tag:blogger.com,1999:blog-238996642024-03-13T15:43:55.193-03:00NOVO ÍRIS ALAGOENSEO Novo Íris Alagoense é um instrumento do pensamento crítico de Alagoas.
Será editado por Golbery Lessa até se formar um conselho editorial democraticamente eleito pelos leitores do Blogger.Unknownnoreply@blogger.comBlogger30125tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-1703682728080880842012-02-12T21:47:00.000-02:002012-02-12T21:47:55.510-02:00Desculpe qualquer coisa: governo Teotônio Vilela e o Xangô Rezado Alto<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-XX6p--rdh8s/TzhPQ8LczjI/AAAAAAAAKZk/JF4vPFZQxQg/s1600/PAIS+DE+SANTO.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="480" src="http://4.bp.blogspot.com/-XX6p--rdh8s/TzhPQ8LczjI/AAAAAAAAKZk/JF4vPFZQxQg/s640/PAIS+DE+SANTO.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Sacerdotes dos cultos afro-alagoanos durante o evento Xangô Rezado Alto, em 01/02/2012</span></td></tr>
</tbody></table><br />
<div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: right;"><br />
</div><div style="text-align: right;">por Golbery Lessa</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Ao se despedir de seus interlocutores, após trabalhar ou conviver nos espaços sociais das classes proprietárias, grande parte da população trabalhadora ainda usa a frase: “Desculpe qualquer coisa.” A expressão sintetiza estruturas de poder com cinco séculos de existência. Diante de proprietários utilizadores da lei, da ilegalidade e da marra contra os pobres, estes, exceto em seus momentos de revolta aberta, como no Quilombo dos Palmares e em Canudos, buscam matizar a opressão sofrida no sentido de torná-la mais “racional” e previsível. Quem pede desculpa por qualquer coisa está tentando se defender dos golpes rasteiros e imprevisíveis de um interlocutor com um conhecido passado de arbítrio.</div><div style="text-align: justify;">De modo surpreende, o atual governo do Estado de Alagoas, sob hegemonia dos usineiros, usou o espírito da frase dos pobres para perdoar, no último dia 01 de fevereiro, a brutal repressão aos terreiros alagoanos ocorrida em 1912. O Decreto 18.041-01/02/2012 é um sui generis pedido de perdão, pois não deixa claro se a máquina pública foi responsável pela repressão à religiosidade afro-alagoana no episódio do Quebra de Xangô. Pede perdão, mas não assume a culpa, nem a remete a ninguém em particular. Com medo da contemporânea ascensão do povo negro, e tentando domar o movimento, o governo pediu desculpa por qualquer coisa.</div><div style="text-align: justify;">Como demonstrou pioneiramente o pesquisador sergipano Ulisses Rafael, na tese Xangô Rezado Baixo: Um Estudo da Perseguição aos Terreiros de Alagoas em 1912, defendida em 2004, na UFRJ, as violações à liberdade religiosa no episódio não foram perpetradas pelos órgãos estatais, mais por uma parcela pequena, militarista e sectária da oposição ao grupo de Euclides Malta, o governador à época.</div><div style="text-align: justify;">Segundo o pesquisador citado, no início do século XX a relação entre o Estado com a religiosidade afro-alagoana não era marcada só ou principalmente pela repressão. A nosso ver, serão necessários significativos avanços nas pesquisas sobre a questão para sabermos como esta relação ocorreu posteriormente ao Quebra. Em outros estados, o relacionamento foi repleto de complexidade, não se restringindo a uma repressão aberta.</div><div style="text-align: justify;">Segundo Ulisses Rafael e outros pesquisadores do tema, como Edson Bezerra e Bruno Cavalcanti, a repressão de 1912 repercutiu decisivamente na cultura afro-alagoana: os maracatus entraram em decadência e o culto se transformou num peculiar “xangô rezado baixo”. Como estratégia de fuga de uma possível repressão, as cerimônias foram simplificadas ao máximo, os santos foram escondidos e os atabaques silenciados. Isso não prova, evidentemente, uma possibilidade de repressão aberta de instâncias do Estado, pois a população praticante desses cultos poderia temer mais setores da sociedade civil do que o aparelho repressivo estatal.</div><div style="text-align: justify;">A cidade de Teotônio Vilela tinha, em 2010, segundo o IBGE, aproximadamente 29% de brancos, 08% de pretos, 60% de pardos e 2% de amarelos. Das pessoas com dez anos ou mais, 51% não tinham rendimentos. Esta pobreza se distribuía igualmente entre todas as cores de pele citadas. Pretos e pardos, portanto, a população teoricamente desagravada pelo citado decreto do perdão, penam sob o jugo da miséria e da oligarquia açucareira. A partir do ato governamental, teoricamente os não-brancos daquela cidade terão todos os seus direitos de cidadania respeitados e, portanto, a miséria os deixará. O governador decretou o fim das oligarquias, pois teria reafirmado no decreto os tratados internacionais garantidores dos direitos humanos, entre os quais está o de viver numa democracia efetiva.</div><div style="text-align: justify;">Hoje, como ontem, os governadores de Alagoas têm medo do potencial revolucionário, em todos os sentidos, do mundo afro-alagoano e tentam domá-lo, fazê-lo seu aliado. Como fez Euclides Malta e agora tenta fazer Teotônio Vilela. A insegurança diante desse mundo, dessa população oprimida e forte, explica porque um governo de proprietárias tenha pronunciado a frase dos pobres diante dos poderosos: “Desculpe qualquer coisa”.</div></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-6977840028249800192011-08-13T11:04:00.000-03:002011-08-13T11:04:13.182-03:00Lições de Tavares Bastos sobre o Brasil<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div style="text-align: justify;"></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">A produção de Aureliano Cândido Tavares Bastos (1839-75), filho da antiga cidade das Alagoas, marcou o pensamento social e político brasileiro e divide-se entre livros, panfletos, artigos, discursos, anotações, relatórios e cartas. Esse universo de escritos conforma um importante patrimônio para a ciência nacional, tanto pelo que representa de capacidade de compreensão da realidade em si como pela profunda influência que exerceu sobre outros intérpretes do Brasil. Joaquim Nabuco, por exemplo, reconheceu com todas as letras as dívidas que possuía com a perspectiva do teórico deodorense. Não é difícil perceber as teses de Tavares Bastos nos textos de autores tão basilares quanto Caio Prado Jr., Sérgio Buarque e Gilberto Freire, bem como encontrar provas do interesse acadêmico atual pela sua interpretação do país, principalmente no que se refere à sua abordagem das causas do atraso brasileiro, das deficiências políticas do país, dos conflitos em torno do pacto federativo e dos defeitos do sistema publico de educação. <span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><o:p></o:p></span></span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">A ausência de reedições mais freqüentes de suas principais obras contrasta com o fato de que o pensador alagoano tem sido objeto de reflexão privilegiado de estudiosos da realidade brasileira, notadamente entre os pesquisadores de sua dimensão política. Apenas para dar alguns exemplos, há várias dissertações e teses sobre o parlamentar alagoano concluídas nos último vinte anos nas melhores universidades do país e suas idéias têm sido referências obrigatórias no debate acadêmico, com rebatimento no Poder Legislativo nacional. É tempo, portanto, de superar a coexistência entre a grande valorização contemporânea de suas idéias e a dificuldade de acesso às suas principais obras. A nação brasileira tem problemas demais para dar-se ao luxo de conhecer o pensamento de um de seus filhos mais lúcidos apenas através de resumos e paráfrases feitos por comentadores. Seus escritos precisam ser disponibilizados para sociedade civil da maneira mais fidedigna, ampla e democrática possível.<o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">A escassez de edições das obras do autor alagoano, cuja importância ninguém ainda colocou em dúvida, causa mais estranheza pelo fato de que seus livros já estão sob <i>domínio público</i></span></span><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">. Em nossa opinião, as reedições não têm ocorrido devido aos vários defeitos do campo editorial brasileiro, marcado pelo descompasso entre as necessidades da ciência e os interesses comerciais. Entretanto, como é comum no campo das ciências humanas, também há motivos ideológicos e políticos para o fenômeno.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"> <span> </span><o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">O primeiro livro de Aureliano Cândido Tavares Bastos, denominado <i>Cartas do Solitário</i>, de 1862, foi um sucesso tão retumbante que obteve uma reedição revista e ampliada no ano imediatamente posterior. A boa recepção do livro parece ter sido derivada de três variáveis: 1) uma sensação generalizada na sociedade civil de repulsa à ineficiência do Estado e ao Partido Conservador, há décadas no poder; 2) a qualidade e a profundidade da análise feita pelo autor sobre os principais problemas da cultura política brasileira; e 3) o fato de que o livro foi composto a partir de artigos publicados anonimamente, com enorme repercussão, no influente jornal carioca <i>Correio Mercantil</i>. <o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">A obra elevou a consciência da sociedade civil relativa aos males nacionais numa conjuntura na qual a opinião pública estava disposta a essa aprendizagem. Sua terceira edição somente ocorreria em 1938, na famosa <i>Coleção Brasiliana</i></span></span><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">, da Companhia Editora Nacional, no contexto pós-Revolução de 1930, quando as explicações clássicas do Brasil moderno estavam se fazendo e o clima subjetivo trazido pelo Estado Novo, marcado pela repulsa a autores liberais, ainda não se estabelecera. A quarta edição somente ocorreria em 1975, pela mesma editora em consórcio com o Instituto Nacional do Livro e o Departamento de Ação Cultura, quando a ditadura já dava sinais de desgaste e a opinião pública procurava uma alternativa democrática.<span> </span><o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><span><br />
