15.3.06

Primeiros passos da formação de Alagoas (Dirceu Lindoso)



Gazeta de Alagoas- Caderno Saber

07/05/2005
Primeiros passos da formação de Alagoas
De como se fez a sociedade alagoana a partir dos conflitos e contradições dos primeiros tempos
por DIRCEU LINDOSO
O medievalista russo Aaron J. Gourevitch, em sua obra clássica Kategorii Srednivekovoj Kul"tury (Moscou, l972), considera toda cultura, qualquer que seja a época, como um sistema semiótico universal. E, desse modo, acha que a pobreza na Idade Média (medium aevum) foi um fenômeno característico da época feudal. A categoria da pobreza era interpretada, nesse período, com referência à divisão sociojurídica da sociedade. O que a consciência daquela época chamava de pobres eram pessoas comuns, os não-privilegiados, e não via nenhuma inconseqüência lógica na oposição nobres/pobres, porque essas noções não eram estritamente econômicas, mas estritamente concernentes à propriedade. Desse modo, falava-se dos pobres de Cristo - os pauperes Christi - que eram homens que renunciavam aos bens do mundo para atingir o reino de Deus.A linguagem das categorias econômicas não tinha, portanto, autonomia e representava um dialeto de uma espécie de metalinguagem da cultura. As noções não se dissociavam, eram econômicas, teológicas e jurídicas, conjuntamente. A linguagem dos homens da Idade Média tinha uma excepcional polivalência semântica. E escreve: "Os termos mais importantes de sua cultura são plurissignificantes e recebem do contexto um sentido particular". A pobreza é uma das categorias básicas da cultura medieval, tendo, como outras, um sentido particular.É com essa concepção cultural da pobreza que o homem da Idade Média concebe o mundo. Essa concepção é uma das faces da nossa cultura colonial; a outra é a concepção da riqueza, sob a forma de bens e de abundância. Pobreza & Riqueza Os primeiros padres-visitadores do Santo Ofício que vieram ao Brasil Colonial constataram, na Bahia e em Pernambuco, uma sociedade que, baseada na riqueza de bens agrários e exponenciais, vivia na abundância e no luxo tutelar.Alguns historiadores póstumos vêem no fato um exagero de observação, já que essa não era uma abundância de todos os dias - mas só dos dias de festas e recepções - nem de todos os anos. Exagero ou não, ela foi registrada por observadores hábeis, a serviço da Inquisição, como o padre Fernão Cardim, constando de alguns documentos inquisitoriais.O padre Fernão Cardim registrou índios e colonos da sua época. Descreveu os índios e seus costumes, as plantas mais características, bem como os hábitos e usos dos colonos. Registrou, em seus papéis - apreendidos por piratas ingleses na viagem de retorno, e vendidos e publicados em Londres, posteriormente - com uma sinceridade quase de criança grande, os banquetes com que o receberam no Colégio da Bahia, em Recife e Olinda, e que mostravam a abundância e a riqueza patrimonial (Padre Fernão Cardim, Tratado da Terra e Gente do Brasil. Rio de Janeiro, l925). Exagero ou não, a imagem da abundância e riqueza formou-se e se contrapôs à imagem da pobreza. Daí em diante, formaram-se os arquétipos da pobreza e da riqueza. Primeiro, nas cartas jesuíticas e nos livros dos padres-visitadores; depois, na historiografia dos séculos XVII e XVIII, e nas crônicas dos cronistas flamengos que visitaram e residiram em Pernambuco, convertido num feitoria holandesa.A formação dos arquétipos da pobreza e da riqueza ocorreu quase simultaneamente. No final do século XVI, já tínhamos as duas: a dos padres-visitadores jesuítas, na Bahia; e, em Pernambuco, a formação do arquétipo da riqueza, expressa pela abundância e na vida de conforto nas casas-grandes dos engenhos de açúcar.Ao sul de PernambucoNos relatórios e cartas dos funcionários do rei, no sul de Pernambuco, formava-se a imagem da pobreza na miséria de índios aldeados e na escassez de conforto dos mucambos da região dos palmares e de matos frios. Era uma pobreza contrária à que reinara na medievalidade da Europa Ocidental, porque sua escassez se vinculava a uma concepção econômica desligada de vínculos teológicos. A medieval fora uma pobreza cultural e teológica, enquanto