se torna mais animado.
Os rumores da dança, ecoando lá fora, vão repercutir ao longe pelas varzeas e pelas montanhas, enchendo a noite immensa de alaridos festivaes.
O côco cessou. As vozes dos dançadores esmoreceram, calou-se o ganzá, silenciaram as palmas.
Agora a lua vae apparecendo aos poucos por detraz da matta.
Os convivas abandonam o copiar onde as candeias bruxoleam, e invadem o terreiro varrido e alvejante.
É chegada a vez dos poetas, dos cantadores de colcheia”.

A nova edição preserva a grafia original e acrescenta, além desta introdução, uma breve biografia do autor. A publicação é também uma homenagem aos velhos viçosenses que legaram o patrimônio material e espiritual do município, motivo de orgulho e carinho de seus filhos. Viçosenses de hoje, Sidney Wanderley, Denis Portela de Melo, Teotonio Vilela Filho, Flaubert Torres, Apolinário Rebelo, incentivaram a republicação do trabalho de Alfredo Brandão. Amigas de Viçosa, as jornalistas paulistas Rita Polli e Sandra Di Croce Patrício, a goiana Cristiana Lobo, o economista goiano Murilo Lobo, também estimularam a reedição destas memórias da Princesa das Matas.

Em Viçosa nasceram Teotônio Vilela e seu irmão Cardeal Primaz do Brasil Avelar Brandão Vilela. Ali viveu e inspirou-se para escrever S. Bernardo o escritor Graciliano Ramos. É de Viçosa o primeiro tradutor brasileiro do Manifesto Comunista, o militante Octavio Brandão, aliás, sobrinho do autor desta obra. Viçosa criou poetas populares da estirpe de Manoel Nenen e Zé do Cavaquinho; criou também a Escola Folclórica com Théo Brandão, José Aloísio Vilela, José Pimentel e José Maria de Melo. Em Viçosa tombou o líder guerreiro Zumbi dos Palmares, em lugar hoje identificado, às margens do rio Paraíba, próximo à serra dos Dois Irmãos.

Viçosa de Alagoas é saudade, reminiscência, mas é também luta de idéias, choque de pensamento para preservar valores, hábitos que dão a todos e a cada um o direito de ser o que é. Ser viçosense, alagoano, nordestino, é uma forma de ser brasileiro. E ser brasileiro é a nossa condição de integrantes da família comum da humanidade.

Aldo Rebelo
Brasília, fevereiro de 2005.



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..:: DUAS PALAVRAS ::..

Sobre a história da Viçosa, apenas existia uma ligeira notícia publicada no Indicador Geral do Estado de Alagoas.

Desejando desfazer as trevas que envolviam o passado do meu torrão natal, procurei colligir alguns dados, e um dos primeiros resultados das minhas investigações, foi o de chegar à convicção de que as terras que actualmente constituem o município da Viçosa, formaram a parte principal do grandioso scenario onde se desenrolou o drama sanguinolento dos Palmares.

Quando tratava de determinar os pontos das antigas situações dos negros quilombolas, tive de voltar a attenção para os vestígios de raças muito mais antigas, vestígios encontrados nas "chãs de cacos", cuja descoberta communiquei ao Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, na memória lida na sessão de 12 de julho de 1910.
Sob o titulo As origens da Viçosa e os últimos combates dos Palmares,
apresentei no anno seguinte, à mesma agremiação, uma outra memória, a qual, agora mais ampliada, constitue o primeiro capitulo desta obra. Nos demais capítulos da parte histórica, fiz um apanhado dos factos que se destacaram no período que se extendeu desde a fundação do povoado até a elevação da villa à categoria de cidade e à creação da comarca.

Occupando-me da terra, procurei fazer-lhe a descripção physica e política, insistindo sobre as suas riquezas naturaes, sobre o commercio, sobre a agricultura e sobre o clima, do qual salientei as moléstias mais communs, as causas da morbosidade e as medidas hygienicas mais necessárias.

Da vida do engenho, tão pouco estudada pelos nossos folk-loristas – cuja attenção se tem voltado mais particularmente para as zonas do sertão - delineei alguns quadros que evoquei das reminiscências da minha infância, quase toda escoada na solidão dessas mattas.

Tal é a obra que ora apresento, sem outra pretensão a não ser a de prestar um insignificante serviço à minha terra natal.

Recife – 1914

Alfredo Brandão



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..:: CAPITULO I ::..

..:: As Origens de Viçosa ::..


É grave erro deixar em apagado o livro do passado: se o presente condemna por incompetente a tentativa da pesquiza, há de o futuro indultar o arrojo e nesta esperança assenta a recompensa.

Dr. Dias Cabral

A região do valle do Parahyba, comprehendida entre a cidade de Atalaia e a povoação da Passagem, era deshabitada e coberta de espessa matta.

Uma estrada tortuosa, que ora marginava o rio, seguindo bem perto das suas barrancas, ora se distanciava, internando-se pelo coração da floresta, dirigia-se para o sertão, ligando entre si os dois pontos povoados.

A tradição, que conservou estes detalhes, refere que, todos os annos, pelo natal, um padre saía de Atalaia para dizer a missa do gallo na passagem.

Uma vez, tendo chovido torrencialmente durante o dia, o padre, ao chegar á margem de um riacho que fica a egual distancia entre outros dois, encontrou-o de tal maneira cheio que o não poude atravessar. Perdendo a esperança de continuar a viagem, procurou o oiteiro próximo, ergueu uma cruz, e quando a noite já ia em meio, celebrou a missa do natal.

Essa cruz, bem depressa, attraiu romeiros, as quaes foram devidas as primeiras habitações do novo logar, que tomou o nome de Riacho do Meio.

Eis ahi a tradição na sua poética e nativa simplicidade.

Colombo, atravessando mares desconhecidos, leva a cruz de Chisto e implanta-a na terra fecunda e mysteriosa da América.

Cabral, impellido pelo acaso, conduz as suas galéras até as terras brazileiras e no meio da natureza virgem, sobre um altar de pedra, ao pé da santa cruz, um velho monge celebra o santa sacrifício da missa.

O meu querido torrão natal, pequenino pedaço deste formoso e vasto Brazil, também teve a cruz a paranymphar-lhe o primeiro despertar de creança e a nymbar-lhe a aureola da fé e da esperança nessa noite radiosa em que elle nasceu para o mundo e para a civilização.

Deveria ser bello o quadro: as mattas farfalhando nos pennachos das suas palmeiras; as águas marulhosas do Parahyba rolando a sua espuma de prata; o escorço das montanhas esfumando-se ao longe no horizonte e nessa solidão importante e magestosa, o sacerdote, sob o pallio immenso do céo azul e constellado, elevando a hóstia branca e immaculada no sacrifício da missa commemorativa ao nascimento do Homem Deus...

O historiador imparcial, ao querer pronunciar-se sobre os factos do passado, deve, não somente, separar as lendas e tradições da ganga de phantasia com que as envolveu o tempo, mas ainda premunir-se de uma documentação farta que lhe proporcione os meios de aquilatar a verdade.

Se, porém, a singela narrativa da origem da Viçosa não póde ser documentada, no entanto, nada me autoriza a negal-a e apenas faço notar que se o local onde hoje se acha a cidade era deshabitado, diversos pontos do seu município não o eram, distinguindo-se entre outros o Sabalangá e a Matta Escura.

Como uma primeira prova, lembro existir uma outra tradição que revela a origem da Viçosa do seguinte modo: na margem do riacho Gurungumba, no Sabalangá, existia há muitos annos um preto velho caçador, e na margem do riacho Limoeiro existia um outro. Ambos companheiros de caçadas, marcavam como ponto de encontro o riacho que passa no centro, á egual distancia dos outros dois, o qual teve a denominação de Riacho do Meio, nome que mais tarde se extendeu ao arraial que se fundou em suas margens.

Como quer que seja, o facto que fica indiscutível, é a existência de moradores na zona occupada hoje pelo município da Viçosa e nas immediações da séde da cidade, moradores que, conforme procurarei demonstrar, já deveriam ahi existir desde o tempo dos Palmares.

Antes de tudo, porém, vou lançar um rápido olhar sobre os aborigenes que nos tempos da descoberta tinham as suas tabas disseminadas nessa parte do território de Alagoas.

Sobre as raças prehistoricas, cujos vestígios foram por mim assignalados no município, em 1910, reproduzirei mais adiante a memória que então apresentei ao Instituto Archeologico de Alagoas. Nessa memória emitti a opinião que o homem das “chãs de cacos” (que talvez fosse contemporâneo do homem dos sambaquis e do da Lagoa Santa) já deveria possuir um certo gráo de adiantamento, visto ter deixado gravado em rochedos os caracteres de uma escripta rudimentar.

Quando Duarte Coelho tomou conta da capitania de Pernambuco, as terras alagoanas, que faziam parte integrante dessa capitania, eram povoadas por três raças de índios – a dos Tupis orientaes, a dos Tapuias e a dos Caribas.

Como representantes dos primeiros existiam os Tabajaras, os Potyguaras e os Tupinambás, cujas tribus mais importantes era a dos Umans e a dos Vouvês, ou melhor Voubrés.

Da segunda raça notavam-se a tribu dos Mariquitos, a dos Chucurús, que foi depois aldeiada em Palmeira dos Índios, e as dos Chocós, Carapotós, Romaris e Pipians que, em cabildas soltas e vagabundas, se encontravam dispersas pelos sertões, achando-se algumas, no tempo da descoberta, já cruzadas com os Caribas.

Desta ultima raça as tribus que mais se distinguiam eram a dos Caetés e a dos Cariris.

Cumpre-me dizer que quase todos os autores, que se têm occupado dessas duas tribus, classificam os Caetés entre os Tupis, e os Cariris, ora entre os Tapuias, ora, conforme Martius, entre os Gucks.

Pretendendo tratar mais detalhadamente deste assumpto numa outra obra, que sob o titulo de Alagoas prehistorica e ethnographica tenho actualmente em elaboração, por emquanto quero falar somente dos Caetés, os quaes, para este meu estudo sobre a Viçosa, offerecem um particular interesse.

O erro espalhado entre os ethnologos antigos de que, dos aborigenes, os que não eram Tupis eram Tapuias, foi, sem duvida, motivo para não serem os Caetés comprehendidos entre os Caribas.

No emtanto a simples denominação Caeté (Caaeté), pelo radical ca, estabelece, logo á primeira vista, um certo gráo de affinidade ou parentesco com os Caribas, e como bem faz notar o dr. Paul Ehrenreich, o mero nome da tribu, quando é realmente indigeno, já aponta o caminho seguro da classificação. Além disso é preciso notar-se o facto relatado por todos os chronistas—que os Caetés viviam em continuas guerras com as demais tribus circumvizinhas—o que dá perfeitamente a entender que elles constituíam um povo alienígena, em tudo differente dos Tupis, aos quaes haviam expellido das mattas e do littoral, da mesma maneira que estes haviam expellido os Tapuias, que deveriam ter sido os primitivos donos do local.

Parecerá extranho que eu extenda o habitat dos Caetés até as mattas, quando a maioria dos autores o consideram adstricto ao littoral.

Mesmo, porém, que não existissem provas, como existem, (1) o simples raciocínio levar-me-ia a dar ao domínio dos Caetés uma expansão mais vasta do que a simples orla marítima. Com effeito, o sentimento de amor e de apego que elles mostravam á sua terra, conforme se deduz do ódio inveterado que consagravam aos invasores, não teria sido tão forte, se elles não passassem de simples pescadores, se não fossem os donos, os guardas dessas vastas florestas que, agasalhando no seu mysterioso recôndito as suas tabas e as suas ocaras se extendiam de norte a sul, segundo nos relata um chronista antigo, numa distancia de mais de quarenta léguas.

Em toda essa zona paradisíaca, coberta de arvores seculares entrançadas de cipoal, atravéz das quaes os raios do sol mal podiam penetrar, nessas gargantas profundas travessadas de ribeiros que se despenhavam com fragor, no meio desse immenso “pindorama”, (2) para usar da denominação bucólica e primitiva dos aborigenes, dominava pois, altiva e bellicosa, a tribu dos Caetés, esse povo tão malsinado pelos conquistadores, mas, que, no seu orgulho, preferiu o anniquilamento quasi completo ao servilismo.

Conhecendo a riqueza e o valor das terras que habitavam e vendo-as o objectivo de todos os olhares, presentindo que por todos os lados tramavam a sua conquista e a sua destruição era natural que os Caetés, trasuando ódio, voltassem contra aquelles que os cercavam toda a sua ferocidade, ferocidade que aliás não passava de patriotismo – represália aos seus direitos violados, meio de agir em defesa da terra bendita onde haviam nascido, onde repousavam os maiores, onde haviam aprendido a soffrer e a amar.

A lucta pela posse da terra foi tremenda: - os Caetés, por todos os lados, tiveram de enfrentar inimigos terríveis: ao sul, pelo S. Francisco, havia os Tupinambás, pelo littoral eram os europeus que chegavam nas suas caravéllas, ao norte encontravam-se os Tabajaras com os Potyguaras e a oeste surgiam em avalanches, não somente a tribu dos Cariris, mas, ainda, todos os representantes tapuios que acossados pela sêcca, desciam dos altos sertões em demanda da matta.

Sendo os Caetés divididos em muitas sub-tribus, procurei saber qual o ramo que havia habitado a Viçosa e cheguei a conclusão que tinha sido o dos Caambembes, ou mais simplesmente Cambembes, índios que escaparam ao estudo dos investigadores e de cuja existência tive noticia por meio de reminiscências vagas, disseminadas ainda hoje entre os habitantes do local.(3)

A toponymia aborigene, se não é rica, como em outros pontos do Estado (e isto talvez devido á influencia dos negros palmarinos), é no emtanto sufficiente para provar a passagem dos Cambembes.

Já não falando do vocábulo Parahyba, que póde muito bem ter sido transportado posteriormente do norte ou do sul, onde existem rios com a mesma denominação, encontram-se os nomes Parangaba, Pindoba, Pirauás, Tangy, Gereba, Camaratuba, Toré e muitos outros que não podem negar a sua origem indígena.

No domínio da botânica e da zoologia os vocábulos vão ao infinito.

Attendendo-se agora a que o dialecto dos Tupis tinha muitos pontos de contacto com o dos Caribas, e que a língua geral não era mais do que a reunião dos principaes dialectos indígenas do Brazil, não se extranhará o facto de palavras pertencentes ao vocabulário daquelles índios, pertencerem também ao destes.

A Viçosa, em virtude das suas excellentes condições e da sua disposição topographica deveria ter sido o ponto onde se desenvolveram porfiadas luctas, entre os aborigenas alagoanos.

O estudo do município revela que nos seus limites occidentaes, passa a linha divisória entre a zona da matta e a zona do sertão. A primeira caracteriza-se, como o seu nome o diz, pela quantidade de mattas que se extendem em suas várzeas e cabeços de montanhas, pela extrema uberdade dos seus terrenos cortados de rios e regatos, pela amenidade do seu clima e pela regularidade das estações. A zona do sertão é, ao contrario, caracterizada pela seccura dos terrenos, pela raridade das chuvas e pelo menor desenvolvimento da vegetação. No verão as arvores ficam despidas de folhagem e o verde desapparece dos campos. Nessa zona dominam as sêccas, as quaes são tanto mais pronunciadas, quanto mais os terrenos são internados para o centro.

Actualmente, quando as sêccas de vastam os sertões, uma corrente migratória, deslocada não somente das catingas de Alagoas, mas ainda das de Pernambuco, Parahyba, Rio Grande do Norte e até Ceará, batida pela miséria e pela fome, desce dessas regiões desoladas pelo sol inclemente e causticante. A Viçosa é então a porta de entrada para a nova terra da pro missão. Logo dos seus humbraes começa o fim das privações. Nas fazendas, nos engenhos, nos sítios e nas habitações, há sempre alimento para os famintos e trabalho que mais tarde lhes garanta os meios de subsistência.

Essa corrente migratória que se estabelece hoje, é bem provável, ou antes é natural, que se estabelecesse também entre os selvagens, nos tempos anteriores á descoberta do Brazil, e d’ahi se póde concluir que a posse da terra pelos Caetés, só era assegurada mediante combates sanguinolentos.

Após a matança do primeiro bispo do Brazil e dos seus companheiros, os portuguezes alliados aos Tabajaras, e tendo á frente de suas cohortes Jeronymo de Alburquerque, decretaram guerra de morte aos Caetés, os quaes depois de se baterem com desespero, caíram esmagados deante da força numérica.

Os vencedores, na sua vingança, mostraram-se mais selvagens do que os próprios índios. O incêndio das tabas, a trucidação, o erro em braza na face, tudo foi posto em pratica por aquelles que se diziam civilizados.

Os poucos índios que escaparam á chacina, fugiram espavoridos para o sertão e, dessa época em deante, viveram uma vida miserável de vagabundos, enfraquecidos, sem pátria, sem terra e sem abrigo.

As mattas então ficaram despovoadas, com o seu vasto seio aberto ás ambições das diversas raças que lhe giravam em torno.


Dos engenhos da capitania, negros escravos fugindo ao látego dos senhores, enbrenharam-se nessas mesmas florestas, onde já não havia as hordas bravias dos destemidos e desgraçados Caetés.

Se estes não houvessem desapparecido, jamais a raça africana teria estabelecido nos seus domínios o quilombo que, começando por um simples valhacouto, transformou-se pouco a pouco, nesse formidável agrupamento que sob o nome de republica dos Palmares, se tornou notável, não só pela tenacidade e heroísmo com que os seus representantes se bateram pela liberdade, como ainda pelo fim trágico dos seus derradeiros defensores.

A maioria dos nossos historiadores circumscreve o domínio do quilombo á serra da Barriga e as suas immediações, entretanto, pode-se hoje provar que a zona occupada pelos negros abrangia os valles do Parahyba e do Mundahú, desde as cabeceiras desses rios até poucas léguas de distancia das lagoas, e extendo-se para o norte, ao longo do cordão de “mattas bravas”, ia morrer muito alem dos actuaes limites com o Estado de Pernambuco.

Os pontos, porém, onde os mocambos mais se condensavam, eram justamente aquelles em que as mattas se tornavam mais férteis, mais ricas em palmeiras e em caças e que, por sua espessura, poderiam offerecer mais abrigo aos negros e mais difficuldade ás estradas.

Esses logares eram os occupados hoje pelos municípios de União e Viçosa, e mui principalmente por este ultimo, o qual foi o berço e o tumulo da republica dos Palmares, o primeiro refugio e o ultimo reducto dos desgraçados quilombolas.

Sabe-se pelo relatório (4) que sobre o districto das Alagoas, o assessor Johannes van Walbeeck e o director Henrique de Moucheron, apresentaram, em Outubro de 1643, ao “Supremo Conselho”, que o governo hollandez mantinha uma guarnição na povoação de Nossa Senhora da Conceição, (5) na margem meridional da lagoa do sul, guarnição que conservava em respeito os negros palmarinos.

Tendo, porém, esses negros afugentado os moradores da parte septentrional da mesma lagoa, o director do districto resolveu exterminal-os, e parece que desse fim estava encarregada a expedição commandada pelo capitão Blaer, da qual existe uma descripção minuciosa num importante documento (6) traduzido do hollandez pelo illustrado escriptor pernambucano,dr.Alfredo de Carvalho.

Essa expedição, que partiu do logar Salgados, (7) ao sul de Alagoas, no dia 26 de Fevereiro de 1645, e que foi uma das mais antigas que se aventuraram pelos Palmares, (8) penetrou, conforme se deprehende da leitura do Diário da viagem, até as terras da Viçosa.

Tratando de uma cachoeira do rio S. Miguel, há no velho documento um importante tópico que transcrevo textualmente:

“Esta cachoeira não é tão elevada quanto a do Parahiba que tem bem quatro vezes a sua altura; estivemos acima desta cachoeira do Parahiba, mas não junto a ella, neste lugar descansamos um pouco e enviamos um negro que trazíamos comnosco com alguns índios, a bater o matto, os quaes trouxeram-nos seis grandes porcos do matto e um pequeno, mortos a flexa, depois proseguimos na marcha e acampamos junto a margem sul do rio S. Miguel.

A 14 depois de havermos subido por algum tempo esse rio, passamos para a margem norte e uma milha adiante galgamos um elevado monte, de bem meia milha de altura, de cima do qual subimos ainda um outro monte, porem não tão alto; caminhando quasi sempre com rumo norte ou nordeste cerca de uma milha alem chegamos a um rio arenoso e secco, cheio de penhascos; marchando mais duas milhas passamos perto do lado occidental de uma cachoeira, não muito íngreme, mas presentemente sem água, no rio que afflue para o Parahiba; no dito rio acampamos chuvendo durante a noite”.

Desse ponto até o momento em que a expedição, marchando pelo leito secco de um rio, desembocca no Parahyba, o Diario da viagem torna-se um pouco confuso, mais como quer que seja, as cachoeiras citadas servem de ponto de reparo, e quem possua algum conhecimento da topographia da Viçosa e dos municípios circumvizinhos, orienta-se perfeitamente: a cachoeira do Parahyba, a que elle allude, só póde ser a da serra Dois Irmãos, nos limites da Viçosa com a Capella, pois essa cachoeira é o único salto d’agua importante do Parahyba; o rio affluente, que então se achava secco, deve ser o Riachão, o qual, ao passar pelas altas montanhas da Pindobinha, forma uma quéda no logar onde actualmente existe o engenho Cachoeira, e vae depois desaguar na margem direita do Parahyba, um pouco acima da Viçosa.

Segue-se, portanto, que os hollandezes estiveram bem pertinho do ponto onde hoje é a cidade.

Tendo ahi passado uma noite, continuaram no dia seguinte a sua viagem, rio acima, andando sobre os penhascos. Depois de algumas milhas chegaram a um outro rio que vindo do norte despeja no Parahyba. Tomaram então esse novo affluente, que supponnho ser o Cassamba, (9) e subindo o seu curso avistaram do norte um alto monte, que me parece ser a serra dos Olhos d’agua do Monteiro.

Deixando o curso do Cassamba, elles galgaram o monte, e tomando o rumo leste, começaram, dentro em breve, a encontrar vestígios dos quilombolas, taes como: armadilhas para caça, bananeiras, cannaviaes e mais outras plantações.

Cortando caminho, talvez para não serem presentidos, chegaram ao velho Palmares, que então se achava abandonado por ser situado num ponto muito insalubre.

O logar onde existiu esse velho Palmares eu não posso precisar exactamente, mas não deve ficar muito distante dos pontos onde hoje se acham os engenhos Bananal, Floresta e Matta Limpa. Esses sítios, se já não são insalubres, sendo raros os casos de impaludismo, apresentam todas as probabilidades de ter sido outr’ora doentios, pois então, cobertos de densas mattas, os seus riachos deveriam formar vastos brejos de águas estagnadas e pútridas.

Uma outra prova de ter sido nessas immediações a localisação do primeiro núcleo dos Palmares, encontra-se na denominação Bananal, dada ao engenho citado acima, denominação que foi devida ao facto de terem os primeiros moradores encontrado ahi grandes plantações de bananeiras, perdidas no mattagal. Em differentes pontos da Viçosa foram encontradas essas plantações e particularmente na serra do Bananal, na margem direita do Parahyba.

Atravessando ainda muitos mocambos abandonados, e seguindo para o nordeste, depois de algumas milhas encontraram um bonito rio cheio de penhascos chamado Cabelero, affluente do rio Mundoú. Esta palavra Cabelero é uma corruptela da castelhana Caballero, com que antigamente talvez designassem o ribeiro Mundahú-Mirim, que tem as suas nascentes nas faldas da serra do Cavalleiro.

Das margens desse ribeiro, que corre em grande parte no município da União, elles deram uma volta para o sul e, attingindo novamente as terras da Viçosa, devastaram uns mocambos que ficavam á margem do rio Japondá, o qual julgo ser o Riacho Jundiá, affluente do Parahybinha.

Marchando mais um dia e seguindo o rumo leste, chegaram á porta occidental do novo Palmares, o qual foi incendiado.

Esse Palmares, que os hollandezes suppunham ter anniquilado e que ficava na serra da Barriga, foi pouco a pouco reconstituindo-se e mais tarde, em 1675, com a denominação de Cerca Real do Macaco, apparece como capital do quilombo. (10)

Um manuscripto de autor desconhecido, existente na Torre do Tombo, e do qual foi offerecida uma copia (11) á Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, pelo conselheiro Drummond, nos dá uma succinta descripção dessa praça forte:

“Habita (o rei) na sua Cidade Real, que chamão Macaco, nome sortido da morte que naquelle lugar se deu a hum animal destes; esta é a metrópole entre as mais Cidades e Povoações; está fortificada toda em cerca de pau a pique, com treneiras abertas para offenderem a seu salvo os combatentes, pela porta de fora toda se semea de estrepes de ferro, e de foios tão cavilosos que perigara nelles a maior vigilância; occupa esta Cidade dilatado espaço; forma-se de mais de mil e quinhentas casas; há entre elles Ministros de Justiça para as execuções necessárias, e todos os arremedos de qualquer Republica se achão entre elles. Esta é a principal cidade dos Palmares.

...reconhecem todos obedientes a um que se chama o Ganga Zumba que quer dizer Senhor Grande; a este tem por seu rei e senhor, todos os mais assim naturaes dos Palmares, como vindos de fóra; tem palácio, casas de sua família, é assistido de Guardas e Officiaes que costumão ter as casas reaes; é tratado com todos os respeitos de Rei, e com todas as cerimônias de Senhor; os que chegam a sua presença põem logo o Giolho no chão e battem as palmas das mãos, signal do seu reconhecimento e protestação da sua excellencia: fallão-lhe por magestade, obedece-se-lhe por admiração”.

Governados pelos potentados cabos de Ganga Zumba, existiam numa vasta extensão muitos mocambos, dos quaes os mais importantes eram o do Zumbi, dezeseis léguas a noroeste de Porto Calvo, o de Acotirene, os das Tabocas, o de Subupira, o de Dambrabanga, o de Andalaquituche e o de Osenga.

Desses mocambos, os três últimos, como vou procurar demonstrar, ficavam em terras da Viçosa.

O de Osenga estava situado entre os ribeiros Parahybinha e Jundiá, quasi no sitio em que mais tarde foi creado o aldeiamente do Limoeiro. Esta minha affirmativa é baseada, não somente no facto de ficar tal sitio justamente seis léguas a oeste do ponto onde foi o mocambo do Macaco, mas ainda, em ter existido ahi um antigo logarejo por nome Perdidos, povoado de negros livres.

O mocambo de Andalaquituche, irmão do Zumbi, que demorava 25 leguas ao noroeste da villa de Santa Maria Magdalena da Lagôa do Sul, tem todas as probabilidades de ter sido situado na serra do Cafuchy.

A palavra Andalaquituche parece estar alterada no manuscripto: deveria ser Zalaquituche, que se decompõe em duas partes: Zala–vocabulo da língua Kibund ou língua da Angola, que significa residência, casa ou agrupamento de casas e Quituche ou Cafuche—nome próprio que deveria ser o do chefe do mocambo. Accresce ainda que a serra do Cafuchy acha-se ao noroeste da cidade de Alagoas, na distancia mais ou menos de 25 leguas, distancia que também concorda com a do manuscripto. (12)

Agora sobre o mocambo de Dambrabanga: há muito que me havia impressionado a existência dos nomes africanos Sabalangá, Gurungumba e Quizanga, o primeiro dado a um povoado da Viçosa, no caminho da serra Dois Irmãos e os últimos a dois regatos próximos do mesmo povoado.

Sabendo que o Sabalangá era habitado por negros livres desde os tempos mais remotos da Viçosa e que numa egrejita desse povoado existe uma pequena imagem de S. José, ultima relíquia da egreja primitiva que ahi existira desde um tempo que os próprios moradores mais antigos não poderam precisar, conclui que tal logar tinha sido um mocambo dos Palmares.

Na memória que, em 25 de Abril de 1911, apresentei ao Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, aventurei a hypothese de que a palavra Sabalangá poderia muito bem vir de Zamba-gona, nome de um dos chefes palmarinos morto na terceira expedição enviada pelo capitão Carrilho do arraial Bom Jesus da Cruz, arraial que tinha sido fundado no logar onde fôra o mocambo de Subupira.

Um estudo mais detido do assumpto veiu, porém, orientar-me sobre a verdadeira etymologia da palavra.

Antes de tudo é preciso notar que Sabalangá antigamente era chamado Salabangá, e que tal denominação ainda hoje é usada por muita gente.

A palavra portanto é composta de duas partes: sala ou zala e banga.

Zala, como fiz ver há pouco, significa residência, casa ou agrupamento de casas e banga, como voltarei a tratar mais adeante, era o nome de uma serra onde os negros se tinham alojado no ultimo período da guerra.

Também, para este mocambo, achei concordância na posição geographca: Sabalangá, fica mais ou menos quatorze léguas ao sul da União, distancia que é a mesma assignalada pelo manuscripto entre Macaco e Dambrabanga.

Creio portanto que não poderá haver repugnância em indentificar-se o antigo mocambo com o actual povoado, sendo a ligeira discordância que se encontra no nome, levada a titulo de erro de copistas, ou talvez mesmo ás modificações morphologicas que o tempo imprime ás palavras. (13)

Parece-me também que o pequeno Palmares que Barleus colloca nas selvas do rio Gungohuy, rio que, segundo o mesmo autor, despeja no Parahyba a 20 milhas da lagoa, deve ser o mesmo mocambo.

O dr. Nina Rodrigues, no seu importante trabalho, A Troya Negra, acha que o pequeno Palmares era a cidade de Subupira de que fala o manuscripto do conselheiro Drummond, pois a ella quadra a descripção de Barleus.

Realmente há muita semelhança, mas o illustrado mestre esqueceu-se de que o mocambo de Subupira, que “occupava o vão de perto de uma légua de cumprido”, era banhado pelo rio Cachingi e que outro era o nome do rio que regava as selvas do pequeno Palmares.

Demorando a cidade de Subupira seis léguas ao sul do Macaco, é mais natural que ella ficasse situada nas immediaçoes da serra Jussara, nas cabeceiras do rio Satuba, o qual deveria ser o tal do rio Cachingi dos negros.(14)

O rio Gungohuy, de Barleus, é provável que seja o riacho Gurungumba que, passando no Sabalangá, desemboca no Parahyba.

Habitantes antigos da Viçosa, guardavam uma velha tradição de que os últimos combates dos Palmares se realisaram na serra do Bananal, nome que servia para designar não somente o actual prolongamento da serra Dois Irmãos, como também esta ultima.

A meu vêr tudo isso é muito possível: a historia, controversa em muitos pontos com relação a esses factos, dá no emtanto a comprehender que o chefe Zumbi, sobrinho do Ganga Zumba, não se quiz render nem concordar com a paz que, mediante certas condições humilhantes, lhe offerecia o governador da capitania, D. Pedro de Almeida.

Reunindo os negros livres que haviam nascido nos Palmares, o Zumbi, altivo e rancoroso, como se deprehende dos documentos publicados no numero 7 da Revista do Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, pelo dr. Dias Cabral, incutiu no animo dos seus sequazes que deveriam matar á peçonha o rei Ganga Zumba, que se havia submettido; e desprezando as insinuações do seu tio Gona Zona, continuou por sua conta a resistência aos brancos.

Batido no seu mocambo pelo sargento-mór Manoel Lopes, internou-se cada vez mais para o sertão com os seus cabos de guerra, havendo todas as probabilidades de não se ter mais refugiado no mocambo do Macaco, na serra da Barriga, o qual tinha sido abandonado pelos negros após o sitio emprehendido pelo capitão Carrilho.

É claro que depois desse sitio, os quilombolas só poderiam recuar para os lados da Viçosa, onde deveriam ficar encurralados, porque algumas léguas alem do Parahyba cessavam as mattas e começavam as zonas agrestes da catinga, onde já circulavam os colonos e os índios Chucurús, que tinham seus aldeiamentos entre Quebrangulo e Palmeira.

Um pouco ao sul os terrenos eram percorridos e vigiados pelos reforços e postos avançados do povoado S. Miguel, cujos habitantes já possuíam estabelecimentos agricolas pelos campos do Arrosal de Inhauns, posteriormente município de Anadia; e para os lados de Atalaia havia o arraial dos paulistas, que servia de quartel-general aos brancos. (15)

Não é pois de admirar que o Zumbi se tivesse refugiado a principio no Sabalangá e mais tarde na serra que lhe fica próxima – a serra Dois Irmãos – a qual, por causa dos seus desfiladeiros, seus penhascos abruptos e suas gargantas profundas, por uma das quaes se precipita o Parahyba, poderia offerecer todas as condições de estratégia e resistência.

Isto ainda parece mais provável porquanto da consulta n. 101 do Conselho Ultramarino, se deduz que os negros no ultimo período da guerra, se tinham refugiado no oiteiro, ou antes, na serra do Banga.

Em carta de 5 de Setembro de 1692, o governador da Capitania de Pernambuco, dizia ao rei de Portugal, que o mestre de campo Domingos Jorge Velho, “ficava com a sua gente no coração dos Palmares fazendo cruel guerra aos negros com os quaes tinha tido alguns recontros bem succedidos do que se poderia esperar quo no verão fossem os negros desalojados do oiteiro do Banga.”

Da similitude da palavra Banga com Sabalangá e da proximidade deste povoado com a serra Dois Irmãos, pode-se concluir ser esta a mesma serra ou oiteiro a que allude a consulta.

Como argumentos de valor, é preciso notar que ahi têm sido encontrados diversos vestígios de antigas situações e antigas luctas.

Consta-me que em um dos cabeços da serra Dois Irmãos, existe uma pequena lagôa cercada de palmeiras dispostas de tal maneira que parecem ter sido plantadas.

Há alguns annos, caçadores, que se aventuraram pelas escarpas da serra, encontraram muitas ossadas humanas, bastante antigas, disseminadas pelas encostas e pelos ângulos dos rochedos. Um montão dessas ossadas, que se achava nas anfractuosidades de um lageado, produziu, sobretudo, mais impressão, não somente por causa da quantidade, como também por ficar o dito lageado ao pé de um penhasco talhado a pique, desse lado, e dominado por uma chã, o que fazia suppôr terem sido as pessoas, cujos restos alli se achavam, precipitadas do alto.

Um velho caboclo narrou a uma pessoa do meu conhecimento, que, estando a pescar de mergulho num poço do Parahyba, ao pé da serra, viu que do lado da escarpa, por baixo d’água, se abria um sumidouro, espécie de corredor enladeirado que parecia vir do alto. Affirmava ainda que percebera nas paredes uns letreiros que não entendera e que, depois de se aventurar umas três braças pelo tal corredor, retrocedera com medo de não haver alli algum encantamento.

A prova dessas affirmativas está ainda dependente de explorações á serra Dois Irmãos, porém o que desde já convem notar é que as duas primeiras parecem estar de accordo com o que diz Rocha Pitta – de que no alto da serra dos Palmares existia uma lagôa e de que o Zumbi, com os seus últimos cabos de guerra, ao ver-se perdido, atirou-se do alto de um penhasco no abysmo que se abria aos seus pés.

Sobre a existência do sumidouro eu vou transcrever aqui a consulta do Conselho Ultramarino de 18 de Agosto de 1996:

“O governador de Pernambuco Caetano de Mello e Castro, em carta de 13 de Março desde anno, dá conta a Vossa Magestade a noticia de se haver conseguido a morte do Zumbi ao qual descobrira hum mulato de seu maior valimento que os moradores do Rio de S. Francisco aprisionarão, e remettendo-se lhe topara com uma das tropas que dedicara aquelles districtos, que acertou ser de Paulistas em que hia por Cabo o Capitão André Furtado de Mendonça e temendo-se o Mulato de ser punido por seus graves crimes, offerecera que segurando-se-lhe a vida em nome delle governador se obrigava a entregar o dito Zumby e acceitando-se-lhe a offerta desempenhara a palavra guiando a tropa ao Mocambo do Negro que tinha já lançado fora a pouca família que o acompanhava, ficando somente com vinte negros dos quaes mandara quatorze para os pontos das emboscadas que esta gente usa no seu modo de guerra e hindo com os mais que lhe restavão a se occultar no somidouro que artificiosamente havia fabricado, achando tomada a passagem pelejara valorosamente ou desesperadamente matando hum homem, ferindo alguns e não querendo render-se nem os companheiros fora preciso matal-os apanhando só hum vivo que enviando-se-lhe a cabeça do Zumby determinara se pozesse em um páo no logar mais publico, daquella praça a satisfazer os offendidos justamente queixosos, e atemorisar os negros que supresticiosamente julgavão este immortal, pelo que se entende que nesta empresa se acabara de todo com os Palmares, que estimaria elle governador que em tudo se experimentassem sucessos felizes para que Vossa Magestade se satisfaça do zelo com que procura desempenhar as obrigações de leal vassallo.”(16)

Como se vê, este importante documento fazendo allusão a um sumidouro, vem também, de um certo modo, corroborar a minha affirmativa, de que OS ULTIMOS COMBATES DOS PALMARES SE REALISARAM NA SERRA DOIS IRMÃOS.

Com a morte do Zumbi o quilombo acabou-se definitivamente.

Os negros sobreviventes foram deportados para outras capitanias, onde recomeçaram a sua miserável existência de escravidão.

Alguns, no emtanto, conseguiram escapar pela fuga, e outros mais tímidos, que durante a luta haviam desertado para as fileiras dos paulistas, foram perdoados e continuaram a viver livremente nos mesmos locaes, sob a vigilância dos brancos.

Desse ultimo facto explica-se a supervivencia de alguns mocambos que mais tarde se transformaram em pequenas povoações, tal como aconteceu, entre outras, a Sabalangá, Matta Escura e Barra do Cassamba.

Pela leitura de um documento de 1708 (17) vê-se, logo á primeira vista, que as terras que constituíram o municipio de Viçosa, fizeram parte das sesmarias dos capitães do terço dos paulistas. (18)

O povoamento dessas terras pelos brancos foi, porém, se fazendo mui lentamente. A recordação do quilombo tornou-se durante muitos annos o espantalho dos colonos pacíficos.

Somente nos fins do século 18 depois da missa de natal de que fala a tradição, é que, como se verá no capitulo seguinte, foi começada a fundação do Riacho do Meio.

Onde foi Palmares, actualmente, se erguem cidades, villas, povoações e engenhos.

Em vez do som das buzinas guerreiras, ouve-se agora o silvo possante da locomotiva.

No emtanto, sobre os alcantis das serras, nas mattas que escaparam ás derrubadas, as palmeiras, “como indianos cocares”, no dizer do poeta dos escravos, ainda hoje ao descair da tarde, gemem ao vento a mesma canção dolente e magoada.

As flores rosadas da sapucaia, como uma alfombra de pétalas, terão coberto, talvez, a ossada insepulta do vencido.

Agora o lavrador ao cavar a terra, nem sequer suspeita que ella foi ensopada em sangue e lagrimas.