</span></span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Sua segunda obra, <i>O Vale do Amazonas</i>, de 1866, também foi muito bem acolhida e igualmente refletia um debate fundamental para a sociedade civil da época: a abertura do comércio do rio Amazonas aos outros países, o que tinha reverberações evidentes no debate sobre o modelo econômico nacional e o fortalecimento da fronteiras brasileiras. Contudo, numa trajetória parecida com a experimentada por <i>Cartas do Solitário</i>, a obra só obteria uma segunda edição em 1937, uma terceira em 1975 e uma quarta em 2000. <o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">O terceiro e o mais importante livro do autor, publicado em 1870, denomina-se <i>A Província</i> e consiste tanto num monumental estudo sobre o Estado brasileiro quanto numa proposta federalista para os seus males. Foi acolhido como um clássico desde seu aparecimento e passou a ser cultuado por várias gerações de intelectuais brasileiros. Uma prova muito prática desse acolhimento da posteridade é o fato de que os poucos exemplares desse livro existentes no acervo bibliográfico de uma instituição acadêmica tão representativa quanto a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) são provenientes das bibliotecas pessoais (transformadas em fundos) de Eduardo Prado, Sérgio Buarque de Hollanda e Maurício Trautemberg, entre outros intelectuais desse quilate. Apesar dessa importância científica, o livro também sofreu da má sorte editorial dos dois anteriormente citados. Sua segunda edição só surgiria em 1937, sua terceira em 1975, seguida de mais duas, em 1996 e 1997. Ou seja, somente quatro edições após cento e quarenta anos de sua publicação.<o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">O quarto livro, editado pela primeira vez em 1939,<i> </i>na citada <i>Coleção Brasiliana</i>, é de fato a reedição de importantes panfletos publicados pelo autor e ganhou o inspirado nome de um dos textos que carrega: <i>Males do Presente, Esperanças do Futuro</i>. Para se ter uma idéia da importância desse volume, basta sublinhar que no texto que lhe dá nome há a primeira exposição da tese original que liga os males do Brasil às características retrógradas do Estado português e da colonização lusitana, tese que será decisiva no pensamento social e político brasileiro posterior, como podemos constatar em Caio Prado Jr., Sérgio Buarque e Raimundo Faoro.<o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Enfim, as desventuras editoriais das principais obras de Aureliano Candido Tavares Bastos parecem se explicar pelo fato de que seu pensamento radicalmente democrático chocou-se com várias décadas de hegemonia do pensamento autoritário na sociedade civil e no Estado brasileiro. O federalismo propugnado pelos republicanos positivistas era antípoda ao proposto pelo intérprete alagoano, pois se baseava no elitismo político e na idéia de estabelecer as mesmas instituições em todos os quadrantes do país, desrespeitando as especificidades regionais. Com a criação do Estado Novo (1937-45), o centralismo e a desconfiança em relação à democracia chegaram a um dos seus momentos mais intensos na história do país. A esquerda marxista da época, olhando apenas o liberalismo econômico do autor, não percebeu o forte caráter subversivo das teses do parlamentar alagoano sobre o fortalecimento do espaço público. Os integralistas, pela própria natureza antidemocrática de sua doutrina, viam o filho da atual cidade de Marechal Deodoro como um dos seus principais adversários ideológicos.<o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Com a ditadura de 1964-85, surgiu outro momento em que o caráter libertário do pensamento<i> tavaresbastiano</i> não facilitava as iniciativas de reedição de suas obras. A pressão da direita contra as instituições republicanas e os valores democráticos juntou-se à desvalorização do caminho pacífico e institucional pelas mais influentes agremiações políticas da esquerda no pós-1964 para deixar o autor novamente nas sombras. Somente com a volta do Estado de Direito Democrático, estabelecido na Constituição de 1988, criaram-se as possibilidades para uma vivência com a liberdade política suficientemente longa para ensejar novo interesse acadêmico e científico pela obra de Aureliano Candido Tavares Bastos. <o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Entre 1988 e 2007, foram defendidas doze dissertações e teses sobre Tavares Bastos, com foco no seu pensamento político, econômico e educacional. O Senado Federal reeditou o livro <i>A Província</i> duas vezes, em 1996 e 1997. A editora Itatiaia reeditou o livro <i>O Vale do Amazonas</i> em 2000. Em 2001, a editora Topbook reeditou o livro <i>As Idéias Fundamentais de Tavares Bastos, </i>de Evaristo Moraes Filho. No ano de 1999, a editora 34 publicou o livro <i>Centralização e Descentralização no Império: o debate entre Tavares Bastos e o Visconde de Uruguai</i>, de Gabriela Nunes Ferreira. Finalmente, a editora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) lançou, em 2002, o livro <i>A Utopia Federalista: estudo sobre o pensamento político de Tavares Bastos</i>, de Walquíria G. D. Leão Rego. <o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Seria importante que outras instituições reforçassem esta tendência generosa de levar ao público brasileiro o genuíno pensamento de um dos mais lúcidos filhos deste país.</span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Golbery Lessa</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;"><br />
</div></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-70704125948818058332011-08-05T09:50:00.001-03:002011-09-11T08:46:34.340-03:00Caos urbano e holocausto de jovens em Maceió<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><span class="Apple-style-span" style="line-height: 24px;"></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/--mOsn-slNdw/TisxY0-rwOI/AAAAAAAAKQY/FtGaQ5dXge0/s1600/revolver2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="292" src="http://2.bp.blogspot.com/--mOsn-slNdw/TisxY0-rwOI/AAAAAAAAKQY/FtGaQ5dXge0/s400/revolver2.jpg" width="400" /></a></div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="line-height: 18px;"><b></b></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 24px; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Times New Roman', serif;"></span><br />
<div class="MsoNormal" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;">Na última década, a capital alagoana tornou-se a cidade brasileira com o maior índice de mortes violentas e os jovens das classes trabalhadoras são a maior parte entre as vítimas e os algozes. O proletariado está dizimando o próprio proletariado. Trata-se da realização do mais acalentado sonho maquiavélico da burguesia: a guerra no interior das classes subalternizadas. Esse fenômeno é resultado do caos social e urbano maceioense historicamente cultivado pelas elites da cidade e pela hegemonia canavieira no estado. A superação da hecatombe de jovens trabalhadores e de uma lagoa Mundaú de lágrimas entre seus pais depende de um projeto de poder alternativo para a cidade e o estado que organize a massa dos oprimidos com o objetivo de efetivar um planejamento urbano democrático e uma economia alagoana inclusiva e diversificada.<o:p></o:p></span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;"><br />
</span></span></div><div style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"></span></div><div class="MsoNormal" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;">Até o final dos anos 1950, Maceió nunca tinha recebido um fluxo avassalador de pessoas expulsas do campo. Nos períodos anteriores, as usinas utilizavam técnicas agrícolas rudimentares, o que concorria para reter uma grande quantidade de força de trabalho no interior, e a maior diversificação da economia agrícola contribuía igualmente para estancar o êxodo rural. Sempre houve extrema pobreza na capital, mas a prevalência das relações sociais personalizadas e o peso da cultura tradicional limitavam os conflitos no seio das classes trabalhadoras. Havia falta de saneamento, fome, desemprego, prostituição, moradia precária e outros problemas que subsistem, mas não havia a fria impessoalidade e a falta de referências culturais integrativas que foram estabelecidas nos últimos cinquenta anos pela influência de um mercado agindo sem um poder público com capacidade de contrabalanceá-lo.<o:p></o:p></span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;">Nas últimas décadas, a captura de Maceió por determinadas elites chegou ao seu mais alto grau. Os vários prefeitos que se sucedem têm confiado continuadamente a cidade às imobiliárias, à classe média alta, às empresas de transporte público, às empreiteiras, às empresas de coleta de lixo e a uma série de pequenos grupos interessados em lucrar com o caos urbano. A especulação imobiliária é amplamente permitida, inviabilizando a racionalização espacial, cultural e econômica da cidade. A verticalização da Ponta Verde, por exemplo, passou de tal maneira dos limites que o abastecimento de água do bairro tem sido suprido por meio de caminhão-pipa, como ocorre com a mais desassistida pequena cidade do Sertão.<o:p></o:p></span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;">O trabalhador que mora na periferia paga com seu desconforto o caos urbano que enriquece as empresas referidas e dá prestígio à classe média alta. O caráter caótico da expansão imobiliária em Maceió inviabiliza um efetivo planejamento do tráfego, o que aumenta muito o tempo gasto no transporte público e mesmo no transporte individual. A valorização vertiginosa dos apartamentos do Farol ou da Ponta Verde eleva o aluguel em todos os bairros, penalizados os casais jovens de baixa renda.</span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;"><br />