a que se formava no sul do antigo Pernambuco era uma pobreza estritamente econômica, com escravos negros transformados em objeto de comércio e índios trabalhando como escravos, lutando como soldados-servos, em aldeamentos controlados, e vendo destruída sua identidade tribal.A pobreza do mundo colonial do século XVII, quando os quilombos se formavam (e, a partir de 1674, o maior de todos - o dos Palmares -, destruído pelo Terço paulista, com o apoio de índios Tapuia-Kariri do sertão do Piauí) tinha um vínculo estritamente econômico, pois fora criado pelo uso do trabalho escravo de negros trazidos como cativos e aqui transformados em escravos, por moradores de engenho, a maioria composta de mulatos e sem terra. Na colônia, o mercantilismo impusera a sua marca sobre a vida colonial. A escravidão de negros cativos trazidos da África foi uma invenção mercantilista, a única maneira que os colonos ricos de Portugal encontraram para a explotação - permitam-me aqui o uso de um anglicismo - das terras do Brasil. A pobreza mucambeira ou quilombola tinha características culturais nítidas, pois era formada por uma massa de ex-sociais de transitória vida autônoma, que, quando despossuídos da condição de ex-sociais, retornavam à escravidão. Isso dura até o século XIX, quando os últimos mucambos, como o de Catucá (Recife), são destruídos ou desaparecem com a Abolição, em l888.A pobreza que aparece, no século XIX, no meio da Guerra dos Cabanos e no espaço geográfico papa-mel, ainda é mucambeira. E vai permeabilizar-se no mundo cabano alagoano-pernambucano, como um processo social de pobreza, de contraponto com a riqueza ou abundância de uma classe tutelar: a aristocracia rural.Dupla feiçãoNa formação das Alagoas, a sociedade que vai ser alagoana depois de 1817 apresenta-se com uma dupla face: a da abundância tutelar e a da pobreza social. Ambas com estrutura social e conotações econômicas. A sociedade já mercantilizada desenvolve um conteúdo econômico e esboça uma diferenciação cultural. Nela, o social prevalece sobre o cultural. Ela vai adquirindo uma autoconsciência social. Só que se especificam as ambivalências sociais, principalmente nas classes baixas; algumas delas - como a dos escravos - não chegam a ser uma classe. No máximo, um estamento, no qual as ambigüidades culturais prevalecem sobre as diferenciações econômicas. É o que descreve Tonelare sobre o mundo rural do sul de Pernambuco do século XIX - uma região rural especificamente de transição, com índios que contestam a posse da terra, com moradores que plantam de aluguel e lavradores empobrecidos. Essa região de Ipojuca, visitada pelo viajante francês, serve de exemplo a toda a região dominada pelos engenhos de açúcar.A comarca de Alagoas surge em 1774. O espaço alagoano passa 199 anos sem divisão administrativa, um espaço geográfico dominado pela abundância das águas, e daí o nome alagoas, pelas muitas que existiam de norte a sul. Só no século XVIII, depois da destruição do Quilombo dos Palmares e da ocupação flamenga de Porto Calvo, Alagoas aparece como um espaço de ocupação político-administrativa, ainda que precário. Passa a ser a comarca das Alagoas, uma divisão administrativa da capitania de Pernambuco. Os historiadores alagoanos mais antigos costumam preencher esse vazio colonial tentando localizar o descobrimento do Brasil por Cabral no litoral alagoano, desconhecendo que Diogo de Leppe descobriu o cabo de Santo Agostinho, antes de Cabral descobrir o Brasil no litoral da Bahia, e navegou pelo mar do norte de Alagoas, onde deu o bordo de retorno à Europa. Alguns meses antes de Cabral, mas que estabelecem uma precedência. Os pólos primitivos de colonizaçãoSão dois os pólos primitivos de colonização do território hoje alagoano: Penedo e Porto Calvo. O de Penedo, fundado em 1575, mais antigo e com uma orientação diferencial, pois dele surgiram a ocupação do sertão alagoano e a criação da civilização do couro [para usar a expressão célebre do historiador cearense João Capistrano de Abreu no seu livro Capítulos da História Colonial (1500-1800), um estudo clássico da nossa historiografia colonial].Porto Calvo, dez anos depois, inicia