Já nada mais relembra a agonia da raça desgraçada que, muito cedo ainda, havia sonhado com os albores da redempção.

(1) A etymologia da palavra Caeté já dá a entender que a tribu deste nome habitava as mattas. Caeté compõe-se de caa-matto e eté–muito, grande.

(2) Segundo o general Couto de Magalhões a palavra “pindorama” com que os índios designavam todo o Brazil, significa região das palmeiras.

(3) O vocábulo cambembe serve hoje na Viçosa, para designar o povo baixo do campo. Tal designação é recebida quasi como uma affronta, vendo-se portanto que ella pertenceu a uma raça que se degradou. Segundo penso, a palavra cambembe é uma corruptela de caamemby, vocábulo indígena que se decompõe em caa-matto e memby—flauta, gaita ou buzina. Literalmente a tradução será: matto de gaitas, de buzinas ou de flautas. Desta etymologia deprehendo que os Cambembes deveriam ser um povo amigo da musica. É bem possível que haja alguma identidade desses índios com os bardos dos Caetés, os quaes conforme relata Ferdinand Diniz, acompanhavam os guerreiros nas pelejas, incitando-os com seus cantos. Ainda hoje entre os caboclos descendentes dos Cambembes, encontram-se exímios tocadores de pífano.

(4) Esse relatório acha-se publicado no numero 33 da Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano.

(5) A povoação de Nossa Senhora da Conceição era a actual cidade de Alagoas.

(6) Diário da viagem do capitão João Blaer aos Palmares em 1645 - Publicado no numero 56 da Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano.

(7) Salgados era o nome do sitio onde se achava o engenho novo de Gabriel Soares. Ficava por conseguinte no ponto onde hoje é a cidade do Pilar.

(8) Conforme assevera Gaspar Barleus, um anno antes havia seguido para os Palmares uma expedição sob as ordens de Ródolpho Baro.

(9) Na sua Historia do Brasil o sr. Rocha Pombo, em nota, dá um resumo do Diário da viagem do capitão Blaer aos Palmares. Ao chegar no ponto em que os hollandezes deixando o Parahyba subiram o curso de um affluente vindo do norte, elle colloca entre parenthesis o nome Parahybinha com um ponto de interrogação.

Devo dizer que a primeira vez que procurei interpretar o itinerario da expedição hollandeza, também pensei que o tal affluente podesse ser o Parahybinha mas abandonei logo tal idéa ao lembrar-me que o Diário fazia allusão á cachoeira do Parahyba, a qual, ficando muito acima da foz do Parahybinha, não poderia ser citada se os expedicionários tivessem seguido o curso deste ultimo rio.

(10) A Cerca Real do Macaco ficava no ponto onde se acha hoje a cidade da União, nas faldas da serra da Barriga, á margem do rio Mundahú. O local conservou o nome de Macaco até o anno de 1831, quando a povoação ahi existente foi elevada a categoria de villa, com a denominação de Villa Nova da Imperatriz.

Era esse mesmo mocambo do Macaco que o historiador Gaspar Barleus na sua obra Rervn per Octennivm In Brasília, denominava grande Palmares e dizia ficar na serra do Behe.

(11) Esse documento vem publicado no tomo 47 da Revista do Instituto Histórico Geographico e Ethmologico do Brazil.

(12) O dr. João Severiano na sua memória – Origem de alguns nomes patronomicos da província das Alagoas – diz que a palavra Cafuchy vem do tupi – caa, matto e fuchy, feio.

A existência do vocábulo cafuche na língua Kibund, o nome do mocambo assignalado pelo manuscripto e ainda mais o facto de ter verificado num documento antigo (veja-se o documento n.1) que a serra Cafuchy figura com o nome de Caxefe, nome que mais parece uma alteração de Cafuche, induziram-me a dar ao vocábulo uma origem africana.

(13) As alterações dos nomes africanos são muito communs nas narrativas dos successos dos Palmares. Esse mesmo nome Dambrabanga, na memória do sr. Pedro Paulino, é denominado Zambabionga e Dambrubanga.

Nas consultas do Conselho Ultramarino e nas Ordens Reaes, o nome Zumbi é alterado em Zambi, Dam e Zombé. O mesmo se dá com Gangazumba, que ora é escripto Gangassuma, ora Garizumba.

(14) Acho que o exacto local onde foi Subupira, poderá ser determinado mediante a exploração das zonas comprehendidas entre os ribeiros Parahybinha e Satuba.

Esse importante mocambo, segunda cidade dos Palmares, onde assistia o Zona ou Gona, irmão do rei, era, conforme assevera o manuscripto, todo fortificado de madeira e pedras, pelo que é natural que ainda existam as suas ruínas.

(15) Acarta regia de 17 de Agosto de 1695, determinava que os paulistas continuassem a fazer assistência no oiteiro do Campa. Esse oiteiro é onde hoje se acha a cidade de Atalaia, antigo Arraial do Palmar.

(16) Baseando-se nesta consulta, o sr. Mario Berhing, numa excellente memória publicada em Setembro de 1906 na revista Kosmos, diz não passar de lenda o suicídio do Zumbi.

Não sendo o meu propósito historiar a guerra dos Palmares, e sim demonstrar quaes foram os logares do actual município da Viçosa que serviram de scenario a essas luctas, não faz parte do meu programma a elucidação de tal ponto.

No emtanto, como acho que esse facto faz honra á historia de Alagoas, á historia de Pernambuco, á historia do Brazil, enfim á historia do universo, não me posso furtar a manifestar a minha opinião: o documento acima, bem como outros que fazem parte das mesmas consultas do Conselho Ultramarino e das Ordens Reaes dando a entender que o Zumbi morreu em combate, não negam o facto do seu suicídio. “Porque é, pergunta o sr. Rocha Pombo, que Zumbi não poderia ter se lançado do rochedo, cahido moribundo e até morto á vista e a alcance do capitão Mendonça a provocar a gana sagrada deste heróe que então cortou-lhe a cabeça?”

Realmente, o simples facto de terem degolado o Zumbi, não é prova que deponha contra o acto heróico desse negro admirável.

O que, porém, se deve dizer em bem do restabelecimento da verdade, o que resalta da leitura desses documentos, ao contrario do que disse Rocha Pitta e do que têm repetido quasi todos os historiadores dos Palmares, é que a ultima phase da guerra não teve tanta importância, não se revestiu desse apparato bellico que se lhe quer emprestar.

O autor da Historia da América Portugueza, reúne em uma só expedição factos que se passaram em differentes períodos da guerra. Pessoas que figuraram nas primeiras entradas, tal como o alcaide-mór de Porto Calvo, Christovam Lins (o neto) que no termino do quilombo já deveria ter morrido, ou pelo menos achar-se em extrema velhice, elle Rocha Pitta, dá como um dos chefes do assedio final. Os ataques a diversos mocambos, emprehendidos pelo sargento-mór Manoel Lopes, e pelo capitão Fernão Carrilho, são levados em conta da expedição dos paulistas, a qual, como mui facilmente se pode hoje demonstrar por um simples cotejo das Ordens Reaes e das consultas do Conselho Ultramarino não passaram de simples assaltos aos últimos reductos dos negros, que já se achavam enfraquecidos.

O dr. Nina Rodrigues que, no meu modo de pensar, foi quem teve o maior alcance de vista sobre a historia dos Palmares, não conseguiu, no emtanto, desfazer a confusão que paira sobre os relatos dos ultimos combates e isto, talvez, porque não tivesse á mão os documentos que acabo de citar.

Na sua historia do Brazil, o sr. Rocha Pombo, lamentando com Varnhagen, que a ultima phase da guerra não tivesse o seu chronista, deixa-se também levar pelas affirmativas de Rocha Pitta e, entre outras cousas, acceita como um facto real essa phantastica batalha terminal, em que se empenharam sete mil homens sob o commando do mestre de campo Domingos Jorge Velho.

(17) Veja-se o documento n. 1.

(18) Em escripturas antigas as terras que ficavam nas adjacências da margem esquerda do Parahyba, eram conhecidas com o nome de “léguas dos paulistas.”




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..:: CAPITULO II ::..


A povoação do Riacho do Meio
Em 1790, um agricultor de Alagoas, chamado Manoel Francisco, por determinação do ouvidor José de Mendonça de Mattos Moreira, foi estabelecer residencia no sitio Riacho do Meio, com o fim de experimentar ahi a cultura do algodão.

Esse Manoel Francisco, que talvez fosse um dos romeiros da cruz, derribou as florestas das cercanias, fez um roçado no valle, mais ou menos no mesmo local onde hoje se acha a praça do Commercio, e logo depois erigiu uma capella de madeira no ponto em que actualmente existe a egrejinha de Nossa Senhora do Rosario. (19)

Ao lado esquerdo da egreja começaram pouco a pouco a se alinhar as casas, as quaes, como aquella, tambem eram construidas de madeira.

Homem activo e trabalhador, o fundador da Viçosa continuou com o plantio do algodão e extendeu os seus roçados para os lados do norte, até muito alem do "Cento e Vinte", legando o seu nome a uma ladeira que fica entre Fazenda Velha e Limoeirinho, no antigo caminho do Barro Branco. (20)

Conforme relatou-me um octogenario, Manoel Francisco morreu em 1839, na Matta Escura, em extrema pobreza.

Desbravadas as mattas, começou o nucleo a desenvolver-se e em breve as casas se multiplicaram. De diversos pontos do municipio, e principalmente do Sabalangá e da Matta Escura, começaram a affluir moradores para Riacho do Meio.

Esses moradores eram representados pelos descendentes, não somente dos paulistas mas ainda dos negros quilombolas e dos indios que tinham vindo com o mestre de campo Domingues Jorge Velho.

Um grupo desses indios foi aldeiado no municipio de Viçosa, conforme se deprehende do seguinte topico do relatorio apresentado em 16 de Março de 1870, pelo então presidente da provincia de Alagoas, dr. Jose Bento da Cunha Figueiredo Junior:

"O aldeiamento de Limoeiro é no termo de Assembléa, tres leguas abaixo da povoação de Corrente em Pernambuco. Tem uma população de 111 almas com 51 fogos e o rendimento regular de 60$ a 100$.

Esta aldeia como as de Urucú e Santo Amaro (21) presume-se fundada nos fins do seculo 17 por occasião de exterminar-se a celebre republica dos Palmares quando se destribuiam terras aos indios e soldados que ajudaram a destruição dos quilombos; sendo essas concessões confirmadas pelo Alvará de 4 de Agosto de 1687 e cartas regias de 28 de Janeiro de 1688 e 28 de Setembro de 1699."

Elementos extranhos, vindos de outros municipios, e principalmente de Alagoas e de Santa Luzia do Norte, iam contribuindo para o povoamento do Riacho do Meio.

Os Cambembes, que após a guerra aos Caetés haviam fugido para o sertão, foram pouco a pouco voltando, depois da extincção do quilombo, e, unindo-se com os outros indios mansos, mais tarde vieram a constituir a classe proletaria que trabalhava assalariada nos roçados de algodão e nas engenhocas dos proprietarios das terras. (22)

Em principios do seculo passado o povoado já estava constituido, porém, era de tal maneira diminuto que não chamou a attenção dos poucos chronistas que então se occuparam da comarca das Alagoas.

O mais antigo testemunho escripto da existencia do local, nessa época, encontrei num auto de impedimento, onde o portuguez Boaventura José de Souza, declarava habitar no Riacho do Meio desde o anno de 1809.

Outros documentos, mais ou menos datados desse tempo, nenhuma allusão fazem ao nascente povoado.

Na carta (23) Noticias brazilicas, escripta por Amador Verissimo de Aleteia, em 1802, encontram-se referencias a outros pontos de Alagoas, mas não ao Riacho do Meio:

"Desaguam n'ella (lagoa do sul) tres rios consideraveis, de que o maior é o Parahyba, que tem as suas vertentes um pouco abaixo da serra do Tapicurá, vindo passar pela do Bananal e junto a sua margem fica a povoação da Conceição. (24) Na margem septentrional d'este rio, distante seis leguas da cabeça da comarca, está situada a villla da Atalaia. Haverá nesta de mil e duzentos a mil e quatrocentos fogos."

É claro que a povoação do Riacho do Meio era ainda, nesse tempo, tão pouco desenvolvida que não merecia as honras de ser mencionada, porque do contrario, o autor da referida carta, nos seus detalhes geographicos, cital-a-ia como o nucleo mais proximo do ponto em que o Parahyba atravessa a serra.

É preciso notar, porém, que esse documento não deve inspirar muita confiança, por que parece não ter o seu auctor relatado o que viu, e sim o que ouviu dizer por alto, não se tornando preciso nos detalhes, pois, já não falando em Tapicurá, nome que elle dá à serra donde nasce o Parahyba, e que bem pode ser o primitivo da serra do Gigante, vae collocar a serra Dois Irmãos entre os rios Mundahú e Satuba.

O alvará de 1813, que estabeleceu os limites da villa de Garanhuns, a qual confinava pela parte do sul com a villa de Atalaia, na serra do Cavalleiro, ainda não traz a menor referencia ao Riacho do Meio, e da mesma maneira este nome passa em branco nos documentos relativos a emancipação de Alagoas.

No livro do tombo do archivo parochial, num relatorio apresentado pelo padre Allemanha, ao visitador da freguezia, Lourenço Correia de Sá, em Fevereiro de 1847, consta que o patrimonio de terras do Senhor Bom Jesus do Bom Fim, foi doado em Setembro de 1818, por João da Silva Cardozo, e sua mulher Thereza Maria Fiuza. (25)

Esses doadores possuiam diversas propriedades e entre outras a dos Paus Brancos, conforme se deprehende de uma escriptura de terras copiadas na folha 147 do "Livro de Notas" do 2º tabellião da villla da Assembléa. (26)

Parece-me que João da Silva Cardozo era descendende de Manoel da Silveira Cardozo, um dos cabos de guerra do capitão Fernão Carrilho na expedição dos Palmares. A minha supposição sobre tal descendencia é apenas baseada na similitude dos nomes.

Por occasião do mata marinheiro, das guerras da independencia, muitos portuguezes, perseguidos, foram se refugiar no Riacho do Meio, onde acharam seguro asylo. (27)

Em 1820, já se encontravam muitos sitios pelas cercanias da povoação e a agricultura, desenvolvendo-se cada vez mais, não se limitava somente ao plantio do algodão, mas se extendia tambem ao da canna de assucar. A fundação de algumas engenhocas de raspaduras parecia prenunciar para a terra o que ella é hoje realmente - uma zona essencialmente assucareira.

O trafego dos negros estava então em plena actividade, e portanto é muito natural que o Riacho do Meio não fizesse excepção aos demais logares do Brasil. Os propietários que dispunham de algum recurso, não mediam esforços para a compra de escravos, chegando a dar por um negro moço, até a quantia de um conto de reis, conforme se verifica em escripturas antigas.

Mais ou menos nessa mesma epoca, foi creado um juizado de paz na povoação, a qual era termo da villa de Atalaia.

Dos juizes de paz, os unicos nomes que pude encontrar, foram os de Manoel Rolemberg de Albuquerque, o qual tinha por escrivão Francisco Fernandes Tosta, e o de Manoel Gomes - um licenciado portuguez que residia na Matta Escura.(28)

Naquelles tempos de doce convivio patriarchal, era um costume reunirem-se os habitantes do Riacho do Meio nas calçadas de madeira das suas portas (29) e em deleitavel palestra, ao descair da tarde, discutirem o estado da lavoura e as noticias que, de quando em vez, chegavam da capital da recente provincia das Alagoas.

Então diziam que formavam uma assembléa.

De fóra, dos sitios, os que vinham fazer compras ou vender cereaes, tambem tomavam parte na assembléa. D'ahi a mudança do nome de Riacho do Meio para o de Nova Assembléa. (30)

Esta denominação, que foi anterior à creação da villa, não matou o nome antigo, pela dificuldade que o povo da raça encontrava em pronunciar a ultima palavra.

As causas immediatas que decidiram a creação da villa são facilmente determinadas. Figuram como principaes o grande desenvolvimento do povoado; a multiplicação de fazendas, sitios e engenhocas; a fiscalisação das rendas provinciaes e geraes; as repetidas reclamações dos habitantes do logar e, mais do que tudo, a nescessidade que sentia o governo de organisar a divisão administrativa da provincia, em um periodo, que se poderia chamar de formação, pois eram relativamente recentes não só a independencia de Alagoas, mas ainda a independencia do Brazil.

Os conselhos Geraes, pelo artigo 80 do seu regulamento, tinham por principal objecto "propor, discutir e deliberar sobre os negocios mais interessantes das suas provincias, formando projectos peculiares e accommodados às suas localidades e urgencias, "portanto não é de admirar que, em suas sessões, se cogitasse da elevação a villa de muitos povoados que, durante os tempos coloniaes, eram descurados pelos governadores da capitania.

A proposta para a creação da Villa Nova da Assembléa, foi apresentada em uma das sessões do periodo legislativo de 1º de Dezembro de 1830 a 5 de Fevereiro de 1831, do 2º Conselho, o qual foi installado pelo visconde da Praia Grande, na cidade de Alagoas. (31) Esse Conselho celebrou 33 sessões e teve como presidente o sargento-mór Miguel Velloso da Silveira Nobrega e Vasconcellos.

Somente a 13 de Outubro do mesmo anno de 1831, é que a povoação do Riacho do Meio, juntamente com a da Imperatriz, foi elevada a categoria de villa, pelo decreto imperial que a desligou da de Atalaia.

Como esse decreto representa um importante documento para a historia da Viçosa, vou transcrevel-o aqui textualmente:

"Decreto de 13 de Outubro de 1831. Crêa as villas da Imperatriz e Assembléa.

A regencia, em nome do Imperador, o Senhor Dom Pedro Segundo, ha por bem Sancionar, e Mandar que se execute a seguinte Resolução da Assembléa Geral Legislativa, tomada sobre outra do Conselho Geral da Provincia das Alagoas.

Art. 1º Ficão creadas duas villas desmembradas da villa de Atalaia, uma ao norte e pela margem do rio Mundahú, no lugar da Camaratuba; sua capital a povoação do Macaco; seu territorio comprehendido nas povoações do – Macaco - Lage do Canhôto – Juçara - Cabeça de Porco - Murici e Branquinha, sua denominação Villa Nova da Imperatriz. - Outra ao norte do rio Parahyba e no lugar Riacho do Meio; sua capital a povoação do mesmo nome; seu territorio o comprehendido nas povoações Riacho do Meio - Lourenço - Passage – Quebrangula - Cassamba e Limoeiro - comprehendendo os juizes de paz das capellas filiaes das mencionadaas povoações, sua denominação - Villa Nova da Assembléa.

Art. 2º A Cruz de S. Miguel ao Oeste divide as duas villas novamente creadas, e o termo da villa de Atalaia chegará até onde principiam as quebradas das Serras dos Dous Irmãos e Bananal, em cujo principio das quebradas é a sua divisão, e separação do termo da Villa Nova de Assembléa.

José Lino Coutinho, do Conselho do mesmo imperador, Ministro e secretario do Estado dos negocios do Imperio etc. Palacio do Rio de Janeiro em 13 de outubro de 1831, 10 da Independencia e do Imperio. Francisco de Lima e Silva, José da Costa Carvalho, João Braulio Muniz, José Lino Coutinho."

Na época do decreto, governava a provincia o seu 5º presidente, Manoel Lobo de Miranda Henriques.

A installação foi feita solemnemente pelo ouvidor Manoel Messias de Leão, (32) no dia 16 de Fevereiro de 1833, assumindo na mesma data as funcções de juiz ordinario o capitão Manoel de Farias Cabral, o qual teve como escrivão Rolemberg de Albuquerque.

Perdem-se no negrume dos tempos passados os nomes do primeiro presidente e dos primeiros veriadores da Camara Municipal.

(19) Este detalhe foi fornecido ao padre Eloy Brandão pelo coronel Apollinario Rabello.

(20) Tal ladeira é assignalada com o nome de Manoel Francisco numa escriptura de venda de terras, feita pelo coronel Manoel de Farias Cabral ao capitão Pedro José da Cruz Brandão. Os descendentes do fundador da Viçosa ainda devem existir, ou nesse municipio ou em outros pontos. Em 1868, vivia ainda um seu filho, o alferes da Guarda Nacional, Antonio Pereira de Moraes, vulgo Antonio Boi, o qual foi proprietario da casa que mais tarde pertenceu ao vigario Loureiro, na esquina da praça do Commercio com a Rua Nova.

(21) No que diz respeito a Santo Amaro, creio haver um ligeiro engano por parte do dr. José Bento, pois tal aldeiamento em logar de ser creado em fins do seculo 17, já existia em 1643. No já citado relatorio dos hollandezes Johannes van Walbelck e Henrique de Moucheron, ha a seguinte menção sobre o aldeiamento de Santo Amaro: "A vista do engenho de Cloeten fica a aldeia Mondai que se compõe de dez ou doze familias de indios e foi transferida para ahi de S. Antonio junto ao Parahyba (aliás Santo Amaro). Convindo muito que para tranquillidade e segurança dos moradores das Alagoas contra os negros dos Palmares, Santo Amaro fosse de novo habitado por indios (pois Santo Amaro fica justamente na passagem) tiveram elles ordem de retirar-se de Mondai e estabelecer alli a sua aldeia.

(22) Até bem poucos annos existia ainda na Viçosa um caboclo macrobio que dizia ter morado nas grotas do "Cento e Vinte", perto da cidade, e que conhecera o local onde esta se acha, coberto de mattas. Accrescentava que muitas vezes, com um seu visinho chamado Thomaz Bezerra, alli caçara pacas e porcos.

(23) Esse documento vem publicado no numero 13 do volume II da Revista do Instituto Archeologico e Geographico Alagoano.

(24) A povoação da Conceição é a actual villa da Capella ou Parahyba.

(25) Veja-se o documento nº 4.

(26) Em tal escriptura consta que as terras dos Paus Brancos tinham sido compradas a Antonio da Rocha, a sua mulher e a sua cunhada Franscisca Maria, que as haviam herdado de João da Silva Cardozo. É bem possivel que este tambem possuisse terras para os lados Barro Branco, porque o nome do mesmo herdeiro, Antonio da Rocha, figura em escripturas de vendas de terras, nessa propriedade, a Pedro José da Cruz Brandão.

(27) Entre esses portuguezes havia o alferes Manoel da Silva Loureiro que, vindo de Anadia, estabeleceu residencia no sitio Pedras de Fogo, e Jose Martins Ferreira que sendo acolhido no sitio Gurungumba, de um seu compatriota, Raymundo Jose da Silva, casou-se com uma filha deste e mais tarde fundou o engenho Boa Sorte. Manoel da Silva Loureiro foi o tronco da familia Loureiro, e Jose Martins Ferreira foi o das familias Villela, Victal dos Santos e Vasconcellos Teixeira.

(28) Esse Manoel Gomes, foi o tronco da familia Rabello. Era avô do coronel Apollinario Rabello, do coronel Epaminondas Gracindo e do tenente coronel Firmino Maia.

(29) Ainda hoje existe esse costume o qual é peculiar a todos os logares pequenos do centro. As calçadas de madeira já desappareceram. Em 1882, numa velha casa que existia em frente à cadeia, via-se ainda um passeio formado por dois enormes pranchões, restos sem duvida das arvores seculares que constituiam as florestas primitivas da Viçosa.

(30) Depois da independencia do Brazil, tendo sido installada a Assembléa Legislativa Geral e falando-se muito na creação de uma Assembléa Legislativa Provincial, que substituisse os Conselhos Geraes da provincia, não é de admirar que a palavra assembléa estivesse na ordem do dia e servisse para designar todos os comicios, mesmo os mais innocentes e alheios à politica. O nome que figurava na proposta da creação da villa era o de "Nova Assembléa". O decreto imperial, porém, alterou-o para "Villa Nova da Assembléa”.

(31) O dr. Olympio Galvão, na sua memoria publicada nos numeros 13 e 14 da Revista do Instituto Archeologico e Geographico Alagoano traz interessantes notas sobre os Conselhos Geraes. Infelizmente o illustrado autor não cogita da proposta da creação da villa da Assembléa, ficando em silencio na historia não só os nomes dos proponentes, como tambem o numero da sessão em que a dita proposta foi apresentada.

(32) Manoel Messias de Leão foi o ultimo ouvidor da provincia. Mais tarde elle occupou o logar de juiz de direito da comarca de Alagoas.



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..:: CAPITULO III ::..

A villa da Assembléa

DESDE 1833 ATÉ 1879

A villa da Assembléa, como todas as outras villas da província, pertencia à comarca de Alagoas, a qual, então, era a única em toda a extensão do território alagoano.

Para facilitar a administração judiciária, já se tinha tratado da creação de novas comarcas, tendo sido apresentado ao 2º Conselho uma proposta que não teve a approvação do governo imperial.

Somente com a reunião extraordinária do Conselho, para dar execução ao código do processo criminal, a 29 do Abril de 1833, foi que ficou resolvida a divisão da província em quatro comarcas.

A villa da Assembléa passou então, com a do Pilar, a fazer parte da comarca de Atalaia.

A freguezia, sob a invocação do Senhor Bom Jesus do Bomfim, foi creada pela resolução provincial n. 8 de 10 Abril de 1835. (33)

Conforme declarou o sr. Vigário Francisco Manoel da Silva, em seu relatório apresentado ao dr. Deão Francisco Joaquim de Farias, (34) o primeiro vigário da freguezia da Assembléa foi o sexagenário padre Manoel Joaquim da Costa, o qual parochiou como vigário encommendado até 1837.

Consultando um auto de impedimento do archivo da Diocese de Alagoas, verifiquei que o mesmo padre, em 1828, já era capellão da capella do Senhor Bom Jesus do Bomfim.

De 1837 a Dezembro de 1848, esteve à testa da freguezia o vigário collado José Antunes Allemanha, também sexagenário. Em Janeiro do anno seguinte veiu parochiar o vigário de Ipioca, Jacintho de Messias Feijó, o qual foi substituído em Agosto do mesmo anno pelo coadjutor José Teixeira de Mello. Em Janeiro de 1850, voltou a ser vigário o padre Manoel Joaquim da Costa, que se conservou nesse logar até Setembro. Desse mez até 29 de Outubro, parochiou o padre Francisco de Araújo, sendo nessa época substituído pelo padre Francisco Manoel da Silva o qual, durante um longo período de 36 annos, foi pastor solicito do rebanho que lhe havia sido confiado. Em Setembro de 1886, por morte do referido vigário, passou a parochiar a freguezia o coadjutor Francisco de Borja Barros Loureiro, o qual foi também um parocho zeloso até quando morreu, em Julho de 1902.

Depois da creação da villa não foram immediatamente sanadas todas as difficuldades, visto como, dois annos mais tarde ainda não existia uma aula primaria. Tal facto, porém, não passou despercebido pela autoridade competentemente, e tanto assim que na “falla” (35) dirigida ao Conselho Geral, em sua ultima sessão de 1º de Dezembro de 1833, o presidente da provincia, Figueiredo de Camargo, lembrava que deveria ser creada uma cadeira de primeiras letras na Villa Nova da Assembléa.

Da mesma “falla” deprehende-se que nessa época ainda não havia cadeia na Viçosa. Parece que os criminosos eram enviados para Maceió e Penedo.

O actual edifício da cadeia, foi construído em virtude das leis provinciaes de 15 de Maio de 1835, de 9 de Março de 1836 e de 9 de Julho de 1839. O contractante, Manoel de Farias Cabral, obrigou-se a edificar um prédio de pedra e cal até o respaldo, com 55 palmos de frente, 40 de fundo e 32 de altura. (36)

Pela lei provincial n. 9 de 10 de Abril de 1835, foi creada uma cadeira de instrucção primaria para o sexo masculino. (37)

Em 1833, já existiam o logar de juiz de orphãos e ausentes, então desempenhado por João Tenório de Albuquerque e o de tabellião de notas, exercido por Manoel Rolemberg de Albuquerque.

A collectoria de rendas geraes foi creada em 10 de Outubro de 1834, e a agencia de rendas provinciaes em 17 de Fevereiro de 1840, por deliberação da thesouraria provincial.
Parece que o primeiro collector foi Felippe José Cavalcanti, o qual tinha por escrivão Manoel dos Santos Silva. (38)

Dos agentes de rendas mais antigos, apenas pude encontrar, em escripturas de vendas de escravos, o nome de José Rabelllo Pereira Torres, o qual occupava esse logar em Dezembro de 1849.

Milliet de Saint–Adolphe, no seu Diccionario Geographico, Histórico e Descriptivo do Império do Brazil, edição de 1845, que diz que uma lei provincial, de Maio de 1843, supprimiu a Villa Nova da Assembléa, incorporando suas terras novamente à villa de Atalaia.

A tradição oral não relata esse facto e a tal respeito nada encontrei assignalado, nem na Compilação das Leis da Província das Alagoas, nem em outro documento de qualquer natureza.

No entanto acho possibilidade no que diz Milliet, não somente por ter tal suppressão se realisado quasi contemporaneamente à época em que elle escrevia o seu diccionario, como também porque no antigo livro de notas do 2º tabellião da villa da Assembléa, (39) há um facto que bem interpretado parece dar razão ao escriptor francez: pelo exame do referido livro verifica-se que nas folhas 68 e 69 existe um traslado de uma carta de liberdade de escravo, com a data de 25 de Janeiro de 1843, assignado na villa da Assembléa.

Na folha 70, porém, o primeiro documento, que traz a data de 13 de Agosto de 1844, é assignado na villa de Atalaia, seguindo-se outros assignados na mesma villa até a folha 77, onde vem o último, com a data de 28 de Junho de 1845. Da folha 79 por diante, as escripturas de vendas de terra e de escravos, passam novamente a ser assignadas na villa da Assembléa, tendo o primeiro documento a data de 22 de Julho de 1845.

De tudo isto se conclue, não somente que Milliet tem razão (40) como também que a villa foi restaurada numa data que se acha comprehendida entre 28 de Junho de 1845 e 22 de Julho do mesmo anno.

Somente com a suppressão da villa é que se pode explicar a permanência do cartório em Atalaia, durante o período de pouco mais de dois annos.

De 1844 a 1845, a província das Alagoas atravessou uma quadra calamitosa e sombria.

O banditismo solto e desenfreado, campeava de norte a sul, envermelhecendo o torrão alagoano com o sangue de centenas de victimas.

Sobre esse estado anormal assim se exprimiu o então presidente da província, dr. Antonio Manoel de Campos Mello, na “falla” com que abriu a primeira sessão ordinária da 6ª legislatura, em 15 de Março de 1846:

“Não há quem não sabia, senhores, qual era o estado da Província quando em Novembro próximo passado tomei conta da sua administração.

A população inteira estava todo armada.

Grupos de criminosos existiam encastellados face a face com a autoridade publica, que os temia, e alguns, nos mesmos logares em que já uma vez tinham batido e repellido as forças do Governo. Vários proprietários tinham-se encastellado em seos engenhos mandando pelos seus valentões fazer a ronda das estradas e lugares circumvizinhos, pelo terror, como diziam, de serem assassinados”.

As luctas partidárias entre lisos e cabelludos, haviam-se extendido por toda província, mesmo nos seus mais longínquos municípios, e em cada cidade, em cada villa, em cada povoação, espíritos exaltados promoviam toda sorte de desatinos, atiçando assim os ódios e provocando sangrentas represálias.

O salteador Vicente de Paula, que já se tornara celebre na guerra da cabanada, e que então era o terror das mattas de Jacuipe, saindo do seu reducto, extendeu as suas depredações por diversos pontos da província.

Tendo, alliado com alguns políticos, assaltado Maceió, viu-se obrigado a recuar após um combate de 8 horas, e dirigindo-se para o centro, a frente dos seus 800 bandidos, apoderou-se da villa de Atalaia, a qual foi entregue ao saque e ao incêndio.

Depois de um grande tiroteio com as forças do general Seara, o bandido foi dispersado com toda a sua gente e seguiu precipitadamente para os sertões de Pernambuco, commettendo os maiores horrorres e violências na sua passagem. (41)

Na villa da Assembléa, não deixaram de repercutir esses factos que conflagravam a província, e muitos dos seus habitantes, sentindo-se sem garantias, internavam-se pelos pontos mais recônditos do município.

Quando a população começava a tranquillizar-se, a ordem publica foi novamente alterada pelos actos de selvageria commettidos pelos irmãos Moraes.

Tendo sido assassinado por motivos políticos o vigário da Palmeira, José Caetano de Moraes, os seus filhos procuraram vingal-o. (42)

As represálias feitas no começo poderiam, de um certo modo, ser desculpáveis, e o historiador, depois de esquadrinhar as causas, talvez que se inclinasse a attenuar o crime dos filhos que num momento de desespero e desvario, levantaram o grito implacável da vingança contra os assassinos do pae, mas a extensão que elles deram a essa vingança, ferindo cega e barbaramente indivíduos innocentes e alheios às lutas partidárias, privou-os por completo da absolvição da posteridade.

Depois de commetterem atrocidades sem nome no município da Palmeira, os dois irmãos, José e Manoel de Moraes, commandando uma horda de ferozes bandidos, desenrolaram por diversos pontos da província as suas scenas de pilhagem e barbaria. (43)

O município da Viçosa também foi theatro dessas scenas, pois os bandidos, invadindo o sitio Recanto assassinaram o proprietário Pessoa Cavalcanti e diversos dos seus famulos.

Ainda hoje, na Viçosa e nos municípios circumvizinhos, as narrativas das façanhas dos irmãos Moraes são relembradas com horror.

Essas narrativas transmittidas de paes a filhos, talvez com um pouco de exagero, nos dão, no emtanto, uma idéa dos actos de vandalismo que nessas épocas calamitosas se realisaram no interior de Alagoas.

O engenho mais antigo da Viçosa é o Bananal, fundado em 1836 pela família Carneiro da Cunha.

Mais tarde, em 1840, o portuguez José Martins Ferreira construiu o Boa Sorte, e pelo anno de 1846 foi fundado o Barro Branco por Pedro José da Cruz Brandão. (44)

Devem datar do mesmo tempo os engenhos Paredões e Bom Jesus, construídos o primeiro por Manoel de Farias Cabral e o segundo pelo tenente João Tenório. (45)

Logo depois o plantio da canna tomou rápido incremento, as mattas foram sendo desbravadas cada vez mais e os engenhos multiplicaram-se de tal forma que, pelo anno de 1852 já existiam mais de vinte, produzindo todos juntos umas trinta mil arrobas de assucar. (46)

A villa, que já contava em todo município uma população de perto de dez mil habitantes, sendo oitocentos escravos, ia aos poucos progredindo. As plantações de mandioca, de milho e de feijão eram sufficientes para o abastecimento da população e o algodão, então já cultivado em larga escala, começava a constituir uma outra fonte de riqueza.

Os meios de transportes eram precários, devido ás péssimas estradas transformadas em verdadeiros lodaçaes e pântanos perigosos, durante as estações invernosas. O que, porém, mais difficultava o transito, eram os desfiladeiros da Serra Dois Irmãos, os quaes, em tempos de chuva, quase que interceptavam toda communicação entre Viçosa e Maceió.

Devido, porém, a reiterados pedidos da Câmara Municipal da Assembléa, o governo provincial resolveu-se a mandar fazer um calçamento na serra, o qual muito facilitou o commercio com a capital.

Os fins de 1855 e os princípios de 1856, assignalam uma época trágica na historia de Alagoas.

A dor, o lucto, o pranto, a viuvez e a orphandade espalharam-se por todos os lados, ante as vinte mil sepulturas cavadas pelo cholera-morbus no curto espaço de seis mezes.

Da <> do então presidente da província, o dr. Antonio Coelho de Sá e Albuquerque, por occasião da abertura da Assembléa Legislativa em 1856, destaco os seguintes tópicos referentes a terrível epidemia:

<>

Na Villa da Assembléa, o cholera appareceu no dia 6 de Janeiro de 18456, e a primeira pessoa atacada foi a mulher do escrivão Manoel de Freitas.

Quasi que nenhumas medidas Hygienicas foram tomadas, não só porque o governo provincial, a braços com o flagello por todos os lados, poucos recursos enviou, como também porque o povo aterrorisado e desanimado, não vendo na epidemia mais do que um castigo do céo, apenas procurava os meios de debellar o mal, nas rezas, nas procissões e nos terços.

Esse estado de depressão nervosa, essa certeza que todos tinham de ser feridos pelo flagello, muito concorreu, augmentando a receptividade mórbida de cada um, para que o cholera, na Viçosa assumisse um caracter verdadeiramente pavoroso. Junte-se a tudo isto a ausência de médicos e a ignorância dos princípios os mais comezinhos de hygiene e prophylaxia.

No dia 7 appareceram outros casos, no dia 8 o numero augmentou assustadoramente e finalmente no dia 20 a epidemia já se achava açoitando palmo a palmo, todo o município.

A séde da villa ficou deserta, e as casas silenciosas e fechadas só se abriam para dar passagem a enterros. Um ar de tristeza, de desolação e de desespero pairava por toda a parte.

Não havendo cemitério, pois enterramentos faziam-se anteriormente na matriz, os mortos eram conduzidos para uma egreja em construcção, que ficava perto do Rosário. Como porém, o recinto ficasse muito cedo abarrotado de cadáveres, foi construído, ás pressas, um cemitério de palliçada nos fins da rua do Joazeiro, no mesmo logar onde mais tarde foi edificada a capella de S. Francisco de Assis.

O cholera tinha assumido a fórma fulminante.

Pessoas de inteira saúde pela manhã, eram cadáveres á tarde.

Em muitas fazendas e engenhos o pessoal era atacado simultaneamente, e não havendo gente suficiente para transportar os cadáveres para a villa, eram cavadas sepulturas nas encruzilhadas e nas beiras dos caminhos.

Em Abril a epidemia começou a declinar e os casos foram pouco a pouco rareando até os princípios de Setembro, quando se extinguiram de todo.

Em 1862, portanto 6 annos mais tarde, o cholera tornou a apparecer em Alagoas, vindo dessa outra vez de Pernambuco. Essa epidemia, conhecida pela designação de 2º cholera, também causou algumas devastações em diversos pontos da Viçosa, mas felizmente foi de pouca duração.

A villa que, pela lei n. 203 de 3 de Março de 1854, ficara pertencendo á comarca da Imperatriz, perdeu a freguezia de Quebrangulo, a qual foi desmembrada pela lei provincial n. 301 de 13 de Junho de 1856.

A Imperatriz ficou sendo cabeça de comarca até que a lei provincial n. 518, de 30 de Abril de 1872, veiu fazer a desannexão, reunindo novamente a villa da Assembléa, á comarca de Atalaia.

Depois das epidemias do cholera, houve uma phase de calma e de silencio, durante a qual não appareceram factos dignos de ser historiados. A tradição oral e os jornaes da época que se publicavam em Maceió, nada dizem.

