12.2.12

Desculpe qualquer coisa: governo Teotônio Vilela e o Xangô Rezado Alto


Sacerdotes dos cultos afro-alagoanos durante o evento Xangô Rezado Alto, em 01/02/2012



por Golbery Lessa


Ao se despedir de seus interlocutores, após trabalhar ou conviver nos espaços sociais das classes proprietárias, grande parte da população trabalhadora ainda usa a frase: “Desculpe qualquer coisa.” A expressão sintetiza estruturas de poder com cinco séculos de existência. Diante de proprietários utilizadores da lei, da ilegalidade e da marra contra os pobres, estes, exceto em seus momentos de revolta aberta, como no Quilombo dos Palmares e em Canudos, buscam matizar a opressão sofrida no sentido de torná-la mais “racional” e previsível. Quem pede desculpa por qualquer coisa está tentando se defender dos golpes rasteiros e imprevisíveis de um interlocutor com um conhecido passado de arbítrio.
De modo surpreende, o atual governo do Estado de Alagoas, sob hegemonia dos usineiros, usou o espírito da frase dos pobres para perdoar, no último dia 01 de fevereiro, a brutal repressão aos terreiros alagoanos ocorrida em 1912. O Decreto 18.041-01/02/2012 é um sui generis pedido de perdão, pois não deixa claro se a máquina pública foi responsável pela repressão à religiosidade afro-alagoana no episódio do Quebra de Xangô. Pede perdão, mas não assume a culpa, nem a remete a ninguém em particular. Com medo da contemporânea ascensão do povo negro, e tentando domar o movimento, o governo pediu desculpa por qualquer coisa.
Como demonstrou pioneiramente o pesquisador sergipano Ulisses Rafael, na tese Xangô Rezado Baixo: Um Estudo da Perseguição aos Terreiros de Alagoas em 1912, defendida em 2004, na UFRJ, as violações à liberdade religiosa no episódio não foram perpetradas pelos órgãos estatais, mais por uma parcela pequena, militarista e sectária da oposição ao grupo de Euclides Malta, o governador à época.
Segundo o pesquisador citado, no início do século XX a relação entre o Estado com a religiosidade afro-alagoana não era marcada só ou principalmente pela repressão. A nosso ver, serão necessários significativos avanços nas pesquisas sobre a questão para sabermos como esta relação ocorreu posteriormente ao Quebra. Em outros estados, o relacionamento foi repleto de complexidade, não se restringindo a uma repressão aberta.
Segundo Ulisses Rafael e outros pesquisadores do tema, como Edson Bezerra e Bruno Cavalcanti, a repressão de 1912 repercutiu decisivamente na cultura afro-alagoana: os maracatus entraram em decadência e o culto se transformou num peculiar “xangô rezado baixo”. Como estratégia de fuga de uma possível repressão, as cerimônias foram simplificadas ao máximo, os santos foram escondidos e os atabaques silenciados. Isso não prova, evidentemente, uma possibilidade de repressão aberta de instâncias do Estado, pois a população praticante desses cultos poderia temer mais setores da sociedade civil do que o aparelho repressivo estatal.
A cidade de Teotônio Vilela tinha, em 2010, segundo o IBGE, aproximadamente 29% de brancos, 08% de pretos, 60% de pardos e 2% de amarelos. Das pessoas com dez anos ou mais, 51% não tinham rendimentos. Esta pobreza se distribuía igualmente entre todas as cores de pele citadas. Pretos e pardos, portanto, a população teoricamente desagravada pelo citado decreto do perdão, penam sob o jugo da miséria e da oligarquia açucareira. A partir do ato governamental, teoricamente os não-brancos daquela cidade terão todos os seus direitos de cidadania respeitados e, portanto, a miséria os deixará. O governador decretou o fim das oligarquias, pois teria reafirmado no decreto os tratados internacionais garantidores dos direitos humanos, entre os quais está o de viver numa democracia efetiva.
Hoje, como ontem, os governadores de Alagoas têm medo do potencial revolucionário, em todos os sentidos, do mundo afro-alagoano e tentam domá-lo, fazê-lo seu aliado. Como fez Euclides Malta e agora tenta fazer Teotônio Vilela. A insegurança diante desse mundo, dessa população oprimida e forte, explica porque um governo de proprietárias tenha pronunciado a frase dos pobres diante dos poderosos: “Desculpe qualquer coisa”.

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