a formação dos engenhos de açúcar na zona das matas úmidas e justa-marítimas, baseada no trabalho dos negros escravos, trazidos cativos de África. Penedo, fundada como uma fortaleza de onde nasceu a cidade histórica, expandiu a colonização para o sertão, facilitada pelo rio São Francisco e pelos caminhos de gado e os trilhos de índios. Porto Calvo começou como fortaleza - que, no tempo dos holandeses, eram três, como mostra um quadro pintado por Frans Post - e ao pé da fortaleza surgiu a sociedade sob a forma de um casario e o engenho próximo do sesmeiro Christopher Linz, onde floresceram em terras cisunenses as plantações de cana e o complexo casa-grande, senzala, capela e engenho. De Penedo surgiu a conquista dos sertões alagoanos, e de Porto Calvo a sociedade tutelar dos donos de terras, de escravos e de fábricas de açúcar da futura Alagoas.Área do couroNo pólo de colonização de Penedo, gerou-se um tipo de sociedade formada de pastores, criadores de gado bovino e cavalar, construtores de currais de bois e conquistadores de sertão semi-árido, de vaqueiros-proprietários, baseada na fazenda de gado, e de vaqueiros-tangedores de rebanhos de gado. Uma sociedade de estrutura social mais simples, com o mínimo de distância social entre o vaqueiro-proprietário e o vaqueiro-tangedor, sem o uso do trabalho escravo dos negros comprados de navios negreiros. A estrutura dessa sociedade sertaneja era mínima, e os donos de currais nem sempre sabiam aonde iam os limites de suas terras, pois não havia cercados de demarcação. O gado pastava ao dará, e só nos rodeios se fazia a partilha do gado chucro, aplicando-se o ferro de marcar com as iniciais do dono ou qualquer outro símbolo. Só muito tarde as terras de pastoreio das savanas sertanejas passaram a ser demarcadas. Era uma sociedade - a do pastoreio são-franciscano - que punha como quase companheiros a vaqueirada-proprietária e a vaqueirada-tangedora. Não era visível a hierarquia da casa-grande, pelo fato de não haver escravos negros africanos e porque os índios se adaptavam a condições de servos-pastores e à vida de pastoreio. E não punham fim em sua vida nômade, pois os currais de bois andavam com a transumância dos rebanhos. A esse estilo de vida, Capistrano de Abreu chamou de "civilização do couro" e os elementos que ele define como característicos são válidos para todo o sertão, do semi-árido piauiense ao sertão do São Francisco. Em toda essa extensão, o sertão é um só, com pequenas variações que não chegam a ser uma diferença.A "civilização do couro", em Alagoas, inicia-se com a expansão da frente de colonização de Penedo, um tipo de colonização que tem por base o pastoreio em savanas semi-áridas e que não conheceu a escravidão negra, mas a servidão do índio de aldeia e de missões religiosas.Tapuias em guerraEm fins do século XVI e durante o século XVII, os índios Tapuia-Kariri uniram-se para atacar a frente dos currais de bois que invadiu o sertão, ocupando suas terras de caça. Foi a Guerra dos Bárbaros ou o Levante dos Tapuias. Os Terços paulistas e pernambucanos, por sua vez, atacaram os índios de corsos em várias frentes. O Terço paulista de Domingos Jorge Velho e Mendonça Arrais venceu os tapuias de corso do sertão do Exu, no Piauí. E só depois de terem reduzido os índios a soldados-servos, desceram para Alagoas, para o ataque à Cerca Real dos Macacos, onde é hoje União dos Palmares.Penedo teve um papel importante na Guerra dos Bárbaros. A jurisdição do capitão-mor de Penedo, segundo a carta do Rei ao Governador de Pernambuco, recaía sobre as aldeias situadas em Sergipe e Pernambuco.Assim, frei Manoel da Ressurreyção, que era do Conselho do Rei, mandava que se tirassem das aldeias cerca de 300 arcos bem armados de flecharia, e formassem os Terços de índios aldeados, para atacar os índios que lutavam contra os currais ou, como diz o texto de 1688, para enfrentar o excessivo poder dos Bárbaros, que eram os índios de corso. Foi nomeado novo capitão-mor o tenente Pedro Aranha Pacheco, morador de Penedo, que iria com esses índios socorrer, no Reino dos Guariguês, as tropas de Domingos Jorge Velho, que se achavam sem munição e gente para resistir