Nos relatórios dos presidentes da província apenas apparecem, de quando em vez, algumas reclamações da Câmara Municipal, para construcção de pontes sobre o Riacho do Meio e sobre o Parahyba, na barra do Cassamba. (47)

Dessa modorra a Viçosa veiu sair em fins de 1873, com a agitação e motins do populacho conhecidos pela revolução dos qubra-kilos a qual partindo das províncias do Rio Grande do Norte e Pernambuco, extendeu-se por muitos municípios de Alagoas, trazendo alarmantes as pessoas ordeiras.

Esses motins tiveram como origem a execução da lei n. 1157 de 26 de Junho de 1862, lei que adoptava para o Brazil o systema métrico decimal.

Indivíduos mal intencionados, na sua maioria criminosos e turbulentos, procuravam convencer ás pessoas ignorantes a não acceitarem o novo systema, e perturbando a ordem, e implantando o desrespeito ás autoridades, locaes, prevaleciam-se do estado anormal por elles creado, para se entregarem ao roubo e ao saque.

Esses factos extenderam-se pelos municípios de Traipu, Paulo Affonso, Pilar e Imperatriz.

Neste ultimo termo, formaram-se diversos coutos de criminosos, principalmente nas immediações do povoado Mundahu – Mirim, donde partiram emissários que, vindos confabular nas feiras da Assembléa com pessoas desclassificadas, preparavam os amigos para um assalto á villa.

Vendo a imminencia do perigo e comprehendendo que a força policial era impotente para repelir os desordeiros, alguns negociantes concitaram o povo á defesa e á reacção.

Ao mesmo tempo, o presidente da província enviou uma força policial para Mandahu-Mirim, a qual effectuou a prisão de diversos criminosos e de um chefe dos quebra-kilos, um tal Thomaz de Brejo Grande. Nessa diligencia também tomou parte o então delegado da Assembléa, tenente coronel Firmino Maia.

Devido a essas medidas, os sediciosos se acalmaram e a tranqüilidade foi restabelecida no município.

Pela escassez de documentos, não me foi possível organisar a relação completa dos presidentes da Câmara Municipal, desde a instalação da villa. (48)

A datar de 1856, occuparam successivamente a presidência os seguintes senhores: capitão José Fructuoso, capitão Ignacio de Moura, coronel Apollinario Rabello Pereira Torres, major Epaminondas Hypolyto Gracindo, capitão Theotonio Torquato Brandão, vigário Francisco de Borja Barros Loureiro e coronel Theotonio Santa Cruz de Oliveira. (49)

Procedendo-se o recenseamento em 1872, encontrou-se 22.705 habitantes para todo o município, sendo 21.592 cidadãos livres e 1.113 escravos. Nesse mesmo anno existiam 1.981 votantes qualificados.

A Guarda Nacional da villa constava de um commando Superior (50) abrangendo o município de Quebrangulo creado pelo decreto n. 3766 de 2 de Janeiro de 1867, do 8º Batalhão de Infantaria, creado pelo decreto n. 992 de 14 de Junho de 1852 e do 1º Corpo de Cavallaria creado com 4 companhias pelo decreto n. 3768 de 2 de Janeiro de 1867.

A agricultura cada vez mais florescente contava então 40 engenhos de fabricar assucar. (51)

A sêcca de 1877, que flagellou o norte do Brazil, também extendeu os seus horrores pela província das Alagoas, e mui especialmente pelos municípios do sertão.

A Viçosa - terreno fertilíssimo coberto em grande parte de mattas e sulcado de rios e regatos que mantêm uma eterna frescura nos seus valles e varzeados – poderia perfeitamente arrostar a escassez das chuvas e, como nas outras sêccas, receber e amparar as avalanches de famintos que os sertões despejavam continuamente no seu município. Desta vez, porém, foi tal a plethora de immigrantes que a fome extendeu as suas garras sobre a terra onde nunca haviam faltados os cereaes.

Por todas as estradas entravam levas e levas de sertanejos andrajosos, sortidos, miseráveis e famintos. Os engenhos, as fazendas e os sítios transbordavam, e em breve a séde da villa ficou também repleta dessa esquálida multidão de desgraçados que acampavam pelas margens do Parahyba em palhoços de folhas e dahisaía a mendigar.

A alma caridosa do povo assembleense procurava attenuar taes soffrimentos, mas era tão grande a onda dos miseráveis, que não foi possível evitar-se o espectaculo horrível de seres humanos morrerem á fome.

Os gêneros haviam encarecidos extraordinariamente e o governo provincial, que distribuira em larga escala socorros a outros municípios, quasi nenhum auxilio prestou á Assembleá, limitando-se apenas a enviar algumas saccas de farinha.

Augmentando o numero dos retirantes, a situação foi se tornando cada vez mais difficil.

Os assaltos á propriedade, feitos á mão armada, os roubos e os assassinatos, repetiam-se com freqüência de modo que se tornava perigoso transitar pelas estradas.

Coutos de bandidos e salteadores iam-se formando em diversos logares, angmentando a augustia da população.

O ponto do município que então se tornou mais temivel, foi o povoado Bom Socego (antithese do nome) onde os desalmados e os indivíduos mal procedidos, explorando a miséria incitavam contra o direito dos cidadãos pacifico e trabalhadores.

Diante do latrocínio desenfreado manifestou-se, porém, a reacção por parte dos proprietários que vigiavam as suas fazendas e procuravam evitar as incursões nocturnas. Dahi se originaram muitos conflictos.

Durante esses tempos calamitosos, a villa da Assembléa esteve continuamente alarmada com as ameaças de invasão do celebre bandido Cabo Preto, o qual infestava os municípios circumvizinhos do sertão com seu bando de salteadores e ladrões de estrada. (52)

Felizmente no anno seguinte as estações se normalisaram, desapparecendo completamente a sêcca e o seu cortejo sinistro de fome e de miséria.

Com a organisação do gabinete Sinimbú, em Janeiro de 1878, subiu o partido liberal.

Tal noticia foi recebida na Assembléa, pelos adeptos do partido que acabava de galgar o poder, com festas, foguetes e passeatas.

Os conservadores tomaram taes manifestações como um acinte, porém, conseguiram dominar a sua indignação.

Chegou a época das eleições municipaes e os ânimos que já se achavam excitados, prepararam-se para a lucta. Havia corrido a noticia de que os liberaes não concederiam, como era de direito, o terço aos conservadores e que iriam fazer as eleições á força de bacamarte.

Realmente na ante véspera, á noite, grupos de capangas penetraram na villa e foram aquartelados numa casa pertencente a importante chefe liberal.

Os conservadores alarmaram-se e procuraram os meios de reagir. Durante o dia seguinte propalaram-se os mais desencontrados boatos. Como quer que seja, tanto do lado dos conservadores como do dos liberaes, eram expedidos emissários para os engenhos de modo que, ao escurecer desse mesmo dia, a villa foi invadida por centenas de homens armados.

A noite se passou na espectativa dos acontecimentos.

Na cidade, repleta de mais de mil cangaceiros, davam-se de quando em vez pequenos conflictos que eram logo abafados pelos chefes.

O dia das eleições surgiu cheio de presagios.

Por volta das dez horas, os collegios eleitoraes, que funccionavam na matriz, na capella de S. Francisco e na casa da Câmara, já se achavam cercados pelos liberaes. Mais tarde chegaram os conservadores e o conflicto tornou-se imminente necessário alguns dos chefes de um e outro partido, aconselharem a prudência e a calma aos mais exaltados.

Felizmente puderam chegar a um accordo, de modo que a maioria concedeu o terço á minoria e liberaes e conservadores, congraçados, depuzeram as armas.

Numa noite do anno de 1879, mais ou menos as 8 horas, um tal fuão Gouveia, com o fim de raptar uma senhorita, invadiu a villa, á frente de mais de cincoenta cavalleiros armados.

Os habitantes pacatos encerram-se nas suas casas e a guarda policial, representada apenas por seis praças, não ousou enfrentar os assaltantes.

Estes, depois de terem effectuado o rapto, iam a retirar-se, favorecidos pela escuridão da noite, quando se encontraram na praça do Commercio com um troço de cavalleiros que chegava. Não reconhecendo nestes alguns dos seus companheiros retardatários, fizeram fogo, travando-se na confusão um ligeiro tiroteio do qual saíram um morto e muitos feridos.

(33) “Resolução numero 8 de 10 de Abril de 1835. (Sanccionada pelo presidente José Joaquim Machado de Oliveira).
Art. 1.º Ficam creadas freguezias as capellas de Santa Maria Magdalena na villa da Imperatriz e do Senhor do Bomfim na villa da Assembléa.
Art. 2.º Os termos dessas freguezias serão os actualmente marcados para as câmaras municipaes respectivas.
Art. 3.º Ficam revogados todas as leis e disposições em contrario.
Desta Secretaria do Governo foi publicada a presente resolução em 1º de Julho de 1835.
Francisco Manoel Martins Ramos”.

(34) Ver documento numero 5.

(35) Publicada no numero 14 da Revista do Instituto Archeologico Alagoano.

(36) Consulte-se o Quadro Demonstrativo dos Prédios Provinciaes em 1857 e a Compilação das Leis da Província das Alagoas.

(37) O primeiro professor, ou um dos primeiros, foi João Baptista de Souza, que exerceu o magistério durante uma longa serie de annos. A cadeira de instrucção primaria para o sexo feminino, foi creada pela lei n. 2 de 6 de Julho de 1839.

(38) Em 1845 era collector o major Luiz Lucas Correia de Araújo e escrivão da collectoria Francisco Carneiro da Cunha Tiririca. O mesmo major Araújo ainda exercia o cargo em 1851.

(39) Esse livro, que ainda existe no cartório do 2.º tabellião da Viçosa, foi aberto, conforme se pode ver no documento n. 2, no dia 16 de Fevereiro de 1833, isto é, no mesmo dia da installação da villa.

(40) É pena que Milliet de Saint-Adolphe tenha dedicado tão poucas linhas á villa da Assembléa. É bem verdade que a sua obra se acha eivada de erros geographicos e históricos, mas, como quer que seja, não deixa de ter o seu mérito e trazer um forte contingente para a historia e para a geographia do Brazil, sendo as suas falhas facilmente reparáveis.

(41) Um velho preto, que falleceu há bem pouco tempo na Viçosa e que foi testemunha ocular do saque de Atalaia, referiu-me esse facto mais ou menos do seguinte modo: a fazenda do meu senhor ficava bem perto de Atalaia. Na véspera, ao anoitecer, chegou a noticia de que Vicente de Paula se approximava. O meu senhor fugiu precipitadamente com toda família e internou-se no matto. Nós, os negros, que nada tínhamos a perder, ficamos, curiosos por vêr em que paravam as cousas. A noite passou-se sem novidade, mas quando o sol nasceu nós vimos a ladeira da frente ficar coalhada de gente e immediatamente a casa grande foi cercada.

Vicente de Paula, depois de varejal-a e certificar-se que estava vazia, ahi se aboletou e mandou abater os bois para dar almoço á cabroeira.

Tendo se adiantado para o copiar, pude bem observal-o: era um typo acaboclado, de estatura regular, grosso, fornido e mal encarado. Tinha uma voz forte e imperiosa, mas quando falava, os seus olhos, que pareciam faiscar, não se fixavam na gente. Trajava calças e camisa de riscado e usava um chapéo de ouricory acabanado. Segurava com a mão direita um bacamarte bocca de sino e tinha na cinta um estoque e uma garrucha com cartucheira. Acompanhava-o uma rapariga, bonita e morena, a qual, atinando com os bahús da mulher de meu senhor, mandou arrebentar as fechaduras e apossou-se dos longos e pesados cordões de ouro.

A cabroeira, depois de almoçar á farta, levantou acampamento e marchou para Atalaia. Eu e os meus companheiros seguimos também, á distancia. Vicente de Paula, ainda bem não entrava na villa e já mandava fazer fogo. Da rua da matriz responderam um pouco, mas d’ahi a instantes só se via gente correr e a villa quasi que ficou deserta. A canalha então entrou sem resistência, matando a couce d’armas as poucas pessoas que encontrava.

Lembro-me que bem perto de mim passaram duas pobres moças tremulas de medo. Quando procuravam entrar numa casa, cuja porta se abrira, caíram atravessadas de balas. Os bandidos adiantaram-se e vendo que um dos cadáveres tinha uns ricos argolões de ouro arrancaram-lh’os brutamente, rasgando as orelhas.

Vicente de Paula á medida que saqueava as casas ia mandando incendial-as. A coisa parecia estar a findar quando chegou a força de linha. Travou-se o combate e eu fiquei entre dois fogos, mas felizmente pude fugir e internar-me no matto. No outro dia contaram-me que Vicente de Paula havia sido derrotado.

Até aqui a narrativa do preto sobre esse celebre salteador que em Alagoas tomou parte nas revoluções da cabanada e dos lisos e cabelludos. Parece que mais tarde, esse caudilho se envolveu na revolução praieira, em Pernambuco.

O presidente dessa então província, Honório Hermeto Carneiro Leão, pensou em alliar Vicente de Paula e sua gente ás forças do governo, para dar combate aos rebeldes, porém, depois que soube dos horrores que elle commetteu na povoação de Capoeiras, onde roubou gado e escravos em grande quantidade, prescindiu de tal auxilio e mandou-o prender pelo major Victor de Albuquerque Mello. A prisão do bandido não foi tão fácil como dá a entender o presidente de Pernambuco em seu relatório.

Houve necessidade de lançar-se mão de um certo ardil: o major Victor, apresentando-se nas mattas de Jacuipe a Vicente de Paula, declarou-lhe que viera do Rio incumbido por Sua Magestade o Imperador, de lhe a patente de General das Mattas, o posto com que o agraciava o monarcha em admiração á sua bravura. O caudilho acreditou e um dia em que, fardado, passeava com o seu novo amigo, foi por este preso, e bem algemado conduzido para o Recife, donde seguiu para o presídio de Fernando de Noronha.

Consta que, em viagem, vestiram-lhe um collete de couro cru molhado e o expuzeram assim ao sol; a medida que o couro seccava, o bandido extorcia-se victima das mais cruciantes dores, chegando mesmo a ter diversas hemoptises.

(42) Segundo o dr. Espindola, o vigário da Palmeira fôra assassinado em viagem para Maceió, pelo escolta que o conduzia preso, commandada pelo major Cobra.

Contaram-me, porém, que o referido vigário tinha sido morto ao sair da egreja, onde celebrara missa, em Taquary Velho, logarejo que fica entre Palmeira dos Índios e Bom Conselho.

Mostraram-me naquelle logar, o ponto onde o vigário rolou sem vida. Um camponez das immediações asseverou-me que ainda hoje se encontram como vestígios do combate que então ahi se travou, muitas balas perdidas pelos campos.

Há annos conheci uma senhora sexagenária, que me disse ser parenta dos Moraes e que assim me relatou a historia desses caudilhos: o vigário tinha terminado a missa e ia se retirar, quando a egreja foi cercada e invadida por indivíduos armados de bacamartes. Um dos chefes intimou o padre, sob pena de morte, a fazer com que os filhos, que nesse momento marchavam em demanda de Taquary Velho, dispersassem a sua tropa. Um portador, despachado as pressas, deu sciencia aos Moraes da situação em que se achava o vigário, e quaes as condições exigidas para a salvação delle.

Os dois irmãos depuzeram immediatamente as armas e offereceram a paz em troca da vida do pae.

Quando os inimigos deste souberam que o bando dos Moraes havia sido dissolvido, evacuaram a egreja e simulando uma retirada foram se occultar no matto próximo. No momento em que o vigário, já tranqüilizado, se dirigia para uma pequena casa onde se achava hospedado, recebeu uma descarga a queima-roupa, caindo instantaneamente morto.

Os filhos então não tiveram mais contemplações e, reunindo os seus apaniguados, juraram não deixar vivo um só dos que tivessem tomado parte no assassinato do pae. E quási que assim o fizeram: nesse mesmo dia, em Taquary Velho, travou-se um verdadeiro combate e muitos dos culpados, á tarde, pagaram com a vida a negra traição da manhã.

Vencedores, os irmãos Moraes proseguiram na sua obra de destruição e vingança. Os inimigos aterrorisados mandaram propor um accordo: abririam uma subscripção para arranjar meios com que elles podessem sair da província, dar-lhes-iam cavallos e bois e não mais os perseguiriam. Os irmãos acceitaram a proposta e depondo novamente as armas, emprehenderam a retirada.

Uma noite, porém, dormiam, acampados ao pé de uma arvore, quando foram despertados em suas rêdes, debaixo de um grande tiroteio. Achavam-se cercados pelos mesmos que haviam pedido a paz. Mais uma vez a traição.

A defesa foi impossível. O José e muitos outros, baleados nas primeiras descargas, caíram mortos. O Manoel com o resto dos companheiros, encontrou a salvação na fuga.

Conhecedores do terreno, internaram-se no matto e foram muito adiante, no cotovello da estrada fazer uma emboscada aos seus adversários, de modo que, ao amanhecer, quando estes passavam, rindo e commentando a victoria da refrega da noite, foram surprehendidos com o ataque á bala, salvando-se alguns apenas devido á velocidade dos cavallos, que dispararam a correr doidamente aos primeiros estampidos.

Desse dia em deante o Manoel de Moraes transformou-se numa fera sedenta de sangue, e completamente perdido, fora da lei, só tinha um fim no mundo: matar. Perseguido por todos os lados fugiu para as bandas de Sergipe e um dia, encurralado numa espessa matta, quando morto a fome procurava com os poucos companheiros que lhe restavam, assar um pedaço de cascavel para comer, foi surprehendido pela força do governo. Um caboclo, que serviria de guia, apontou-lhe o bacamarte. Moraes ergueu-se ainda, abriu a camisa, apresentou o peito e exclamou: - atira, porque já não é um homem a quem tens diante de ti, é um cadáver. O caboclo acertou a pontaria e aquelle que tinha deito tantas mortes pagou com a vida os seus crimes.

Foi um bandido, mas se no seu caminho não encontrasse, a cada passo, a perfídia e a deslealdade, talvez que tivesse sido um homem de bem.

(43) Entre Palmeira dos Índios e Quebrangulo, os Moraes assaltaram uma fazenda, cujo dono tinha compactuado com os seus adversários.

Mataram-no friamente a punhaladas, na presença das próprias filhas e depois ordenaram a estas que trouxeram água e toalhas. As moças, em pranto, obedeceram, e ainda tiveram de segurar a bacia emquanto elles lavavam as mãos tintas de sangue.


De outra vez, ao entardecer de um dia de inverno, um mendigo aleijado, que se amparava numas muletas, pediu pousada numa casa, perto do povoado Lourenço. Á noite, estando toda a família na sala, elle quis ouvir a opinião sobre os Moraes. Uma filha do dono da casa declarou que, no seu modo de ver, era justo o que elles faziam, pois vingavam a morte do pae. A avó dessa moça encolerisou-se ouvindo-a e apostrophou os irmãos de salteadores e vis assassinos. Em seguida, volvendo o olhar para o céo pediu a Deus a força para elles. Nesse momento o mendigo atirou as muletas para um lado, perdeu o ar de doente, avançou para a velha, prendeu-a pelos cabellos e exclamou: eu sou um dos Moraes, vaes morrer. E antes que ella pudesse exhalar um só grito, embebeu-lhe na garganta a lamina do punhal.

Depois, atirando uma bolsa de ouro aos pés da moça, abriu a porta a sumiu-se na escuridão da noite, deixando toda a familir espavorida e paralysada pelo terror.

(44) Pedro José da Cruz Brandão foi na Viçosa o tronco da família Brandão.

(45) O tenente João Tenório foi um dos troncos da família Tenório, da Viçosa, e era avô do desembargador Espiridião Tenório.

(46) Os engenhos existentes em 1859 eram os seguintes: Boa Sorte, de José Martins Ferreira; Barro Branco, de Pedro José da Cruz Brandão; Brejo, de Luiz Lucas Correia de Araújo; Boa Hora, de Germana Maria Barbosa; Bom Socego, de Affonso de Albuquerque Mello; Balsamo, de Antonio Romualdo de Souza; Serra, de Manoel Bezerra de Vasconcellos; Bananal, de Quintiliano Victal dos Santos; Cassamba, de João de Hollanda Cavalcanti; Gereba de Manoel Marrques Padilha; Toré, de Joaquim José de Araújo; Meio, de José de Hollanda Cavalcanti; Caçamba, de Luiz Florentino da Lyra; Timbó, de José Raymundo dos Santos; Conceição, de Manoel de Moura Cavalcanti; Cabeça de Boi, de Francisco Rijo de Moraes; Poço Redondo, de Maria de Araújo; Três Paus, de Joaquim Pereira Ávila; Riachão, de Anacleto Gonçalves, Riachão, dos herdeiros de Agostinho Teixeira; Cambuí, de Vicente Ferreira Rodas; Polvo, de José Alves do Bom Fim; Santo Antonio, de Bellarmino de Hollanda Cavalcanti; Caçamba, de Manoel Fernandes de Aguiar; Baixa Funda, de Pedro José da Cruz Brandão; Olhos d’água, de João Lopes Delgado; Riachão, de Philippe José da Costa; Riachão, de José Alves de Barros; Paredões, de Manoel de Farias Cabral; Carangueijo, de João da Costa Albuquerque e Bom Successo, de Antonio de Barros Souza.

(47) Até a presente data a ponte da barra do Cassamba, que é uma verdadeira necessidade, não foi construída.

(48) É possível que antes de 1856, a presidência da Câmara Municipal da Assembléa, fosse accupada por algumas das pessoas então mais em evidência, taes como major Lucas Correia de Araújo, Manoel Rabello Brazil e Manoel de Farias Cabral.

(49) Em 1875, o Conselho Municipal era composto dos seguintes vereadores, capitão Theotonio Torquato Brandão, alferes Antonio Giquiri, Antonio da Graça, Vieira da Lira, Nathan Rodrigues de Vasconcellos e capitão Frederico Rabello Maia.

Entre as autoridades locaes desse mesmo tempo notavam-se as seguintes: adjunto do promotor – Manoel Gracindo Rabello; 1º tabellião e escrivão de orphãos – Christovão José de Aragão Cabral; 2º tabellião e escrivão do jury – José Maximo de Barros; delegado de policia – Caetano Donato Brandão; agente de rendas provinciaes – Jeronymo José Teixeira.

(50) Esse Commando Superior foi supprimido mais tarde, vindo somente a ser restabelecido com a creação da comarca, em 1893.

(51) Os 40 engenhos então existentes eram movidos uns a água e outros a animaes. Os primeiros que montaram machina a vapor foram o S. Francisco, de D. Maria da Gloria Brenand, em 1889, e o Matta Verde, do coronel José Aprígio Vilella, em 1890.

(52) Sobre o Cabo Preto, a simplicidade popular creou uma serie de lendas. Affirmavam que esse chefe de quadrilha possuía no corpo uma hóstia consagradora e que por tal motivo se tornava invulnerável ás balas e ficava invisível quando perseguido de perto. Taes propriedades, porém, desappareciam quando elle se achava dentro d’agua, pois então ficava com o corpo aberto, isto é, deixava de ser intangível. Uma escolta que andava em sua procura, lembrou-se de fazer uma tocaia na margem de um ribeiro, e no momento em que elle, muito desprecatado, atravessava a corrente, deu-lhe uma descarga de bacamarte, conseguindo assim acabar-lhe com a existência.


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..:: CAPITULO IV ::..

A villa em 1880
Aspectos, Lendas e Usanças

A Viçosa em 1880, não seria talvez a terça parte do que é hoje realmente.

Já existiam a praça do Commercio, a rua da Matriz, a do Joazeiro, a da Gurganema, a da Lama, a do Rosário, a da Palha, e a Treze de Maio, então conhecida pelo nome de rua do Cochicho.

A rua Nova estava em formação. Chamava-se simplesmente Beco: depois das casas do vigário Loureiro e Francisco Moura, seguiam-se de um lado um muro e do outro um pau-a-pique. Para diante eram casebres de palha até o meio da várzea, onde se erguia uma frondosa canna-fistula.

Todo o valle, comprehendendo hoje a área cheia de viellas e ruas em formação, desde o mercado até a estação da estrada de ferro, era então talvez mais poético, com o seu campo, seus verdores, seus perfumes e suas flores matizadas.

A actual rua do Calçamento era uma avenida de mulungús, cortada pelo riacho do Meio, que então deslisava as suas aguas límpidas e cantantes entre balsedos de malmequeres.

Um pouco alem ficavam as casas do engenho Fortaleza, com os seus cercados, seus curraes e seu longo pomar.

A rua do Joazeiro, feia e tortuosa, extendia-se até o cemiterio velho, não apresentando um só prédio que revelasse o menor gosto.

A rua do Gurganema era também constituída de casebres, opprimidos entre a base do morro e a barranca do Parahyba. O nome Gurganema (53) vem de um sitio que existia na velha cidade de Alagoas. Foi o padre Manoel da Costa (vulgo Mané Molle), primeiro vigário da Viçosa, quem deu tal denominação, pois esta rua, como o sitio seu homonymo, era séde de batuques.

O povo nesse tempo tinha costumes mais primitivos.

A villa da Assembléa, distando vinte léguas de Maceió e sem a fácil communicação da estrada de ferro, vivia a vida dos logarejos do sertão, sonhando é verdade, com o dia em que o grito rouquenho da locomotiva, levasse ás suas plagas a nova alviçareira do advento do progresso.

O movimento commercial era diminuto.

Sobre os balcões, nas horas calmosas, os negociantes dormitavam.

Silencio nas casas, silencio nas ruas.

O sol em pino caía a prumo, escaldando e rebrilhando.

Pelas calçadas seccavam favas e grãos de carrapato.

O rebanho do sr. vigário pastava mansamente no relvado que crescia no oitão da alva egreja do Rosário, e dentre a espessa galharia das arvores que ficavam ao pé da matriz, vinham, de quando em vez, pipilos de aves assustadas.

A’s vezes um ruído metallico de chocalhos e cascaveis, com tropel de cavallos e estalos de chicote, rompia o silencio do meio dia e almocreves com as suas cargas recobertas de encerado verde, passavam em demanda do Pilar ou de Maceió. Outras vezes eram tangerinos que vinham de cima, dos altos sertões, conduzindo boiadas e accordando os écos adormecidos com as suas toadas melancólicas e saudosas. Chegava a hora bemdita do jantar e quasi todas as lojas se fechavam. Em algumas ficavam os moleques, de braços cruzados, rijos e perfilados para annunciar aos senhores a chegada de algum freguez.

Quando a tarde refrescava e o sobrado do coronel Santa Cruz extendia a sua grande sombra protectora pela praça do Commercio, nas portas das lojas reuniam-se grupos para o jôgo do gamão e para a deliciosa palestra. Em regra geral o grupo dos conservadores não se misturava ao grupo dos liberaes e entre uns e outros discutia-se política, desejando os que estavam de baixo a quéda dos que estavam de cima.

Creanças, em robe de chambre e calçadas de tamancos, brincavam pelo verde gramado.

O alvo rebanho do sr. vigário, tangido pelo moleque, marchava a passos tardios para o aprisco.

Os coqueiros do velho Graça arfavam, agitados mollemente pela viração da tarde.

Sumia-se o sol no acccaso e uma paz doce e santa caía sobre a villa.

Do alto da matriz rolavam vagarosas e solennes as nove badaladas da ave-maria.

Paravam as conversas; cada um se erguia descoberto e a prece do angelus perpassava por todos os lábios, cheia de fé e uncção.

Descia a noite mansamente.

O alto que fica para os lados do poente e em cujo cume se acha hoje o cemiterio, era coberto por um capoeirão quasi matta.

Na quebrada e parallelo ao riacho, havia um caminho que ligava a Gurganema ao Joazeiro. Tal caminho era largo e sombrio, marginado de vassourinhas e ariticuns. Constituía uma espécie de passeio publico, onde os habitantes costumavam desfructar a frescura da tarde até que a lua cheia começasse a pratear a casaria da villa.

Bem no meio havia uma cajazeira secular, que elevava sua fronde desgrenhada acima das outras arvores. Coeva dos tempos primitivos, ella vira talvez, indifferentemente, chegar o primeiro habitante e edificar a sua cabana perto do espumoso Parahyba.

Gerações se succederam, muitos sóes illuminaram aquelles campos, muitos outonos amarelleceram a sua folhagem e por ultimo, já velha, cheia de lianas e parasitas, com o tronco carcomido pelos annos, servia de assumpto para lendas. Então constava que, há muito tempo, um negro, perto do seu caule, encontrara a morte nas garras de uma onça. Mais tarde ella fôra testemunha de um crime mysterioso, pois uma ossada tinha sido encontrada nas suas immediações. Diziam que á meia noite, pela sua galharia deslisavam vultos phantasticos, que ella rugia aos arrancos do vendaval e que pela estrada deserta apparecia, numa carreira doida e vertiginosa, um espectro sem cabeça.

Quando anoitecia, se não fazia luar, tornava-se difficil o transito na Viçosa, porque ainda não havia illuminação.

O noctívago era guiado atravez das ruas pelas luzes das casas commerciaes, mas depois das oito horas as trevas se tornavam completas.

A hora do recolher era annunciada pelo terço dos soldados: do edifício da cadeia, que também servia de quartel, partia um côro de vozes num bemdito á Immaculada Conceição.

Essas vozes de homens rudes, assim em côro, quebrando o silencio da noite e pairando sobre o ambiente como um queixume, como um soluço que se elevava da terra ao céo, tinham alguma coisa de melancólico que se infiltrava docemente, vagamente, nas almas simples d’aquella simples gente.

E depois quando as vozes esmoreciam tremulas, na imploração final de misericórdia, em cada lar cada habitante de pé e em attitude contrita, fazia o mesmo pedido ao Senhor Deus das Alturas.

Todas as casas se fechavam e o silencio caía sobre a villa. Somente com as lufadas do vento ouvia-se, a instantes, o mugir soturno do Parahyba, que se arrastava vagarosamente pelo seu leito pedregoso.

Nos dias festivos, logo de manhã cêdo, os sinos repicavam alegremente. Esses sinos eram dois. O som do primeiro era grave, cheio e magestoso; o som do segundo era agudo, vibrante e sonoro.

Era o primeiro que chamava os fieis para a missa, num tanger compassado e solenne que rolando sobre a casaria da villa, ia se perder ao longe pelos morros azues.

Era o segundo que annunciava trêfego, numa catadupa de notas alegres, que as águas baptismaes caíam sobre a tenra cabeça de um recém-nascido.

Era o primeiro que nas horas melancólicas do crepúsculo, quando a tarde agonizava, gemia, arrastadas e contritas, as badaladas do angelus.

Era o segundo que em notas crystallinas, pelas noites de festa, quando o pateo da igreja illuminado com lanternas multicôres regorgitava de povo, derramava em ondas, com o espoucar das girandolas, o tom alacre de vida e mocidade.

Eram os dois que num duetto cantante, num repicar risonho, annunciavam que os laços do hymeneu prendiam docemente a um joven par.

Eram os dois juntos, como que abraçados num triste dobrar, num mesmo soluço, num fúnebre lamento, que levavam por toda a villa a notícia tristonha da morte de um parochiano.

Eram elles pois, que alegres ou tristes assignalavam do alto do campanário que um lar se envolvia de galas ou se cobria de lucto, que as suas portas se abriam para dar passagem ao amor ou á morte - a um cortejo nupcial ou a um entêrro.

Ao lado direito da egreja do Rosário viam-se uma ruínas, ou para ser mais claro, um montão de pedras negras onde as urtigas e outras héras bravias cresciam viçosamente.

Esses escombros eram os restos de uma egreja que se não chegara a concluir por falta de espórtulas.

Della o que mais perdurou foi o cruzeiro da frente, erecto quasi no meio da praça. Pintado de verde e enlaçado de fitas, sobre uma tôsca peanha, por muitos annos se divisou o seu perfil sereno e augusto, como o anjo protector da villa, como uma relíquia do passado que trazia ás gerações presentes um attestado da fé e piedade das gerações d’outr’ora.

Um dia esse velho cruzeiro, minado em sua base, carcomido pelo cupim e pelos aguaceiros das invernias, não poude por mais tempo se suster e uma rajada de vento lançou-o por terra.

Nenhuma alma caridosa tratou de reerguel-o e o seu lenho apodrecido foi servir de varal a uma cerca.

Então, contava a lenda, uma grande sêcca se extendeu por todo o município.

As plantações definhavam, os rios estorricavam e a criação morria de sêde e fome.

Fizeram procissão, transladaram imagens, mas o céo conservou-se surdo. Nem uma gotta d’agua se desprendia do alto.

Numa noite, á mesma hora, duas creanças uma do Joazeiro e outra da Gurganema, sonharam que se reerguessem o cruzeiro a sêcca desappareceria.

O povo cotizou-se, mandou um carpira para as mattas do Brejo e um bello domingo, reunido em procissão, com musica, flores, bemditos e foguetes, fez na villa a entrada triumphante do santo emblema.

Mal o prestito chegou na praça as nuvens rasgaram-se e a chuva, caindo em bátegas, inundou os campos; encheu os rios e semeou depois a fartura e o bem estar pela população devastada.

A Viçosa possuía antigamente certos usos que felizmente têm desapparecido.

No dia de finados rendia-se preito aos mortos com um terço cantado na capella do cemitério, das oito para as nove horas da noite.

Lúgubre essa cerimônia que presenciei na minha infância e que me causou tal impressão que ainda hoje não consegui esquecel-a!

Lúgubre essa nave de egreja illuminada apenas por quatro círios trêmulos!

Pelas paredes negras e sujas, cheias de inscripções, a luz vasquejante parecia projectar sombras extranhas. O chão de terra solta e revolvida de pouco parecia fugir aos pés; no ambiente pairava um bafio de morte e gelidez e rompendo o silencio pesado, de quando em quando, rolava uma prece arrastada e chorosa:


Repouso eterno
Lhes dae Senhor
E a luz perpetua
Do resplandor.

Lá fóra, na escuridão da noite erma, um sino rouco lançava aos ares uns dobres lentos tristes e funerários.

Parochiava a freguezia, nesse tempo, o reverendo vigário Francisco Manoel da Silva.

Esse sacerdote tornou-se celebre, no pequenino meio em que viveu, pela pratica de um dos mais bellos preceitos do Martyr da Cruz - a caridade.

Coração bondoso, sempre disposto a praticar o bem, conquistou dos seus parochianos o nome de “pae da pobreza”.

A sua phrase, “deixa estar, deixa estar” caracterisava o seu desprendimento: uns noivos batiam á sua porta para se casar, mas o padrinho adiantando-se pedia ao seu vigário que fizesse o casamento de graça.

- Mas tu não sabes, homem, que os vigários também precisam viver e que...

- Perfeitamente, seu vigário, mas nós somos pobres e pedimos a Vossa Reverendíssima esta esmola.

- Pois deixa estar, deixa estar, leva os noivos para a matriz que já os irei casar.

Mais tarde era um baptisado, depois um enterro e tudo ia de graça, no “deixa estar”...

Como na villa não houvesse medico, elle, tanto quanto lhe permittiam as leituras do vademecum homeopathico, ia remediando as necessidades.

Narravam que logo nos primeiros tempos da sua chegada á villa, os habitantes desta não freqüentavam a egreja. Uma manhã em que, sem ter ouvintes, elle celebrava a missa, passou um rebanho em frente á matriz e uma ovelha, destacando-se, penetrou na nave e ahi se conservou, como que numa attitude genuflexa, até o fim da ceremonia. O povo considerou esse facto um milagre e d’ahi por diante a egreja começou a ser concorrida.

Certa vez, quando se realisavam eleições, os conservadores e os liberaes se achavam muito exaltados, de modo que se receiava um serio conflicto. Estavam todos na egreja, fazendo a apuração e no momento mais perigoso o vigário entrou, paramentado, empunhando a imagem de Christo. Dirigindo-se então aos chefes conservadores e liberaes, tanto pediu, canto rogou que afinal de contas elles chegaram a um accordo e as eleições terminaram calmamente.

O sentimento foi geral, por occasião da sua morte, e o seu enterro transformou-se numa verdadeira procissão, extendendo-se a onda humana desde a sua casa, que ficava perto da ponte sobre o riacho, até a matriz, onde foi sepultado.

A credulidade popular ainda assignala mais outro milagre: os gansos, que elle criava, acompanharam o préstito funerário, entraram na egreja e cercaram o cadáver, como se também lhe quizessem render uma ultima homenagem.

Das festas religiosas, a mais importante era a do padroeiro - o Senhor Bom Jesus do Bonfim. Essa festa celebrava-se com pomposas novenas, missas cantadas, procissões, musica, foguetaria e torneios populares, entre os quaes sobresaíam as cavalhadas e o quilombo.

Cada noite de festa era confiada a um grupo de novenarios ou noiteiros, que faziam todo o possível para que a sua novena ultrapassasse a de todos os outros. Quando alguns desses noiteiros não se interessavam e a festa corria fria, o povo amarrava, no mastro erguido na frente da egreja, um Mané do Rosário - especie de judas, como os da semana santa - e se esse acinte não despertava o brio nos donos da noite, quando a novena se acabava, a garotada no meio de apupos e de grande algazarra, arrastava o Mané do Rosário pelas ruas principaes e afinal o rasgava, redobrando as vaias e atirando foguetes sem bombas.

Felizmente, porém, o Mané do Rosário era muito raro, e a não ser nos annos de penúria e de sêcca, as festas do Bom Jesus sempre corriam muito animadas.

O torneio popular conhecido pelo nome de quilombo, é uma festa que tende a se acabar, não somente na Viçosa, mas ainda nos outros logares do centro.

Entretanto é uma festa puramente alagoana que relembra um dos factos mais importantes da nossa historia - a guerra dos Palmares - e que deveria ser conservada, não só pelo amor á tradição como também porque tal gênero de diversão não deixa de ter o seu attractivo, sendo mesmo superior ás antiquadas e estafantes cavalhadas.

Era no dia do orago que se realisava o torneio do quilombo: ao amanhecer, em um canto da praça, via-se organisado um reducto de paliçada, poeticamente enfestonado de palmas de palmeira, de bananeiras e de diversas arvores virentes e ramalhosas que durante a noite haviam sido transplantadas. Dos galhos pendiam bandeiras, flores e cachos de fructas. No centro da paliçada erguiam-se dois thronos tecidos de ramos e folhas; o da direita estava vazio, mas o da esquerda achava-se occupado pelo rei, o que trajava gibão e calções brancos e manto azul bordado, tendo na cabeça uma corôa dourada e na cinta uma longa espada. Em torno os negros, vestidos de algodão azul, dançavam ao som de adufos, mulungús, pandeiros e ganzás, cantando a instantes a seguinte copla:

Folga negro
Branco não vem cá
Se vier
O diabo há de levá

Depois estrugiam gritos guerreiros, os instrumentos redobravam de furor; ouviam-se sons de buzina e os negros dispersavam-se para vender o saque da noite. Esse saque era representado por bois, cavallos, carneiros, gallinhas e outros animaes domésticos, que haviam sido cautelosamente transportados de diversas casas da villa para o quilombo. A vendagem era feita aos próprios donos os quaes, em regra geral, davam aos vendedores um tostão ou 200 réis. Por volta das 10 horas, o rei, á frente dos negros, ia buscar a rainha, uma menina vestida de branco, a qual, no meio de muitas zumbaias, musicas e flores era conduzida para o throno vazio. As festas, as danças, os cantos e os gritos guerreiros continuavam até o meio dia, quando appareciam os primeiros espias dos caboclos, os quaes, apenas trajando tangas e cocar de pennas e palhas, vinham armados de arcos e flechas. Appareciam cautelosos, procurando conhecer as posições do inimigo atravez da folhagem.