</span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;">Na primeira gestão do atual prefeito, o alargamento e a abertura de novas ruas, bem como a racionalização do tráfego e a construção de viadutos, pareciam elementos de um caminho eficaz para diminuir o tempo gasto pelo trabalhador dentro do ônibus. Contudo, as referidas obras não vieram acompanhadas do planejamento global da cidade; após três anos, as ruas alargadas e os viadutos serviram apenas para estimular a compra e o uso do veículo individual e complicar novamente o trânsito, talvez numa dimensão mais grave que a vigente no período anterior. A maioria dos taxistas deixou de defender o prefeito Cícero Almeida. O trabalhador da periferia está novamente horas enlatado no ônibus, tempo que ele subtrai do próprio lazer, do trabalho e do estudo.<o:p></o:p></span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;">Apesar de ser geral, o caos urbano de Maceió atinge menos os espaços destinados ao trabalho do que os espaços dedicados ao lazer e a outras dimensões da integração social. Como o universo do trabalho absorve a maior parte do tempo dos adultos, estes ficam mais protegidos da desorganização do urbano, mas as crianças e a juventude são diretamente atingidas, pois seu mundo é justamente presidido pelo lazer e a integração social. O sistema escolar é precário e culturalmente excludente, o sistema de saúde não chega à criança e ao jovem com a presteza e a qualidade necessárias, o sistema de creches existente é residual, as praças e equipamentos coletivos de lazer são precários e sem a presença de programas públicos integrativos, as moradias são inadequadas e expulsam por si a criança e o jovem de casa, os mais velhos são postos na trágica situação de terem de cuidar dos menores sem a presença dos pais, enfim, a fragmentação e a ineficiência das políticas públicas colocam o peso de uma pirâmide sobre o caráter em formação das nossas crianças e jovens das classes trabalhadoras.<o:p></o:p></span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;">Isso explica a presença da cola, do crack, do furto, do roubo, do latrocínio, do estupro, da prostituição e do assassinato entre parcelas dessa população juvenil. A solução para a desintegração das políticas públicas em Maceió, que é a causa dessas e de outras anomalias sociais, é a construção de uma ampla aliança política entre os vários setores das classes oprimidas (e parte das classes médias) para superar esse estado de coisas por meio de um projeto democrático e racional de cidade e de estado.<o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;"><br />
</span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;">Golbery Lessa<o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px; text-align: justify;"><br />
<div><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><span style="line-height: 24px;"><br />
</span></span></div></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"></div></div></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-71291658112575288142011-08-05T09:47:00.003-03:002011-08-05T09:48:21.335-03:00Pós-modernismo caeté<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-j8ZIHFbXZcM/TjcjuLG2_AI/AAAAAAAAKQk/tjgirM7vfrM/s1600/160111cavalo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><img border="0" height="266" src="http://1.bp.blogspot.com/-j8ZIHFbXZcM/TjcjuLG2_AI/AAAAAAAAKQk/tjgirM7vfrM/s400/160111cavalo.jpg" width="400" /></span></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;"><br />
</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">A modernidade é restringida em Alagoas e esse fato é determinado pelo caráter retardatário do capitalismo local. O individualismo, por exemplo, que é um dos seus elementos mais importantes, convive com a fragilidade das instituições que o contrabalançam, como o Parlamento e a imprensa livre, e evitam que se estabeleça o domínio total do egoísmo mercantil.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">Diante da incompletude da modernidade no estado, seria possível enxergar com certa plausibilidade uma Alagoas pós-moderna?</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">A modernidade é um tipo de civilização e o capitalismo consiste apenas em um modo de organizar as relações econômicas. O modo capitalista de produzir alavancou radicalmente a modernidade, lhe impôs possibilidades e limites, mas não se identifica com ela, pois esta abarca mais dimensões e tem relações mais necessárias com as características universais do gênero humano.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">O capitalismo desenvolve-se como um sistema-mundo resultante da articulação dos capitalismos particulares de vários países. É um universo no qual há os capitalismos clássicos, como os do EUA, da Inglaterra e da França, os capitalismos prussianos, mais atrasados, como os da Alemanha, Itália e Japão antes da Segunda Guerra Mundial, e os capitalismos periféricos, como os do México, Brasil e Argentina, mais atrasados ainda.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">Essa tipologia de capitalismos particulares articulados num sistema-mundo projeta-se numa tipologia de modernidades particulares também mundialmente articuladas. O capitalismo e a modernidade são, portanto, sistemas planetários formados por partes desiguais e combinadas. Esse caráter desigual e combinado das relações capitalistas e das instituições modernas também ocorre no interior de cada nação, cidade, setor de atividade e dimensão da vida.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">Para realizar-se plenamente em sua configuração clássica, o capitalismo de uma formação social qualquer precisa alimentar de modo cada vez menos custoso a própria população por meio do aumento da produtividade agrícola, edificar um setor industrial de bens de consumo corrente com base no mercado interno, construir um setor fabricante de bens de produção e erigir um sistema financeiro sólido.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">O sistema produtivo alagoano, a partir do final dos anos 1950, perdeu completamente o rumo da complexificação capitalista que vinha esboçando desde o início do século XX. Desfez parte das primeiras etapas de seu desenvolvimento com a destruição da agricultura de alimentos e da indústria têxtil, fixando-se num modelo agroexportador que trava a sua trajetória como sistema.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">A agroindústria canavieira torna-se a parte mais dinâmica da indústria alagoana sem superar a perversa característica de ter sua componente fabril capturada pela lenta rotação de capital da agricultura. A decorrente queda na taxa de lucro é compensada nas usinas por meio da superexploração do trabalhador, dos fundos dos públicos e do meio ambiente.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">Isso gera um salto para trás: a recriação das precárias condições de trabalho típicas do século XIX, a destruição das políticas públicas, a fragmentação da sociedade civil, a fragilização das instituições produtoras de cultura e o domínio político oligárquico.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">Esses fenômenos têm um impacto nefasto decisivo nas instituições modernas, como a ciência, a educação formal, os meios de comunicação, o Estado de Direto, o sistema público de saúde, o desenvolvimento tecnológico, o respeito à infância, a liberdade de expressão e a valorização da alteridade, entre outras.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">O pensamento pós-moderno teme os universais propostos pelo modernismo, bem como suas grandes narrativas, como o liberalismo e o marxismo. Propõe o fortalecimento das tendências de fragmentação que teriam passado a existir na alta modernidade e surgido a partir das duas últimas décadas do século XX. Nega qualquer utopia totalizante e propõe a luta no micro, mais segura e controlável.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">Por quais caminhos as supostas tendências pós-modernas surgiriam na Alagoas contemporânea se a estagnação do capitalismo local tornou frágeis e imaturas as principais instituições da modernidade? Como os alagoanos estariam vivendo numa sociedade pós-industrial se sequer conseguimos efetivar as instituições modernas? Como temer e superar os universais se eles sequer foram estabelecidos?</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">Não temos sistemas dignos de saúde, de educação, de energia e de água potável, entre outros. O cidadão ainda sofre mais por falta de assistência médica do que por não ter sua especificidade cultural respeitada no sistema de saúde. As pessoas penam mais pela ausência de leis trabalhistas e de grandes narrativas agregadoras do que pela hegemonia dos stalinistas, que sempre foram minoritários e reprimidos. O alagoano perde mais por não ser cidadão do que por está sob o julgo dos universalismos da ideologia liberal.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">Como observaram Marx, Lênin e Trotsky, as formações sociais mais atrasadas podem absorver as novíssimas tendências históricas sem possuírem as condições para criá-las internamente, contudo, essas tendências são filtradas, mescladas e até subvertidas no seu conteúdo essencial pelo contato com uma modernidade incompleta e um capitalismo retardatário.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">Os computadores de última geração incorporados nas usinas azeitam uma máquina econômica que recria continuadamente condições de trabalho próximas àquelas do escravismo. O garoto que dança música eletrônica e sabe o nome de todas as bandas inglesas é o mesmo que herdará o lugar do pai como representante da oligarquia num município sertanejo. Já se fez <i>raves</i></span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;"> na Mansão Farias, considerada por setores da opinião pública como um símbolo do patrimonialismo ocorrido durante o governo Collor.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">Na Alagoas de hoje existem elementos que alguns consideram pós-modernos, como as redes sociais na internet, a música eletrônica e o enfraquecimento do amor romântico; entretanto, é evidente que esses e outros traços não têm o mesmo peso e significado que possuem em formações sociais de modernidade clássica. Nesse sentido, a pós-modernidade caeté é tão frágil e contraditória como a modernidade alagoana.