aos ataques dos Tapuia-Kariri rebeldes.Outra patente de capitão-mor se passou a André Pinto Correa, cuja jurisdição ia de Cachoeira Grande - hoje Cachoeira de Paulo Afonso - até as últimas povoações de Carinhanha, extensão onde se localizavam as aldeias dos índios de Cajuru, do Tucuruá, de Geremoabo, de Caribes, de Kariri, dos Guaiases, dos Cuarapos, dos Tamaquiz, dos Rodelas, da Jacobina, dos Sacacarinhans e dos Papaiases, onde, diz o documento, se pode reunir "athe trezentos arcos, os mais bem armados de flecharia". Uma jurisdição ia de Penedo até Piranhas, no Baixo São Francisco; outra ia de Piranhas ao Médio São Francisco.Cana ao NorteNo pólo de colonização de Porto Calvo, gerou-se um tipo de sociedade cuja base era o trabalho escravo dos negros africanos. Os moradores eram empregados no corte de madeira de lei destinada aos estaleiros de Lisboa e da Inglaterra. Eram matas ricas em madeiras tortas para o cavername dos navios. Daí surgiu uma sociedade complexa e muito hierarquizada, de imensos latifúndios, polarizada entre a casa-grande e a senzala. O cume dessa sociedade era formado por uma aristocracia rural, que chegou ao século XIX, e foi bem estudada por Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala (1933) e Sobrados e Mucambos (1936).A destruição da confederação de mocambos do Alto Porto Calvo - levada a efeito pelas tropas dos sertanistas paulistas aliados aos índios Kariris, descidos do sertão dos Gurguéias e dos altiplanos sertanejos - criou condições para a fixação e ampliação da civilização do couro. A junção dos terços paulistas com as tribos vencidas da Guerra dos Bárbaros, e a libertação de Porto Calvo do domínio holandês, possibilitaram uma grande ampliação da área da cana-de-açúcar e dos engenhos - e o crescimento de uma sociedade baseada no trabalho do negro escravo, objetivando a produção do açúcar e sua exportação. A fixação da sociedade agrária nessa área se faz através da extinção dos índios de corso nos domínios agrícolas e com a importação de escravos da áfrica para o trabalho nas plantações e nos engenhos. Pequenas vilas surgem e se fixam, assim como se estruturam portos por onde são escoados o açúcar e madeiras para a construção naval.Índios e negros nos PalmaresOs índios Tapuia-Kariri e os negros mucambeiros enfrentaram-se, pela primeira vez, na Cerca Real dos Macacos, situada na serra do Barriga. Os índios Tapuia-Kariri, depois de derrotados nos sertões do Piauí, iam como servos-soldados do Terço paulista de Domingos Jorge Velho e seu lugar-tenente Mendonça Arrais. O procurador do mestre-de-campo, Bento Sorrel Camiglio, justificava sobre esses servos-soldados: "os soldados dele são seus servos que ele adquiriu, no decurso de mais de vinte anos à própria custa de sua fazenda, com o seu trabalho, e com muito risco de sua vida" (M.M. de Freitas. Reino Negro dos Palmares. II. Rio de Janeiro, l954, p. 633). Essa tropa de índios de corso, aprisionados e transformados a uma servidão militarizada, o Terço paulista usou para o ataque e cerco do mucambo da Cerca Real dos Macacos. Os índios Tapuia-Kariri eram usados contra os negros mucambeiros numa operação de grande escala, e os mucambos palmarinos foram caindo um a um. Os negros que não foram dizimados nos ataques foram colocados outra vez no estado de escravidão, vendidos para outras regiões ou exportados como mercadoria pelos negreiros para outros portos de escravos em outros países. Não se pode ter idéia de uma matança de tantos negros, uma mercadoria cara.O que se deve pensar é que o sumiço de tantos prisioneiros deve-se ao seu transporte para outros pontos do país ou ao fato de terem sido levados como escravos para outros países da América onde a escravidão existia, como Cuba, Jamaica e Haiti.Um fato se deve notar: a empresa dos Palmares foi uma profunda operação militar para o Terço já habituado a uma operação desse tipo - o de dizimar e escravizar populações indígenas nos sertões do Piauí -, ao mesmo tempo que foi uma operação financeira de venda de negros palmarinos aprisionados. A historiografia tradicional transformou Zumbi num grande herói suicida, jogando-se do alto de um despenhadeiro, onde