Os negros em grande alarido, preparavam-se para o combate.

Logo depois surgiam todos os caboclos, tendo a frente o seu rei, o qual usava espada e manto vermelho. Marchavam cantando e dançando o toré, dança selvagem acompanhada pela musica de rudes e monótonos instrumentos, formados de gommos de taquáras e taquarys rachados, e de folhas enroladas de palmeira. A lucta se travava na praça, em frente ao quilombo, e depois de muitas refregas, de retiradas simuladas e assaltos, o rei dos caboclos acabava subjugando o rei dos negros e apossando-se da rainha.

Nesse momento os sinos repicavam, as girândolas estrugiam em frente á matriz e no meios das vaias e gritaria da garotada, os negros, batidos pelos caboclos, recuavam para o centro do quilombo, o qual era cercado e destruído. Terminava a festa com a vendagem dos negros e a entrega da rainha a um dos maioraes da villa. Que para fazer figura tinha de recompensar fartamente os vencedores.
O mysterio das águas profundas sempre impressionou a imaginação phantastica do vulgo.

Por traz da cidade, no coração de uma rocha que fica cercada pela corrente do Parahyba, existe um poço cavado pela acção lenta das águas, as quaes ahi se precipitam num pequeno salto de um metro de altura.

Esse tanque natural de águas quêdas e escuras, tem a denominação de Cortume porque, há muitos annos, um velho portuguez quiz aproveital-o para tal fim, num tempo de verão em que o rio havia seccado.

Aconteceu, porém, que no mesmo dia em que depositou os couros no poço, este se encheu d’agua como por encanto, e d’ahi por diante nunca mais apresentou o seu fundo a descoberto.

No centro, affirma a lenda, abre-se ás vezes um grande perau, no qual existe um pilão de ouro com uma imagem de Nossa Senhora também de ouro.

Lavadeiras, que em dias de domingo ensaboavam roupa, tinham visto, na hora em que os sinos da matriz annunciavam a elevação da hóstia, as águas escuras ficarem transparentes e no fundo do poço illuminado por uma extranha claridade, apparecer a deslumbrante visão.

(53) Conforme lembra o dr. João Severiano, a palavra Gurganema pode ser uma corruptela do vocábulo tupi curupanema e originar-se de carurú - sapo e nema - podre.


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..:: CAPITULO V ::..

Ás egrejas, os cemitérios e as missões
A tradição affirma que no logar onde foi celebrada a primeira missa de natal e onde o celebrante erigiu uma cruz tosca de ramos verdes, se construiu depois uma ermida de palha.

O ponto onde ficava essa ermida, não se acha bem determinado: alguns pensam ser no próprio local onde hoje se ergue a matriz; um antigo morador da Viçosa affirmava, porém, ser um pouco mais acima - nas proximidades do antigo matadouro, por traz da rua da Palha. Ainda uma terceira versão diz ter sido no logar onde está situada a capellinha de N. S. do Rosário, isto é, no mesmo ponto onde Manoel Francisco edificou a sua egreja.

Sobre a matriz o que se sabe de positivo é o seguinte: no próprio local onde esta hoje se acha, foi, em princípios do século passado, construída de madeira a capella do Senhor Bom Jesus do Bom Fim, sob a iniciativa do padre Manoel Caetano.

Esse digno sacerdote muito se esforçou pela fundação da nova egreja, já procurando donativos, já estimulando os fieis para auxiliarem a construcção. Esperava pois, por tão justos motivos, ser nomeado vigário. Não tendo, porém, tal facto se realisado, visto como a creação da freguezia foi adiada, elle ficou muito desgostoso e acabrunhado, vindo mais tarde a ficar soffrendo das faculdades mentaes.

Em 1818, quando João da Silva Cardozo e sua mulher Thereza Maria Fiúza, doaram o patrimônio do Bom Jesus do Bom Fim, já existia tal capella, como se prova com o seguinte trecho do auto de doação referente aos limites do terreno:

... “principiando da parte de cima pegando da barra do Riacho do Meio, pela beira do rio Parahyba abaixo até topar no porto das Barreleiras, que é da parte do Nascente e para a parte do Norte ao caminho do Cento e Vinte aonde se acha uma lage de pedra que servio de marco, ficando a capella que se erige no meio pouco mais ou menos, para a titulo d’este Patrimônio se erigir a mencionada capella a dito Senhor Bom Jesus do Bom Fim”. (54)

Conforme se deprenhende da leitura do testamento do portuguez Raymundo José da Silva, testamento translado para a folha nº 11 do antigo livro de notas do 2º tabellião da villa da Assembléa, em 1834, já se cogitava da reconstrucção da capella. Essa reconstrucção, no emtanto, não foi levada a effeito porque tendo sido creada a freguezia, o povo pensou em fazer uma egreja nova para matriz, na praça do Commercio, junto a egreja do Rosario. Convidou-se um frade capuchinho para missionar e conseguiu-se lançar os alicerces do novo templo. Acontecendo, porém que logo no começo as espórtulas vieram a faltar, visto a população nesse tempo ser pequena e pobre, as obras foram paralysadas e abandonadas de todo.

A velha capella do Senhor Bom Jesus do Bom Fim continuou, pois, como matriz, até no anno de 1851, quando o vigário Francisco Manoel da Silva a demoliu e com os escassos meios de que dispunha, aproveitando o antigo material, construiu, no mesmo ponto, uma egreja completamente nova.

Pouco sólida, pois tinha sido feita de pedra e barro, conseguiu no emtanto, com muitos concertos, manter-se de pé durante muitos annos. Em 1900, estando prestes a desabar, foi reconstruída pelo vigário Francisco de Borja Barros Loureiro que, apliando-a, fez dois corredores lateraes, novo altar-mór e novo côro. Ao mesmo tempo deu-lhe um certo gosto esthetico transformando a fachada e construindo na parte mediana uma torre que, como uma bella pyramide branca, eleva-se a muitos metros de altura e avista-se de muito longe.

Nessa reforma foi gasta, até Fevereiro de 1901, a importância de treze contos setecentos e três mil e setecentos reis, (55) sendo uma parte desta quantia representada pelas espórtulas e a outra despendida pelo próprio vigário Loureiro, que fazia questão de dotar a Viçosa com um templo que estivesse de accordo com o seu desenvolvimento.

Para a população actual do município, a matriz já não está em relação, sendo preciso um novo accréscimo.

Entre as imagens notam-se a do Senhor Bom Jesus do Bom Fim, padroeiro da freguezia doada em 1855, por Manoel Bezerra dos Santos, e da Divina Pastora, doada pelo commandante superior Manoel de Farias Cabral, mais ou menos no mesmo tempo e a de Nossa Senhora da Soledade, doada por D. Rita Maria das Flores Brandão. Não pude saber quem doou a bella imagem de Nosso Senhor dos Passos; a de Nossa Senhora da Conceição, a de S. Sebastião e a do S. Coração de Jesus, foram adquiridas pelo povo, em tempos mais recentes.

Nos demais pertences da egreja distinguem-se o bello alampadario, que foi mandado vir do Porto em 1852, pelo capitão José Martins Ferreira e a ambula do sacrário, toda de prata, doada pelo tenente-coronel Theotonio Santa cruz de Oliveira.

O segundo templo da Viçosa é representado pela pequenita egreja de N. Senhora do Rosário (56) e o terceiro é o de N. Senhora da Conceição, mui recentemente construído na rua da Lama.

Antigamente existiu uma capella de S. Francisco de Assis, no fim da rua do Joazeiro, no logar onde foi cemitério publico, e outra muito pequena, sob a invocação de Santa Apollonia, no fim da rua do Gurganema.

No município encontram-se ainda as capellas de N. Senhora da Conceição no engenho Barro Branco, a de S. Sebastião no antigo povoado Limoeiro, a do Bom Jesus no engenho Bananal, a da Divina Pastora na povoação da Pindoba, a de S. José no Sabalangá, a do engenho Riacho Secco, a da Chã Preta, a da Pindobinha e mais outras.

Dessas capellas a mais importante é a de N. Senhora da Conceição, no engenho Barro Branco, construída em 1863, pelo capitão Pedro José da Cruz Brandão. Feita de pedra e cal, ella apresenta uma linda fachada de elegante e correcto gosto architectonico e um corredor de três arcadas. Possue um côro e todos os paramentos necessarios para a celebração da missa e das outras cerimônias religiosas. Apesar das suas pequenas dimensões pode, pelo seu lado esthetico, collocar-se entre as primeiras capellas do Estado. Serve também de sarcophago de família, pois além dos túmulos do seu fundador, o capitão Pedro José da Cruz Brandão e sua mulher D. Rita Maria das Flores Brandão, encerra também os túmulos do coronel Theotonio Torquato Brandão, de sua mulher D. Francisca de Barros Loureiro Brandão e mais outros de pessoas da família Brandão.

Depois da capella do Barro Branco, salienta-se ainda a capella do Limoeiro, não pela sua construcção, pois não passa de uma egrejita sem importancia, mas pelo seu valor histórico, pois há 40 annos, celebravam-se pomposas festas de S. Sebastião, para as quaes concorria quasi toda a população da Viçosa.

Essa egreja possue um patrimônio de terras doado em 1833, pelo padre João de Carvalho Alvarenga. (57)

Primitivamente não havia cemitérios na Viçosa.

Os mortos eram enterrados na matriz, no Rosário e no circuito formado pelos alicerces da egreja em construcção, a que me referi há pouco.

Com o augmento da população, comprehendeu-se a inconveniência dos enterramentos no perímetro da villa e a deficiência dos logares reservados para taes fins.

Essa deficiência tornou-se absoluta em 1856, por occasião da primeira epidemia do cholera, de modo que, como já disse em capitulo anterior, construiu-se ás pressas um cemitério cercado de paliçada, nos confins da rua do Joazeiro. (58)

A epidemia trouxe um ensinamento para o povo pois, nesse mesmo anno de 1856, foi organisada uma commissão para angariar donativos e meios pecuniários com que se podesse construir um cemitério.

Essa commissão, de cujos membros apenas pude saber os nomes do escrivão Manoel Rebello Brasil e do dr. Francisco Seraphico de Assis Carvalho, promotor publico da Imperatriz e Assembléa, começou a sua obra de caridade e conseguiu dentro em breve ampliar o cemitério dos cholericos e substituir a paliçada por paredes construídas de pedra e barro.

Nesse mesmo tempo, sob a iniciativa de José Martins Ferreira, que concorreu com um conto de reis, erigiu-se na parte anterior do cemitério a pequena capella de S. Francisco de Assis a qual o mesmo José Martins, mais tarde, doou uma imagem do orago e um sino. (59)

A capella e o cemitério, sob serem mal construídos, tinham ficado incompletos, pelo que entraram poucos annos depois, a arruinar-se.

Ao governo provincial competia satisfazer esta necessidade da florescente villa, a qual, por intermédio da sua Câmara Municipal, não se esquecia de fazer reclamações conforme poderá ter a prova quem se der ao trabalho de ler as “fallas” dos presidentes da província á Assembléa Legislativa, por occasião da sua abertura.

Os anos escoaram-se, a população cresceu e o governo não enviou o auxilio requerido.

Em 1890, o vigário Loureiro convidou um capuchinho, frei Cassiano de Camachio, do convento da Penha no Recife, para missionar na Viçosa e construir um novo cemitério.

Com a noticia das missões começou o povo a affluir não só dos diversos pontos do município, mas de todos os logares circumvizinhos.

O local que se achou próprio para edificar se a mansão dos mortos, foi o cume do monte que fica por traz da cidade, para os lados do poente.

O bondoso frei Cassiano, ao iniciar os sermões, iniciou também os trabalhos, aproveitando a bôa vontade do povo no transporte dos materiaes necessários para as obras.

Nesses dias a villa, contemplada de um dos montes que a circumdam, apresentava um espectaculo encantador.

Recordo-me que uma tarde eu e meu pae nos dirigíamos para a Viçosa.

Quando chegamos no alto da Ladeira Vermelha, ponto culminante, onde toda a villa se descortina, paramos extasiados, como se tivéssemos deante de nós algum cosmorama oriental: uma compacta multidão movediça, enchendo a praça e as ruas, formava um longo cordão que subindo o monte pelo lado da cadeia, ia até o cume onde se estava construindo o cemitério. O sol poente, batendo em cheio nesse formigueiro humano, fazia resaltar as variegadas côres dos trajes e dava a todo conjuncto, visto assim de longe, um aspecto quasi phantastico. Atravez das ruas mal podia-se marchar, tal era a quantidade de gente que fervilhava, conduzindo pedras, cal, barro e areia para o cemitério. Nesse mistér empregavam-se não só os homens validos, como também os velhos, as mulheres e as creanças, cada um na quantidade de suas forças. Toda a vasta planície que extende do logar onde hoje é a estação da estrada de ferro até as immediações do engenho Brejo, era como um vasto acampamento cheio de barracas, de choupanas, de ranchos e de redes armadas pela galharia das arvores. ,

Quando a noite extendia o seu manto sobre a terra, depois do sermão, aquelle immenso bivaque illuminava-se ás chammas de innumeras fogueiras e um balbuciar de prece, confuso e enorme, evolava-se para o céo, vagarosamente, como um longo queixume, nas azas frias da briza nocturna.

Frei Cassiano effectuou um sem numero de casamentos, os quaes, visto a matriz não comportar o povo, realisavam-se no meio da praça, onde os nubentes eram dispostos em circulo.

O numero dos chrismados elevou-se a 50 mil.

Em pouco mais de um mez o cemitério foi construído, á custa das esmolas e do trabalho do povo.

Esse novo cemitério, pela sua collocação no alto do morro, foi accusado de ser o causador das febres que de quando em vez reinam na Viçosa. Algumas pessoas eram da opinão que as águas da enxurrada acarretavam para a cidade materias em decomposição.

Esta supposição é infundada e não tem razão de ser. Tal facto só se poderia dar se os cadáveres fossem depositados muito na flor da terra. Ora, os enterramentos fazendo-se na Viçosa, como em toda a parte, com os sete palmos de profundidade nas covas, e sendo o terreno filtrável, não pode absolutamente haver tal perigo.

As febres acham-se ligadas a outras causas sobre as quaes farei algumas considerações no capitulo reservado ao estudo do clima, da pathologia e da hygiene.

Collocado no ponto culminante do morro que domina a cidade, e desta separada em grande distancia por capoeiras que crescem nas encostas, o cemitério, batido por todos os ventos, de modo algum exerce influencia perniciosa sobre a salubridade do logar. Alguma censura que lhe possa caber, diz apenas respeito á distancia e á difficuldade do transporte dos cadáveres, atravez de uma ladeira extraordinariamente íngreme.

Não quero concluir o presente capitulo sem fazer um pequenino appelllo aos meus patrícios: o ponto onde existiu o antigo cemitério de S. Francisco de Assis, acha-se hoje quasi ao abandono. Os muros da parte posterior desabaram em alguns lanços; hervias bravias crescem sobre as sepulturas e não raras vezes, talvez, os animaes irão profanar com as suas patas aquelle logar sagrado onde repousam os últimos despojos de duas gerações, entre as quaes muitos dos actuaes habitantes contarão talvez, um avô, um pae ou uma mãe querida. Por que esta indifferença pelos que se foram?

Porque que não se reúnem todos, sem discrepância de classe, ricos e pobres, cada um na medida das suas forças, e não procuram reerguer os muros arruinados, reedifficar a capella de S. Francisco ou construir qualquer outro monumento que perpetue a memória dos seus maiores?

A realisação dessa obra de piedade filial, de caridade pelas cinzas dos que alli jazem, no mesmo nada em que o sopro devastador da morte transforma os seres, a realisação dessa obra, repito, é uma necessidade, é uma divida que todo o bom viçosense deve procurar pagar quanto antes.

(54) Ver documento nº 4.

(55) Segundo uma nota encontrada no archivo particular do vigario Loureiro, eram estas as despezas até Fevereiro de 1901:

Diversas despesas até fevereiro de 1898................1:319$580
Serviço da capella-mór e altar...................................1:725$230
Um corredor, arco-mór...............................................3:017$090
Sacristia, armários..................................................... 985$000
2º corredor e torre.......................................................6:164$800
Calçada........................................................................492$000
----------------
13:703$700
Receita até Fevereiro de 1901................................... 10:977$400
----------------
2:726$300

(56) Essa egreja foi por muitos annos zelada pelo tabellião Chistovam de Aragão Cabral e sua mulher D. Senhorinha de Aragão Cabral, os quaes se acham ahi sepultados.

(57) Ver documento nº 3.

(58) A rua do Joazeiro era então separada da casaria de palhoças que se denominou rua da Lama , por um tracto de terreno encapoeirado, onde se edificou o cemitério dos cholericos.

(59) Ver documento nº 5.



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..:: CAPITULO VI ::..

Ultimos annos da villa
e primeiros tempos da cidade
De 1881 a 1888, pouco houve na villa da Assembléa que se possa assignalar.

Em 1885 o partido conservador succedeu no poder ao partido liberal.

Como sempre acontece nessas mutuações políticas, houve substituições em alguns cargos públicos e nas autoridades locaes, porém tudo isto foi feito calmamente, sem axaltação de ânimos.

Durante esse período, a Viçosa teve sucessivamente como juizes municipaes os bacharéis Manoel Menezes, E. Alvim, Rego Mello e Carlos Marinho Pires Nabuco.

Exerceram o magistério publico os professores Tertuliano Lins; J. Monteiro, João Francisco da Rocha Rijo, F. Ramiro e João Manoel Simplicio.

A Lei de 13 de Maio de 1888, que aboliu a escravidão no Brazil, foi uma surpresa dolorosa para os proprietarios de escravos, mas a mocidade, que em todos os tempos e em todas as partes foi sempre uma classe apologista das grandes idéas, fez uma passeata, havendo muitos discursos e muitos foguetes.

Passou-se mais um anno de calma e pasmaceira.

As idéas republicanas, propagadas pelo verbo de Silva Jardim, fervilhavam no Brazil.

Em Maceió já se iam formando clubs republicanos e uma folha diária – o Gutenberg - á abraçára francamente a nova causa, pregando das suas columnas o advento da nova éra.

No Rio, o gabinete João Alfredo, atacado por todos os lados, caía aos golpes cerrados dos seus adversários.

Elevava-se então o ministério Ouro Preto e aquelles que galgavam o poder, cheios de ufania e esperanças, mal pensavam que iam apenas accender os círios funerários da monarchia, que se esboroava aos poucos e começava a agonisar.

Todas essas nuvens procellosas que pairavam sob o céo da Pátria Brazileira, ameaçando uma próxima borrasca, os ventos não as impelliam até á villa da Assembléa.

Perdida no meio das suas mattas, perseguida pela rotina e pela distancia, mal lhe chegavam os écos amortecidos do que ia pelo mundo.

Todas as suas aspirações se voltavam para a construcção de uma via-ferrea.

Numa tarde de verão, quente e luminosa, surgiu pelos lados do Brejo um grupo de homens com apparelhos extranhos, medindo, alinhando e tirando uma picada atravéz dos capoeirões.

Eram os engenheiros da estrada de ferro que chegavam com as suas explorações.

D’ahi por diante ninguém mais julgou utopia tal desideratum.

Chegou o dia 15 de Novembro e a nova alviçareira da proclamação da Republica, rompeu as distancias e disseminou-se, num marulhar de notas festivas, por todos os ambitos do Brazil.

Com as novas instituições dissolveram-se os antigos partidos liberal e conservador e foram feitas nomeações de cargos municipaes, sendo o primeiro intendente Manoel Gracindo Rebello, o qual foi substituído pelo coronel Apollinario Rebello Pereira Torres, que tinha sido eleito logo depois da reunião da constituinte. Este intendente foi por sua vez substituído pelo capitão Alípio Coelho de Barros Lima. Todos três fizeram alguma cousa pelo melhoramento material da villa, a qual, nessa época, por causa da estrada de ferro cujos trabalhos já estavam muito adiantados, começou a desenvolver-se fortemente.

De todos os pontos do Estados vinham commerciantes se estabelecer na villa; houve uma verdadeira febre de construcção, as ruas augmentavam de extensão, surgiram outras, de modo que, ainda mesmo antes da inauguração da via-ferrea, a Assembléa quasi que já tinha duplicado. Para isto também concorreu o preço do assucar, que teve uma alta bem animadora após um longo interregno de desvalorisação.

A aura de progresso que se fazia sentir na villa, extendeu-se por todo o município. Os engenhos multiplicaram-se passando o seu numero de 70, sendo muitos movidos por machinas a vapor.

O algodão, que depois do assucar constituía o mais poderoso elemento da riqueza do município, teve também uma animação no seu preço.

Tão risonha, tão futurosa, tão fértil, tão productiva se mostrava a villa da Assembléa, que o então governador do Estado, coronel Pedro Paulino da Fonseca, pelo decreto n. 46 de 25 de Novembro de 1890, lhe mudou a denominação para Villa Viçosa.

No recenseamento que se procedeu nesse anno, o município accusava uma população de perto de 28 mil almas.

O verdadeiro progresso da Viçosa, pode-se dizer, data do anno de 1891 com a inauguração da via-ferrea a qual se realisou na tarde do dia 24 de Dezembro, entre acclamações festivas e delirantes do povo.

O vigario Loureiro e o abastado commerciante coronel Manoel Joaquim de Siqueira Sá, offereceram um baile ao crescido numero de pessoas de Maceió que tinha ido assistir a inauguração. Entre essas pessoas notavam-se o governador do Estado, os secretários e o chefe de policia.

A villa regorgitava em festa. Campônios com os seus trajes domingueiros, ahi haviam accorrido não somente pela missa lendária do natal, como também pela novidade da chegada do vapor.

Notas alegres, cânticos, risos e sons de musicas rolavam em turbilhões pela amplidão da noite serena, azul e constellada.

Em 1892 governava o Estado o general Gabino Bezouro, então major do corpo de engenheiros.

Esse benemérito alagoano que assignalou a sua administração pelo progresso, pela manutenção da ordem e dos princípios de justiça, também se impôz á gratidão da Viçosa, pois foi durante o seu governo que ella passou a categoria da cidade.

Na 2ª sessão ordinária da 1ª legislatura do Congresso alagoano, realisada no dia 29 de Abril de 1892, presidindo a Câmara o sr. José de Barros, foi pelo deputado Correia Paes, 1º secretario, apresentado o projecto n. 7, que elevava á cidade, com o nome de Assembléa, a Villa Viçosa.

Em sessão do dia seguinte o deputado Cronegando apresentou uma emenda ao projecto, em virtude da qual seria conservada a denominação de Viçosa. Approvada essa emenda, o projecto n. 7 foi convertido em lei no dia 14 de Maio.

O decreto que a sanccionou acha-se assim exarado:

“Gabino, Bezouro, Governador do Estado de Alagôas.

Faço saber que o Congresso d’este Estado decreta e eu sancciono a resolução seguinte:

Artigo 1º - É elevada á cathegoria de cidade de Traipú a villa do mesmo nome.

Artigo 2º - É igualmente elevada á cathegoria de cidade a villa Viçosa.

Artigo 3º - Revogam-se as leis e disposições em contrario.

Palácio do Governador de Alagoas em 16 de Maio de 1892, 4º da Republica - Gabino Bezouro”.

A installação da cidade foi realisada festiva e solennemente no dia 5 de Junho do mesmo anno, achando-se presente ao acto, na sala das sessões da intendência municipal, o governador do Estado, o qual, em companhia dos seus secretários e de diversas outras autoridades estaduaes e federaes, tinha ido especialmente á Viçosa.

Restava agora á nova cidade tornar-se município judiciário independente do de Atalaia, facto esse que se realisou um anno mais tarde, por lei do Congresso Legislativo e decreto do governador, de 12 de Julho de 1893.

Creada a comarca foram, em seguida, nomeados juiz de direito e promotor os bacharéis Luiz de Castro Barróca e Alípio Minervino da Silva.

A inauguração do novo município judiciário e a posse do dr. Barróca, tiveram logar no dia 21 do mesmo mez perante o Conselho Municipal, cujo presidente, o coronel Apollinario Rabello, saudou o novo juiz.

Por decreto nº 1461 do vice-presidente da Republica, foi, também no dia 12, creado na florescente cidade um commando superior da guarda nacional, composto do 14 regimento de cavallaria com 4 esquadrões, do 5º batalhão de artilharia de posição com 4 baterias, do 52 e do 53 batalhão de infantaria do serviço de reserva com quatro companhias cada um. No mesmo decreto foram nomeados: coronel comandante superior o tenente coronel Theotonio Torquato Brandão e commandantes dos batalhões os tenentes coroneis Manoel Joaquim de Siqueira Sá, Francisco Mauricio Pereira, Francisco de Hollanda Cavalcante, Antonio Corrêa da Silva Bom Fim e José Alves Paes do Bom Fim.

Nessa mesma epoca o jornalismo era representado pelo hebdomadario Viçosense, o qual teve uma vida ephemera porém proveitosa.

Termino aqui estas ligeiras notas historicas.

Hoje, decorridos vinte annos, muitos outros factos já se desenrolaram, mas como todos elles pertencem ao dominio da actualidade, deixo a sua apreciação a historiadores futuros.


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..:: CAPITULO VII ::..

Descripção physica

POSIÇÃO ASTRONOMICA. - A séde do município da Viçosa acha-se situada a 9º 20’ 2’’ de latitude S, e a 6º 51’2” de longitude E. do Rio de Janeiro.

LIMITES - O município limita-se ao N. e ao N. E. com o da União pela serra do Cafuchy e por uma linha que passa pela estrada do Queimado; a E. com o município da Parahyba (Capella) por uma linha que se dirige pelas quebradas da serra Dois Irmãos; a S. E. ainda com o município da Parahyba pela serra Bananal; ao S. com o município de Anadia pelo riacho Parangaba, no povoado Pindoba; a S. O. por uma linha que parte das origens do mesmo riacho Parangaba, na base da serra Boa Vista, até um alto que fica no arraial “Rua Nova,” no município de Anadia; a O. com o município de Victoria (Quebrangulo) por uma linha que vae de “Rua Nova” ao povoado Lourenço; a N. O. com Quebrangulo por uma linha que, partindo do povoado Lourenço, passa pela estrada da Matta Limpa; e com o Estado de Pernambuco, no município de Correntes, por uma linha que passa pela estrada do Jundiá, sóbe o Mundahuzinho até a nascença e se dirige para a serra do Cavalleiro. (60)

DISTANCIAS - A cidade da Viçosa dista da capital do Estado 108 kilometros ou 19 leguas mais ou menos; da cidade de Atalaia 7 leguas da de Quebrangulo 8, da de Anadia 10 e da de União 12.

DIMENSÕES - A maior dimensão da Viçosa é de 49 Kilometros, mais ou menos 8 leguas, e pode ser representada pela diagonal traçada de N. O. a S.E., partindo da estrada do Jundiá, na fronteira de Pernambuco e terminando na serra do Bananal, tendo passado pela séde do município. A distancia d’esta para os diversos pontos de reparo dos limites é a seguinte: para a serra Dois Irmãos (pendores) 2 leguas; para a povoação da Pindoba 3 leguas, para a do Lourenço 4 leguas, para a serra do Cafuchy 4 leguas, para o Queimado 4 leguas, para a nascente do Parangaba 3 leguas e para o arraial “Rua Nova” 4 leguas.

POTAMOGRAPHIA - Exceptuando o riacho Mundahú–Mirim ou Mundahusinho, que vae desaguar no Mundahú, todos os ribeiros da Viçosa são tributários do rio PARAHYBA, o qual, depois do S. Francisco, é, em extensão, o maior de Alagoas, pois, desde a origem até a foz, conta 30 leguas de curso.

O Parahyba tem a sua nascente na serra do Gigante, (61) no município de Bom Conselho, no Estado de Pernambuco. Entre os diversos regatos que nascem da base dessa serra, figura o Riacho Sêcco, o qual impropriamente é considerado como origem do Parahyba, quando não passa de um simples affluente.

O Parahyba atravessando o Estado de Alagoas de O. para L. banha os municípios de Quebrangulo, Viçosa, Parahyba (Capella), Atalaia, Pilar e deságua meia légua ao S. da séde deste ultimo município, por dois braços, na lagôa Manguaba, sendo navegável por pequenas cannoas, conforme assegura o dr. Thomaz Espindola, apenas até Terra Nova, a meia légua da sua foz.

Muito pedregoso em diversos pontos de seu leito, elle corre, até a serra Dois Irmãos, num ligeiro declive que prova perfeitamente a elevação dos terrenos para o centro. Durante as grandes sêccas, as suas águas diminuem extraordinariamente de volume, deixando a descoberto o seu enorme esqueleto de rochas. Nos verões muito fortes, a sua corrente ficando cortada, apenas se encontra água nos poços profundos.

As enchentes começam depois das primeiras chuvas, ordinariamente de Março a Abril. O verdadeiro tempo das cheias, porém, é no rigor do inverno, de Maio a julho, quando todos os regatos seus tributários têm transbordado. Então o Parahyba torna-se verdeiramente magestoso: as suas águas mugidoras, rolando de encontro aos penhascos, formam ao longo da correnteza, numa extensão de léguas, uma serie de pequeninos saltos espumosos, interrompidos apenas nos remansos do rio, nas partes profundas e embarrancadas. Nessas occasiões as suas passagens tornam-se perigosas, sendo o transporte muitas vezes obstado durante um ou dois dias, visto não haver pontes, mesmo nos logares onde as estradas mais transitadas têm fatalmente de cruzar o rio, taes como na passagem da Barra do Cassamba e na da estrada do sul, um pouco acima da rua Gurganema.

Antes de chegar na Viçosa, o Parahyba desvia-se para a direita, por causa do morro do cemitério, e correndo opprimido entre a sua base e o começo da elevação do alto da Balança, vae espraiar-se perto da cidade, a qual fica na margem esquerda.

Ao atravessar a serra Dois Irmãos, o Parahyba, principalmente no inverno, apresenta um aspecto bello e selvagem. A sua corrente, agora muito constrangida num estreito espaço, rola rápida, lambendo o sopé dos morros adustos num curto planno inclinado, até precipitar-se verticalmente num abysmo, formando uma linda cachoeira de alguns metros de altura. Essa cachoeira, que pode ser apreciada ligeiramente do trem da Viçosa, na passagem da serra, já fica no município da Capella.

O dr. Moreira Pinto, na sua Chorographia do Brazil, propõe para o Parahyba de Alagoas a desiguação de Parahyba do Meio. Acho essa idéa muito plausível, pois assim se evita confusão com o norte e com o do sul.

Segundo von Martius, o vocábulo parahyba origina-se de para, água e hyba, arvore.

Portanto a traducção integral seria arvore d’agua. Realmente existe nas nossas mattas uma arvore com a denominação de parahyba - é a Simaruba versicolor de Saint-Hilaire, leguminosa de lenho muito leve que é empregada na confecção de jangadas, visto fluctuar n’agua com muita facilidade.

Não é plausível, porém, que a arvore tenha dado o nome ao rio, mas antes que este o tenha concedido a arvore. Milliet diz significar “água clara,” porém o dr.Theodoro Sampaio affirma que Parahyba é o mesmo que Para-ahyba, devendo ser a traducção: rio ruim ou impraticável. Esta versão parece mais correcta, porque os índios não faziam as suas denominações arbitrariamente, mas sim baseados em alguma propriedade, em algum facto. No Parahyba o que lhes feriu immediatamente a attenção, foi ter o rio o seu leito muito cheio de pedras e ser de difficil navegação. (62)

Os affluentes da margem direita, no município da Viçosa, são os seguintes:

Lages - Pequeno regato que atravessa a fazenda do mesmo nome e que deságua quasi em frente do engenho Veados.

Riachão - É o mais importante dos affluentes da margem direita; nasce na propriedade Olhos d’Agua do Jatobá, no município de Anadia, e depois de receber muitos córregos, entre os quaes o Pan Amarello, o Água Fria, o Boa Vista, o Riachãosinho, o Olhos d’Agua, o Pedras de Fogo, o Tatû e o Caborge, vae desemboccar um pouco acima da cidade da Viçosa.

Sabalangá - Nasce além de engenho S. Pedro, passa perto do engenho S. Francisco e desenbocca em frente ao povoado do mesmo nome.

Travessada - Passa na propriedade Quinta da Serra (Poço Feio) e forma um salto antes de chegar no Parahyba.

Os affluentes da margem esquerda são:

Cavaco - Regato estreito de margens embarrancadas; nas estações invernosas torna-se profundo e torrentoso.

Taguara - Córrego sem importância.

Genipapo - Pequeno riacho que secca no começo do verão.

Veados - Este regato banha o engenho Bananal, o engenho Aquidaban e desenbocca perto do engenho Veados. Um pouco acima da sua desemboccadura no Parahyba, encontram-se um monumento prehistorico e uma lagea com inscripções. (63)

Cassamba – É o maior dos aflluentes que deságuam no Parahyba, em terras de Viçosa; nasce entre a serra dos Bois e a do Cavalleiro, no município de Quebrangulo, corre de N. O. a L. e depois de um percurso de 10 a 12 leguas, desembocca junto ao povoado Barra do Cassamba. Tanto no município de Viçosa como no de Quebrangulo, este importante ribeiro, bastante volumoso no inverno, move diversos engenhos de assucar e fertiliza os terrenos, servindo as suas águas para irrigação dos cannaviaes durante as estações caniculares. Entre os diversos regatos seus tributários distingue-se o Gravatá, que para elle afflue no engenho Baixa Funda.

Limoeiro - Desembocca no povoado do mesmo nome, a pouco mais de meia légua acima da cidade. Tem suas nascenças no engenho Barro Branco, onde é formado pelos regatos Jaqueira, Belê, Banheiro e Caborge, os quaes se reúnem perto do engenho ao regato Zabumba, que vem do engenho Bom Jesus. Em seguida a essa juncção, começa o seu curso com o nome de Palmeiral e depois de banhar toda a propriedade do Barro Branco, onde recebe ainda os córregos Roncador e Raposa, vae tomar o nome de Pobre, após a desemboccadura do Limoeirinho, no engenho Dourada. Atravessa o engenho Firmeza e d’ahi toma então o nome de Limoeiro, até a sua foz.

Riacho do Meio - Nasce nas grotas do “Cento e vinte,”margina a estrada do Barro Branco, penetra na cidade, pelas immediações da estação da estrada de ferro, atravessa varias ruas, passa por traz da praça do Commercio, no sopé do morro do cemitério, e desembocca no Parahyba, por traz do começo da rua da Gurganema.

Gurungumba - Banha o engenho Boa Sorte, recebe os riachos Cabiló, Cafundó e Quizanga, cruza a via férrea e vae desaguar no Parahyba.

Além desses affluentes existem outros ribeiros e riachos tributários do Parahyba que, apesar de banharem terras da Viçosa, vão, comtudo ter a sua foz em outros municípios.

Os mais importantes são os seguintes:

Parahybinha - Nasce nas fraldas da serra do Cavalleiro, atravessa o município, atravessa o município de N. O. a N. E., banha diversos engenhos e vae desaguar, depois de um curso de 7 leguas, mais ou menos, no município da Capella, em frente ao povoado Telha. Entre os seus tributários notam-se o Jundiá, o Jundiahy, o Riacho Secco, o Pau Ferro, o Balsamo e o Riachão.

Este ultimo nasce no engenho Recanto, banha o engenho Barro Branco, ao qual serve de limite, percorre terras dos engenhos Ingazeira e Matta Verde, recebe os regatos do mesmo nome e os riachos Madeira, Grotão e Brejinho. Em seguida penetra na propriedade Paredões, move o engenho do mesmo nome e forma uma pequena cachoeira. É nesse ribeiro, aquem da cachoeira, que se encontram diversos rochedos com inscripções. Saindo dos Paredões o Riachão banha a propriedade Pedro Nunes, onde recebe o regato Pimentas, em frente a um pequenino salto, atravessa o engenho Humaytá e despeja no Parahybinha, no povoado Riachão do Cipó, no município da Capella.

Parangaba - Nasce a O. da montanha Boa Vista, corre a principio de N. a S., em seguida toma o rumo S. E., passa pelo meio da povoação da Pindoba, servindo alli de limites entre Anadia e Viçosa, dirigi-se para os lados da serra do Bananal e, depois de um curso de 82 kilometros, vae desaguar no Parahyba, muito embaixo, no município de Atalaia, no sitio Roncador.

OROGRAPHIA - Todo o município da Viçosa é excessivamente montanhoso, podendo-se mesmo dizer que elle representa, orographicamente falando, as expansões de duas grandes serras: a serra da Palmeira a serra do Cavalleiro, as quaes vieram se fundir, vieram ter o seu maximo traço de união na serra Dois Irmãos e no seu prolongamento – a serra do Bananal.

Quem, de uma das chapadas dos montes da Viçosa, lançar um olhar investigador, terá, ao primeiro golpe de vista, a asserção do quanto avanço. Da chã da Fazenda Velha, por exemplo, a idéa que tem o observador é a de achar-se no centro de uma vasta serra constituída por uma infinidade de montanhas separadas, uma das outras por valles estreitissimos, antes grotões profundos que serpeiam entre encostas abruptas, como sulcos cavados no terreno por alguma remota e poderosa convulsão geológica, que lhe determinou o actual aspecto physico.

Esses próprios valles já se encontram em uma grande elevação, pois a cidade da Viçosa, no ponto onde se acha a estação da via-ferrea, apresenta uma altitude de 212 metros acima do nível do mar.

Os terrenos, á medida que se marcha para o centro - para o N. e para o O. - vão subindo gradativamente, pois o Parahyba, que já vem com a sua inclinação mais ou menos accentuada, tem que fazer o seu caminho, atravez do município, numa correnteza mais ou menos rápida, opprimido entre encostas até o desfiladeiro da serra, onde, como já disse, após o planno inclinado se precipita para formar um salto.

O município da Viçosa, pois, no meu modo de pensar, constitui uma parte do primeiro degrau desse vastíssimo planalto central do Brazil que, se prolongando pelos sertões de Pernambuco, se dirige para O., pelas cabeceiras dos rios de Piauhy, até o centro de Goyaz.

Para facilitar o estudo orographico da Viçosa, vou fazer considerações –primeiro sobre as serras propriamente ditas e depois sobre as montanhas que mais se distinguem pelas suas altitudes.