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">Cá com os meus botões pregados na China, penso que o conceito de pós-modernismo é insustentável, entre outros elementos, porque se define apenas pela negação. Aquilo que é apenas “pós” alguma coisa é algo ainda indefinido, é algo que não tem uma diferença específica. O pensamento pós-moderno isola o singular, o fragmento, e o exagera, projetando-o como único e principal fenômeno.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">A internet e os movimentos nacionalistas dos últimos tempos, por exemplo, são muito mais expressões do fortalecimento do universal, da nação e do Estado do que o contrário. Bem diferente do que se pensava, a internet não fragmentou o mundo e tornou possível a recomposição de muitas das identidades afetadas pelas mudanças do final do século XX. A unificação da economia planetária é cada vez mais radical e evidente. Os trabalhadores espalhados por centenas de cidade se unificam usando uma simples lista de e-mail.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">Por essas e outras é que não devemos nos espantar ou alienar quando vemos uma carroça atravancando o trânsito na Av. Fernandes Lima. Arreios do tempo do Império, molas de caminhão, pneus Ford e o indefectível pangaré. Eia! Eia! </span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 24px;">Em Alagoas é assim: dialética ou a perda da razão.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Golbery Lessa</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 24px; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Secretário Político do PCB-AL </span></div></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-28691228358035241942011-02-22T23:47:00.000-03:002011-02-22T23:47:08.027-03:00Proposta de Nota Técnica<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><br />
<div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)<o:p></o:p></span></div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)<o:p></o:p></span></div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>SR-22 – Maceió, AL<o:p></o:p></span></div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Gabinete da Superintendência</span><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><o:p></o:p></span></div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br />
</div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br />
</div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br />
</div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br />
</div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br />
</div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br />
</div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Proposta de Nota Técnica</span><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><o:p></o:p></span></div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 13.5pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-weight: bold;">Precondições normativas para um planejamento do desenvolvimento integrado do Projeto Especial AGRISA-AL</span></i><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><o:p></o:p></span></div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><i><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">por Golbery Luíz Lessa de Moura<o:p></o:p></span></i></div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><i><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">[Assessor do Gabinete da SR-22, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG]</span></i><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><o:p></o:p></span></div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br />
</div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br />
</div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br />
</div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br />
</div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br />
</div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br />
</div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><i><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Maceió, julho de 2010</span></i><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><o:p></o:p></span></div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br />
</div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br />
</div><div align="center" class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><br />
</div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Introdução<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Não existe qualquer normatização expedida pelo INCRA para aquilo que alguns técnicos vêm denominando, por necessidade lógica e coerência conceitual, de Plano de desenvolvimento Integrado (PDI) de área reformada.<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Cliente/Meus%20documentos/incra/Proposta%20de%20nota%20t%C3%A9cnica%20sobre%20o%20planejamento%20AGRISA-AL1.doc#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: EN-US; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: EN-US;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a> Na prática essa noção tem sido usada no planejamento dos projetos especiais de assentamento definidos a partir de 2007 pelo presidente da autarquia e pelo ministro do desenvolvimento agrário. A idéia de <span style="mso-bidi-font-style: italic;">desenvolvimento integrado</span> tem efetivamente movido setores do INCRA para o foco em ações mais eficientes, eficazes e efetivas naquelas áreas reformadas particularmente extensas. Além da celeridade, essas ações têm primado por um planejamento mais cuidadoso, a simultaneidade de sua execução e a tempestividade em relação às necessidades dos assentados. Entretanto, é importante destacar que, mesmo já influenciando positivamente a implantação de novos assentamentos, a noção de PDI de áreas reformadas carece de uma melhor delimitação no que toca à sua aplicação na política nacional de reforma agrária e necessita de uma normatização adequada. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Nos projetos especiais que foram erigidos como assentamentos únicos, como os projetos MAISA - RN, Harmonia - PE e Bordolândia - MT, a contradição entre Plano de Desenvolvimento de Assentamento (PDA) e PDI não veio à tona. O PDA terminou funcionando como um PDI, ou seja, ganhou uma dimensão geográfica e uma complexidade produtiva muito maior por abarcar área e recursos mais amplos do que os comumente envolvidos em um único assentamento. A necessidade de trabalhar com o PDI também não apareceu com força nas SR’s que conviveram muito tempo com a implantação de PA’s pequenos e significativamente isolados no tempo e no espaço. Em situação bem distinta, a SR-22 precisa lidar com uma área que combina grande extensão e fragmentação em 28 (vinte e oito) PA’s; nesse caso, a inexistência de norma do INCRA instituindo o PDI como privilegiado elemento de planejamento tem causado problemas agudos. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><u><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Os esforços para a definição de um modelo produtivo e de gestão para o projeto especial AGRISA-AL acabam, desse modo, sendo dificultados pelo fato de que a normatização não prevê sequer a integração dos PDA’s, o que termina desestimulando a elaboração de uma perspectiva de totalidade dos rumos daquela área reformada no interior do órgão e mesmo entre as empresas de assistência técnica. Os esforços de superar a lacuna normativa por meio da construção de um consenso entre os vários atores em torno da integração informal dos PDA’s esbarram na resistência consciente e inconsciente de setores do órgão, das empresas de ATES e dos movimentos sociais a atuarem à contrapelo das normas, além de serem dificultados por não se poder contar com dotações orçamentárias para as ações necessárias.<o:p></o:p></span></u></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">No sentido de contribuir para a solução do impasse no planejamento do projeto especial AGRISA-AL, na presente <i style="mso-bidi-font-style: normal;">nota técnica</i> procuramos detalhar o problema e propor uma alternativa para solucioná-lo. Faremos uma breve justificativa para a normatização pelo INCRA <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>da noção de Plano de Desenvolvimento<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> </i>Integrado (PDI) de área reformada, buscando superar o problema particular de planejamento do projeto especial AGRISA-AL por meio de uma proposta de mudança geral no planejamento dos PA’s.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">1. O PDA e seus limites para o desenvolvimento integrado dos PA’s<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span><o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">A INSTRUÇÃO NORMATIVA/INCRA/N<sup>o</sup>29, de 12 de abril de 1999, é uma das primeiras que trata do Plano de Desenvolvimento de Assentamento (PDA) e já o coloca como principal ferramenta de planejamento dos PA’s. A seguinte passagem demonstra como aquele instrumento era concebido: <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 4.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">c) <u>o Plano de Desenvolvimento do Assentamento deverá ser elaborado no contexto do Plano Municipal de Desenvolvimento Rural,</u> quando existir, e deverá conter como principais componentes, os seguintes: [grifo nosso]<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 4.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">1) levantamento dos recursos naturais; <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 4.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">2) perfil sócio-econômico dos assentados; <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 4.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">3) organização espacial, incluindo plano de parcelamento, se for o caso, e a localização coletiva das habitações; <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 4.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">4) as atividades econômicas agrícolas e não agrícolas a serem desenvolvidas em função da demanda do mercado; <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 4.