encontrou a morte, para não cair prisioneiro. O fato do suicídio e morte heróica de Zumbi, o último dos chefes do Quilombo dos Palmares, é um fato que parece não pode ser provado, mas que ficou na historiografia alagoana, e depois brasileira, como arquétipo ou imagem histórica. Pode-se suspeitar de uma historiografia feita por senhores de escravos, ou seus descendentes, cheios de culpas pelo arrasamento de um tipo de sociedade, que, por existir, pôs em dúvida a racionalidade da sociedade tutelar da cana-de-açúcar, que tinha por trabalhadores negros escravos de origem africana. A história do destino dos prisioneiros da guerra contra a população mucambeira dos Palmares ainda não foi escrita. Mas precisa sê-lo para que a razão da história dos negros palmarinos ganhe cientificidade e seu lugar seja resguardado na História do Brasil. Isso porque, se outro motivo não existisse, existe a razão que lhes deu Alfredo Brandão: "O negro, em Alagoas, foi um dos maiores elementos de civilização" (Os negros na História de Alagoas apud Estudos Afro-Brasileiros. Rio de Janeiro, l935).De onde Alagoas surgiuA parte menos conhecida da história de Alagoas é a colonial. Até parece que Alagoas não tinha história que justificasse seu nascimento num papel comum de despacho assinado por Dom João VI em 1817, criando a capitania de Alagoas e separando-a da capitania de Pernambuco. A fábula inventada pelo grande historiador pernambucano Pereira da Costa dá as Alagoas como uma criação áulica, durante o período do Reino Unido, como "uma gratidão" por tropas alagoanas, saídas de Porto de Pedras, terem ajudado na derrota da Revolução Pernambucana de 1817. No espaço alagoano, ocorreram duas guerras fundamentais para sua criação: a Guerra dos Bárbaros ou o Levante Tapuia, que foi uma guerra dos currais de bois contra a confederação de tribos Tapuia-Kariri de índios de corso, que com a derrota dos Tapuia-Kriri consolidou o devassamento do sertão, configurando o quadro de uma entidade política que iria surgir em 1817. A conquista do sertão, tendo como pólo Penedo, foi importante, com a criação de povoados sertanejos, para que se configurasse um quadro de conquista e ocupação de um território; assim como a guerra contra o Quilombo dos Palmares, dissipando o maior aglomerado de negros escravos fugidos que se conhece em nossa história, e aliviando o medo histórico que espantou a nossa aristocracia rural. O medo foi tanto, que Zumbi entrou na História do Brasil como herói nacional. E entrou merecidamente, pela sua consciência da liberdade. Foram esses fatos que criaram uma autoconsciência social alagoana, em que ocultamos toda a nossa consciência nacional e nossas paixões, nossos sonhos e nossos desesperos. Alagoas já se prefigurava antes de 1817. Já era pensada como um sonho político, que o mais inteligente dos Braganças concretizou. Saiba o douto historiador pernambucano que uma simples gratidão política não cria um sonho político. São os fatos da vida social, o sangue derramado das paixões, os sonhos que duram séculos, a ida e a vinda dos homens, as suas vontades e amarguras, que fazem do sonho uma verdade. Alagoas surgiu da morte de milhares de índios, que hoje vivem encurralados em suas aldeias de sertão, da morte e prisão de milhares de negros escondidos nas Cabeceiras do Porto Calvo, para que, desse genocídio, dessas paixões humanas de raças tão diferentes, surgisse Alagoas. Uma vez escrevi: Alagoas é o que se ama e dói. Alagoas não nasceu do sonho de um monarca. Nasceu da morte de milhares de índios Tapuia-Kariri, da morte de milhares de negros de etnias diversas, do trabalho de milhares de homens pobres: índios, negros, brancos e mulatos. Houve uma riqueza de poucos e uma pobreza de muitos. Esse foi o jeito que encontramos de criar Alagoas. Pois é bom que se diga: Alagoas nasceu de uma grande paixão. A paixão pela vida, a paixão pela morte. A paixão pela riqueza, a resignação pela pobreza. E, desculpe-me o orgulho do nosso antigo Pernambuco, pelas escolhas que fizemos na História. Alagoas é terra mater.

Um comentário:

Anônimo disse...

parabens pelo texto,esta otimo! está me ajudando para o vestibular.Obrigada