Serra do Cavalleiro – Esta serra, que serve de limite ao município, vem do Estado de Pernambuco e chegando em Alagoas se expande para N. O. e N. E., indo na primeira direcção para Quebrangulo formar as ramificações que têm o nome de Guaribas, Cassambinha e Bois. No município da Viçosa as suas ramificações penetram já muito suavisadas, merecendo antes o nome de montanhas, as quaes se vão ligar á serra do Cafuchy.

Segundo relata o dr. Manoel da Costa Honorato, no seu Diccionário Topographico, Estatístico e Histórico da Província de Pernambuco, a serra do Cavalleiro que até o século antepassado conservava o nome de serra da Mãe d’Agua, mudou o segundo nome pelo primeiro, porque os habitantes desse tempo dizião que nas noites de luar viam um cavalleiro no cume.

“Sobre esta serra, accrescenta ainda o mesmo autor, há um espaço de tresentas braças quadradas sem um só arbusto. Nota-se ainda ahi um subterrâneo com entrada franca, semelhante a uma porta, cuja profundida é um abysmo insondável”.

No que diz respeito ao espaço despido de vegetação, creio tratar-se da célebre lagoa da serra do Cassambinha, sobre a qual a phantasia popular creou uma lenda de encantamento; quanto ao subterrâneo é provável que seja a gruta da serra Gulandy, que deve distar poucas léguas da serra do Cavalleiro, nos limites de Alagoas com Pernambuco, no município, porém, de Bom Conselho. (64)

Serra Dois Irmãos - É a mais importante da Viçosa e também uma das mais importantes do Estado. Correndo a principio a L., toma depois o rumo S. E. e com o nome de serra do Bananal, entra no município da Parahyba e vai ramificar-se por meio de montanhas com a serra da Tamearana, no município de Anadia.

Os seus cabeços, escalvados uns e cobertos de mattas outros, lhe dão um aspecto característico, formando um longo cordão que limita e fecha o horisonte. Os mais importantes são os Dois Irmãos, que dão o nome á serra e que ficam de um e d’outro lado do Parahyba. O da margem direita é formado, na sua face voltada para o rio, por uma grande rocha de constituição granítica, quasi cortada a pique, apresentando um desfiladeiro tremendo. O da margem esquerda é menos elevado e sobre as suas abas, cobertas de espessa vegetação, passava a antiga estrada de rodagem.

Na estreita garganta cavada no sopé dos morros pelo Parahyba, e marginando este, sobre um aterro construído em fórma de caes, passa a via-ferrea.

Além desses dois cabeços, notam-se ainda o serro dos Meunços, o do Retiro e muitos outros que, como um bando de sentinellas perfiladas, erguem na serenidade do espaço as suas frontes aniladas e vão, como que fugitivamente, perder-se ao longe nuns recortes esfumados.

Serra do Cafuchy - Corre ao N. do município e dirigindo-se para a União e Muricy vae-se ramificar em terras desses municípios com a serra da Jussara e da Barriga. Dahi o cordão de serra toma o rumo S., penetra no município da Parahyba, onde recebe o nome de serra do Tronco, e vae finalmente, fundir-se com as ramificações da serra Dois Irmãos.

Serra dos Olhos d’Agua do Monteiro - Fica a O. e corre entre Lourenço e Bananal.

É uma ramificação da Serra Grande, a qual fica no município de Quebrangulo; dirigindo-se para o N. O. vae se ligar com os espigões das serras do Cassambinha e Guaribas.

Para o lado do S., depois de se atravessar o Parahyba, encontra-se uma successão de montanhas que se prolonga até os confins do município, no povoado Pindoba, onde o valle do Parangaba se alarga até encontrar os primeiros pendores da serra Tamearana.

As mais importantes dessas montanhas são as seguintes:

Alto da Balança - Começam os seus pendores logo na margem direita do Parahyba, fórma um plateau de pouca altitude e marginando o rio se dirige para S. E. onde se vae ligar com as primeiras elevações da serra do Bananal.

Montanha da Pindobinha - Tem uma grande altitude; da sua chã o olhar descortina uma vista enorme. Ramifica-se para diversos lados formando montanhas menores.

Chã do Tangy - É uma continuação da precedente. No seu alto existe um pequeno povoado.

Montanha da Pindoba - É limitada ao S. pelo valle do Parangaba, que a serpeia. Offerece muitas chãs de grandes altitudes. Liga-se com a montanha da Bôa-Vista e muitas outras.

Montanha da Gereba - Em suas abas fica o engenho do mesmo nome. Dirigindo-se para S. O. vae-se ligar á serra da Matta Verde e a do Lunga, as quaes não são mais do que ramificações da serra da Palmeira. A’ Gereba ligam-se outras montanhas de menor importância, taes como Cachoeira Grande e Chã de Cacos. Esta ultima deve o seu nome á grande quantidade de fragmentos de louça grosseira que nella existe, fragmentos que assignalam uma estação prehistorica. Tendo visitado as outras chãs de cacos da margem esquerda do Parahyba, ainda não me foi possível examinar esta, que aliás não deixa de ter a sua importância.

As montanhas da parte central da Viçosa são as seguintes:

Cento e Vinte - Começa no engenho Brejo, nas immediações da cidade, limita os horizontes desta e, correndo para os lados do N., vae-se continuar com o alto da Fazenda Velha, tendo antes enviado muitos prolongamentos para a direita e para a esquerda.

Fazenda Velha - É um escalão da precedente e forma o divisor das águas entre o Riachão e o Limoeiro. Tem uma grande altitude. Do seu ponto culminante, no logar denominado Cafezeiros, no caminho do engenho Matta Verde, desfructa-se um golpe de vista admirável: todo o município se desenrola, se desdobra ao olhar, numa ondulação de montanhas, num zig-zaguear de cumes e de cabeços que dão á paizagem uma perspectiva variada e phantastica de cosmorama oriental. Para os lados do N. E., o observador tem deante de si uma vastidão de terrenos, talvez numa extensão de 15 leguas, a prolongar-se num horizonte que se azula e que se confunde muito ao longe com o espaço.

O alto da Fazenda Velha segue o rumo N., dá uma ramificação que vae formar o alto da Boa Vista, para os lados da Matta Verde e dos Paredões, e depois, com os nomes de Chã da Ingazeira, Santa Thereza e Sapucaia, passa successivamente pelos engenhos Ingazeira, Barro Branco e Bom Jesus, indo perder-se e confundir-se a N. O. com as montanhas da Chã Preta e do Bom Socego.

Montanhas do Riachão - Sob esse nome eu designo todo o grupo de montanhas que, correndo entre o Riachão o Parahybinha, passa pelos engenhos Recanto, Limoeiro e Marinheira.

Montanhas do Cassamba - Representam as montanhas que, seguindo ao longo da margem esquerda do rio do mesmo nome, passam pelos engenhos Baixa Funda e Bonito, indo ramificar-se com as primeiras elevações da serra do Cavalleiro.

ALTITUDES - As altitudes das serras e montanhas da Viçosa, que eu saiba, ainda não foram tomadas scientificamente. Sabendo-se porém, que a cidade, na sua parte baixa, fica a 212 metros acima do nível do mar, é fácil, por comparação, avaliar-se, mais ou menos, a altitude de algumas das accidentações do município.

Na Serra Dois Irmãos devem, com toda certeza, ficar os pontos culminantes, pois ella se avista de uma distancia inacreditável.

(60) Segundo me informaram recentemente, são estes os actuaes limites do Estado de Alagoas com o de Pernambuco, na zona alagoana correspondente aos municípios de Unão e Viçosa.

“De Caruaruzinho de Padre Macário, segue para o Mundahú, no logar denominado Cachoeira da Escada, e d’ali por uma linha de terra que divide a propriedade Fortaleza com a do Capitão João Mello, até chegar no Riacho Mundahuzinho e subirá por este até suas nascenças; ahi procurando o cume da serra deixa as águas dos riachos Correntes para Pernambuco e as dos riachos Caçamba e seus affluentes para Alagoas, procurando sempre o cume da serra até a serra do Cavalleiro”.

Estes limites são os actuaes, porém não sei se serão os reaes, visto haver litígio entre as fronteiras alagoanas e pernambucanas, não somente ahi nesse ponto como também em outros.

(61) Essa serra parece ser de natureza vulcânica, pois, segundo affirmam moradores das suas fraldas, de quando em vez se ouvem partir das suas profundidades rumôres surdos como de trovões ao longe.

(62) Sobre a origem do vocábulo Parahyba o sr. Wenceslau de Almeida publicou uma interessante memória no Jornal de Alagoas, em 1911.

(63) Veja-se o capitulo Vestigios de raças prehistoricas na Viçosa.

(64) Sobre a lagoa encantada, contava-se o seguinte: ficava no alto da serra do Cassambinha, no seio de uma espessa floresta. Diversos caçadores já tinham estado nas suas margens. Era pequena, porém de uma profundidade extraordinária; de um lado, numa escarpa da serra, havia um escoadouro mysterioso com um grande canno de ferro meio soterrado. Esse escoadouro se communicava, no sopé, com a origem do riacho Cassambinha. Nos dias claros de sol, viam-se no fundo da lagoa cincoenta fôrmas cheias de ouro em pó. A historia desse thesouro era trágica: pouco depois do domínio batavo, cinco hollandezes, que haviam ficado no Brazil, descobriram nas vizinhanças um filão de ouro e exploravam-no com proveito, depositando o resultado dos seus trabalhos no fundo da lagoa, cujo segredo do escoamento não lhes era desconhecido. As autoridades da Capitania, tendo sciencia do facto, mandaram um destacamento arrecadar o thesouro. Os hollandezes sendo presos, recusaram se declarar o logar onde o tinham escondido, pelo que foram assassinados e os seus cadáveres atirados na lagoa. Desde então, sobre esta, começou a pesar o encantamento. Indivíduos gananciosos que iam em sua procura não a encontravam jamais. Outros referiam que, nas noites de trovoadas, os moradores do valle viam, á luz dos relâmpagos, os espectros dos assassinados correrem no alto da serra, abraçados ás fôrmas de ouro.

Agora uma nota sobre a gruta do Gulandy: em 1902, tendo terminado o meu curso medico, eu me achava clinicando em Bom Conselho (Papacaça), quando ouvi falar nessa curiosidade que existia no município.

Nesse mesmo tempo havia na cidade um grêmio literário e uma noite, em sessão, propuz que fosse nomeada uma commissão para visitar a gruta e, do que podesse observar, apresentar um relatório. A idéa foi bem acolhida, porém como retirei-me logo depois de Bom Conselho, não sei se a expedição foi realisada.

Em viagem, descançando em uma casa nas abas da serra, veiu á baila a historia da gruta: contaram-me então que ella era mal assombrada, pois no seu interior já tinham sido vistos uma grande cobra de ouro e um negro colossal, com um bacamarte engatilhado prestes a disparar.

Montando a cavallo e continuando a viagem, duas horas depois eu avistava, a uma certa distancia do caminho, numa encosta da serra perfeitamente accessível, a entrada do subterrâneo, em fórma de arcada, tendo, segundo parecia, assim do longe, apenas 2 metros de altura. Chovia a cântaros e o bagageiro que me acompanhava, impressionado pelas narrativas dos meus visionários hospedeiros, declarou-me, ao ver que desejava visitar a gruta, que nem por todo o dinheiro do mundo se avizinharia daquelle logar maldicto.

Como nesse tempo não me dedicava aos estudos da prehistoria e da nossa ethnographia, não insisti e perdi, portanto, uma boa occasião de ver de perto essa curiosidade natural, onde forçosamente deverão ser encontrados vestígios do homem primitivo.


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..:: CAPITULO VIII ::..

Inhamunhá

(LENDA DA SERRA DOS IRMÃOS)

_ Perguntaes se é o rio que ruge; não: este rumor convulso que passa
como um soluço immenso, pela vastidão da noite erma, é o pranto que se desata, é a dor que se extravasa, rola e cae em catadupas de lagrimas. São os Dois Irmãos que choram - aquelles que como nós já foram humannos, já amaram, já soffreram e talvez ainda soffram, pois foi a dor que os transformou em pedras, que os tornou immoveis, na mesma desolação, no mesmo horror!...

E o velho caboclo, de pé, no copiar da cabana illuminada pela luz fumerenta pela luz fumarenta da candeia, extendeu o braço e apontou-me ao longe os dois serros que sob aquelle céo pesado de inverno, se erguiam negros e colossaes, com os seus cabeços sombrios envoltos num turbante de neblinas.

Depois começou assim a singular narrativa:

_ Pirauê e Pirauá. Nasceram do mesmo seio da mãe fecunda, banharam-se nas mesmas águas, cresceram nos mesmos campos e sob a mesma amplidão do espaço azul, á noite, quando as estrellas brilhavam, sonharam os mesmos sonhos de gloria, os mesmos sonhos de conquista e amor.

Mais tarde senhores da taba, mburubichás da tribu, dividiram entre si o poder.

Chefes pelo nascimento, chefes pela bravura, levaram as suas hordas guerreiras até os sertões longínquos e depois, descendo o rio, foram vencer outras tribus nas margens das lagoas azuladas bem perto do vasto mar.

Um dia os dois irmãos descançavam á sombra da gamellleira que o nome deu ao povoado que alli vedes.

Da taba ergueram-se fortes rumores, o grito da pocema estrugiu pelos ares, ouviu-se o chocalhar do maracá sagrado e levado pelo ronco som da inúbia, a voz de guerra repercutiu de quebrada em quebrada.

Com a rapidez do relâmpago os dois irmãos correram para tribu.

Bem no meio da ocara, entre os guerreiros ameaçadores, uma pequenina yara, uma virgem meiga e branca, semelhante ao jasmim, estava chorosa e tremula implorando compaixão.

Quem era? De onde tinha vindo?

Seria uma emanação do divino Tupan? Seria um raio de luz de Jacy - a mãe formosa das noites serenas?

Não se sabe.

Pirauê adiantou-se terrível, fitou os seus guerreiros e com voz de trovão ameaçou:

_ Quem lhe tocar, morrerá.

Mas quando o seu olhar protector caiu sobre a pequenina yara, viu Pirauá que já se havia adiantado e que silenciosamente, com o tacape em punho, defendia a extrangeira.

Inhamunhá foi desde então a rainha da taba.

Boa, doce e carinhosa, era como uma irradiação do sol que a todos alegrava.

Nas noites alvas, quem a visse atravez dos campos passear vagarosa sob a doçura da lua, imaginal-a-ia um sonho do céo, uma doce visão, um encantamento do luar.

Era como uma nuvem rolada das “Montanhas Azues”.

A sua voz tinha a dolencia do gorgeio das aves - lembrava o gemer da jurity quando o sol se vae pôr.

Correram os tempos.

Pirauê e Pirauá andavam tristes. Já não tinham o mesmo ardor nas caçadas das onças bravias e na dança guerreira do toré ficavam frios e scismarentos com o olhar perdido no céu da tarde ensangüentado e roxo.

Pressagios começaram então a pairar sobre a tribu - uma vez, em pleno dia, na hora do sol em pino, o sagrado maracá, sem ser tangido, começou a soar.

O pagé que velava á noite pela segurança da taba, tivera uma triste visão: Jacy, a lua, já tinha descambado por traz da montanha; tudo era escuridão, apenas se avistava ao longe, nas chãs, os clarões fugitivos das coivaras de outras tabas. Havia silencio nos campos e o rio rolava soturnamente as suas águas. De repente, no fundo do Valle, da outra banda do Parahyba, appareceu uma tocha vermelha que se elevando nos ares começou numa dança doida a rodopiar sobre a ocára. Era o fogo corredor, o mensageiro da morte e da desgraça. No mesmo estante o noitibó passou gemendo e o pagé então começou a chorar silenciosamente porque advinhou que males infindos iam chegar.

Uma vez...a noite vinha caindo e no alto das imbiribas as cigarras cantavam saudosamente. Era pelo verão e no céu muito azul as estrellas principiavam a luzir.

Pirauê que andava vagando á toa se encontrou com Pirauá. Fitaram-se os dois com tristeza e depois de um curto silencio o primeiro interrogou:

_ Dize-me, irmão, amas Inhamunhá?

_ Sim, respondeu o outro, amo-a como a palmeira ama á serra, como a catadupa ama os penhascos, como Jacy ama os valles, como o sol ama ao céu... Que dizes a isto, também a amas?

_ Também. A flecha que te feriu já havia despedaçado meu coração: não viste o furacão que retorce as florestas nas noites de vendaval? Não ouviste o rugir da procella nas horas em que Tupan irritado faz ribombar o trovão? Não viste a torrente que transborda e que devasta as arvores da matta? O meu amor é assim; como o furacão, como a procella, como a torrente transbordada... Olha, irmão, um de nós deverá desapparecer do mundo antes que Jacy venha de novo illuminar estes campos.

_ Seja, mas quem decidirá o nosso destino?

_ Inhamunhá. Aquelle que for preferido viverá, o outro, ao contrario, dar-se-á á morte por suas próprias mãos.

E os dois irmãos, vagarosamente, de fronte baixa, dirigiram-se para a taba.

Havia silencio na ocára, mas Inhamunhá velava ainda.

_ Yara, vem desejamos falar-te.

Inhamunhá ergueu-se da rede de algodão e acompanhou-os ao rio, que mais manso ainda reflectia a claridade das estrellas.

_ Ouve, yara, começou o mais velho, tu vaes agora decidir de nossa sorte: escolhe entre Pirauê e Pirauá aquelle que deverá ser o teu senhor.

E havia tal tristeza nas palavras de Pirauê que á Inhamunhá os olhos se annuviaram de lagrimas.

Houve um curto silencio e logo depois a pequenina yara murmurou:
_ Quando Inhamunhá, perdida no seio das mattas, ia ser immolada pelos guerreiros, não foram os dois irmãos que a salvaram? Não foram os dois que lhe acolheram na taba, lhe trouxeram o favo do uruçu e cobriram a sua rede com as folhas cheirosas do mangericão? Por que desejaes que eu faça a escolha, se esta escolha vem trazer a morte? O lírio só poderá exhalar o perfume e não a desgraça. A sensitiva batida pela rajada, murcha mas não atira espinhos...Alli dorme o rio profundo, alli dormirá também Inhamunhá para que a discórdia não venha jamais separar aquelles que saíram do mesmo seio.

E a linda yara, num movimento brusco, atirou-se ao rio cujas águas se abriram para engulir o seu corpo pequenino e branco.

Os dois irmãos exhalaram um grito de desespero que reboou lastimosamente ao longe pelos algares sombrios da matta...

E foi tal a dor que, espavoridos e mudos, se transformaram em pedras.

Eis ahi pois a sua historia... Agora, se alongardes o olhar, alguma coisa vos chamará a attenção, bem no meio do rio: - é ella, é a visão meiga e doce das noites de invernada, é a pállida Inhamunhá...

E fosse um vislumbre do meu olhar, fosse uma impressão da singella narrativa do velho caboclo, a cachoeira do Parahyba, rolando entre os dois serros, appareceu-me como uma imagem de mulher, alva, muito alva, aos raios amortecidos do luar!...


A presente lenda foi publicada há 14 annos na Tribuna Popular de Penedo, sob o pseudonymo que eu então usava, de Álvaro de Bali.


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..:: CAPITULO IX ::..

Clima, pathologia e hygiene

A Viçosa, como todo o Estado de Alagoas, pela sua posição geographica, pertence á categoria dos climas quentes.

A humanidade que se manifesta em maior proporção no littoral do Estado, vae diminuindo sensivelmente a medida que se marcha para o centro.

No município da Viçosa o calor e a humidade atmospherica, estão em relação com as estações. Durante o verão o ar é relativamente sêcco, porém com as chuvas do inverno o meio ambiente contem uma certa quantidade de vapor d’aua. Esta regra geral soffre, no emtanto, uma excepção para o ponto onde se acha a cidade, a qual pela sua approximação do Parahyba, pela vizinhança de logares embrejados e pela disposição topographica do local, todo cercado de altas montanhas que impedem a acção dos ventos, conserva um certo gráo de humidade, mesmo no verão.

Devido ainda a essa disposição topogaphica, a cidade é, talvez, o ponto do município onde nas estações calmosas as altas thermometricas durante o dia são mais pronunciadas, chegando ás vezes a attingir a máxima de 29º e 30º á sombra.

As noites são muito supportáveis e a queda da temperatura, que se faz sentir logo depois do sol posto, chega ao seu mínimo pela madrugada, descendo o thermometro cinco a seis gráos.

Na estação invernosa, com as grandes chuvas, a temperatura diurna desce até 22º, continuando á noite esse movimento de descensão, sendo muito raro, porém, chegar a menos de 20º.

Fora da cidade, nos engenhos bem localisados, nas chãs das montanhas, o clima é admirável.

Mesmo nos grandes verões os dias ahi são frescos e amenisados por uma constante viração. A humanidade atmospherica é quasi nulla no verão, e durante o inverno é muito suavisada pelas deslocações do ar, deslocações do ar, deslocações sempre brandas, pois os tufões e as grandes ventanias são desconhecidos no município, com também são desconhecidas as mutações bruscas da temperatura. As noites são agradabilissimas.

Durante o inverno, e nos dois primeiros mezes que o seguem, há pelas manhãs, uma ligeira cerração e pela madrugada apparece um pouco de orvalho nas plantas, porém no verão as manhãs são límpidas e transparentes.

As estações manifestam-se perfeitamente delimitadas em estação das chuvas, ou do inverno, e em estação do verão, ou do sol.

As primeiras chuvas apparecem quasi sempre em Março - são aguaceiros alternados com dias de sol brilhante. Em Maio essas chuvas augmentam, e tornam-se torrenciaes e quasi continuas em Junho e Julho, apresentando então todo o município um aspecto desolado com os seus caminhos intransitaveis e suas mattas gottejantes. Em Agosto a chuva vae se tornando rara de modo que em Setembro, entrando a primavera, começam os dias risonhos e luminosos de sol fecundante.

O verão, ás vezes é ressequido, havendo ausência de chuva durante seis ou sete mezes.

Noutros annos, porém, essa estação é entremeada de aguaceiros que levantam as plantas mirradas pela grande soalheira. Esses aguaceiros são sempre acompanhados de trovões e relâmpagos que illuminam as noites, e na maioria dos casos vêm precedidos de fortes calmarias. Duram em regra geral três a cinco dias e costumam apparecer nos mezes de Dezembro e Janeiro.

Os raios são muito raros. Que eu saiba, nunca em Viçosa houve pessoa alguma fulminada pela faísca elétrica.

O granizo ou chuva de pedra ainda é mais raro.

As condições dos terrenos que tanto concorrem para modificar o clima, condições representadas, ora pela impermeabilidade, ora pelo excesso de matérias putresciveis, apenas entram na Viçosa, como se verá mais adiante, a titulo de pequenos factores.

Os grandes pântannos e os grandes lençóes d’agua estagnada á flor da terra, não existem em ponto algum do município, fazendo abstração dos brejos e pequenos logares alagadiços nas nascenças dos ribeiros e regatos, no pé das montanhas e nas margens de alguns riachos.

A pathologia da Viçosa nada apresenta que destaque o seu quadro nosologico das demais localidades de Alagoas.

Não se notando sensível differença no seu clima, é claro que as manifestações mórbidas terão a mesma característica e idênticas modalidades ás de todo o Estado.

Como a maioria das cidades e villas do interior, também pagou o seu tributo ás epidemias (a febre amarella exceptuada) que dizimaram a capital.

Já falei do cholera e das devastações causadas por elle em 1856 (primeiro cholera), e em 1862 (segundo cholera), tendo apenas a observar agora que a epidemia seguiu a marcha commumente observada – extendendo-se rio abaixo, ao contrario do que se deu no S. Francisco onde elle seguiu rio acima. Vindo de Quebrangulo, para onde tinha sido trasportado das margens do S. Francisco, elle foi, acompanhando a corrente do Parahyba, devastar os povoados ribeirinhos deste rio até encontrar os outros logares já dizimados.

A variola tem apparecido differentes vezes, indo sempre da capital, mas, apesar de grande parte da população a char-se ainda imbuída desses velhos e prejudiciaes preconceitos contra a vaccina, ainda assim não se póde dizer que tenha havido grande mortalidade.

A tuberculose pulmonar - a grande assassina - que leva a devastação e o lucto ao seio dos grandes núcleos povoados, não tem apresentado coefficiente notável na Viçosa, sendo a sua porcentagem, relativamente á densidade da população, pouco elevada. Isto pode ser explicado de um lado pelo clima, o qual parece ser refractario, em certos limites, ao desenvolvimento de tal moléstia, e doutro lado pelas grandes precauções que o povo toma para evitar o mal. As outas moléstias do apparelho broncho pulmonar apparecem de quando em vez durante os invernos. As pneumonias, as pleurisias, ambas confundidas sob o nome de pleuriz, não são raras nessas estações. Mais communs são o catarrhão e as affecções grippaes, que surgem muitas vezes quasi epidemicamente, não se revestindo, porém, de gravidade na maioria dos casos.

As boubas com o seu cortejo de gommas e cravos, eram muito communs durante o tempo da escravidão, nas senzalas e nos agrupamentos de negros.

O sarampo, a varicella, a escarlatina e a coqueluche manifestam-se ás vezes, ou sob a fórma de epidemias ou então esporadicamente, causando algumas victimas, principalmente a primeira, entre as crenças.

Os rheumatismos, as cardiopathias, as hepatites, as congestões, as moléstias syphiliticas, as moléstias mentaes e nervosas, nada offerecem de particular.

A morphéa é raríssima.

O beribéri, tão commum em diversos pontos do Brazil, é um affecção desconhecida na Viçosa. (65)

Há duas entidades mórbidas - o impaludismo e a hypohemia intertropical - que pela sua freqüência no município precisam algumas considerações mais detidas.

A ultima, não obstante ser menos importante do que a primeira, constitue, no emtanto, uma grave moléstia. Ataca especialmente as classes pobres dos campos, os trabalhadores alugados, os rendeiros e os lavradores.

Tal moléstia, conhecida vulgarmente pelo nome de opilação, é na Viçosa denominada amarellidão, visto os seus portadores apresentarem uma grande descoloração dos tegumentos.

Esses doentes são apathicos e mal humorados, não se devendo irrital-os, porque sob o domínio da cholera brusca, podem commetter os maiores desatinos. Semelhante irritabilidade a que estão sujeitos os opilados, é um dos symptomas da moléstia, da mesma maneira que a perversão do gosto a qual arrasta, principalmente as crenças, a comerem terra, carvão e outras substancias impróprias á alimentação.

É de muita utilidade que este ultimo facto seja divulgado, porque é commum baterem desapiedadamente nas crenças que comem terra, sem comprehenderem que ellas, como simples doentes, em logar de castigo precisam de tratamento.

A freqüência da hypohemia intertropical, tanto na Viçosa como em diversas outras localidades centraes de Alagoas, além da principal, causa representada pelo ankilostomo duodenal, tem ainda outras causas predisponentes que podem, de um certo modo, ser evitadas. As principaes acham-se representadas pela deficiência, pela má qualidade da alimentação e pelas habitações insalubres, as quaes, em regra geral, são construídas em logares humidos e mal ventilados, á beira dos brejos e dos pântannos.

A alimentação dos nossos homens campezinos consta de carne xarque, conhecida vulgarmente por ceará, na maioria dos casos de má qualidade, por bacalhau nas mesmas condições, por farinha de mandioca mui grosseiramente fabricada, por milho e por feijão ou favas.

É preciso fazer uma observação: todos esses alimentos não entram numa ração quotidiana: muitas vezes falta a carne ou o bacalhau e o feijão é comido somente com farinha ou com milho cozido. Noutras occasiões, porém, é o feijão que não pode ser adquirido pela sua extrema carestia, e nesse caso a ceará é usada com o simples pirão d’agua ou com a farinha sêcca.

A carne fresca de vacca é um luxo a que o trabalhador, com o seu miserável salário, só mui raramente se dá.

O assucar, apesar de Viçosa ser uma zona assucareira, só entra na alimentação do campônio durante a época das moagens, pois então todos os empregados do engenho têm o melaço de graça e á farta. No inverno torna-se um alimento de luxo.

Agora sobre a habitação: como já disse, esta é construída quasi dentro dos brejos. Tal facto se explica pela lei do menor esforço, pela incúria, pela preguiça de transportar a água para um ponto mais distante.

O caboclo primitivo, selvagem como a própria natureza que o cercava, era forte e sadio porque se alimentava da caça fresca e tenra que o seu arco possante abatia e porque, em vez de respirar o ar mephitico dos paúes, respirava a briza perfumada e pura das chapadas e das chãs virentes, onde construía a sua cabana que lhe resguardava das intenperies, e que lhe servia de trincheira e ponto de observação das tribus inimigas.

O caboclo moderno, em contacto com civilisação, alimenta-se de conservas deterioradas que lhe vêm de climas extranhos e habita nos charcos, como o batrachio, envenenando-se com as emanações que se escapam dos pântannos.

Sem a menor noção dos cuidados hygienicos, sem a idea do conforto, as suas palhoças mal lhe abrigam dos aguaceiros do inverno e dos rigores do sol.

Dorme sobre esteiras no chão humido, e bebe a água lodosa e esverdeada apanhada no brejo, onde lava a roupa suja, ou na cacimba cavada junto ao monturo.

Dessas infracções á hygiene, resulta encontrar-se no meio de um clima delicioso uma raça estiolada, sem sangue, sem coragem, lânguida, bisonha, enfim com todos os caracteres da degeneração physica e da decadencia vital.

As creanças, que já nascem opiladas, vão se desenvolvendo naquelle meio infecto, entre a estrumeira das cabras e o chafurdal dos porcos.

Como se vê, é pois no grupo dos miseráveis que a hypohemia causa devastações, e talvez não seja exagero affirmar-se que, no interior de Alagoas e Pernambuco, tal moléstia é tão freqüente entre as classes pobres do campo, como a tuberculose entre as classes desprotegidas da fortuna nas grandes cidades; mas emquanto a debellação desta ultima entidade mórbida ainda constitue um problema a resolver, a da primeira se reduz a educar o povo nos princípios comezinhos da hygiene, e impor-lhe um certo numero de medidas prophylaticas, medidas que podem perfeitamente ser executadas com um simples auxilio da sociedade e com um pouco de boa vontade dos poderes públicos. (66)

A outra moléstia que, de quando em vez, flagella a Viçosa é o impaludismo, nas suas fórmas intermittentes, remittentes e biliosas, revestindo-se não raras vezes do caracter pernicioso. Tal moléstia, conhecida vulgarmente pela simples denominação de febres, apparece geralmente no começo do inverno e, facto digno de nota, emquanto a hypohemia faz as suas victimas fora da cidade, é principalmente no circuito desta onde o impaludismo se manifesta com maior intensidade e onde os seus casos apresentam maior gravidade, pelo que é fácil concluir-se que o foco mais importante deve se encontrar ahi mesmo localisado.

O que logo à primeira vista chama a attenção de quem queira investigar as causas, é o facto de ser a cidade atravessada em toda a extensão, de norte a sul, pelo córrego Riacho do Meio, o qual se transforma em receptáculo de despejos e de toda sorte de immundices. É o principal foco de infecção pelas emanações mephiticas que se escapam do seu leito, sede de fermentações e de decomposições orgânicas. Em certos annos, no rigor do verão, o riacho secca, ficando no emtanto, ao longo do seu curso, differentes poças d’agua corrompida. Durante o inverno transborda um pouco e deixa pela vazante as margens impregnadas de matérias deletérias.

Entre os focos secundários figuram as margens do Parahyba e os charcos que se formam na várzea da estrada de ferro, desde a rua da Lama até às immediações do engenho Brejo. O perigo offerecido pelo Parahyba só se manifesta após as grandes cheias. É de pouca importância, visto o rio correr entre barrancas no ponto em que, como na rua da Gurgarema, o seu leito é dominado pelos quintaes.

Agora vou dizer duas palavras sobre a água: esta é má, ou antes é péssima, porém tal qualidade em vez de ser nativa, originaria da fonte, é muito ao contrario creada pelos próprios habitantes, pela contaminação do precioso elemento.

O fornecimento da cidade é feito pelo Riacho do Meio, pelos poços ou cacimbas e pelo Parahyba.

Antigamente o Riacho do Meio, tendo as suas margens cobertas de capoeiras, conservava as suas águas puras e crystallinas até bem perto da cidade, no engenho Fortaleza, onde havia uma pequena bica. Mais tarde, para facilitar a communicação com os engenhos, foi construída uma estrada ao longo do riacho, e de então por deante as águas ficaram detestáveis.

A água das cacimbas também é má e a do Parahyba ainda é peor porque não é potável.

Dois melhoramentos representados, um pela canalisação fechada do Riacho do Meio, na parte que atravessa a cidade, outro pela construcção de chafarizes nas praças, constituem duas altas medidas de real valor hygienico, as quaes devem ser postas quanto antes em execução para o bom saneamento da Viçosa.

Creio que esses dois melhoramentos não acarretarão grandes despesas para os cofres públicos, e ainda mesmo que seja preciso algum sacrifício, tudo pode ser justificado, visto tratar-se da saúde e do bem-estar de população.

Para abastecer os chafarizes deverá ser aproveitada a água do próprio Riacho do Meio, não no ponto onde ella é apanhada actualmente, mas nas nascenças do regato, as quaes ficam a menos de meia légua, nas grotas do “Cento e Vinte”. Ahi deverá ser construído um açude donde a agua seja canalisada para os depositos da cidade.
A captação também pode ser feita no regato Cafundó, a pouca distancia do engenho Brejo. A água desse regato, que vem de uma espessa matta e que se despenha num pequenino salto, quasi em sua nascença, é potável, pura e crystallina.

(65) O professor Jeanselme, no seu trabalho sobre o beribéri, diz que essa affecção é muito commum na América “nas zonas onde se cultiva a canna de assucar”. A affirmativa do illustre professor da Faculdade de Medicina de Paris, neste ponto, ressente-se de exactidão, pois felizmente o beribéri não existe na Viçosa e tão pouco nas outras zonas assucareiras do interior de Alagoas e Pernambuco.

(66) Sobre a freqüência da hypohemia intertropical no interior de Alagoas e Pernambuco, publiquei um artigo, em julho de 1913, na Medicina Militar, revista que se publica no Rio de Janeiro.


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..:: CAPITULO X ::..

FLORA

Talvez devido á variabilidade na constituição dos terrenos, a Viçosa apresenta duas zonas florestaes que se differenciam pela qualidade e desenvolvimento das espécies botânicas.

Ambas são separadas uma da outra pelo rio Parahyba.

A da margem direita toma o nome de zona do agreste, e a da margem esquerda o de zona da matta.

O agreste, como se chama vulgarmente, muito parecido com a catinga, é antes uma transição entre esta e a matta. A vegetação vae insensivelmente se modificando até apresentar todos os caracteres da flora sertaneja.

Duas espécies vegetaes da família das palmeiras caracterisam as duas zonas: no agreste domina a aricuri ou ouricury (cocos schizophylla de Mart.) e na matta a pindoba (palma Attalea Pindoba).

Os terrenos da primeira zona são mais sêccos. Parece que a terra ahi é mais pobre em humos e substancias orgânicas, havendo um predomínio das matérias silicosas. As chuvas são mais raras e este facto é um corollario obrigado da deficiência da vegetação.

Entre as espécies encontram-se o velame dos campos, o moleque duro, a uva do matto, o mandacaru e muitas outras que, apesar de não serem communs, apparecem no emtanto na segunda zona.

Muitas arvores do agreste perdem as suas folhas no verão. A desfolhada, porém, não é tão completa como na catinga, pois ao lado das plantas que ficam inteiramente nuas, encontram-se outras que conservam a sua verde e virente folhagem.

Como, porém esta zona é pouco importante na Viçosa, e pode-se mesmo dizer que ahi apenas começa a se esboçar, indo tomar maior incremento nos municípios de Anadia, Palmeira e Victoria, onde se continua com a catinga, vou demorar-me em fazer algumas considerações somente sobre a zona da matta, a qual, dando a physionomia própria do município, amenisa, enriquece e fertilisa-lhe o clima.

Aqui nós temos de tratar das mattas propriamente ditas e das capoeiras.

Antes de tudo é preciso dizer que as altitudes, com certeza pelo facto de não serem muito pronunciadas, não têm nenhuma influencia sobre a vegetação. Esta é a mesma tanto nas chãs como nos valles, havendo alguma differença apenas nas várzeas embrejadas.

As mattas da Viçosa são restos da floresta primitiva dos Palmares, a qual, segundo o manuscripto do conselheiro Drummond, extendendo-se pela parte superior do Rio S. Francisco, ia fazer termo sobre o cabo de Santo Agostinho “correndo quasi norte a sul do mesmo modo que corre a costa do mar”.

Actualmente ellas se acham reduzidas talvez a menos da quinta parte do que eram nesse tempo, e muito longe de formarem uma continuidade, apresentam-se sob a fórma de reboleiras mais ou menos extensas, separadas umas das outras, nas mesmas propriedades ou em propriedades differentes, por capoeiras, cercados ou terrenos cultivados. Algumas estão um pouco devastadas pelos cortes de lenha, outras, porém, ainda ostentam todo o esplendor e magestade florestaes, grimpando sobre as montanhas ou alongando-se pelas gargantas profundas dos valles, a formar abobadas espessas de ramagem e macissos emmaranhados de verdura, onde garbosamente se erguem, em toda pujança de seiva, espécies gigantescas e preciosas, entrelaçadas de bromeliáceas, lianas e parasitas, que se atufam, se enroscam, se entorçalam e em guirlandas e grinaldas encantadoras rendilham as comas altas e sobranceiras.

Uma primavera eterna domina nessas mattas que pomposamente parecem, de quando em vez, mudar de roupagem na variação das suas flores. Ás vezes é o amarello do pau d’arco - no “tempo das arvores de ouro;” ás vezes é o lilaz do mau-vizinho, das orchidéas e dos maracujás, é o branco dos camarás e dos mororós, o róseo das sapucaias e finalmente o vermelho sangue, o vermelho berrante das cannafistulas e mulungús. (67)

A Viçosa é um dos municípios onde não tem havido, relativamente, grandes devastações nas mattas, e isto por uma causa muito simples; os engenhos de fabricar assucar, para se manterem, precisam possuir a matta donde tirem madeira para as construcções e lenha para cozer o caldo da canna. Um engenho sem florestas é uma propriedade sem valor, ainda mesmo que os terrenos sejam férteis.

Desse facto resulta que cada senhor de engenho se esforça o mais que é possível para manter as suas propriedades cobertas, e da somma desses esforços parciaes todo o município tende a lucrar, pois, estando assegurada a conservação das mattas, a terra não se tornará estéril, e conseguintemente sempre fértil, terá o seu progresso e o seu futuro garantidos.

As mattas mais importantes são as da margem esquerda do Parahyba, nos engenhos Boa Sorte, Matta Verde, Barro Branco, Bom Jesus, Recanto, Riacho Secco, Bananal, Baixa Funda, Floresta, Dourada, Brejo e Limoeirinho.