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">5) educação, saúde, cultura e lazer; <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 4.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">6) questões de gênero e juventude; <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 4.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">7) infra-estrutura básica ( estradas de acesso, água para consumo humano e energia); <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 4.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">8) gestão ambiental. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 4.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">d) os beneficiários poderão selecionar e contratar livremente a assessoria técnica para a elaboração do Plano, recrutada dentre pessoas, empresas ou entidades previamente credenciadas no </span><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">INCRA ou no Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, quando existir; <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 4.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">e) <u>o Plano de Desenvolvimento do Assentamento - PDA será elaborado com base em um roteiro técnico de orientações, objeto de Norma de Execução, a ser editada pela Diretoria de Assentamento – DP.</u> [grifo nosso]<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span><o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O PDA deveria, portanto, tratar de maneira integrada de todos os aspectos relevantes do desenvolvimento de um assentamento e já era percebido no contexto do município no qual seria implantado, de onde decorre a preocupação de que levasse em conta o Plano Municipal de Desenvolvimento Rural, quando esse existisse. A NORMA DE EXECUÇÃO/INCRA/N<sup>o</sup>2, de 28 de março de 2001, cumprindo o disposto na alínea “e” acima citada, detalha a natureza do PDA por meio de um “Roteiro Básico para a Elaboração do Plano de Desenvolvimento Sustentável de Assentamento – PDA”, inscrito no Anexo II. Nesse roteiro fica ainda evidente que o planejamento do assentamento deveria adequar-se ao seu contexto, o qual compreenderia principalmente o município e a microrregião. Isso pode ser exemplificado com a citação de duas alíneas do item “3”, intitulado “<span style="mso-bidi-font-weight: bold;">Cenário Sócio-econômico e Ambiental da Região de Influência do Projeto de Assentamento”, nas quais se exige que sejam descritas</span>:<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 4.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">d) [a] situação social, demográfica e fundiária do município e micro-região: população urbana e rural, densidade demográfica, migração, estrutura fundiária, nível educacional e de renda da população, infra-estrutura física e social, etc.;<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 4.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">e) [a] economia do município e microrregião: principais atividades econômicas, principais produtos agropecuários, evolução recente da economia, projetos/programas de desenvolvimento regional e municipal, existência de Conselho e/ou Plano Municipal de Desenvolvimento Rural e Ambiental, etc.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 4.0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Para os nossos objetivos, é relevante sublinhar apenas duas dimensões daquele documento: 1) a concepção subjacente à expressão “Região de Influência do Projeto de Assentamento” presente no título do item “3”, que parece superestimar a capacidade de influência de um único assentamento, notadamente quando desconectado de outros e incrustado em um ambiente hostil à agricultura familiar; e 2) a ausência da preocupação em garantir a convergência dos PDA’s de PA’s localizados no mesmo município ou microrregião. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Essas duas características iram subsistir na normatização do INCRA referente ao PDA até o presente momento, quando começam a demonstrar mais claramente seus efeitos deletérios. O Manual Operacional de ATES em vigor, aprovado pela NORMA DE EXECUÇÃO/INCRA/DD/N.78, de 31 de outubro de 2008, ainda traz as conceituações acima referidas quando traça o roteiro para a confecção do PDA. O item “4” do “Roteiro Básico Para o Plano de Desenvolvimento de Assentamento”, por exemplo, é intitulado “Diagnóstico Relativo à Área de Influência do PA”. O item “4.1”, por sua vez, é intitulado “<span style="mso-bidi-font-weight: bold;">Contexto Sócio-Econômico e Ambiental da Área de Influência do Projeto de Assentamento”. As propostas deste item repetem quase literalmente as alíneas “d” e “e” do “Roteiro Básico para a Elaboração do Plano de Desenvolvimento Sustentável de Assentamento – PDA”, inserido no citado Anexo II da </span>NORMA DE EXECUÇÃO/INCRA/N.02, de 28 de março de 2001.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O primeiro problema apontado, a concepção subjacente à expressão “Região de Influência do Projeto de Assentamento”, parece ser resultado da convergência de uma crença exagerada nos efeitos econômicos, sociais e políticos de um assentamento isolado e de uma perspectiva despolitizada sobre os conflitos de interesses entre atores do mundo rural. Na prática, na maior parte dos casos é a microrregião que influencia o PA e não o contrário, como espera a norma. Quando, por exemplo, se implanta um PA isolado e relativamente pequeno num município da zona canavieira alagoana, esse empreendimento de reengenharia social tem que enfrentar um contexto que lhe é decididamente hostil, pois toda a cultura da microrregião e as instituições que sustentam os sistemas produtivos locais estão tradicionalmente focadas no chamado agronegócio e não na agricultura familiar. Assim, o assentamento tende a ter o seu desenvolvimento embargado por constituir-se numa espécie de corpo estranho no organismo do agronegócio, problema que só pode ser superado com a unidade das forças locais interessadas no desenvolvimento da agricultura familiar e com a intervenção dos governos local, estadual e federal no sentido de garantir a pluralidade dos sistemas produtivos agropecuários. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A partir da concepção de que o planejamento estatal implica em escolhas técnicas que têm impactos no equilíbrio econômico, social, cultural e político, ou seja, aceitando o pressuposto de que não há escolhas técnicas relevantes em política pública que sejam neutras,<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Cliente/Meus%20documentos/incra/Proposta%20de%20nota%20t%C3%A9cnica%20sobre%20o%20planejamento%20AGRISA-AL1.doc#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: EN-US; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: EN-US;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></a> seria imperioso para o INCRA perceber, sublinhar e normatizar os conflitos que a implantação de assentamentos acarreta e não contorná-los ou dá-los como resolvidos. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Devido ao alto grau de organização das partes em disputa (associação de proprietários rurais e movimentos de trabalhadores sem-terra) e do potencial desagregador dos seus conflitos, o INCRA não tem cometido erro análogo no que se refere à política de obtenção de terras, mas pontos decisivos das normas relativas ao PDA pressupõem uma harmonia entre PA e seu contexto que não é plausível nem empiricamente comprovada, bem como se contrapõe à maior parte da literatura sobre a reforma agrária no Brasil e no mundo. Essa é uma das variáveis que parecem explicar a não existência de uma preocupação de fazer convergir os PDA’s de PA’s do mesmo município, microrregião ou Estado, entre outras possibilidades de articulação de atores que vivem situações análogas e possuem interesses convergentes. O reconhecimento normativo da necessidade de articulação dos PDA’s de uma área reformada, que implicaria na existência de um PDI, pressuporia a constatação dos conflitos entre agricultura familiar e agronegócio (e entre outros atores do mundo rural) e a aceitação de que a primeira precisa desenvolver estratégias econômicas, sociais, culturais e políticas para fortalecer-se diante de adversários mais poderosos e articulados. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O fato de a obtenção de terra ter permanecido residual e esparsa até meados dos anos 1990, sendo relativamente rara a simultaneidade da implantação de vários assentamentos em uma área reformada, tornava desnecessário o PDI e dificultava a percepção de que este instrumento de planejamento integrado se tornaria imprescindível quando houvesse a obtenção sistemática de grandes áreas com PA’s bastante próximos ou contíguos e numerosos. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><br />
</div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">2. O Plano de Desenvolvimento Integrado (PDI) de áreas reformadas<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Para justificar a necessidade da aceitação conceitual e da normatização do PDI pelo INCRA <u>nos casos em que uma grande área reforma é constituída por mais de uma PA</u>, começaremos por sublinhar os ganhos de escala comercial e sinergias produtivas (entre outras) que a articulação dos PDA’s de PA’s geograficamente próximos ou economicamente aproximáveis promete efetivar. No caso do projeto especial de assentamento AGRISA-AL, por exemplo, é evidente que a articulação comercial dos 28 PA’s já implantados diminuiria muito os custos dos insumos agrícolas e fortaleceria as posições de venda das famílias assentadas. Seria possível a racionalização do uso de máquinas agrícolas, armazéns e outros elementos de infra-estrutura. No que se refere à agroindústria, a articulação dos PA’s possibilitaria o aumento das escalas de produção e maior segurança quanto ao fornecimento regular de matérias-primas, o que seria importante para aumentar a rentabilidade e estabelecer uma imagem de eficiência perante o mercado consumidor. Ganhos de escala também poderiam ser conseguidos no que se refere aos investimentos em tecnologia e capacitação de mão-de-obra, bem como no que toca o manejo sustentável dos recursos naturais. Enfim, a articulação dos PA’s por meio de um PDI da área reformada na qual se encontram possibilitaria o uso de uma estratégia parecida com aquele de constituição de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">complexos agroindustriais</i> que vem sendo usada com sucesso pelo agronegócio no Brasil e no mundo.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A proposta da formação de complexos agroindustriais baseados na agricultura familiar pressupõe a percepção de que os assentamentos são implantados num espaço competitivo e hostil e são na maior parte das vezes vizinhos de atores muito mais poderosos. Pressupõe também que as tradicionais formas de resistência da agricultura familiar, por demandarem custos humanos muito altos (a superexploração da mão-de-obra do próprio agricultor e de sua família; a aceitação de uma renda familiar muito baixa, incapaz de proporcionar os mínimos sociais; etc.), não são socialmente eficientes e eticamente aceitáveis nas condições contemporâneas, além de inviabilizarem o exercício dos principais direitos do cidadão inscritos na Constituição da República. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Para significar um ganho efetivo no planejamento, o PDI não poderia ser a articulação <i style="mso-bidi-font-style: normal;">a posteriori</i> dos PDA’s. Se assim o fosse, seria apenas um amálgama, um retrato da desconexão, da desintegração. O mais adequado seria o PDI ser construído junto com os PDA’s de uma área reformada, o que pressuporia dois níveis de planejamento e uma distribuição particular do poder deliberativo das famílias assentadas envolvidas no processo de elaboração dos dois documentos. Seria necessário delimitar as dimensões gerais e particulares (as do complexo agroindustrial a ser constituído e as de cada PA) do planejamento, atribuindo as primeiras ao PDI e as últimas aos PDA’s. Isso implicaria, é certo, na renúncia por parte das famílias de cada assentamento em definir todos os aspectos do desenvolvimento do seu PA de maneira independente da opinião das famílias dos outros PA’s,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>renúncia que seria recompensado pelas sinergias advindas da constituição de uma complexo agroindustrial. Tratar-se-ia de uma convivência federativa entre os PA’s de uma área reformada, se nos for permitido usar uma analogia que facilita a explicitação do que estamos a propor.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O PDI, por outro lado, não poderia ser usado em todos os casos, restando aos gestores a avaliação de sua pertinência em cada situação. Por exemplo, no caso de assentamento muito grande que não tenha como vizinhos uma quantidade significativa de outros PA’s, a sua complexidade e vastidão de recursos possibilitam que se torne um complexo agroindustrial isoladamente, sendo o PDI, portanto, dispensável, pois se confundiria com o PDA. No caso de um assentamento pequeno e isolado no interior de uma área reformada, situação em que um PDI também não teria sentido, sua integração com assentamentos de outras áreas reformadas poderia ser feita por meio de uma política comercial conjunta, entre outras formas de articulação.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Por meio de norma de execução da Diretoria de Desenvolvimento de Projetos de Assentamentos, o PDI deveria ser normatizado no curto prazo como mais um dos instrumentos de planejamento do INCRA para evitar os efeitos deletérios que têm sido percebidos mais claramente nas dificuldades de planejamento integrado do projeto especial AGRISA-AL. Em consonância com o que se disse até aqui, a execução do PDI deverá caber às empresas de ATES que já são responsáveis pela constituição dos PDA’s e seguir os princípios e diretrizes gerais desses documentos, com adaptações pertinentes à sua especificidade de documento integrador de vários PA’s. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Realizada esta normatização e deslocados recursos financeiros para a execução dos PDI’s, acreditamos que os principais obstáculos para planejamento integrado do projeto especial AGRISA-AL estariam superados. As precondições subjetivas (consenso em torno da necessidade de um projeto produtivo integrado) e objetivas (disponibilidade orçamentária) para o sucesso de um planejamento integrado já existem, mas não têm sido efetivadas plenamente devido à ausência de um instrumento de planejamento capaz de realizar suas potencialidades. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">3. Referências<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">1. BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA. INSTRUÇÃO NORMATIVA/INCRA/N.29, de 12 de abril de 1999.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">2. BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA. NORMA DE EXECUÇÃO/INCRA/N.02, de 28 de março de 2001.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">3. BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA. NORMA DE EXECUÇÃO/INCRA/DD/N.78, de 31 de outubro de 2008.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">4. BRASIL: II PLANO NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA. <i>Paz, Produção e Qualidade de Vida no Meio Rural</i>. Edição Especial para o Fórum Social Mundial 2005. Brasil: 2005. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">5. OLIVEIRA, Francisco de. <b>Elegia para uma Re (li) gião</b>. RJ: Paz e Terra, 3ª edição, 1981.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div style="mso-element: footnote-list;"><!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" /> <hr align="left" size="1" width="33%" /> <!--[endif]--> <div id="ftn1" style="mso-element: footnote;"> <div class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Cliente/Meus%20documentos/incra/Proposta%20de%20nota%20t%C3%A9cnica%20sobre%20o%20planejamento%20AGRISA-AL1.doc#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: EN-US; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: EN-US;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"> BRASIL: II PLANO NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA. <i>Paz, Produção e Qualidade de Vida no Meio Rural</i>. Edição Especial para o Fórum Social Mundial 2005. Brasil: 2005. <o:p></o:p></span></div></div><div id="ftn2" style="mso-element: footnote;"> <div class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Cliente/Meus%20documentos/incra/Proposta%20de%20nota%20t%C3%A9cnica%20sobre%20o%20planejamento%20AGRISA-AL1.doc#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: EN-US; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: EN-US;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif";"> Cf. OLIVEIRA, Francisco de. <b>Elegia para uma Re (li) gião</b>. RJ: Paz e Terra, 3ª edição, 1981.<o:p></o:p></span></div></div></div></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-78919573280054107782010-10-11T10:09:00.000-03:002010-10-11T10:09:45.935-03:00Blog do Odilon - Alagoas 24 Horas: Líder em Notícias On-line de Alagoas<a href="http://www.alagoas24horas.com.br/blog/?vCod=52#3107">Blog do Odilon - Alagoas 24 Horas: Líder em Notícias On-line de Alagoas</a>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-84821286752730703962010-06-30T15:55:00.004-03:002010-08-19T11:14:15.474-03:00"Existe uma Alagoas Colonial?"<div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Existe uma Alagoas Colonial?”</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Notas Preliminares sobre os conceitos de uma Conquista Ultramarina</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Antonio Filipe Pereira Caetano*</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Universidade Federal de Alagoas</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Resumo</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">É sabido que a região que hoje conhecemos como Alagoas pertenceu até os idos de 1817 a Capitania de Pernambuco, fazendo-se, assim, integrante ao Império Ultramarino Português. Apesar da expressão “Alagoas” ser recorrentemente utilizada para designar aquele espaço mesmo antes da sua emancipação, alguns historiadores e estudos rejeitam tanto o uso da terminologia como a própria existência de uma região constituída isolada do mundo Pernambucano. Assim, o presente artigo pretende analisar os limites e os problemas nestas interpretações, visando construir um esboço conceitual para definir, enquadrar e delimitar os territórios posteriormente conhecido como Vila das Alagoas (1817).</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Palavras-chave: colonização portuguesa; conceitos; Alagoas Colonial.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Abstract</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">It is known that the region known today as Alagoas belonged to the back in 1817 the captaincy of Pernambuco, becoming thus integral to the Portuguese Overseas Empire. Although the term “Alagoas”; is repeatedly used to describe that space even before emancipation, some historians reject both studies and the use of terminology such as the existence of a region made up from the world Pernambucano. Thus, this article analyzes the limits and problems in these interpretations, in order to build a conceptual sketch to define, govern and define the territory later known as the Village of Alagoas (1817).</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Key words: Portuguese colonization; concept; colonial Alagoas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Em um certo momento, Élcio Gusmão Verçosa, trazia a luz uma pergunta, no mínimo, provocativa: existe uma cultura alagoana? Tal questionamento, o educador tentava responder em uma obra homônima de caráter ensaístico, simplório e com traços de inovação[1]. Tentando se afastar de uma história ufanista – o que descaradamente não consegue fazer no final – enxerga a formação cultural desta localidade como algo plural e atemporal, levantando a pista de que uma sociedade se constrói a partir de manifestações próprias, principalmente no que se refere aos elementos culturais. Sem dúvida, uma das maiores argumentações de seu trabalho, mas não chega a ser uma novidade pensando no debate teórico “atual”[2].