De todos estes o que tem mais terrenos cobertos é o Boa Sorte, cujas florestas se desdobrando pelo alto da Boa Vista e Duas Barras, marginam o Riachão, extendem-se pela Baixa dos Côcos e vão prolongar-se até os pendores da Serra Dois Irmãos.

Na margem direita também são encontradas algumas mattas, nas quebradas da serra e nos engenhos Bananal, Esperança, Cachoeira e Gereba.

As capoeiras (68) dividem-se em capoeirões e capoeiras ralas. As primeiras, representadas por terrenos abandonados a si durante um espaço de quinze a vinte annos, são quasi mattas e já contém muitas arvores desenvolvidas de copa esgalhada e espessa. As segundas, que constituem a maior parte dos terrenos, são os campos onde quasi todos os annos fazem roçados. Ahi a vegetação, em regra geral, não passa de arbustos, sub-arbustos e plantas herbáceas. Dominam as famílias das labiadas, das synanthereas, das malváceas, das gramíneas, das crucíferas e muitas outras plantas vivazes e annuaes.

Para methodisar o estudo da flora viçosense, vou considerar as plantas de conformidade com as suas applicações.

MADEIRAS - Há uma grande variedade de madeiras para marcenaria e construcções, taes como sejam a sucupira (bowidichia majore), a sapucaia (spondias lecythis de Mart. ou lecythis ollaria), o pau d’arco ou ipê (bigonia tecoma), o vinhático ou amarello (persea indica), o pitimijú ou putumijú (putumuju lecythidia) o pau-santo (guayco officinalis), a tatajuba (morus tinctoris), o louro, a massaranduba, a parahyba, a sapucarana e outras.

Todas essas arvores sendo muito conhecidas, não só em Alagoas como também em outros Estados do Brazil, eu aqui apenas quero insistir sobre duas espécies menos espalhadas em outras regiões do paiz: a primeira é o pininga, arvore muito alta de cerne duríssimo, empregada como madeira do chão na confecção dos esteios. O povo diz que o miolo do pininga enterrado, mesmo nos logares humidos, dura mais de cem annos. O amago dessa arvore tem uma côr escura de chocolate. Cortal-o com o machado ou como o serrote é sempre uma tarefa árdua, pois a madeira quasi que tem a consistência do ferro, e os instrumentos que não forem de boa tempera, arrebentam logo aos primeiros embates. Ignoro se essa arvore já foi classificada e se tem alguma denominação scientifica.

A segunda espécie é a imbiriba, a qual tem um vasto emprego na construcção das cercas, pela facilidade que há em lascal-a em longas ripas e excellentes estacas muito durativas. Da casca da imbiriba se extrahem imbiras que podem ser empregadas na cordoaria.

Além das madeiras de construcção, existe nas mattas e capoeirões da Viçosa uma grande quantidade de arvores que, sob o titulo de madeiras brancas, são aproveitadas somente nas edificações passageiras de pequena importância, tendo, porém, um vasto emprego como lenha, como combustível. Nessa classe deve-se mencionar o sabacuim, o qual sendo uma arvore de caule muito desenvolvido e de lenho muito molle, de um branco setineo, dá umas lindas taboas muito leves e frágeis que podem, no emtanto, pela sua elegância, ter um lato emprego na fabricação de pequenas caixas, substituíndo em certos limites o pinho europeu e o papelão.

Desse grande catalago eu destaco ainda o canzenze ou pau de fachear, o qual é uma leguminosa que queima facilmente, ainda mesmo quando o vegetal se acha verde.

PLANTAS FRUCTIFERAS - Existem duas classes: as que são cultivadas nos pomares e as que são indígenas no local e nascem espontaneamente pelas mattas e capoeiras.

Das primeiras são encontradas todas as que existem em Alagoas: a jaqueira, que abunda nas suas diversas variedades, a laranjeira, que se encontra em quantidade, a mangueira, que se desenvolve em arvores colossaes de fronde enorme, mas que só produz fructos nos annos de verão repuxado, a limeira da Pérsia, a limeira de umbigo, a laranja cravo, a fructa pão, o coqueiro da praia ou da Bahia, o abacate, a pitangueira, o limoeiro, o mamoeiro, o melão, a melancia, o ananaz, o abacaxi, o araçá, a pinha ou ata, a fructa do conde, a goiaba e a bananeira.

As duas, ultimas merecem uma especial menção pela abundancia com que se desenvolvem e pelos resultados que a industria pode auferir da sua cultura.

A goiabada, que actualmente constitue um dos ramos de riqueza do vizinho Estado de Pernambuco, pode-se dizer que ainda não foi explorada na Viçosa.

Outra fonte de riquezas de que ainda ninguém cuidou é a bananeira. (69) Existem no município muitas especies desta planta das quaes as mais importantes são: a banana prata (musa sapientum), a banana da terra ou banana comprida (musa paradisíaca), a anã (musa chinenses) a de S. Thomé (musa sapientum), a roxa (musa violácea), a maçã e a ouro que são variedades da banana prata.

Passando das plantas fructiferas cultivadas para as indígenas e silvestres, eu colloco em primeiro logar uma espécie que pela sua extraordinária abundancia, chama logo a attenção a um simples olhar: quero falar da palmeira pindoba, (palma attalea pindoba) conhecida vulgarmente pelo simples nome de palmeira, a qual, como já disse, constitue o característico da zona da matta.

Nas minhas viagens pelo sul da Republica, só me recordo de ter visto uma arvore assim tão social, dominando grandes extensões de terrenos – é o pinheiro do Paraná (araucária brasiliensis).

A palmeira é encontrada não somente nas mattas, mas ainda nos capoeirões, nas capoeiras, nas várzeas e nos cercados dos engenhos. Os proprietários de terrenos protegem-na contra as derrubadas, e o próprio povo, vendo nella uma amiga, evita o quanto é possível offender-lhe. Por occasião das brocas (70) para a construcção dos roçados, os camponezes suspendem os machados e as foices ante as palmeiras. Como a sua folhagem pode no futuro causar prejuizos á lavoura, elles fazem escadas de madeira, sobem até a copa e decotam as palmas, tendo o cuidado de não lesar os olhos ou renovos. Ás vezes, porém, o terreno onde vae se fazer o cannavial acha-se tão abastecido de palmeiras que é preciso derrubal-as. (71)

Pelos capoeirões e pelas mattas, ellas nascem e desenvolvem-se com uma facilidade extraordinária. Muitas são tão altas que dominam as mais elevadas arvores, taes como as sapucaias e imbiribas. O seu estipe cylindrico, de cor cinzenta esbranquiçada, ligeiramente rugoso, é revestido de uma camada muito dura e pouco espessa, a qual se continua com um cerne filamentoso de pouca resistência. O diâmetro do tronco, se não attinge as proporções de outras arvores, também não é dos menores, apresentando na media um metro de extensão. A copa é constituída por folhas em palmas ou plumas de três metros de comprimento, cada uma.

No aspecto physico, na altura e na cor da folhagem, a palmeira pindoba faz lembrar a linda palmeira real, mas emquanto as plumas desta são ligeiramente caídas, como as do coqueiro, as daquella são erectas altivamente, de modo que a arvore dá a idéa de um esguio jarro que se expande na parte superior. A real é mais elegante, mais delicada; a pindoba é mais magestosa, mais selvagem. Os cachos desta são grandes e possuem quasi metro e meio de altura, contendo cada um numerosos côcos os quaes têm mais ou menos as dimensões de um ovo de ganso. As partes utilisadas desses fructos são a poupa, que é muito saborosa e que produz um lindo azeite amarello, e a amêndoa, que também produz óleo.

Os retirantes, que nos annos de sêcca descem do sertão, encontram nos fructos e no palmito da palmeira um farto e substancioso alimento.

As palhas são utilisadas pelos homens da roça, não somente na cobertura das cabanas, mas ainda na sua industria rudimentar de esteiras, chapéos, cestas e vassouras. A resina, que ainda não foi explorada, pode se prestar aos mesmos fins que a gomma arábica.

Depois da attalea pindoba só se encontram na Viçosa três outras espécies de palmeiras: a aricury (cocos schizophylla de Mart.), a catolé (rhapis pyramidata) e a titara (euterpe sarmentosa).

As duas primeiras, um pouco raras, tem os fructos mais ou menos semelhantes, com uma polpa muito tenra e uma amêndoa (72) mais delicada. A aricury distingue-se da catolé porque emquanto esta ultima tem o tronco liso, a primeira apresenta-o rugoso, coberto de garras representadas pelos pecíolos antigos das palmas.

A titara é uma pequena planta espinhosa, quasi trepadeira, que produz uns fructos sem importância. A sua haste é empregada na confecção de urupemas e cestos.

Além das palmeiras, muitas outras arvores fructiferas se desenvolvem espontaneamente nas mattas da Viçosa. São as mais importantes: o trapiá, que dá um fructo de polpa saborosa, o jaracatiá (carica spinosa), o juazeiro (zizyphus juazeiro), a ingazeira, a cajazeira, a pitombeira, a sapucaia, o genipapeiro etc.

PLANTAS MEDICINAES - A flora medicamentosa viçosense é a mesma de toda Alagoas, (73), de modo que, não cabendo nos estreitos limites desta obra dar uma mais vasta expansão a tão importante assumpto, que requer um estudo especial, limito-me aqui apenas a assignalar algumas espécies que considero pouco conhecidas, ou porque não são communs noutros pontos, ou porque ainda não foram estudadas.

Da importante família das labiadas, que se desenvolve abundantemente pelas encostas, nos antigos roçados e pelas margens das estradas, enchendo os campos com os perfumes deliciosos das suas pequeninas flores dispostas em espigas ou em cymos encantadores, eu destaco o paracary ou meladinho dos campos (marsupiantes hyptoides), usado em tintura contra as mordeduras de cobras, e o sambacaitá. (74) Esta ultima planta, herbácea, também denominada alfazema de caboclo, tem a haste quadrangular, os ramos oppostos, as folhas pecioladas e as flores esbranquiçadas dispostas em espigas. Desenvolve-se tanto nos logares frescos e humidos, como nos pontos áridos, chegando muitas vezes a brotar nas anfractuosidades dos rochedos. As suas flores deseccadas e queimadas em brazeiros, desprendem um fumo espesso muito perfumado que faz lembrar vagamente o cheiro da alfazema. A infusão das folhas é empregada internamente nas flatulencias e digestões difficeis e o succo da planta verde, usado nos pensos das feridas, é seccativo e hemostatico.

Entre as plantas de propriedade anti-syphiliticas e anti-herpeticas, não falando na japecanga, no manacá, na sucupira, na caroba e no velame, por demais conhecidas, menciono a cabeça de negro e o cipó do guardião. Na secção Notas Medicas, do Gutenberg, assim me exprimi tratando dessa liana: “o cipó do guardião, que se encontra em grandes touceiras na profundidade das mattas, pode, em suas propriedades therapeuticas, rivalisar com o mercurio e com o iodureto de potassio, pois o seu uso produz uma acção efficaz sobre as dôres osteocopas dos syphiliticos, sobre o pseudo rheumatismo syphilitico, sobre as exostoses e até sobre os tumores gommosos. É preciso notar que esse medicamento em dose elevada, é um drastico muito energico que pode produzir serias pertubações em toda a economia.

As propriedades curativas do cipó do guardião, residem na seiva, a qual escorre abundantemente da planta quando se a golpeia. Parece que os seus principios immediatos se volatilisam pela exposição ao ar, devendo-se por tanto preferir, como fórma pharmaceutica, a alcoolatura, a qual é preparada com o vegetal ainda verde”.

As affecções blennorrhagicas encontram excellentes remedios na pitombeira, (75) no carrapicho de cavallo (em injecções urethraes feitas com a mucilagem das folhas ou das sementes) e no pega-pinto, o qual, pelas suas propriedades diureticas, é empregado também nas molestias que se acompanham de edemas e hydropisias. Ainda entre as diureticas assignalo o gravatá, a vassoura de botão (76) e o mussambê. (77)

No grupo das plantas purgativas salientam-se a bucha do cabacinho, a batata de purga e o gitó.

Das vermifugas destacam-se a lumbrigueira e o mocotó de porco, ambas da familia das labiadas.

Como representantes das emolientes temos diversas especies de malvaceas e a mutamba, da qual tambem se prepara um tonico para o cabello.

Entre as plantas diaphoreticas e peitoraes temos a lingua de vacca, o cravo de defunto e o capim santo, cuja infusão é empregada nos catarrhos e resfriamentos.

Para as conjunctivites e outras ophtalmias temos a herva de Santa Maria (78) e o maracujá de estalo, das quaes se emprega a infusão em banhos.

Nas perturbações catameniaes é empregada uma planta denominada piranha, e como calmante occupa um logar de destaque o cardo santo (79) (anemona mexicana).

Para terminar resta-me fazer menção de duas especies botanicas, as quaes, se bem que ainda não tenham um emprego bastante definido na therapeutica, no emtanto, parecem destinadas a occupar um logar saliente na pharmacopéa: quero falar da liamba e da Maria da Costa.

A primeira, cuja inflorescencia tem o nome de maconha, é fumada pelos caboclos e homens do campo, os quaes caem, logo depois das primeiras baforadas, em estado de embriaguez acompanhada de somno profundo e sonhos bizarros, ora tristes e acabrunhadores como cauchemars e pesadelos, ora alegres e vaporosos nos quaes o individuo tem a sensação de ser arrebatado para alguma mansão paradisiaca, risonha e agradavel.

O instrumento usado para se fumar a maconha é um cachimbo de argilla com um longo canudo de bambú ou taquary, que atravessa, uma pequena cabaça cheia d’agua onde o jacto de fumo se resfria, antes de penetrar na bocca do fumador.

Na minha these de doutoramento, tabagismo, defendida perante a Faculdade de Medicina da Bahia em 12 de Abril de 1902, digo o seguinte: “A liamba, que se cultiva nos sertões de Alagoas, apresenta muita analogia em seus caracteres botanicos e nas suas propriedades physiologicas com o cannabis sativa ou canhamo ordinario. Será a liamba uma variedade do canhamo? Nada podemos adiantar porque foi impossivel fazermos um estudo comparativo. Os autores botanicos do nosso conhecimento não a mencionam. Parece-nos, entretanto, que ella tem uma origem africana, visto ser conhecida tambem com o nome de fumo da Angola.”

A Maria da Costa, tambem chamada herva da Costa e grão de boi, é muito pouco conhecida entre os homens de sciencia. O professor Caminhoá, sem se demorar sobre os caracteres botanicos desse vegetal, apenas diz que nos sertões do Ceará elle passa como planta venenosa.

Pertence a familia das asclepiadaceas, é trepadeira e possue folhas carnudas de limbo inteiro. Suas pequeninas flores são roxas e os seus fructos, lanigeros e grandes, têm a casca avelludada. Toda a planta é leitosa e a sua raiz é um bolbo. Nessa raiz e no latex residem os principios activos. A acção physiologica da planta differe, segundo se emprega o bolbo ou o latex; o primeiro é um veneno nervino usado pelos homens do campo para matar cães, e o segundo, sem ser caustico, tem a propriedade de destruir os tecidos de neoformações benignas, taes como as verrugas.

(67) Andaram os viajantes e chronistas antigos, com muita razão, a se maravilhar da flora brazileira. Martins, Humboldt e Fendinand Denis não poderam calar o seu espanto e o confessam naturalmente. O monge Cláudio d’Abbeville, Lery, Saint-Hilaire, Rocha Pitta e o padre Simão de Vasconcellos vão mais longe, porque imaginaram que o Paraíso Terreal deveria ter sido nas mattas do Brazil. No meu fraco modo de pensar (e não me chamem de bairrista que não o sou) acho que tal logar, se não era nas mattas de Alagoas não deveria dellas ficar muito distante. A quem achar que há enthusiasmo nas minhas palavras, eu convido para visitar as nossas florestas, num desses dias luminosos de primavera. Tenho viajado em muitas mattas brazileiras e em algumas da Argentina e do Paraguay—passei mezes inteiros nas florestas virgens de Matto Grosso, atravessei os Campos Geraes do Paraná, percorri o terreno das Missões, na parte contestada pelo Estado de Santa Catharina, visitei as mattas que, numa extensão de muitas léguas, cercam os magestosos saltos de Santa Maria do Iguassú, embrenhei-me nas florestas que corôam as montanhas do Rio de Janeiro, mas força é confessal-o, se em todas ellas encontrei bellezas admiráveis, pujança de vida e de seiva, em nenhuma encontrei a graça, a magia, a fascinação que envolvem e caracterisam as mattas da minha terra.

(68) Segundo o dr. Theodoro Sampaio, a palavra tupi capoeira é uma corruptela de cáa-poéra, matto extinto, matta cortada ou destruida; costuma-se confundir com capueira, roça extinta, roça abandonada e já invadida pelo matto.

(69) Diz Alexandre de Humboldt que a bananeira tem acompanhado o homem desde a infância da sua civilização e que em seus fructos repousa a subsistência de todos os habitantes dos trópicos. Citando este trecho do grande naturalista, Ferdinand Denis, um outro enthusiasta da bananeira, accrescenta que nas regiões equinoxiaes os olhares a procuram com um sentimento agradecido de admiração, nas margens humidas dos regatos onde ella desdobra as suas largas folhas setineas, junto as habitações do homem ao qual ella offerece alimento.

(70) A palavra broca, no centro de Alagoas, significa derrubada de mattas ou capoeiras para fazer roçados.

(71) Não há nada mais triste, mais melancólico do que a derrubada de uma palmeira: dois machadeiros, de um e outro lado, começam a fazer-lhe entalhas de maneira que ella seja rolada completamente.

Das feridas escorre uma ligeira seiva, rubra. É o sangue da arvore, e aquelles cavacos, também rubros, que caem esphacelados sob o gume dos instrumentos, são como a carne que se destaca.

Ouve-se a instantes, compassado e monótono, o ruído dos golpes.

Tudo o mais, em torno, silenciou. Até os pássaros se calaram. As outras arvores quêdas e como que horrorisadas, parecem na sua mudez, comtemplar uma grande dor ou um grande crime.

Os machados continuam na faina destruidora: tan, tan, tan...

A cada golpe as palmas estremecem — dir-se-ia que toda arvore é atravessada por um frêmito; a sua copa, como que a fitar o céu numa attitude eloqüente, parece interrogar. _ Porque me matam?

Depois alguma cousa lhe rola de cima, gotta a gotta... São lagrimas!... a palmeira chora - deixa cair o orvalho que a noite depositara em seu seio pelo silencio da madrugada.

Mas a tarefa, attinge o fim, as duas entalhas então prestes a se encontrar. De repente a arvore range - é primeiro grito de dor...

Então chega o momento supremo: a palmeira já não pode mais se equilibrar e meneia a fronde augusta.

Como ella é sublime ainda!...

Esse meneio altivo e rapido é como que a despedida ás outras arvores, o derradeiro adeus ás encostas, á fonte que lhe murmurava ao pé, ás pombas que lhe gemiam na copa, ás abelhas que lhe sugavam o mel. É como que um ultimo gesto de saudade ás brizas que lhe sacudiam as plumas, ás alvoradas que a enloiravam de luz, ás tardes que a banhavam nos frouxos raios do sol poente...

Afinal descreve com a copa um grande arco no espaço e pesadamente, com estardalhaço profundo, cae desalentada no chão. O eco então repercute lastimosamente ao longe, no fundo da floresta, e a matta inteira atrôa, como que sacudida por um mesmo soluço, num grande espasmo de dor...

(72) A amendoa dos côcos, entre os matutos, é chamada coconha.

(73) Na Secção Notas Medicas mantida semanalmente no Gutenberg (de Maceió) em 1911, por mim e pelo dr. Manoel Brandão, escrevi alguns artigos sobre a flora medicamentosa alagoana. Esses artigos não foram mais do que alguns extractos de uma obra que tenho em elaboração.

(74) Sambacaitá é um vocabulo tupi, composto de caimbe – quina, aresta, espinho – caá - matto e ita - pedra. Na simples denominação os indios davam logo a entender que a planta tem a haste angulosa e que se desenvolve nas pedras.

(75) A alcoolatura da casca da pitombeira, produz resultados beneficos e rapidos no rheumatismo blennorrhagico. Essa medicação, que segundo me affirmaram, é nova entre o povo, vale a pena ser estudada pela therapeutica, pois é sabido quanto o rheumatismo blennorrhagico, muitas vezes, é rebelde ao tratamento, não se deixando influenciar, como os outros rheumatismos, nem pelos salicylatos, nem pelo iodureto de potassio.

(76) A vassoura de botão tambem é muito preconisada contra mordeduras de cobra.

(77) O vocabulo mussambê, a primeira vista, parece de origem africana. Sou porem da opinião que tal palavra é indigena, não Tupi, mas Cariri e vem de mussamb – dedos e êra – folha. Portanto a traducção literal da palavra será – dedos de folha.

Realmente as folhas da planta tendo o limbo bastante fendido, assemelham-se a mãos espalmadas com cinco dedos destendidos.

Agora algumas considerações botanicas e therapeuticas sobre essa especie que supponho ainda não ter sido estudada. Classifiquei-a entre as cruciferas e dei-lhe o nome de cruciferas alagoana. O seu habitat não se acha, no emtanto, como eu suppunha antigamente, somente limitado ao Estado de Alagoas, pois encontrei-a tambem no sul do Estado de Matto Grosso, nas alluviões das margens do rio Miranda, no meio de especies differentes das da flora do norte.

O mussambé é uma planta herbacea de folhas digitadas e oppostas, flores em cahos terminaes, brancas com quatro sepalas, quatro petalas, seis estames (dois atrophiados) e um pistillo. O fructo, que é uma capsula alongada como um filamento, tem pequenas sementes, menores que as da mostarda. As folhas e a haste são unctuosas e desprendem um cheiro agradavel. As sementes têm uma acção irritante. A tintura preparada com as folhas deve ser usada em pequena dose. Externamente essa mesma tintura, em fricções, dá resultado nas paralysias e polynevrites.

(78) A herva de Santa Maria, de que trato aqui, não deve ser confundida com o mastruço.

(79) O cardo santo contem nas suas folhas os principios activos do opio, e com especialidade a morphina, pelo que deve haver muita prudencia no seu emprego.


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..:: CAPITULO XI ::..

FAUNA

O reino animal, no município da Viçosa, está muito longe de egualar em opulência e variedade o reino vegetal.

A fauna é pobre e este facto se explica pela condensação da população em uma área relativamente pequena. Os povoados, as fazendas, os engenhos, os sítios e as habitações isoladas pelos campos, pelas orlas das mattas e pelo interior das próprias mattas, teriam naturalmente de afugentar a caça.

As maiores espécies já desappareceram de todo.

Antigamente as nossas serras eram povoadas de onças. Havia não somente a sussuarana (felix concolor), pequena onça vermelha, tímida, que só ataca os rebanhos, mas também a pintada, a que é conhecida pelo nome de tigre brazileiro (felix uncia). (80)

Hoje, porém, como representantes da raça felina, apenas são encontrados nas nossas mattas os jaguatiricas ou gatos do matto, entre os quaes se distinguem o gato vermelho e o gato maracajá (felix pardalis).

A anta (tapyrus americannos), que também já existiu, não se encontra mais e, como a onça, a sua passagem é assignalada pela designação de logares. (81)

Os animaes selvagens mais desenvolvidos são o guará (canis jubatus) e o guaxinim (82) (canis brasiliensis) os quaes abundam nas proximidades dos engenhos e juntamente com as raposas fazem grandes estragos nos cannaviaes.

Os pequenos veados, as pacas, as cutias, os porcos queixadas, os caetetús, os cuandús, ainda existem, embora raramente. São mais communs os coelhos, os preás, os tatus (o tatu peba e o tatu bola), o tamanduá mirim, o quati, a preguiça, o cassaco ou gambá e a raposa.

De peixes a fauna é ainda mais escassa.

O Parahyba e os seus tributários possuem um pequeno numero de espécies ichtyologicas, e essas mesmas são pouco desenvolvidas.

Apenas contam-se a traíra, o cará, o jundiá, o caborge, o sarapó, a piaba e o mussú.

Dos sáurios encontra-se algumas vezes o jacaré, nos brejos e nas partes embrenhadas do Parahyba.

Entre os crustáceos apparecem o pitu, o caranguejo e o aruá.

No domínio dos ophidios a natureza, infelizmente, foi demasiada pródiga, pois na Viçosa, como aliás em toda Alagoas, as cobras existem numa quantidade prodigiosa.(83)

No grupo das elaps ou cobras de coral, existem muitas variedades venenosas, e entre estas a cobra rainha, a qual é uma coral de um colorido menos vivo que as suas congêneres e que apresenta na cabeça diversas placas escamosas em fórma de corôa. (84)

A cascavel (crotalus horridus) é mais commum nas catingas e somente apparece nas mattas ou durante os grandes verões ou pelas grandes cheias do Parahyba, vindo então conduzida nos bancos de bannonezas ou água-pés - planta aquáticas que, como ilhas fluctuantes, o rio arrasta nas suas águas revoltas. (85)

Do gênero lachesis as mais conhecidas ou as mais abundantes na Viçosa, são as surucurús e as jararacussús.

Da primeira espécie são encontradas a lachesis mutus, (surucucú pico de jaca) e a lachesis rhombeata (surucucú malha de fogo). Ambas, muito venenosas, crescem extraordinariamente e apresentam na ponta da cauda um esporão formado de escamas córneas. Sobre a intrepidez dessas cobras, que constituem o terror das mattas, o povo tem creado as mais pavorosas lendas. (86)

As jararacas e as jararacussús (87), (as espécies mais communs são a lachesis alternatus e a lachesis lanceolatus) encontram-se nas mattas, nas beiras dos riachos e dos brejos, nos altos e nas vizinhanças das habitações. Menos venenosas do que a cascavel e a surucucu, são no emtanto muito peçonhentas, tendo o seu vírus propridades phlogogenas e hemorrhagicas, acompanhadas de phenomenos locaes intensas e esphacelo dos tecidos.

É preciso assignalar entre as lachesis a jararaca do rabo branco, cuja mordedura é tão venenosa que, segundo a expressão popular, quando não mata aleja.

Muitas outras variedades de cobras, taes como a giboia, a caninana, a jericoá, a papa ovo e a cobra verde, existem largamente distribuídas pelo município.

O mundo alado é o que mais se destingue, não só pela grande variedade de espécies de canto mavioso, como ainda pela notável quantidade de aves de linda e encantadora plumagem.

Dos passarinhos possuímos o sabiá, o bicudo, o canário da terra, o curió, o brejal, o papa capim, o cardeal ou gallo de campina, o arumará ou chopim, o xexéo, a guriatan e outros muitos que seria enfadonho enumerar.

As margens do Parahyba são ermas de aves aquáticas. Isto pode explicar-se ou pelo facto dessas margens serem descobertas, ou então porque sendo o rio um pouco torrentoso, o barulho das águas afugenta os bellos espécimens que ainda se encontram nos brejos silenciosos, nos logares alagadiços e nos açudes desertos.

Dessas aves aquáticas as mais communs são: o socó-boi, linda pernalta de pennas esverdeadas ou cinzentas, que se não rivaliza em tamanho com o tuyuyú dos rios de Matto Grosso ou com o jaburú das margens do S. Francisco é, no emtanto, muito desenvolvida; o carão, a jassanan, a sericoria, o pato mergulhão e o patury.

Das aves gallinaceas destacam-se a nambu, a pomba três côcos, a inhacupé e a jurity, que nas tardes de estio enche com a melodia do seu canto a solidão dos nossos valles.

Temos ainda as aracoans, aves grandes que cantam em côro pelas manhãs e ao entardecer, a acauan e as cardigueiras ou aves de arribação, que nos grandes verões descem das catingas em bandos tão grandes e tão compactos que projectam a sua sombra em longa extensão.

Relativamente a classe dos insectos há tanta variedade que quasi se poderia dizer ir o numero das espécies ao infinito.

As encantadoras borboletas que doudejam no espaço, as libélulas de cores matizadas, os bezouros verdes e de ouro e azul, as abelhas douradas, os negros mangangás, as mariposas alvas, que fazem lembrar pedacitos de papel soltos ao vento, a linda e perigosa lucilia, que se afigura pairar no espaço como um botão de esmeralda, os maribondos amarellos, as tubibas, as uruçus, as jitahys, tudo se desenvolve e pullula em larga escala.

Um pequeno insecto que supponho ainda não ter sido estudado é o potó, o qual só tenho visto em Alagoas: affecta as dimensões de uma formiga, sendo porém mais esguio, tem uma côr vermelha escura e a cauda ou extremidade posterior voltada para cima. Essa cauda tem uma côr azul clara, que a destaca do resto do corpo. A particularidade desse insecto é secretar um liquido irritante que depositado sobre a pelle produz uma acção vesicante em breves momentos.

(80) A existência de onças em tempos antigos, no município da Viçosa, ainda é relembrada pelos nomes de locaes e pelas lendas. Na subida da serra Dois Irmãos, no lado viçosense, existe um ponto denominado Toca da Onça.

Como já disse noutro capitulo, ao pé de uma cajazeira que ficava bem perto da cidade, um negro, há muitos annos, tinha sido devorado por uma onça. As lendas sobre aventuras de caçadores em ataques a esses animaes, eram tão exageradas que perderam o credito, de modo que, actualmente, ainda é de uso chamar-se historias de onças aos relatos de façanhas mentirosas.

(81) Nas margens do Riachão, no engenho Ingazeira, existe um sitio denominado Paço d’Anta.

(82) O guaxinim ou como é mais direito se escrever, guará-xaim, é um bello animal bastante crescido de pello longo e cizento. Visto nas noites de luar passar atravez dos campos, o seu vulto affecta maiores proporções. A fêmea, quando está parida, torna-se um pouco agressiva. Os campônios timoratos e inexperientes ao encontrarem-se á noite, nos logares desertos, com algum guaxinim, dão as de villa Diogo e no dia seguinte propalam no engenho ter visto um lobishomem.

(83) Não temos feras que pertubem com os seus rugidos a calma das nossas mattas, porém temos cousa peor, temos as cobras que constituem uma ameaça perenne tanto para a vida do homem como para a dos animaes. É uma tristeza. Muitas vezes, no meio de um balsedo verdejante, pontilhado de malmequeres e tecido de caracoleiras de flores avelludadas, na margem de um regato que foge sussurrante atravez de nenuphares, enrosca-se a serpente traidora, sempre preparada para atirar o seu bote fatal. O que nos vale, porém, é que para grandes males há grandes remédios. Não raramente o esconderijo da cobra é a touceira de uma planta que encerra na seiva o antitóxico da peçonha. Existem em larga escala pelos campos, e todos os montanhezes conhecem, o meladinho ou S. Pedro Caá, a folha dura, a fava de cobra, a vassoura de botão e muitas outras plantas empregadas com êxito nas mordeduras de serpentes.

(84) A disposição e a extensão das listras muito contribuem para distinguir entre si as espécies: assim quando as listras transversaes occupam toda circumferencia do corpo e acham-se bastante approximadas umas das outras, a cobra não é venenosa. Para fazer, porém, esta distincção, é preciso muita pratica, porquanto existem serpentes que são excessivamente peçonhentas, tendo apenas as listras um pouco mais afastadas.

(85) Sob o titulo, As cobras e o seu veneno, escrevi dois artigos em Maio, de 1911, na secção Notas Medicas, do Gutenberg. O estudo das cobras em Alagoas merece a attenção dos naturalistas, pois supponho que nesse Estado existem algumas espécies ophidicas ainda não classificadas. Entre essas é preciso mencionar a que o povo denomina salamanta. Tal serpente, que nenhuma analogia offerece com o lagarto europeo chamado salamandra, não é conhecida no mundo scientifico, pelos menos com aquelle nome. Será uma variedade do gênero lachesis? Ignoro. O que posso asseverar é que ella, nos seus caracteres exteriores, muito se assemelha á giboia, chegando mesmo as duas cobras a ser confundidas pelos camponezes, sendo, porém, de notar, que emquanto a giboia é destituída de veneno, a primeira pode rivalisar com a crotalus na toxidez da peçonha. Affirma uma lenda popular que a salamanta quando morde alguma pessôa, ergue a cabeça para vêl-a cair morta.

(86) Os homens do campo dizem que a surucucú tem um uma ogeriza extraordinaria pelo fogo: se algum individuo atravessa á noite uma matta, levando um tição acceso ou uma lâmpada, a cobra atira-se a elle e derrubando a luz apaga-a com a ponta da cauda. Contam mais que, nos incêndios das mattas, ella lucta com as labaredas até morrer queimada. Dizem que, quando ella está irritada e deseja atirar o bote á distancia, fica erguida verticalmente sobre o esporão.

(87) As jararacussús e as outras cobras apparecem com mais freqüência no inverno e com especialidade no começo das chuvas. Quando o frio augmenta ellas tornam-se mais raras. Nos dias de sol que succedem ás grandes noites de chuva, todo o camponez experiente, que tem de atravessar a matta ou penetrar nas capoeiras fechadas, toma as suas precauções porque é quasi certeza encontrar cobras em abundancia, aquecendo-se pelos caminhos e pelas réstias de sol.

As jararacussús durante o inverno procuram os logares sêccos e elevados. Pelo verão porém, ellas são encontradas com mais freqüência nas beiras dos brejos e nos recantos humidos cobertos de mufumbos ou paúeis.

Um outro facto relatado pelos matutos é que nos logares onde existe cobra sente-se o seu cheiro, o qual é semelhante ao do peixe cru ou ao das folhas do cabaceiro.




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..:: CAPITULO XII ::..

Constituição dos terrenos

O estudo da mineralogia e da geologia no município da Viçosa ainda está por fazer.

Sabe-se, no emtanto, que na Serra Dois Irmãos e no leito do Parahyba, dominam quasi que exclusivamente o diorito e outras rochas do typo granitóide.

Em diversos pontos são encontrados o quartzo hyalino e a pederneira.

Sob o nome de pedra de fígado é designada para os lados da margem direita do Parahyba, onde existe em abundancia, uma variedade de quartzo de cor avermelhada, tendo um aspecto da víscera donde tirou o nome.

As montanhas e as chãs são constituídas na sua totalidade pela argilla vermelha, conhecida pelo nome de barro vermelho. Nesses terrenos encontram-se pequenos traços de greda branca e roxa. A malacacheta amarella ahi se acha fartamente disseminada em pequeninas laminas ou escamas brilhantes. (88)

Os valles e as grotas são cobertos de uma crosta de terra escura, rica em húmus e matéria orgânica. Essa variedade de terreno é mais commum nos brejos, nos logares alagadiços e nas margens dos rios e regatos, parecendo ser formada pelas alluviões que as águas acarretam.

Em certas várzeas existe uma argilla de cor branca azulada ou esverdeada, muito empregada na cerâmica local e que pela lavagem deixa em deposito pequenos fragmentos de quartzo hyalino.

As rochas calcareas são encontradas a O. do município.

Há bem poucos annos o sr. Manoel Galvão, industrial que residia na Viçosa, tendo comprado um terreno para explorar a cal, no sitio Lunga, nos limites do município com Quebrangulo, descobriu uma importante mina de mármore.

Em 1897, passando no Lunga, onde estavam montando machinismos para a serraria, percorri os trabalhos de excavações da mina e pude verificar quanto esta era vasta: havia em grandes blocos duas espécies de mármore - uma branca, lactescente, e outra de uma bella cor azul celeste. Notei, porem, que as pedras tinham uma grã muito grossa e que eram friáveis. Explicaram-me, depois, que o mármore assim quebradiço era apenas o da superfície do solo, sendo o da profundidade compacto e resistente.

A exploração do mármore na Viçosa ia pois se tornar uma realidade quando, por motivos que ignoro, o sr. Manoel Galvão deixou a empreza, e ainda hoje, creio, os machinismos jazem lá abandonados.

Diversas pessôas têm aventado a idéa de que no município existem minas de cobre. Tal presumpção é baseada apenas no facto de apresentaremas as areias das margens de alguns regatos uma côr castanha esverdeada, semelhante a do cobre azinhavrado.

Tratando-se da constituição dos terrenos, é bom lembrar que na Viçosa já foi observado um ligeiro phenomeno sísmico. Esse facto se deu na noite de 1º de Fevereiro de 1901. Por volta das 10 horas sentiu-se a terra tremer e ouviu-se um surdo rumor subterranco. Por informações posteriores, soube que esse tremor foi mais accentuado ao longo da margem direita do Parahyba, parecendo vir dos lados do sul, do município de Anadia. Em Atalaia os pratos chocaram-se nas prateleiras e as portas giraram fortemente.

Parece portanto que na constituição dos terrenos da Viçosa e dos municípios que lhe são circumvizinhos, entra qualquer cousa de natureza vulcânica.

Em nota ao capitulo 7º declarei que, segundo me informaram, na serra do Gigante, em Bom Conselho, na nascença do Parahyba, ouve-se, de quando em vez, rumores subterrannos.

Consta-me que a 12 leguas da Viçosa, bem perto de Limoeiro de Anadia, existe uma fenda no terreno por onde se escapam gazes sulfurosos.

A esses phenomenos geológicos vem juntar-se a probabilidade da existência de um lago subterranno: há muitos annos, o capitão Pedro José da Cruz Brandão, procurando abrir uma via de communicação com o povoado Gamelleira, afim de facilitar o transporte do assucar para a cidade do Pilar, notou, ao atravessar uma grande matta perto do sítio Pimentas, que no meio da picada existia um fojo vertical, com o diâmetro de um palmo. Um trabalhador encarregado de obstruil-o, viu que as estacas introduzidas no buraco desappareciam immediatamente, ouvindo-se alguns segundos depois um rumor idêntico ao de corpos caídos n’agua. Tal facto foi observado mais tarde por diversas pessoas, mas, como ainda não se fez um exame scientifico, nada se pode adiantar de positivo sobre a existência do tal lago.

(83) Após os aguaceiros das trovadas, a malacacheta, lavada pelas águas do enchurro e brilhando ao sol, parece ter sido depositada recentemente nos terrenos. Devido a esse facto os montanhezes dão-lhe o nome de esterco do trovão.


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..:: CAPITULO XIII ::..

Descripção política

POPULAÇÃO - Pelo recenseamento de 1890 o município accusou uma população de 30.000 habitantes, e pelo de 1900 a cifra elevou-se a 39.821.

Vê-se, portanto, que num decennio houve um augmento de perto de 10.000, e como já decorreram treze annos depois do ultimo recenseamento, acho que se pode hoje calcular em 53.000 o numero dos habitantes.

A população da cidade, também pelo ultimo recenseamento, era de 6.000 habitantes. Sem exagero presumo que actualmente ella anda próxima de 8.000. No perímetro urbano existem perto de 2.000 casas.

ADMINISTRAÇÃO E JUSTIÇA - O município tem um Conselho Municipal de 12 membros, um intendente, um juiz de direito, um juiz substituto, um promotor publico, dois tabelliões, dois juizes districtaes, um commissariado de policia e três subcommissariados distribuídos pelos principaes povoados. Existem 7 secções eleitoraes com mil e cem eleitores. Possue uma Recebedoria Estadoal e uma Meza de Rendas Federaes. A renda da Intendência Municipal eleva-se a mais de quarenta contos e a da Recebedoria a trinta.