</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Retrocedendo à história balizada pelos Institutos Históricos e Geográficos espalhados pelo Brasil ao longo do século XIX, destacava que a formação da cultura alagoana passava pelo entendimento da fusão dos elementos potiguaras (caetés, em uma linguagem local), da introdução dos descendentes de Zumbi dos Palmares e a das imposições dos proprietários como Cristóvão Linz. No entanto, para o autor, dois momentos consagrariam a construção da identidade cultural regional: o movimento de 1817, que culminou na independência alagoana frente à Capitania de Pernambuco, mas que ao mesmo tempo demonstrou a inexistência de grupos letrados para a condução da política regional; e a efetivação da subsidiária da escola positivista em terras alagoanas, o IHGAL, destacado como o responsável por delinear a civilidade e salvaguardar o pilar documental do Estado. Ah, deve-se se ressaltar também um salutar destaque dado aos partidos políticos que ganhariam escopo profissionalizante, auxiliando na construção do “ser alagoano”.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Mais crítico, erudito e aprofundado, Dirceu Lindoso entra nesse debate qualificando a cultura alagoana com aspectos “anfíbios”, marcada por sedimentações e rupturas[3]. Com um conceito de cultura muito próximo ao de Verçosa, este autor se afasta completamente ao pensar o IHGAL como preservador cultural e não como reprodutor, bem como apresenta a idéia de intelectual “medíocre” formador da imagem do passado alagoano cuja intenção era reforçar o êxito histórico das classes senhoriais em detrimento daqueles que se opunham ao regime estamental. Estes últimos seriam dignos de serem estudados, como os Cabanos.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Outro ponto que aproxima Verçosa e Lindoso diz respeito à escolha da data de 1817 como divisora de águas na formação do que é ser alagoano. Se para o primeiro, o episódio descortinaria as falhas locais, para o segundo entende-se como o resultado das especificidades do território. Assim, para Lindoso, as peculiaridades da cultura alagoana já estariam explícitas na documentação do período, então recorremos a uma delas para identificar tais elementos. Em 20 de janeiro de 1818, o ouvidor geral das Alagoas, Antonio Batalha escrevia carta ao governador geral da Bahia [D. Marcos de Noronha e Brito, o Conde de Arcos] sobre o quadro no qual se encontrava a localidade após a “revolução” de Pernambuco.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Em meio a este corpus, encontra-se cópia de uma proclamação registrada pelo escrivão da comarca, Antonio David de Souza Coutinho, feita pelo Tenente Coronel Antonio José Vitorino Borges, em 15 de dezembro de 1817, após sua fuga da região. Dizia o militar:</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[...] a minha ausência de entre vos meus honrados Patriotas não foi desamor, nem tão pouco a intenção de desampara vos, antes pelo contrario; o sincero desejo que tinha de proteger hum Povo tão benemérito como fiel ao grito da razão, e aos interesses da Pátria, cuja causa é também a nossa, mas que se achava desprovida de meios e de forças para propugnar pela sua defesa e segurança, quando desígnios perversos, e malvados, tramavam conjurações atrozes, e procuravam desunir os Cidadãos formando cizânias e partidos opostos a nossa liberdade tão bem começada quão fundada na justiça, e nas Leis da Razão da natureza e das gentes[4].</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A afirmação valorizava o “povo alagoano” resgatando o papel heróico dos habitantes na perspectiva de manutenção da união da coroa portuguesa em terras americanas. Interessante é perceber já o uso do termo “pátria”, talvez ainda relacionado ao ideal luso-brasileiro, característico do momento de virada do oitocentos para o novecentos. Com uma identidade ainda híbrida, destaca-se a contraposição daqueles que lutavam para um rompimento das amarras lusitanas [os pernambucanos] e aqueles que visavam à paz. O que o levava a conclusão:</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[...] o que agora vos levo para de uma vez estabelecer a ordem, e o sossego publico nesse feliz país; onde direis esperar me qualquer dias tranqüilos, e certos de que acabarmos de uma vez com esses malvados, que pretendem perturbar a nossa paz, e união, e roubar a nossa felicidade que o céu protege, e há de prosperar[5].</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Enfim, olhar este documento e pensar no contexto produtor daqueles episódios nos faz concluir que a maior especificidade daqueles que viviam no território que hoje conhecemos como Alagoas fora justamente não se entender como integrantes e contemplados com as reivindicações dos amotinados da Capitania de Pernambuco contra a Coroa Portuguesa, ainda em território americano. O que, automaticamente, implica em dizer que os “alagoanos” acreditavam que ao se manterem aliados ao monarca poderiam lhe render benefícios mais interessantes e vantajosos. É maquiavélico pensar dessa forma? Claro que é! Mas ao mesmo tempo não podemos deixar de pensar que a lógica da cultura política do Antigo Regime era permeada de negociação, barganhas e pactos essenciais para a construção da governabilidade[6]. Recurso usado em tempos remotos pelos vitoriosos pernambucanos no pos bellum holandês, como bem destacou Evaldo Cabral de Mello[7].</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Mas, enfim, o fato é que a emancipação da região alagoana conquistada naquele episódio nos traz recorrentemente a dúvida sobre a formação da identidade local delineada naquele momento. Lindoso diz que sim, Verçosa tem mais certeza ainda sobre isso. Porém, se avaliarmos que 1817 é um negócio muito bem tramado por uma elite local, pode nos levar a sugerir a hipótese de que ali se tem o start dessa identidade, mas seus contornos seriam desenhados a posteri, mesmo que usando de elementos ab initio. Ou seja, os elementos alagoanos estariam cravados exatamente quando este lugar não era Alagoas. Ou era? Afinal, o que era o território que hoje conhecemos como Alagoas entre 1500 e 1817? Podemos chamar de Alagoas? Ou isso era Pernambuco, já que a independência só se dá em 1817? Ops, encruzilhada! Momento bom para o historiador!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Lindoso e Verçosa são equânimes quando apontam o período colonial como a ocasião em que é moldado o ser alagoano. Então o ser precede o território ou o território precede o ser? Se não existisse Alagoas como existiria o ser alagoano em 1817? Voltemos, então, a questão inicial: existe uma Alagoas colonial? Ops, dúvida para o historiador! O grande problema a resolver! Dificuldade esta que se propõe as linhas que se seguem a partir deste momento. Desta feita, o que se pretende aqui é exatamente esboçar uma resposta para essa pergunta capciosa, que nada é mais do que dar um nome a um lugar. Para isso, é importante ser dito que o caminho que vai ser traçado tem como base o uso da documentação que entrelaça às três localidades em tela: o reino português, a capitania pernambucana e a localidade que hoje conhecemos como Alagoas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">São correspondências, cartas, requerimentos, enfim, uma gama de vestígios que revelam o cotidiano local e, mais do que isso, descortinam como o local se denominava e era designado pelos outros. O uso da documentação do Arquivo Histórico Ultramarino não sei se é o melhor caminho para responder a esta pergunta, mas, sem dúvida, o se debruçar sobre estes corpus documental é o que se tem para o dia, para o momento... um vestígio do passado, que como nos ensina, Gizburgo, podem revelar sinais de um paradigma indiciário[8]. No entanto, antes de recorrer a ela, é necessário fazer um delineamento teórico e conceitual, aparar as arestas e demonstrar o que nos entendemos por América Portuguesa e, consequentemente, Alagoas Colonial.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Um conceito, uma palavra, um lugar...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Reza o bom funcionamento da lingüística que toda palavra/signo é formada por um significante e um significado. O primeiro nos remete a idéia de como este signo é escrito ou falado, enquanto o segundo nos transporta para a concretização do objeto, ou seja, a representação do conteúdo, de uma idéia. De uma forma simplória, podemos dizer que quando escrevemos ou falamos açúcar identificamos a forma usada pela língua portuguesa para corporificar linguisticamente esta palavra, sendo este seu significante; porém, quando olhamos ou escutamos esta palavra e a associamos aqueles grãozinhos brancos, refinados em um usina e usados para adocicar a vida e as coisas, temos seu significado, que permanece intacto mesmo que alterássemos o seu significante para sugar, em inglês.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Isto implica dizer que toda palavra expressa uma idéia, um significado, um sentido; mas podemos falar, então, que todo signo nos anunciaria um conceito? Para Reihnhart Koselleck, a resposta é negativa! Tentando construir uma história dos conceitos, este historiador alemão nos instiga primeiramente a separar palavra e conceito, apontados como elementos distintos[9]. O que atribui uma palavra a se constituir como conceito seria exatamente esta possuir sentidos que interessam, resultado de um entendimento reflexivo e de uma teorização historicamente construída. Uma palavra, por si só, expressaria somente um sentido, um conteúdo.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Outro elemento que define um conceito remete-se aos critérios de sua seleção. Dessa forma,</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Todo conceito articula-se a um certo contexto sobre o qual também pode atuar, tornando-o compreensível. Pode-se entender esta formulação tornando-o mais instigante. [...] O que significa dizer que todo conceito está imbricado em um emaranhado de perguntas e respostas, textos/contextos[10].