INSTRUCÇÃO - A instrucção é distribuída em todo o município por seis cadeiras de aula primaria.

Na cidade existem diversos collegios particulares de instrucção primaria e secundaria. A sociedade Instructora Viçosense mantem um curso de aula nocturna aos seus associados.

VIAS DE COMMUNICAÇÃO - A principal é representada pelo ramal da Great Western, antiga Alagoas Railway, ramal que partindo da linha principal na estação Lourenço de Alburquerque, liga a Viçosa a Maceió e ao Recife. Diariamente parte ás 6 da manhã um trem da estação da Viçosa para a capital, estando de volta ás 7 horas da noite. Nos mezes de safra também partem diariamente diversos trens de cargas ás 10 horas da manhã. A communicação directa com o Recife é feita quatro vezes por semana.

Actualmente o ramal ferro-viario da Viçosa está sendo prolongado para o sertão, até a cidade de Palmeira dos Índios.

São quatro as principaes estradas communs do município, as quaes, segundo a sua direcção podem ser denominadas do norte, do sul, do occidente e do nascente. As mais transitadas são a do occidente e a do norte. A primeira é a estrada do sertão, a qual, seguindo pelo Descançador e Matta Escura vae, ás vezes marginando o Parahyba, bifurcar-se adeante em dois ramaes – um que segue para Quebrangulo e outro para Palmeira dos Índios. Essa estrada não apresenta desfiladeiros e o seu percurso só se torna diffícil no inverno, por causa das passagens do Parahyba, em nenhuma das quaes existe ponte. Durante o verão o rio é atravessado a vau, sem perigo algum. Diversos trechos do caminho, em logares como no Descançador, onde existiam lamaçaes durante a estação das chuvas, são calçados. O grande transito dessa estrada tende a diminuir com o prolongamento da via-ferrea para a Palmeira.

A estrada do norte antigamente era péssima, por causa dos desfiladeiros do “Cento e Vinte” e da Fazenda Velha. Actualmente, porém, o seu percurso foi desviado das ladeiras e dirige-se, a principio pelos grotões do Riacho do Meio e depois pelas mattas dos Bahianos até o engenho Barro Branco, onde se bifurca. Apresenta muitos trechos calçados e com mais algum trabalho ficará convertida numa verdadeira estrada de rodagem. É muito transitada, pois estabelece communicação com a maior parte dos engenhos, com o município da União e com o Estado de Pernambuco. Não tem passagens perigosas de rios ou riachos e em grandes extensões é sombreada por mattas.

A estrada do nascente ou estrada de baixo, era a que servia para estabelecer a communicação com a capital. Hoje, depois do caminho de ferro, quasi que se acha abandonada. Apresentava muitos lamaçaes, atoleiros e passagens perigosas, taes como a do riacho Itapicurú, na sua foz com o Parahyba, perto do povoado Gamelleira. Nos desfiladeiros da serra Dois Irmãos, o governo provincial tinha construído um calçamento.

A estrada do sul faz a communicação com o município de Anadia. Atravessa o Parahyba nas immediações da cidade e tem mais algumas passagens de pouca importância, taes como as do Riachão, Parangaba e Camboim. É um pouco ladeirosa, principalmente depois do povoado Pindoba, quando começa a longa subida da serra Tamearana.

Existem duas agencias do correio, uma na séde do município e outra na Pindoba. A primeira envia malas para a capital diariamente e para o centro do Estado duas vezes por semana.

Não existe telegrapho nacional, mas a cidade é servida pelo da via-ferrea.

TOPOGRAPHIA DA CIDADE - A situação topographica da cidade da Viçosa não é das melhores: pelo lado do norte corre a montanha do “Cento e Vinte” que se prolonga com as montanhas do Descançador. Pelo lado do nascente existe a montanha da Conceição, pelo lado do poente o alto do cemitério e pelo lado do sul o rio Parahyba, pouco depois do qual começam as primeiras elevações do alto da Balança.

As montanhas da margem esquerda, approximando-se umas das outras, deixam entre si pequenos e estreitos valles. As ruas alongando-se por esses valles e grimpando pelos começos das elevações, são tortuosas e ladeirosas, de modo que a cidade, a par de um panorama anti-esthetico, sem graça e sem poesia, não apresenta todo o seu conjuncto num só relance, parecendo, portanto ser menor do que realmente é.

A Viçosa, apesar de ser uma cidade muito commercial, de ser a séde de um dos municípios mais ricos do Estado, ainda tem muito a desejar. Á parte alguns sobrados, alguns chalets e algumas habitações confortáveis, o que domina na construcção é o casebre feio e triste, sem arte e sem gosto, disposto em viellas disformes, mal alinhadas, as quaes, ora terminam em funil, ora em largos ou praças mal feitas e sem a menor noção architectural.

A cidade possue um theatro que tem a denominação de Theatro Carlos Gomes e um hospital de caridade cujo edifício de sólida construcção, foi feito com o producto de donativos e subscripções populares.

Existem seis associações: duas beneficentes - a Amor e Caridade e a de S. Vicente de Paula; uma literaria - a Instructora Viçosense, que possue uma bibliotheca, duas recreativas - a Hebe Viçosense e a Sociedade Dramática Pedro Silva; uma philarmonica – a Euterpe Viçosense; e finalmente uma loja maçônica - Mensageiros da fé.

O mercado, edificado nas proximidades da estação da estrada de ferro, é vasto e sólido. Ahi todos os sabbados se reúne uma grande feira, a qual antigamente era realisada na praça Deodoro.

COMMERCIO – O principal commercio faz-se com as praças de Maceió e do Recife. Algumas casas têm relações com a Bahia e com o Rio. Os artigos importados são, na sua maioria, representados por fazendas, miudezas, ferragens, sêccos e molhados e objectos de quinquilharia. Os estabelecimentos comprehendendo esses diversos ramos de negocio sobem a cincoenta. Existem na cidade onze casas de consignações e commissões fazendo em grande escala o commercio de compras. A exportação é feita para as praças de Maceió e do Recife; consta de assucar, cereaes, algodão, coiros de boi, coiros de bode, etc.

Ultimamente, com o prolongamento da via-ferrea para Palmeira dos Índios, tem-se dito com freqüência que o movimento commercial da Viçosa irá decair. Acho que taes apprehensões são infundadas, pois a Viçosa não somente é um entreposto commercial, mas ainda um centro de consumo e um centro productor, talvez o mais importante do Estado. Admittindo-se, como é plausível, que o commercio de Quebrangulo, Palmeira dos Índios e Sant’Anna do Ipanema corra directamente para Maceió, a Viçosa ainda assim, ressentir-se-á muito pouco, porque a importação e a exportação d’aquellas localidades, entram apenas como uma pequena tara na balança do seu futuroso commercio. O município tem vida própria como attestam a densidade da sua população, a sua centena de engenhos e a sua grande cultura de algodão e cereaes, sendo todos esses elementos de riqueza sufficientes para garantir-lhe a hegemonia commercial sobre os demais municípios do Estado.

POVOAÇÕES - São as seguintes as povoações do município:

1ª - Annel - Acha-se situada a duas léguas da cidade, na margem do Parahyba. O seu desenvolvimento data de uns dez annos para cá. Tem uma feira muito concorrida aos domingos e possue oito casas de negocio.

Ahi existe uma capella de Nossa Senhora da Conceição com um patrimônio doado por Alexandre Massena. Segundo me informaram o nome annel é devido á grande volta que o rio descreve nesse local.

2ª - Pindoba – É uma povoação antiqüíssima, situada ao sul do município. Parte pertence á Viçosa e parte á Anadia, sendo a divisão feita pelo riacho Parangaba. Tem uma pequena capella sob a invocação da Divina Pastora e outra sob a de S. Sebastião.

3ª - Chã-preta - É um pequeno povoado que está agora se desenvolvendo e que parece ter um certo futuro. Acha-se situado numa grande altitude, a umas quatro léguas ao noroeste do município. Tem uma capella, uma cadeira de instrucção primaria, uma feira ao domingos e algumas casas de negocio.

4ª - Sabalangá – É talvez a povoação mais antiga da Viçosa. Fica entre a cidade e a serra Dois Irmãos. Foi um antigo mocambo dos palmares. Actualmente se acha em decadência. Possue uma pequena capella.

5ª - Matta Escura - Este núcleo, que se acha na margem esquerda do Parahyba, bem perto da cidade, parece também ter sido um mocambo dos palmares.

6ª - Bom Socêgo – Antigamente essa povoação tinha o nome de Tobias. Sempre viveu atrazado porque sempre foi reducto de criminosos. Actualmente, com o desenvolvimento da Chã-preta, que lhe fica perto, ella resentiu-se bastante e parece que tende a desapparecer.

7ª - Barra do Cassamba – Fica na confluência do rio Cassamba com o Parahyba. É um agrupamento de casas sem importância. O seu povoamento parece ser anterior ao da cidade.

8ª - Caldeirões - É um pequeno povoado onde há uma feira aos domingos.

9ª - Laranjeira – Fica ao nordeste, a umas três léguas da cidade. Começa a desenvolver-se e já tem uma capella.

10ª - Bonito – Povoado que já teve um commercio bastante crescido. Hoje está em declínio.

11ª - Queimado - Povoado estacionário na margem do Parahybinha.

12ª - Chã do Tangy - É um agrupamento de casas collocado no alto da montanha do mesmo nome. Tem uma capella e as suas cercanias constituem uma zona muito algodoeira. Como todas as chãs do município o Tangy gosa de um excellente clima.

13ª - Bananal - Fica no engenho do mesmo nome.

14ª - Limoeiro - Foi transformada em engenho e possue um numero limitado de casas.

Como se vê, as povoações da Viçosa não passam de pequenos núcleos, alguns com um desenvolvimento muito moroso, outos estacionários e a maior parte em franca decadência. Isto porém nada depõe contra as condições evolutivas do município, attendendo-se a que a vida quasi que se concentra exclusivamente na séde e nos engenhos.

AGRICULTURA - A agricultura é representada pelo plantio da canna de assucar, pelo do algodão, do milho, do feijão, da mandioca, da fava e da mamona.

Os terrenos, como já tive occasião de dizer por mais de uma vez no decorrer desta obra, são na totalidade de uma fertilidade admirável. Existem grotas, valles e chãs trabalhadas incessantemente há mais de um século, sem se exhaurirem. O agricultor da Viçosa não conhece o arado nem os adubos para os terrenos. O preparo destes para os roçados, consiste apenas na derrubada das mattas ou capoeiras, na queima e no encoivaramento.

A canna de assucar constitue o principal ramo de cultura. A espécie commumente empregada é a chamada Cayenne, a qual é muito rica em saccharose e desenvolve-se perfeitamente nos terrenos. Não é raro encontrarem-se touceiras que apresentam trinta a quarenta cannas, contando algumas três a quatro ordens ou pedaços do comprimento de um metro. O plantio é feito em Junho ou Julho, nos altos e nos montes, em Setembro ou Outubro nas várzeas frescas e embrejadas. Conforme a natureza do terreno, um cannavial pode dar até dez folhas, isto é, produzir successivamente dez safras. Commumente, porém, só se colhe nos três primeiros annos – a primeira folha ou canavial de planta, a segunda ou cannavial de sóca e a terceira ou cannavial de resóca.

Actualmente existem na Viçosa uns cento e vinte engenhos. Todos elles fabricam o assucar pelo systema primitivo, não havendo no município uma só usina. Como quer que seja, admittindo-se a media de 300 saccos para cada engenho e um preço de três mil réis por arroba, vê-se que uma safra de assucar em todo o município, nos annos regulares, pode render uma somma que se approxima mais ou menos de 600 contos de réis.

Entre os engenhos que safrejam mais de mil saccos por anno, notam-se o Boa Sorte, o Bananal, o Dourada, o Riacho Secco, o Matta Verde, o Limoeirinho e o Floresta. Os que possuem maiores machinismos são o Boa Sorte e o Bananal do coronel Manoel Fernandes. Entre os mais bem construídos destaca-se o Barro Branco, reformado em 1898 pelo seu proprietário, o coronel Theotonio Torquato Brandão, que nelle edificou uma bella e vasta casa de pilares.

O assucar fabricado nos engenhos da Viçosa é o assucar mascavo bruto. O seu preparo ainda é da mesma fórma que nos tempos coloniaes; exprimida a canna nas moendas, o caldo é aparado no parol e deste segue em bicas para o assentamento, o qual consta, em regra geral, de cinco tachas, onde vae se fazendo gradativamente o cozimento, a separação das impurezas e a apuração do mel. Este, tendo attingido o ponto, é transvasado para as bacias afim de ser batido até ficar semi-coagulado. Nessas condições é trasportado para as fôrmas, onde se dá definitivamente a solidificação. O ensaccamento faz-se uns quatro dias depois, quando o assucar já tendo nas fôrmas deixado escorrer para os tanques o mel que o infiltrava, se apresenta completamente sêcco.

O mel dos tanques, também chamado mel de furo ou mel cabaú, é empregado, ou no fabrico do retame - assucar de ínfima qualidade, ou, como é mais commum, no fabrico da aguardente.

Em alguns engenhos ainda há o uso de seccar-se o assucar ao sol, em balcões ou grandes taboleiros apropriados.

A cultura do algodoeiro, ou como é de uso dizer-se, a cultura do algodão, é, depois da canna de assucar, a mais espalhada no município.

As espécies geralmente empregadas são o algodão quebradinho e o algodão do Maranhão.

O ultimo é mais floconoso, mais rico em substancia filamentosa, porém o povo planta de preferência o quebradinho, não somente por que é mais pesado, visto a sua semente ser mais densa, como também porque o seu arbusto desenvolve-se com mais facilidade, resiste mais fortemente aos ardores do sol e pode passar de um anno para outro, de modo que, situando-se um roçado de quebradinho, pode-se fazer a colheita em duas ou mais safras, sendo apenas necessário decotar-se a planta no começo das chuvas e cuidar dos rebentos.

O milho e o feijão são também plantados em larga escala. Este ultimo constitue uma grande fonte de renda, pois em certos annos é vendido nas feiras de quatro a seis mil reis a cuia (dez litros). Para dar uma idéa da grande producção desses cereaes no município, basta dizer que, segundo uma nota estatística colhida de boa fonte, o mercado da Viçosa exportou, num desses últimos annos 60 mil saccos de milho e feijão.

Ao lado desses productos a mandióca occupa também um logar de destaque. Dessa planta são cultivadas differentes espécies, das quaes as mais importantes são a mandioca manipéba, a almeida, a lagoa e a macacheira ou mandioca mansa, que ao contrario das outras, pode ser comida assada ou cozida.

A fabricação da farinha também se acha subordinada aos princípios primitivos: usa-se ainda o caetetú instrumento antigo que consta de um cylindro de madeira cravejado de diversas serrilhas de ferro e que se move á força de braços humanos, por intermédio de uma grande roldana. Pulverisada a mandioca é então submettida á compressão, em prensas também primitivas, feitas toscamente de troncos de arvores. Separada a manipoeira ou succo da planta, a massa é espalhada num grande forno de barro onde em fogo lento é mexida até ficar completamente torrada. A farinha assim preparada é sempre grosseira. Toda ella é cossumida no município, variando o seu preço conforme a fartura ou carência.

A mamona ou carrapato, que se desenvolve em grande abundancia, é cultivada em pequena escala.

Os terrenos da Viçosa prestam-se ainda á cultura da batata, da maniçoba, do fumo, do café e do cacau, tornando-se apenas necessária a pratica de certos princípios indispensáveis para o desenvolvimento de taes productos. Noutro capitulo já tive occasião de falar nos grandes proventos que pode trazer ao município o plantio em larga escala da goiabeira e da bananeira.

INDUSTRIA PASTORIL - Nestes últimos annos tem sido muito explorada a “solta de garrotes” nos “reservos”. Tal gênero de negocio é muito lucrativo.


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..:: CAPITULO XIV ::..

A vida no engenho
(QUADROS E COSTUMES)

O engenho é um mundo a parte - um pequenino mundo quasi independente, com a sua vida quasi própria.

Visto de longe, o seu todo parece emmoldurado no verde escuro da matta.

No alto de uma suave collina eleva-se a casa grande - a residência do senhor de engenho; é uma casa vasta, branca e arejada, com três alpendres cercados de balaústres.

Ao fundo destaca-se o quintal - extensa área de terreno limitada por pau a pique e coberta de frondosas arvores fructiferas.

Ás vezes, entre os laranjaes floridos, vê-se alvejar uma egrejinha simples.

A casa do engenho fica um pouco além - ou no pendor da collina ou do outro lado do açude, no começo da várzea. É construída de tacaniças e pilares. O “bueiro” alto e esguio assignala-a em distancia.

Em torno extende-se a bagaceira branca.

Depois são os cercados e mais adeante os cannaviaes, espraiando-se pelos varzeados frescos, subindo os montes e cobrindo as chãs como um verde e ondulado manto.

Casitas rústicas apparecem - ora pelas margens das estradas arenosas, ora atufadas entre a folhagem basta das capoeiras altas.

Espelhando ao sol a sua faixa prateada, um pequeno regato vae a esgueirar-se entre balsedos de malmequeres, e além, pelos longes da paizagem, nas curvas do horizonte, as mattas se azulam, beijando a turqueza do céu numa perpectiva doce e vaporosa como a maciez de um sonho...

Duas figuras merecem um ligeiro bosquejo: o senhor de engenho e o trabalhador.

O senhor de engenho, em regra geral, é um homem honrado e laborioso, muito correcto nos seus negócios e que procura sempre se impôr pelo seu caracter. Guarda em si um pouco da nobreza e altivez do antigo colono, do qual, em virtude talvez do atavismo, conserva ainda um resto das antiquadas usanças, misturadas com uma boa dóse da simplicidade nativa do aborigene primitivo. É hospitaleiro a toda prova. O viajante que por noite de inverno for bater numa fazenda, mesmo em horas mortas, pode ter a certeza que as portas lhe serão abertas e que terá uma ceia e um leito para compensar as agruras da jornada.

Sobre o trabalhador é preciso fazer uma distincção entre o filho da matta e o filho da catinga.

Este ultimo é o representante da gente adventícia e fluctuante que nos annos de sêcca desce dos altos sertões, em levas maltrapilhas e famintas. Chegando na zona da matta vive miseravelmente, sem cuidar de se fixar na terra, sempre dominado pela nostalgia da pátria. Constroe o seu rancho do modo mais simples possível, com esteios e cumieiras de imbaúba. Com as primeiras rajadas do inverno a casa começa a desabar. Nesse tempo, justamente, chega a noticia de que já há verde no sertão. Arruma então a trouxa, e sem cogitar das dividas faz uma madrugada, e quasi fugido eil-o de novo com a mulher e os filhos de volta á terra natal.

Ao lado, porém, dessa gente sórdida, desconfiada, preguiçosa e mal agradecida, destacando-se em perfeito contraste, apparece o filho da matta – o verdadeiro trabalhador com o qual o senhor de engenho pode contar nas differentes épocas do anno. É pobre, mas usando-lhe a própria expressão, vive remediado.

Apesar de trabalhar alugado e prestar o seu concurso ao engenho, ainda dispõe de algum tempo para lavrar o seu roçado e plantar os cereaes mais necessários. Possue um cavallo, cria o seu porco e as suas galinhas e ainda tem uma cabra que lhe fornece o leite para alimentar as creanças. A sua casa já revela um pequeno conforto, embora rudimentar.

É coberta de palha, porém as paredes são de taipa. Em regra geral tem um copiar que representa a sala de visita, dois quartos e uma cosinha que também serve de sala de jantar. Como mobiliário possue bancos toscos de madeira, redes de algodão e esteiras de piripiri ou de palha de palmeira.

O vestuário dessa gente é typico: as mulheres usam saias de chita de vistosas cores, cabeção de morim e chale de quadros vivos. Nos dias de festa vestem um casaco da mesma fazenda que a saia, calçam uns tamancos de marroquim e se adereçam com collares de contas de vidro ou de massa. O traje do homem ainda é mais simples: consta de calça de algodão trançado, branco ou listrado, camisa de madrasto ou de algodãosinho, usada sempre por fóra das calças e chapéo grosseiro de palha de palmeira.

Como arma usa a faca de ponta e o cacete. A primeira sendo prohibida pela policia, não é trazida ostensivamente. Quando o matuto se approxima de algum logar povoado, ápea-se do cavallo, retira a faca da cinta e esconde-a na esteira da cangalha. O cacete é uma supervivencia das armas do antigo aborigene: é uma modificação do tacape. Feito de pau duríssimo, possue a extremidade inferior mais grossa do que a superior. Ás vezes é quinado e ás vezes é roliço, tendo sempre um tamanho menor do que as bengalas commumente usadas. É uma arma offensiva e defensiva, que seja dito de passagem, é muito mal manejada.

Sobre o ponto de vista ethinico, há uma grande mistura oriunda do cruzamento das três raças que se fundiram – a branca, a preta e a cabocla. Encarado no seu conjunto o que fere logo a attenção do observador é a mestiçagem, isto é, o producto do caldeamento dos três elementos heterogêneos. Esse producto tem no cabra o seu mais perfeito representante. Independente destas circumstancias, entre os trabalhadores também se encontram o branco, descendente do portuguez, o preto e o genuíno descendente do caboclo, no seu typo ethnico mais puro. A população fluctuante de que falei há pouco, é, na sua maioria, constituída desta ultima classe e concerva ainda todos os traços característicos da raça mongolóide.

Antes de 88, a senzala dos escravos alinhava-se um pouco além da casa grande.

Os negros, porém, eram em numero reduzido, de modo que para o plantio da canna o escravo constituía apenas um auxiliar.

O 13 de Maio foi uma surpreza para o senhor de engenho, que julgou tal acto um attentado a sua propriedade, um roubo feito á nação pelo governo. As idéas abolicionistas ainda não tinham entrado na Viçosa, mas, faça-se justiça, os seus engenhos jamais haviam presenciado as scenas vandálicas da escravidão, tão communs em outros logares. As novenas de açoutes, os bancos e as gargalheiras não medraram em minha terra. Si o negro tinha castigo era apenas como uma reprimenda ás suas malfeitorias, mas nunca esse castigo ultrapassava os sentimentos de humanidade.

A dor do escravo era mais devida a privação da liberdade do que aos maus tratos corporaes.

Com as primeiras chuvas do inverno a milhã aponta e as queimadas reverdecem.

Começam as “limpas” dos cannaviaes.

De manhã cedo o engenho accorda ruidoso e cheio de vida para a faina diária.

As neblinas da madrugada ainda envolvem o vasto palmeiral e já no terreiro da casa grande os trabalhadores recebem do senhor de engenho as determinações para o serviço.

Pouco depois o “eito” começa, em baixo, no aceiro do cannavial.

Agora todo o valle rumoreja.

Pelo ar frio, vibratilisado e garoento, rolam sons extranhos e diversos – tinidos metallicos, arrastar de enxadas, gritos, sons de gargalhadas e mugido de animaes. Ouve-se o estardalhaço de arvores que desabam, o crepitar de ramadas que se desprendem, o despalhar de cannas novas, ruído sêcco das foices, o som forte e monótono dos machados.

Longe, pelas ladeiras, começa o côro das aracoans e ao mesmo tempo, do “eito”, irrompe um outro côro, em cadencia triste e langorosa.

O sol atravessando a garoa vae-se erguendo sobre as arvores.

A paizagem se illumina, desfaz-se a cerração e no meio da manhã azul e transparente, o engenho apparece, como que sorrindo á doce caricia da luz matinal.

Em Junho o inverno desencadeia-se forte e ululante.

As mattas, lacrimejando num continuo pranto, parecem estar de lucto, e as arvores batidas pelo vento e pelo aguaceiro, assemelham-se a espectros doidos, desolados, com a cabelleira solta a fustigar o espaço.

Os regatos transbordados alagam as várzeas, cobrem o capinzal e apertados nas boccas das grotas, precipitam-se encachoeirados, fazendo retumbar ao longe o ruído das suas quédas.

Enchem-se as estradas de camalhões e pelas ladeiras as águas barrentas da enxurrada rolam tumultuosamente, cavando fossos e valletas.

Todo o serviço no engenho está paralysado.

Os animaes fustigados pela chuva refugiam-se nas latadas dos curraes, e a fazenda erma, deserta de seres vivos, parece como que abandonada á fúria dos elementos.

As tardes são como uns longos crespusculos pesarosos, e quando a noite cae a soturnidade redobra, tétrica e pesada. Não se ouve nem um balido, nem um mugido. Somente a chuva estala em bátegas, e além, pelas várzeas longas, os vagalumes se accendem, em myriades, como cirios pallidos de alguma procissão phantastica e enorme

Em Setembro os cannaviaes das ladeiras, já sazonados, principiam a amarellecer.

Então começam os preparativos para as botadas (89) do engenho.

Limpam-se as machinas, concertam-se os tanques e as tachas, renovam-se os curraes e varrem-se as bagaceiras e os balcões.

Inicia-se o córte das cannas.

Agora, pelas estradas alvacentas, passa o bando alegre dos cambiteiros, (90) cantarolando trovas campezinas, quadras sentidas ou “emboladas alegres.”

A casa do engenho, com o largo portão escancarado, vae recebendo no seu vasto ventre as cargas recheadas.

Afinal os “picadeiros” abarrotam-se e a moagem vae começar.

Antes porém de ser esmagada a primeira canna, é celebrado um terço cantado ante a imagem de Christo, collocada em um altar improvisado na bocca das moendas. Esta cerimônia tem por fim evitar que durante os cinco ou seis mezes de moagem haja algum desastre a lamentar-se.

Terminado o terço a machina apita, as moendas movem-se, machucando a canna, e o caldo verde e espumoso começa a cair no cocho, aos gorgolões.

Pelo verão, ao “quebrar das barras” no esplendor das madrugadas, o céo desenrola as suas faixas de ouro e azul.

Rompe a alvorada a cavatina das aves e a matta em festa accorda cheia de cantos e perfumes.

A moagem está a findar e já pelos altos começam as derrubadas para o preparo dos roçados.

O calor amarelleceu os campos e resequiu as várzeas. O verde esmeraldino dos cannaviaes foi substituído pelas manchas negras das queimadas.

Ao meio dia, num céo muito azul, o sol rutila, candente, fulvo. Nem uma ligeira viração faz oscillar as arvores paralysadas e mudas sob o mormaço tropical. Os flabellos immoveis das palmeiras parecem faiscar ás reverberações da luz coruscante que jorra do alto.

Dos montes e das rechãs, extendendo-se o olhar por sobre a vastidão dos campos, nessas horas caliginosas, tem-se a impressão de que a natureza dorme a sésta, embalada pelo canto monótono das cigarras.

Ao cair da tarde, nos longes das montanhas, para o lado das queimadas, os horizontes se enfumaçam.

O sol vae tombando no poente ensangüentado, vae o dia expirando.

A luz moribunda vasqueja pelo espaço, côa-se pelas arvores, flammeja sobre o açude, derrama-se como um restello d’ouro sobre os escampados vastos e afinal desfallece, em laivos tristes, lentamente.

Agora pelo accaso resvalam a esmo as manchas violaceas do crepusculo.

Toadas soltas de capineiros rolam pelos ares, ora em notas agudas e vibrantes, ora em requebros languidos e vagarosos, como se viessem de longe, de muito longe, das profundas entranhas da matta.

Á beira dos riachos, pelos carreiros e pelos limpos do cercado, os animaes soltos e livres do mourejar do dia, resfolegam amplamente, haurindo a grandes sorvos o ar da tarde.

Morre a ultima claridade do dia.

As trevas se adensam, palpitam no céo as primeiras estrellas e a noite, morna e placida, envolve docemente a casaria alvacenta do engenho.

Dorme a fazenda no banho calmo e prateado do luar.

Nas longuras das varzeas perfumadas, pairam as sombras, silencio e a quietação da noite.

Além, pelas quebradas das collinas, os canaviaes parecem um vasto lençol, e sobre o palmeiral ferido pela claridade da lua, as brizas sussurram, gemem baixinho, segredam magoas talvez...

Alta e esguia, a chaminé do engenho projecta no espaço o seu perfil de gigante, e como uma sentinella sobre um acampamento adormecido, parece velar o somno da fazenda.

Rompe agora o silencio o galope de um cavallo. Cães ladram pelas portas das choupanas, bate a cancella do cercado e alguem na estrada deserta passa veloz. Talvez algum feirante retardatario a quem a noite surprehendeu em meio da matta, talvez algum vagabundo que de engenho em engenho anda a cata de algum côco.

O galope se distancia e perde-se ao longe. Volta o silencio.

Cada vez mais bella, a claridade do luar cae sobre a fazenda como um sudario transparente, povôa de sonhos e mysterios a espessura das mattas, envolve as montanhas, derrama-se pelas baixadas, e beijando os nenuphares sombrios vae espalhar rodilhas de luz sobre a face fria dos açudes, onde dormem as grandes nymphéas brancas e pensativas.

De quando em quando, numa dobra do caminho, no meio da matta ou num valle engargantado entre montanhas alpestres, num logar sempre esconso e solitario, apparece uma cruzinha negra e carcomida pelo lichen.

Tão triste, tão desolada, parece communicar a toda paizagem o seu aspecto de pesar e nostalgia.

Se o viajante ao sair do bosque procurar, na primeira choupana, conhecer o motivo d’aquelle signal de piedade erguido alli naquelle recanto deserto, contar-lhe-ão uma tragedia sombria, uma scena lancinante de sangue e dor: ao entardecer de um dia de verão, um pobre velho atravessava descuidoso a matta, quando um preto fugido o aggrediu a punhaladas; o velho rolou por terra, agonizando, e o negro, arrebatando-lhe os alforges, desappareceu numa curva do caminho.

Outras vezes é um verdadeiro lance de bravura - é um valentão que cercado pela escolta da policia local, se bate desesperadamente, com furor, sucumbindo afinal depois de ter deixado o solo juncado de cadaveres.

Não mui raro é um drama passional – um tal José Pajehú habitava no engenho proximo; era um sugeito de maus costumes, insultante e rixento, que viera de cima, dos sertões.

Uma certa manhã, parando para beber cachaça na “venda” que ficava á beira do caminho, notou que a mulher do dono da casa era moça e bonita. Seduzil-a, conquistal-a e raptal-a foi obra de poucos dias. O marido ludibriado, que parecia ser fraco e pusillanime, jurou vingar-se. Os tempos correram e do sertão vieram noticias que a esposa infiel, abandonada pelo amante saciado, morrera de miseria. Pouco depois o Pajehú voltou, e compenetrado que seu rival o temia, passou insultuosamente diante da “venda” e demorou-se a conversar com os conhecidos. Mal porém tinha entrado na matta, quando um tiro partido de traz de uma arvore o prostou no chão, e immediatamente o vendeiro, ainda com o clavinote fumegante, pulou-lhe em cima, bebeu um pouco do sangue quente que lhe borbulhava da ferida, assistiu-lhe com mostras de prazer os movimentos convulsivos da agonia, e quando o viu exhalar o ultimo suspiro desembainhou uma faca de ponta e vociferando maldições cravou-a mais de vinte vezes no corpo inanimado. Em seguida escarrou-lhe no rosto e voltou calmamente para casa.

Agora, no silencio do bosque, a cruz, solitaria e sombria, parece na sua mudez implorar uma prece ou uma phrase de perdão pelo assassinado.

Os caminheiros piedosos descobrem-se deante della com respeito e atiram-lhe ramilhentes de folhas e flores. Muitas vezes ella adquire fóros de milagrosa: então lhe enchem os braços de offerendas votivas e romarias de camponios vão á noitinha acender-lhe velas e entoar-lhe bemditos.

Há festa na casa do trabalhador.

No copiar da casa alegremente illuminado pelas candeias, o côco estua febril e animado.

Dançam rapazes e raparigas - rapazes caboclos alegres e paraldores, raparigas morenas enfeitadas com jasmins d’agua e bogaris cheirosos.

Sôa o ganzá e as palmas estrugem.

Aligeros e frementes os pares rodopiam no meio do circulo, cantando e voluteando num forte sapatear.

Vão chegando mais convivas - moços e moças; a roda dos pares augmenta, augmentam as vozes e o côco cada vez se torna mais animado.

Os rumores da dança, ecoando lá fóra, vão repercutir ao longe pelas varzeas e pelas montanhas, enchendo a noite immensa de alaridos festivaes.

O côco cessou. As vozes dos dançadores esmoreceram, calou-se o ganzá, silenciaram as palmas.

Agora a lua vae apparecendo aos poucos por detraz da matta.

Os convivas abandonam o copiar onde as candeias bruxoleam, e invadem o terreiro varrido e alvejante.

É chegada a vez dos poetas, dos cantadores de colcheia.

Vão travar-se os desafios.

Afinam-se os instrumentos e as violas preludiam.

As raparigas se approximam e forma-se um circulo em torno dos cantadores. Afinal tudo se cala e as quadras começam langorosas e sentidas:

1º cantador:

“Bonina branca cheirosa,
Flôr que abre no verão;
Choro quando não te vejo,
Prenda do meu coração.”

2º cantador:

“Prenda do meu coração,
Açucena desmaiada,
Alecrim verde florido,
Estrella da madrugada.”

1º cantador:

“Estrella da madrugada
Brilha, brilha sem parar,
A tua luz minha estrella
É doce e me faz penar.”

2º cantador:

“É doce e me faz penar,
Jurity do meu caminho,
Jassanan da beira d’agua,
Rosa branca sem espinho.”

As quadras se succedem umas as outras, ora vagarosas, macias e repassadas de ternura, ora rolando em torrente como avalanches tumultuosas, cheias de arroubos selvagens.

Nos intervallos só se ouve a musica das violas, rompendo o silencio nuns accordes doces, languidos e merencoreos, lembrando magoas soluçadas, queixumes, sonhos de mocidade e illusões, como saudades, como notas de amor soltas ao vento, esparsas ás brizas, derramadas no espaço, misturadas e dissolvidas na brancura nivea e crystallina do luar.

A noite vae alteando e a lua sobe no céo. Surge a madrugada loira, mansamente, vagarosamente, branquejando o espaço, orvalhando os campos e toucando de roseo e azul os cumes da serra em distancia.

Mais languidas as notas, mais cadenciados os cantos, quasi em surdina, esmorecem agora e vão perder-se de todo na cerração matinal, que em alva musselina começa a desdobrar-se sobre a fronde do palmeiral adormecido.

(89) Em Alagoas denomina-se botada do engenho (que se pronuncia butada) o inicio da moagem. A peja é o termino dos trabalhos da safra. Diz-se - o engenho já botou, o engenho já pejou.

(90) Cambiteiro é o carregador de cannas. A palavra origina-se de cambitos, ganchos de madeira collocados nas cangalhas e que servem para sustentar os feixes de cannas.


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..:: CAPITULO XV ::..

Vestigios de raças prehistoricas na Viçosa

MEMORIA APRESENTADA AO INSTITUTO ARCHEOLOGICO E GEOGRAPHICO ALAGOANO NA SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1910 (91)

A noticia de que no municipio da Viçosa, tres leguas mais ou menos da séde da cidade, perto do sitio Cachoeira Grande, existia um logar denominado “Chã de Cacos”, despertou-me o desejo, já há muito acalentado, de fazer um estudo sobre as antiguidades de minha terra natal, para as quaes, que eu saiba, ainda não se voltou a attenção de nenhum investigador scientifico.

Aproveitando uma dispensa do meu serviço, dirigi-me para a Viçosa e, começando as indagações, soube que em sitios mais perto, no engenho Paredões de propriedade do coronel José Aprigio Villela, existiam diversas “chãs” onde a quantidade de cacos era tão grande que, quando ahi faziam roçados, difficultava a lavragem do solo.

Nas primeiras derrubadas os restos de louça foram encontrados em grandes fragmentos, achando-se também, ás vezes, enterrados em pouca profundidade, vasos em fórma de grandes potes de bocca larga e de paredes bastante espessas. Esses vasos, segundo me informaram, apenas continham uma pequena quantidade de terra.

Em taes locaes tambem foram encontrados cachimbos de barro, de fórmas exquisitas e descommunaes.

Todas essas preciosidades sendo estragadas pelos roçados que todos os annos se repetem nos mesmos terrenos (porque a experiencia demonstrou que as “chãs de cacos” são extraordinariamente ferteis) tendem a desapparecer em um futuro mais ou menos proximo, desapparecendo com ellas uma das fontes mais importantes para o estudo da nossa prehistoria.

Deixando para posteriores observações as chãs do Cangote, do Urubú e da Boa Vista, muito ricas em destroços antigos, encaminhei-me para a que é especialmente conhecida pelo nome de “Chã de Cacos”.

O monte, cuja chapada tem tal designação, fica á margem direita do Riachão, regato um pouco volumoso nas estações invernosas, o qual, banhando o municipio pelos lados do nordeste, vae lançar-se no Parahybinha.

Esse monte tem mais ou menos a fórma de um cone truncado, sendo de facil acesso pelo lado do poente. Ao contornal-o, em um estreito valle entre a sua base e o Riachão, fui impressionado não só pela sua conformação especial, como tambem pelo facto de encontrar-se elle ligado por uma ponta de terreno, que me pareceu um aterro, a um outro monte que não pude explorar, visto achar-se coberto de capoeirões.

A principio pensei que estava deante de um desses mounds construidos pelo homem primitivo e que são tão communs no Arkansas, no Ohio e no Mississipi, mas a simples reflexão sobre o papel e fins do mound demoveu-me da primeira idéa. Com effeito, taes monumentos, da mesma maneira que os teocalis dos aztecas e as chulpas das margens do Titicaca e do Umaio, no Peru, eram construidos não somente para servir de templos e tumulos, mas tambem de pontos estrategicos de observação e defesa.

Ora, num terreno extremamente accidentado como o de Viçosa, onde os valles estreitos serpeiam como profundos fóssos num labyrintho de montes e collinas, não seria razoável admittir que as raças antigas se dessem ao trabalho de construir novos montes, quando qualquer chapada poderia offerecer todas as condições de segurança e defesa.

Logo em meio da subida começaram a apparecer os fragmentos de louça, em quantidade crescente á medida que eu galgava o cume. Ahi então, atravez do algodoal que o cobria, os cacos appareciam aos montões, de modo que se poderia julgar que tinham sido accumulados por muitas gerações.

Os fragmentos eram grossos, de tres a quatro centimetros de espessura, apresentando alguns o abahulamento peculiar ás partes de grandes vasos, pelo que imaginei tratar-se de restos de igaçabas.

Toda louça representava o producto de uma ceramica rudimentar, não se notando o menor adorno que revelasse gosto esthetico. Era mal cozida, pois a parte voltada para cima achava-se gasta, manifestando a acção dissolvente das aguas da chuva. Alem disto se quebrava com facilidade e tinha uma cor negra de fumaça.

A materia prima empregada na confecção, era uma argilla grosseira e mal trabalhada, pois a superficie de secção de um fragmento, apresentava-se aspera e pontilhada de pequeninos grãos de seixo branco. Em alguns pedaços, mais raros é verdade, notei que a parte concava era coberta de um verniz acinzentado, sem duvida destinado a tornar a louça impermeavel.

Um facto essencial despertou-me attenção: todos os destroços que alli se achavam eram apenas os restos de utensilios domesticos, nada havendo que podesse revelar, pelo menos no exame superficial que fiz, ruinas de construcções.

Á primeira vista julguei ser o povo que ahi tinha vivido pertencente a raças nomadas que habitavam em tendas, ou então representante de aborigenes que povoavam o territorio de Alagoas na época do descobrimento do Brazil, os quaes, como é sabido, construiam as suas habitações de ramos e folhas de arvores, que desappareciam com o tempo sem deixar vestigios.

Não me sendo possivel emprehender excavações, ia dar por terminado o meu exame quando o guia se lembrou de mostrar-me uns “signaes” em rochedos á beira do Riachão, a pouca distancia do monte onde nos achavamos.

O Riachão, quasi sêcco, deixava a descoberto, dois palmos acima do nivel d’agua, uma pedra granitica, quasi circular, que tinha pouco mais de um metro de diametro e que apresentava a superficie superior plana. Sobre essa pedra viam-se diversos signaes caracterizados, uns por pequenas depressões cujas bordas apresentavam a fórma de uma ellipse, e outros por simples traços ou riscos.

As depressões tinham dez ou doze centimetros de extensão e quatro ou seis de largura, sendo muito lisas e polidas. Os traços tinham a extensão de vinte e sessenta centimetros, com oito milimetros de largura e oito de profundidade, distinguindo-se perfeitamente das fendas naturaes dos rochedos, as quaes, procurando os veios fracos da pedra, mui raramente seguem a direcção rectilinea. Esses traços, que pareciam gravados com a ponta de um instrumento de metal, eram parallelos uns, e dispostos em angulos e triangulos outros. Entre os dois primeiros riscos havia, na parte media, um apagado traço vertical. Os angulos eram agudos, sendo alguns oppostos.

Atravessando-se o leito do Riachão, encontrava-se na outra margem uma serie de rochedos, os quaes tambem apresentavam signaes: num bloco informe collocado sobre a barranca, notavam-se vinte e dois riscos parallelos. Identicos traços existiam em pequenos cabeços que afloravam na superficiea do sólo.

Duas pedras, porem, merecem uma menção especial: a primeira, que se encontrava num ponto mais afastado do ribeiro, era uma bella pedra plana, faceada, de constituição granitica, que affectava a fórma de um pranchão, com dois metros de comprimento para mais ou menos oitenta centimetros de largura.Essa pedra tinha uma certa inclinação, achando-se a extremidade inferor um pouco aprofundada no solo, de modo que o todo recordava, pela sua disposição, um desses carneiros tumulares tão communs nos cemiterios de S. João Baptista e S. Francisco Xavier, no Rio de Janeiro. Era cruzada, na sua parte media, por dois traços nitidamente gravados que, partindo dos angulos superiores, se dirigiam para os inferiores.

A segunda pedra, tambem faceada, de forma ligeiramente pyramidal, com um metro mais ou menos de altura, implantada quasi verticalmente no sólo, alem de apresentar os mesmos angulos e riscos parallelos, offerecia a particularidade de entrar, quando percutida, em vibrações sonoras que se ouviam a alguns passos de diatancia.

Um dos meus companheiros pensou que essas vibrações fossem devidas á vareta metalica do guarda chuva, com cuja ponta eu feria a pedra. Para sair de duvidas, tomei um pequeno seixo, percuti de novo e o mesmo phenomeno foi ouvido.

Auscultando e percutindo ao mesmo tempo, notei que as ondas sonoras se propagavam por toda pedra e pareciam ter uma mais vasta repercussão na parte inferior, que se achava em contacto com o sólo. Esse facto fez-me pensar que a sonoridade poderia ser devida não a uma constituição especial da pedra, mas antes a sua disposição em cima de alguma cavidade.

Sendo quasi noite e não podendo continuar com as observações, regressei com os meus companheiros, levando a convicção de achar-se alli um verdadeiro thesouro archeologico.

É preciso notar que não era a primeira vez que eu contemplava na Viçosa identicos caracteres em rochedos, se bem que em outros tempos não os encarasse como objecto de estudo.

No engenho Barro Branco, onde passei grande parte da minha infancia, constava-me que num lagêdo, á margem de um regato, existiam diversos riscos em linhas rectas. Nunca me foi possivel observal-os, porque no meu tempo, estando as aguas do regato represadas num açude, o lagêdo achava-se completamente coberto. Pude, porem, mais tarde, vêr riscos eguaes em um rochedo que ficava perto, á margem do riacho Zabumba, no engenhho Bom Jesus.

Um pouco alem do açude do Barro Branco, começam as fraldas de um monte em cujo cimo, a Chã da Ingazeira, já foram encontrados diversos vasos grandes de argilla.

Convem salientar aqui um facto importante: sempre que se encontram fragmentos de louça no alto dos montes, são tambem encontrados inscripções nos rochedos situados á margem dos regatos que lhes ficam perto.

A coexistencia dessas duas especies de vestigios de raças antigas, tambem foi notada, segundo me informaram mui recentemente, no engenho Bananal e no sitio Olhos d’Agua do Jatobá. Nesta ultima propriedade, em cujas mattas se encontra uma gruta natural cheia de stalactites e stalagmites, (92) têm sido achadas muitas urnas de argilla cozida e muitas pedras cobertas de gravuras. Entre essas gravuras via-se o signo de Salomão, o qual, como se sabe, é representado por dois triangulos equilateros, entrelaçados e dispostos em fórma de estrella. Numa pedra contaram oitenta riscos.

No caminhho que vae da Viçosa ao sitio Pedras de Fogo, encontra-se uma grande lagea onde se acham gravadas diversas cruzes, uma das quaes, muito bem feita, passa por milagrosa.

Um pouco abaixo da egreja do Rosario, na cidade, existia, há muitos annos, uma pequena pedra com dois sulcos tambem em fórma de cruz. Para explicar tal curiosidade, dizia uma lenda que nesse ponto fôra assassinado um homem innocente, e que o sangue ahi caindo gravara o signal.

No leito do Parahyba, nas proximidades do Poço das Almas, por traz da rua da Gurganema, existem num rochedo duas pequenas depressões polidas e muito semelhantes ás que descrevi acima. Recordo-me de tel-as visto em creança, e apessoa que m’as mostrou, explicou serem agulhas (?) feitas pelos flamengos para indicar thesouros nas proximidades.

Em terras do sitio Veados, perto da desemboccadura ro riacho do mesmo nome no rio Parahyba, informaram-me existir um pequeno serrote formado de grandes pedras dispostas umas sobre outras. Nas proximidades dessa curiosidade, que requer um exame para se determinar se é de origem natural ou artificial, encontra-se uma lagea com muitas inscripções. O meu informante não me soube dizer se nas chãs da circumvizinhança existem fragmentos de louça.

Os vestigios do homem primitivo são ainda assignalados no municipio da Viçosa pelos instrumentos de pedra polida que, de quando em vez, são encontrados no sólo, a pouca profundidade. Entre elles figuram machadinhos de dioritos e de silex, pistillos ou mãos de pilão e pequenas mós de seixo branco, em fórma de laranja, as quaes, mostrando na superficie um polimento perfeitamente artificial, distinguem-se das pedras naturalmente polidas pelo effeito da acção lenta das aguas dos rios ou ribeiros.

São tambem dignos de nota os objectos de adorno: há tempos tive occasião de ver um lindo tembêtá de quartzo branco raiado de verde.

Todos esses objectos são pelos roceiros denominados coriscos, e para elles representam esqueleto do raio, pois segundo a crença popular, a faisca electrica é uma lasca de pedra inflammada, que nas occasiões de trovoadas cae do seio das nuvens, e que enterrando-se no sólo, numa profundidade de duas braças, vem lentamente aflorar na superficie, cinco annos depois.

Terminando a descripção de taes curiosidades, uma pergunta agora se impõe: que raça foi essa que tendo desapparecido na noite trevosa dos annos, deixou, no emtanto, talvez a sua historia, gravada em caracteres mysteriosos na superficie dos rochedos?

Se se tratasse somente de fragmentos de louça, eu, não hesitaria um momento em attribuir a autoria dessa grosseira ceramica aos indigenas que habitavam o Brazil na epoca da descoberta ou que a precederam de perto; porém as inscripções nas pedras das margens dos ribeiros vieram afastar de mim esta hypothese.

O homem que, armado de um instrumento de ferro ou de uma ponta de silex, gravou signaes num rochedo, é indubitável, tinha um fim, tinha um pensamento, havia gerado uma idéa, e desejando transmittil-a por meio de uma escripta, embora rudimentar, já se revelava um homem mais ou menos adiantado.

É sabido que dos povos americanos apenas os aztécas, os yucatécas e os peruanos possuiam uma escripta – os primeiros por meio de symbolos, que offereciam uma certa analogia com os hieroglyphos egypcios, os segundos por um systema de caracteres, onde dominavam os pontos e as linhas rectas, e finalmente os ultimos pelos nós de cordas denominados quipos.

Essas raças, porém, pelo menos nos tempos contemporaneos aos da conquista, nenhuma relação tinham com os aborigenes brazileiros, os quaes, errando pela vastidão das nossas selvas, representavam antes uma raça degenerada e embrutecida, que marchava para o anniquilamento, do que um povo novo onde começassem a desenvolver-se os germes do aperfeiçoamento moral.

Pensei também na hypothese de terem os signaes a sua origem nos tempos historicos do Brazil. Neste caso poderiam ter sido feitos ou pelos quilombolas, ou pelos bandeirantes ou então pelos proprios habitantes da Viçosa.

Os negros dos Palmares, como procuro demonstrar num trabalho que tenho em elaboração, (93) extendiam, é verdade, o seu dominio pelo municipio da Viçosa, e o mocambo de Osenga, situado cinco a seis leguas a oeste da serra da Barriga, deveria ficar nas immediações do Riachão, mas esses quilombolas, occupados na pilhagem das fazendas da capitania e na defesa das suas malócas, não deveriam dispôr de muito tempo para fazer inscripções em rochedos. Demais o seu desenvolvimento intelectual deveria ficar pouco além do dos aborigenes.

Quanto aos bandeirantes não é provavel que se aventurassem, mesmo apesar de sua conhecida intrepidez, nessas mattas mal afamadas e perigosas, a principio por causa dos indomaveis Caetés, e mais tarde pelas correrias dos negros. Além disso os bandeirantes não costumavam estabelecer os seus roteiros por meio de gravuras em rochedos, as quaes, mais tarde, fariam apenas o papel de agulha em palheiro.

Que os habitantes da Viçosa, já nos tempos historicos, não são os responsaveis pelos signaes em questão pode-se facilmente demonstrar: neste municipio, como aliás em todo Brazil, os limites das propriedades são assignalados por meio de marcos de pedra, alguns dos quaes, collocados nas demarcações judiciaes, têm inscripções, mas estas constam de algarismos indicando a época das medições e de letras do nosso alphabeto representando iniciaes dos nomes dos heréos.

Eliminando todas estas hypotheses, só me resta agora ir procurar os autores das inscripções em povos que, nos tempos prehistoricos da America, muito antes que a raça tupi decesse dos altos platôs dos Andes, vieram implantar em nossas terras os germes de alguma civilização primitiva.

Isto posto, o problema agora se apresenta sob um novo aspecto: qual foi dos povos antigos o que aqui se estabeleceu?

Para chegar a solução, muito poderia auxiliar, dada a possibilidade dos caracteres dos rochedos da Viçosa representarem uma verdadeira escripta, a determinação do systema a que esta pode filiar.

A repetição em diversos pontos de signaes affectando a fórma elliptica, fizeram-me, a principio, pensar na escripta hieroglyphica do Egypto, onde todos os factos são representados por meio de allegorias mysteriosas e de symbolos enigmaticos, e onde a ellipse, figurando a orbita da terra, e pela sua semelhança com a fórma oval poderia fazer pensar no ovo – o germem, o principio da vida. Se porém taes caracteres estivessem ligados á escripta hieroglyphica ou hieratica, todas as principaes figuras representando letras, sylabas ou fórmas ideographicas, haveriam forçosamente de se reproduzir. Os angulos e os triangulos, tão communs nos riscos em questão, tambem apparecem como caracteres entre os symbolos da escripta hieratica, mas a sua coexistencia não vem antes lembrar o systema grego ou o phenicio?

Em favor deste ultimo milita o facto de encontrar-se com frequencia o tal signo de Salomão, o qual, pelo menos em sua designação, se relaciona com os tempos biblicos. Assim achar-se-ia uma prova para as theorias de Thoron, quanto ao estabelecimento de colonias phenicias nas terras brazileiras, durante o tempo de Hirão, rei da Syria, e de Salomão, rei de Judá, idéas, aliás, que tiveram a sua época entre o mundo dos sabios e que tambem foram abraçadas pelo nosso erudito conterraneo, o dr. Ladislau Netto, mesmo apesar das apocryphas inscripções de Pouso Alto, na Parahyba, com que quizeram mystifical-o.

Um argumento, porém, affasta esta hypothese – é que a escripta phenicia desse tempo, como attestam as inscripções das pedras da fundação do templo de Jerusalem, representa um dos typos mais perfeitos da serie arameana, e por conseguinte não pode, absolutamente, ser confundida com os caracteres grosseiros das pedras da Viçosa.

A querer fazer dos angulos e triangulos o fio de Ariadne que me sirva de guia neste labyrintho, eu seria levado até as inscripções cuneiformes dos antigos babylonios, nas quaes as fórmas angulosas, em linhas cruzadas substituindo as curvas, já representavam uma evolução da escripta.

Mas não irei tão longe. Se bem que o dr. Homel sustente a theoria, improvavel, no meu modo de pensar, de que o systema cuneiforme representa a escripta mater entre todos os systemas, e que, sendo figurativo nos tempos remotissimos em que os summeres povoavam as margens do Euphrates, precedeu o proprio systema hieroglyphico e hieratico dos sacerdotes de Isis, acho mais racional admittir que todos os systemas de escripta foram precedidos de esboços simplificados, de tentativas e longo tactear na arte graphica de exprimir o pensamento.

Assim, os riscos ou caracteres dos rochedos da Viçosa, podem-se filiar, talvez, não aos systemas de escripta dos povos historicamente conhecidos, mas a algum alphabeto embryonario de raças primitivas que precederam esses mesmos povos no vasto scenario do mundo.

Como, porém, em taes caracteres existe alguma cousa de commum, alguma similitude com outros caracteres tambem gravados em pedras, em paizes distantes do nosso, creio que não será desarrazoado acceitar-se a idéa de ter havido alguma relação entre os primitivos autores de semelhantes vestigios.

Segundo uma communicação feita no dia 3 de Junho de 1872 ao Instituto Anthropologico da Grã Bretanha, por mr. Holder, existem nos condados do sul da Irlanda diversas pedras denominadas pedras de Ogham, que apresentam signaes em linhas rectas dispostas aos grupos de quatro ao longo de uma linha principal. Os archeologos irlandezes considerando esses siganes uma verdadeira escripta, têm procurado dar-lhes uma interpretação.

Note-se um facto interessante: a Irlanda, da mesma maneira que a Escocia, foi tambem dominada pelos caledonios, antigos descendentes ra raça ariana, proximos parentes dos celtas e como estes constructores de dolmens, destinados ou a tumulos ou a altares para o sacrificio dos seus ritos.

Era o caso de perguntar se as pedras gravadas da Viçosa não seriam, como provavelmente devem ser as pedras de Ogham, verdadeiros monumentos druídicos.

Um talentoso investigador das nossas antiguidades, o sr. Rgueira Costa, numa interessante memoria intitulada O Brazil Prehistorico, publicada no numero 45 da da Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano, fala-nos na existencia de dolmens no Brazil.

Attendendo-se agora ao facto de que esses monumentos de pedra são encontrados desde os planaltos centraes da Asia até as costas occidentaes da Europa, regiões por onde passou a corrente emigratoria ra raça ariana – pode-se avaliar a importancia que a sua presença vem trazer á archeologia da nossa terra.

Quem poderá provar que os arias, após a dispersão, não tenham vindo, tambem, até as nossas plagas, atravez de caminhos que hoje nos são desconhecidos, mas cuja existencia era então, nesses tempos immemoriaes, justificada pela disposição geographica e geologica do nosso planeta?

Quem poderá provar que essas raças arianas, indo-européas ou japheticas – antepassados dos pelasgos n Grecia, dos estruscos na Italia, dos gallo-celtas na França, dos celtiberos na Hespanha e dos caledonios na Escocia – não foram tambem os antepassados de alguns povos antigos da America?

Seja como for a maneira pela qual se encare o problema, de qualquer modo que se procure a sua solução, o que fica fóra de duvida, o que não pode ser contestado, é a existencia no Brazil, em tempos immemoriaes, de uma raça primitiva que accordava para a civilização, raça cujos vestigios ainda são encontrados em inscripções nos rochedos, em restos de ceramica, em utensilios de pedra, em sambaquis ou ostreiras, em dolmens, em menhirs, em cromlechs, em mounds e em ossadas carcomidas e gastas pela acção destruidora e fatal dos annos.

Todas estas reliquias, que parecem implorar ás gerações actuaes um exame e um estudo que reconstituindo a sua historia venham arrancal-as da noite do esquecimento, existem em larga escala no nosso Estado, perdidas no emmaranhado das nossas mattas, ao longo das nossas praias, nas margens dos nossos rios, nos nossos sertões.

Apresentando este meu despretencioso trabalho ao Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, esta sabia e util agremiação de gloriosas tradições, que há mais de quarenta annos, sempre solicita, se consagra á faina bemdita de salvar das ruinarias do tempo os despojos preciosos do passado, eu venho apenas apontar aos estudiosos o vasto e fecundo campo de investigações que se desenrola na minha terra natal.

Nota Final – Uma das questões que mais têm apaixonado os sabios da Europa, é a que se relaciona com a origem e com as migrações dos arias. A obra de Salomão Reinach – A origem dos arias – recentemente traduzida para a nossa lingua, passando em revista uma longa serie de theorias, das quaes muitas se contradizem, em vez de trazer a luz augmenta as hypotheses. O que porém se conclue de muitos autores citados nessa obra, é que não foram os arias os constructores dos dolmens, dos menhirs e de todos esses monumentos megalithicos, tambem chamados druidicos.

Como quer que seja, tal concepção em nada affecta as idéas que expendi na memoria acima.

Na realidade, a questão cifra-se apenas na hypothese de admittir que um povo antigo, antepassado dos povos do velho continente, tambem foi o antepassado de algumas raças primitivas do Brazil, que um povo que na Europa e noutros logares deixou esses monumentos mysteriosos, como um vivo attestado da sua passagem, manteve estreitas relações com aquelle que na nossa terra deixou identicos monumentos.

Note-se bem que não me occupo da origem dos povos americanos. Falo apenas de raças que para aqui emigraram em épocas primévas.

Escreve Quatrefages que a migração da especie humana vem desde a aurora do actual periodo geologico e que nos tempos quaternarios já existia na Asia um centro de civilização relativa, englobando populações de raças differentes. (A. de Quatrefages – Introduction a l’etude des races humaines).

Que as correntes oceanicas que trouxeram as galeras de Colombo e de Pedro Alvares Cabral ás plagas americanas foram as mesmas que também trouxeram as pirogas de homens primitivos, é hoje uma hypothese muito provavel. E que esses homens primitivos, fortuitamente aqui aportados, traziam os germens da sua cultura de origem, é uma outra hypothese ainda mais demonstravel.

É verdade que essa cultura não ia além da do homem da idade neolithica, mas, como quer que seja, já representava os albôres da civilização.

Desse povo que se extinguiu, ou que devido talvez ás novas condições mesologicas, ou ao affastamento do centro cultural, retrogradou até o ponto de chegar ao estado de decadencia do indigena contemporaneo da descoberta, o qual em materia de evolução estava muito abaixo do homem da idade da pedra, desse povo, repito, encontrei muitos outros vestigios de que apenas vou dar uma ligeira noticia.

Visitando uma segunda vez as margens do Riachão, descobri, bem proximo das pedras acima descriptas, uma grande lagea com um enorme risco que a circumdava em toda extensão das suas bordas. No centro viam-se muitos outros riscos parallelos e cruzados de differentes modos.

É bem possivel que aquella lagea fosse um logar sagrado destinado aos ritos, e assim as gravuras não passariam de symbolos representando idéas ou registrando factos, e por conseguinte ligados a uma escripta rudimentar.

Um verdadeiro dolmem encontrei no engenho Matta Verde, numa gruta dominada pelo alto da Boa Vista. Consta de uma pedra plana superposta sobre tres pedras brutas. O que torna esse dolmem curioso é não somente o facto de se achar no meio do leito de um regato (não tendo portanto servido de tumulo) como tambem a anormalidade da disposição da pedra que serve de meza, a qual, em vez de estar a chato, se encontra de lado sobre as outras. Numa das extremidades superiores veem-se alguns riscos dispostos em angulos.

No engenho Minas, á margem do riacho Jundiahy, existem rochedos com inscripções. Ahi parece haver um monumento megalithico. Um antigo proprietario desse engenho, julgando haver thesouros nas immediações das pedras de “signaes”, fez grandes excavações.

No povoado Limoeiro, á margem do Parahyba, encontram-se muitos riscos numa pedra bruta.

No sitio Sapucaia, no engenho Bom Jesus, existe um pequeno monumento prehistorico que, segundo a descripção que me fizeram, parece ser um cromlech – trata-se de um circulo formado de pedras brutas implantadas verticalmente no solo. Na vizinhança desse monumento foi encontrado um machado de pedra, o qual faz hoje parte da collecção que, em Abril de 1912, offereci ao Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, collecção a que dei o nome do meu fallecido irmão, padre Eloy Brandão, que foi 2o. secretario dessa agremiação.

O monumento prehistorico da Viçosa, o mais importante que cheguei a ver, já não existe, pois foi demolido mui recentemente, quando se construia o prolongamento da via-ferrea que se destina a Palmeira dos Indios.

Essa recordação do homem primitivo, a que me referi ligeiramente na “memoria”, por simples informações, e que ficava no sitio Veados, foi por mim visitada posteriormente, em principios de 1911, antes de terem começado o serviço de demolição. Dava a idéa de uma velha fortaleza, lembrando ao mesmo tempo um desses tumulis gaulezes, tão magistralmente descriptos pelo sabio Alexandre Bertrand. Era formada de grandes pedras ou lageas, regularmente talhadas, superpostas entre si e mui intimamente unidas. Apresentava tres faces: uma anterior e duas lateraes. O fundo encostava no morro. A face anterior poderia ter uns oito metros de comprimento para uns seis de altura. Não havia signal de portas. Nos dois lados dessa construcção cyclopica, viam-se ainda os vestigios de uma especie de cêrca ou fortificação, feita de pedras brutas dispostas perpendicularmente no chão, prolongando-se em grande distancia. No espaço limitado pela cerca, do lado direito, notei um grupo de pedras que parecia um dolmem, e perto deste uma pequena lagea coberta de riscos, dos quaes tirei uma copia. Tambem tirei uma grosseira planta de todo o monumento. Quando o destruiram, encontraram diversos amuletos de pedra verde, talvez nephrite ou jadeite. Graças á obsequiosidade de um amigo, possuo um desses amuletos, representado por um pequeno disco perfurado.

De todos esses monumentos, bem como de outras “chãs de cacos”, que visitei posteriormente, e mui principalmente da chã da Fazenda Velha, darei uma minuciosa descripção na obra que, sob o titulo de Alagoas prehistorica e ethnographica, tenho actualmente em elaboração.


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..:: Documento No 1 ::..

Dom Manoel Rolim de Moura, do conselho de sua magestade, governador e capitão general de Pernambuco e mais capitanias annexas etc. Faço saber a quem esta carta de doação de sesmaria virem—que Domingos Joam de Carvalho, capitão de infantaria do terço dos Palmares e Luiz Mendes da Silva, alfares do mesmo terço, e apresentaram a petição, cujo theor é o seguinte:

Diz Domingos Joam Carvalho, capitão de infantaria dos Palmares, que sua magestade, que Deus guarde, foi servido fazer mercê a cada um dos capitães do terço dos paulistas, conquistadores da campanha dos Palmares de 3 leguas, aos alferes duas léguas em quadro, livres de fóro e de pensão alguma, mais que os dízimos a Deus, como consta das copias das ordens reaes juntas, começando as ditas pelas cabeceiras das datas do mestre de campo Domingos Jorge Velho e do capitão Domingos Joam de Carvalho, três léguas de terras em quadro, do riacho chamado Tamoatá pelo rumo de nordeste buscando o rio Mundahú pela testada do capitão Alexandre Jorge; da parte do norte buscando a serra do Caxefe para o sertão: da parte do sul servindo de testada as cabeceiras do capitão André Furtado, pelo rio Parahyba acima até encher as ditas três léguas de terra em quadro do dito capitão e o dito alferes as duas léguas pelo dito rio Parahyba mirim, assim de uma banda e outra, buscando a serra do Cavalleiro ate encher as duas ditas; por tanto pede a vossa senhoria seja servido conceder e dar as ditas datas na forma dedusida; e receberá mercé.

(Pág. 78 do n. 2 do vol III da Revista do Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, de 1901).


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..:: Documento No 2 ::..

Termo de abertura

Há de servir este livro para notas do 2. Tabelião d’esta villa. Vai numerado e rubricado com o meu apelido de Cabral e no fim leva termo de encerramento.

Villa nova de Assembléa, 16 de Fevereiro de 1833.

Manoel de Farias Cabral
Juiz ordinário

(Extrahido do livro de notas do 2º tabellião da villa da Assembléa)


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..:: Documento No 3 ::..

Escritura de Patrimônio que fas o Reverendo João Carvalho de Alvarenga no lugar da Matta Escura de duzentas Braças de frente com cem de fundo.

Saibam quantos este publico instrumento de Escritura de Patrimônio ou como em Direito melhor lugar haja que sendo no Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e trinta e três, aos dois dias do mez de Maio do dito anno nesta villa nova da Assembléa, comarca e Província das Alagoas, em meu Escritório sendo, ahi apareceu o Reverendo José Carvalho de Alvarenga e ahi apareceu parte presente (?) e doador e pelo dito doador morador nesta villa, pessoa que reconheço e dou fé, me foi dito em prezensa das testemunhas abaixo nomeadas e assinadas que elle doador era senhor e possuidor de hum sitio de terras denominado Matta Escura que doava como doado tinha duzentas braças de frente com cem de fundo para Patrimônio de huma igreja com o titulo de Sam Sebastião cuja doação pegava da pequena Hermida que lá Existe pelo rio Paraíba acima athe completar as duzentas braças que a de ser pouco mais ou menos ao Córgo (?) de José Rigenardo com terras do mesmo doador, tanto da parte de sima como da parte de baixo cuja doação fasia elle doador de sua livre vontade sem constrangimento de Pessoa alguma e para elle mesmo doador ser o procurador e seus desendentes e nada mais se continha em dita escritura sendo presentes como testemunhas Alexandre José de Aragão Cabral, José Ferreira do Valle, Manoel Salvador Torres que assignaram depois de ser esta por mim lida a todos e eu Christovam José de Aragão Cabral Tabelião que o escrevi.

Seguem-se as assinaturas.

(Extrahido da pagina n. 2 do mesmo livro de notas)


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..:: Documento No 4 ::..

Illmo. e Rvmo. Snr. Visitador

Diz o Vigário José Antunes d’Allemanha, administrador do Patrimônio da Capella do Senhor do Bom Fim, hoje Matriz desta freguezia do Riacho do Meio da villa de Assembléa, que elle precisa por certidão o theor da sentença que julgou canônico para patrimônio da mesma capella.

Pede a V. S. Rvma... se digne mandar passar a certidão pedida.

Vistos os autos do patrimônio da capella do Senhor Bom Jesus do Bomfim, hoje matriz da Freguezia do Riacho do Meio da villa de Assembléa, da comarca de Atalaia, da província de Alagoas e delles consta tanto do traslado da Escriptura publica a elles apença como dos ditos das testemunhas que no anno de mil oitocentos e dezoito, aos 18 dias do mez de Setembro do dito anno João da Silva Cardoso e sua mulher Thereza Maria Fiuza fizeram doação ao Senhor Bom Jesus do Bomfim de uma sorte de terras que possuíam neste lugar de Riacho do Meio, ora villa d’Assemblea que havião comprado a Manoel da Rocha do Nascimento, cuja parte extrema principiando da parte de cima pegando da barra do Riacho do Meio, pela beira do rio Parahyba a baixo até topar no porto das Barreleiras, que é da parte do Nascente e para a parte do Norte ao caminho do cento e vinte aonde se acha uma lage de pedra que servio de marco ficando a capella que se erige no meio pouco mais ou menos para a titulo deste Patrimônio se erigir a mencionada Capella a dito Senhor Bom Jesus do Bomfim, cujos duadores eram abastados de bens e fizeram esta duação livre e expontanea, que não prejudicava aos herdeiros por caber-lhes em terça que estava isenta de Hypotheca, Embargo, seqüestro, penhora, divida, fôro ou punição alguma e que desde o mencionado tempo até hoje não foi contestada esta Duação, pelo que julgo o patrimônio da Capella do Senhor Bom Jesus do Bomfim, hoje Matriz da Freguezia do Riacho do Meio Canônico e para isso interponho a minha autoridade ordinária e Decreto Jundicial: o Secretario da Visita dê a copia desta sentença definitiva ao Reverendo Vigário Administrador e pague elle as custas. Villa d’Assembléa treze de Fevereiro de mil oitocentos e quarenta e sete. O Visitador Lourenço Correia de Sá, e nada mais se continha em dita sentença que vae por mim fielmente extrahida dos próprios Autos a que me reporto. Villa de Assembléa, quatorze de Fevereiro de 1847.

O Padre Joaquim Bellarmino de Miranda—Secretario da Visita.

(Extrahido do Archivo Parochial.)


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..:: Documento No 5 ::..

Exmo. E Rmo. Senhor

Tenho a honra de responder a circular de V. Exc.ª Rm.ª

1º que a invocação hé do Senhor Bom Jesus do Bom Fim, foi creada por lei nº 8 de 10 de Abril de 1835, foi desmembrada da Freguezia d’Atalaia, tem a extensão de 6 leguas do nascente ao poente, a saber dista esta Matris duas léguas ao pendor da Serra de 2 irmãos e ahi limita com a Freguesia d’Atalaia ao nascente, dista da Sede do Povoado da Pindoba três léguas ao poente, e limita ahi pelo Rio Parangaba com a Freguesia de Anadia, sendo a maior distancia da sede 5 leguas á estrada do Jundiá que limita com a Freguesia de Garanhuns (Província de Pernambuco) pela estrada do Corrente ao Norte, e ahi mesmo com a Freguezia de Santa Maria (Villa d’Imperatriz) tão bem ao norte. Ao Nordeste dista a matriz 4 leguas do Povoado do Lourenço, e ahi divide com Quebrangulo por uma estrada denominada da Matta limpa, não sendo bem intelligível esta estrada por haver ahi duas estradas do mesmo nome.

2º Podia render hum conto de reis senão dividesse a mera estola com 4 sacerdotes que me ajudão pode render 600 a 700$000.

3º Tem havido nos dous últimos annos Baptisados – 1325 – Casamentos – 183 – óbitos - 303.

Porque alterações tem passado:

Por lei n. 301 de 13 de Junho de 1856 foi esta Freguesia dividida ao meio tirando-se d’ella a freguesia de Quebrangulo pelo povoado do Lourenço. O material da Matriz não he bom por ser logar pobre e não achando Matriz apenas pude com os meus rendimentos e esmollas que pedi á meus parochianos edificar de pedra e barro, não se acha ainda acabada faltando os dous corredores e torres, porem o que está feito está limpo, existindo nella 3 altares, existindo no trono huma bella imagem do Senhor Bom Jesus do Bom Fim, de 5 palmos, doada no anno de 1885 pelo meu parochianno Manoel Bezerra dos Santos, num dos lateraes huma outra imagem da Divina Pastora, de 5 palmos, doada pelo meu parochiano Com-Superior Manoel de Farias Cabral, tem no centro da capella Mor Sacrário, e nella uma ambula de prata e para ella concorreo ajudar-me a pagar com 50$000 o tenente Coronel Theotonio da Santa Cruz Oliveira.

Tem na Capella Mor uma bella alampada que no anno de 1852 a meo pedido deo o meu parochiano Capitão José Martins Ferreira, toda de prata, he uma das bôas da Província custando 400$000 no Porto, moeda forte.

Quanto alfaias são poucas pela pobresa e não ser costume dar offertas a Igreja como praticão outros lugares e achando quando desta matriz tomei conta em Outubro de 1850 uma única casula de damasco branco com sebaste encarnado, e esta velha, pude com os tênues rendimentos da Fabrica e patrimônio comprar uma nova roxa com sebastes verdes, duas capas de Asperges de sêda branca e roxa, um turíbulo e caldeirinha galvanisados. Tendo acima fallado em José Martins Ferreira, este meu bom parochiano muito me tem ajudado no que mais necessito e mais não faz he por que tem muitos filhos, este mesmo José Martins a pouco acaba de dar-me huma imagem de S. Francisco de Assis para a capella do Cemitério vinda da Bahia por 350$000, e mais hum sino, que infelizmente sahio defeituoso na solda; logo depois do cholera deo-me hum conto de reis para erigir uma capella no cemiterio que ainda não funcciona, por tantas e grandes offertas sou obrigadíssimo a este meu parochiano, si em minha freguesia eu tivesse 2 José Martins a minha Matriz estaria em estado a nada desejar, não tratando em esmollas para festa do Padroeiro que elle igualmente tem concorrido. Não existe irmandade alguma. Há tão somente nesta villa uma capella de S. Francisco de Assis, que a pouco fallei erecta no cemitério de cholericos em 1856 e que ainda não funcciona e está sem patrimônio, a capella de Nossa Senhora da Conceição do Lourenço distante quatro léguas da matriz ao poente e ahi limita com Quebrangulo no povoado do mesmo nome, he de madeira, porem está limpa e tem duas casulas uma de damasco branco com sebaste encarnado e outra verde e roxo em bom estado, o não é bom, não tem patrimônio.

A do Senhor Bom Jesus no Engenho Bananal dista trêz léguas da matriz ao poente, também é de madeira, está limpa porem aquella em muito melhor estado, não tem patrimônio nem ornamentos, existe ahi o Padre Joaquim Manoel da Costa como capellão recebendo meia estola, e funcciona com ornamentos seus.

Existe igualmente ao norte, distante da matriz légua e meia no lugar Barro Branco outra capella de Nossa Senhora da Conceição. Esta é particular, está bem edificada tem os paramentos novos e precisos para os actos divinos, boas imagens e tudo devido ao zelo de seu proprietário Pedro José da Cruz Brandão, e não tem patrimônio. Há alguns outros nichos onde o povo resa terços. Esqueci-me de dizer que esta matriz tem um pequeno terreno que forma seo patrimônio, onde he edificada a matriz e a villa. A capella do Lourenço dista do Bananal huma légua. Esta matriz está no centro com suas vizinhas, sendo 9 leguas á Matriz d’Anadia, 9 a da Imperatriz, 9 a d’Atalaia, 8 e de Quebrangulo, distando mais a de Garanhuns, não obstante limitar com esta matriz 5 a 6 leguas.

Collei-me em Fevereiro de 1851.

Logo que desmembrou-se esta Freguesia da d’Atalaia parochiou n’ella o Padre Manoel Joaquim da Costa, sexagenário athe Fevereiro de 1837, encomendado, foi seo primeiro vigário collado José Antunes Alemanha, sexagenário, athe Abril de 1847. Parochiou como coadjuctor Pro Parocho athe Dezembro de 1848, em Janeiro de 1849 o Vigário de Pioca Jacintho de Messias Feijó athe Agosto do mesmo anno de Agosto athe Dezembro o coadjutor José Texeira de Mello, de Janeiro athe Setembro o Padre Manoel Joaquim da Costa de Setembro a 29 de Outubro o Padre Francisco G. de Araújo. Em Outubro principiei a parochiar esta Freguezia. Existem dentro da villa o coadjuctor João Lins de Araújo que tem cumprido os seus deveres ganhado a sympathia do povo pelo seu bom modo de viver, na Capella do Bananal distante três léguas o Padre Joaquim Manoel da Costa vive das suas ordens e muito me tem ajudado na vinha do Senhor, não menos me tem ajudado por se achar nos limites d’esta Freguesia com a de Anadia o Padre Francisco de Borja Barros Loureiro e nos limites d’esta com a de Atalaia no lugar Santa Efigênia o Padre José da Silva Machado. Talvez esta freguesia por ser pequena seja huma das que Deus lhe proporcionasse os meios para ser bem curada e ficar ella como no centro o que muito agradeço a Deus o terem todos prestado com gosto, paz e para aliviar-lhes parto o que rende e elles trabalhão. Esta Freguesia fica em paz e nada mais acrescento senão que Deus confiou-me um pôvo de bôa índole.

Deus Guarde a V. Excª Revdª Senhor Dr. Deão Joaquim Francisco de Farias. M. D. Vigário Capitular.

Assembléa 25 de Maio de 1865.

O vigário Francisco Manoel da Silva.

(De uma copia encontrada no archivo particular do vigario Loureiro).


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..:: Documento No 6 ::..

D. João da Purificação Marques Perdigão por mercer de Deus e da Santa Sé Apostólica, Bispo de Pernambuco, e do Conselho de S. M.

Fazemos saber, que por sua petição nos enviou a dizer Pedro José da Cruz Brandão, proprietário do Engenho Barro Branco, na freguesia da Assembléa que de Nossa licença se havia erigido a capella da Invocação de Nossa Senhora da Conceição no dito engenho Barro Branco da mesma freguezia, em lugar decente e livre de toda a communicação, como nos constou por certidão do Reverendo Parocho, e também de ser capaz para nella se celebrar o santo sacrifício da Missa e mais officios divinos, pedindo Nos por fim de sua supplica lh’a mandássemos benzer. E attendendo á sua justa supplica, mandamos passar a presente pela qual commettemos nossas vezes ao Reverendo Parocho da referida freguesia, para que por si e na forma do Ritual Romano possa benzer a dita cappela, visto Nos acharmos impedidos, para por nossa pessoa o fazermos, estando a dita capella paramentada na forma das nossas constituições e sem prejuiso dos direitos parochiaes. Dada em Maceió sob o nosso sello aos 11 de Novembro de 1863 e signal do nosso Reverendíssimo Vizitador da província. Eu José de Barros Accioli no impedimento do Secretario da Vizita o subscrevi.

Camillo de Mendonça Furtado

Delegado de S. Rv.

(Copiado do original existente na Capella do Barro Branco).


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