</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Assim, a relação entre texto e contextos também seria essencial para demarcar a peculiaridade de um determinado conceito. Como o conceito reflete um contexto específico em uma determinada época, logicamente ele é singular, exclusivo para aquele determinado fato. No entanto, para Koselleck, mesmo que o significante permaneça inalterado, circunstâncias podem alterar o significado daquele conceito conforme a época que estamos nos remetendo. Para o nosso caso, por exemplo, usar o conceito de nobreza para identificar aqueles detentores de poder no Antigo Regime, deve ser balizado para os dois lados do Atlântico, já que a nobreza do reino, costumeiramente, estava associada ao grupo que hereditariamente possui ascendência nobre, que atravessa gerações e, por conta desta característica, tinham direitos à aquisição de benefícios; cruzando o mar, a nobreza das conquistas, apesar da permanência de seu significante, explicitaria o grupo ligado à obtenção de terra, proprietários de uma farta escravaria, ocupantes de cargos administrativos e melhorados de condição se fossem oriundos dos “primeiros conquistadores do território”[11]. Ou seja, com uma mesma palavra podemos forjar novos conceitos, atribuindo outros sentidos históricos e interpretações contextuais aos signos. Como mesmo o autor remonta: a palavra é a mesma, mas ganhou outro valor.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Apropriando-se desta discussão e tentando buscar um denominador comum, pensando “Alagoas” como uma palavra nos remeteria a um Estado, localizado no Nordeste, marcado por sua economia açucareira e por suas belíssimas praias. Fazendo este mesmo esforço no que tange ao enquadramento como conceito, ela sozinha, não expressaria resultado algum. “Alagoas” como conceito não nos remete a nenhum “fato indicador”, nem mesmo único, reflexo de uma situação. É pueril! Apenas nos conectando ao território cortado por inúmeras lagoas, demarcando uma característica que seria usada para denominar e/ou nomear a localidade: “a terra entre as lagoas”.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Diferentemente acontece quando recorremos ao signo “colônia” de maneira isolada, o que nos possibilita o enquadramento da expressão como um conceito. Colônia ou colonização nos transporta para um fato específico que percorre a história da humanidade. Apesar estarmos preocupados com o signo na conjuntura moderna, o mesmo significante pode ser verificado no mundo antigo e na época contemporânea. Evidentemente que a acepção modifica conforme o contexto histórico, o que implica em dizer que a colonização dos romanos sobre os gregos, pouco ou nada possui de semelhante ao imposto pelos lusitanos para fazer valer suas intenções mercantilistas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">No caso brasílico, a conceito de colônia ganhou fôlego não só na historiografia tradicional do século XIX demarcada por Francisco Adolfo Varnhagem, como também pelos autores do início do século XX que tentaram imprimir seus olhares sobre a realidade daquele momento culpando o mundo colonial como o grande responsável pelas mazelas do país contemporâneo[12]. Neste caso, o antagonismo colônia versus metrópole fazia jus à sobreposição do último sobre o primeiro, e da extrema dependência política e econômica dos “brasileiros” em relação aos lusitanos. Assim, se forjava um Estado centralizado e um “sentido da colonização” voltado única e exclusivamente para o atendimento dos anseios econômicos de Portugal, ou seja, o escoamento da produção açucareira.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Logo, o conceito de colônia usado desta maneira implicaria, automaticamente, na inexistência de uma vivência própria daqueles que estavam no outro lado do Atlântico, e mais do que isso demonstrava que os interesses locais eram deixados de fora em detrimento de um anseio maior e centralizador. Usando de uma historiografia renovadora, sobretudo construída por “brasilianista”, uma nova visão tem sido descortinada nessa relação entre Portugal e suas terras no Atlântico[13]. Opta-se, neste caso, pela substituição do conceito de colônia pela expressão conquista ou domínio, desvendando por traz uma intenção de suprimir as relações unilaterais e demarcando a idéia de um império vasto, hiper-conectado, diferenciado e ajustado conforme a lógica de cada uma das localidades.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">No entanto, a idéia de império em detrimento a de colônia apesar de tentar resolver a equação mal resolvida nos dois lados do Atlântico, também pode pender para uma supervalorização dos elementos ultramarinos de maneira totalmente autônoma e sem relação alguma com o reino. Por conta disso, em nosso entendimento pensar o conceito de colônia e seus derivados demanda uma critica constante, não só fugindo da relação enrijecida do colonizadorversus colonizados/colonos – totalmente démodé – mas também reconhecendo os interesses mercantilistas e exploradores da política-econômica metropolitana que demandam a imposição de padrões de comportamentos, de anseios financeiros e atitudes políticas. No entanto, não se pode perder de vista que nessa relação de “estica e puxa” a negociação é o elemento moderador tanto para a garantia da autoridade política como dos interesses daqueles que cruzam o Atlântico para construir uma nova vida nos Trópicos.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">E o que falar então de “Alagoas Colonial”? Em primeiro lugar devemos pensar que esta se configura nada mais do que uma expressão. Se formos utilizar a referência teórica exposta por Koselleck, a mesma não pode ser entendida como um conceito, pelas questões já referendadas acima; ao pensarmos como uma palavra, não tem sentido, por sua própria natureza lingüística. Por conta disso, o uso desta expressão remete-se unicamente a fusão de dois signos que remetem a um significado e um significante. Ou seja, por mais que soubéssemos que esta não era utilizada no período vigente, o termo “Alagoas Colonial” pode ser pensado como uma expressão que traduz o período alagoano entre 1500 a 1822. Neste caso até dispensamos o 1817! Evidentemente que isso é um risco, mas preferimos ponderar seu uso como uma convenção, da mesma maneira que indiscriminadamente se usa o termoBrasil para qualificar o território existente neste mesmo corte cronológico, quando na verdade durante um bom tempoBrasil era sinônimo apenas de Pernambuco, Rio de Janeiro e Bahia.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">No entanto, por mais que apontemos Alagoas Colonial com uma expressão no sentido macro, uma análise das expressões locais também deve ser levada em consideração. Assim, o que estamos querendo dizer é mesmo que usássemos este termo para determinar um território em uma dada época, seria fulcral ver nos papéis como eles se denominavam e como Portugal e Pernambuco nomeavam estas conquistas. É exatamente ai que começa a confusão, e vamos à ela..</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Várias Conquistas imiscuídas a Capitania de Pernambuco...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Quando D. João III [o piedoso], em 10 de março de 1534, instaura a política de distribuição de capitanias hereditárias visando um melhor controle do território para afastar a presença de monarquias inimigas do território americano, este concedeu a Duarte Coelho os seguintes chãos:</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Sessenta léguas de terra [...] as quais começarão no rio São Francisco [...] e acabarão no rio que cerca em redondo toda a Ilha de Itamaracá, ao qual ora novamente ponho nome rio [de] Santa Cruz [...] e ficará com o dito Duarte Coelho a terra da banda Sul, e o dito rio onde Cristóvão Jacques fez a primeira casa de minha feitoria e a cinqüenta passos da dita casa da feitoria pelo rio adentro ao longo da praia se porá um padrão de minhas armas, e do dito padrão se lançará uma linha ao Oeste pela terra firme adentro e a terra da dita linha para o Sul será do dito Duarte Coelho, e do dito padrão pelo rio abaixo para a barra e mar, ficará assim mesmo com ele Duarte Coelho a metade do dito rio de Santa Cruz para a banda do Sul e assim entrará na dita terra e demarcação dela todo o dito Rio de São Francisco e a metade do Rio de Santa Cruz pela demarcação sobredita, pelos quais rios ele dará serventia aos vizinhos dele, de uma parte e da outra [...][14]</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Assim, a configuração do território da Capitania de Pernambuco era demarcada de um lado pelo rio Santa Cruz e do outro pelo Rio São Francisco, denotando a idéia de que a ocupação teria como referência às margens dos rios caudalosos. No entanto, se para a maioria das cartas de sesmarias régias concedidas para este momento o fracasso fez parte da experiência, no caso das terras doadas a Duarte Coelho não se pode falar a mesma coisa. O sucesso da ocupação fez valer as determinações endereçadas a um capitão donatário que incluíam a composição de uma estrutura administrativa (ouvidor, tabeliães), desenvolver o sistema jurídico (punição de crimes), aplicar a defesa do território, organizar as eleições, desenvolver a economia (navegação, impostos e monopólios) e, o mais importante, dar estatuto de vila a qualquer povoação da capitania, tendo cada uma por termo três léguas sertão adentro[15].</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Por isso, a grande particularidade destes primeiros tempos de conquista refere-se à configuração da capitania de Pernambuco de cunho privado, o que, de uma certa maneira, possibilitava uma relativa autonomia ao capitão-donatário guardando dentro de sua administração elementos de cunho público e privado. Diferente do que aconteceu em outras regiões brasílicas quando se instituiu a falência da experiência das capitanias hereditárias, levando a coroa portuguesa a uma redistribuição de sesmarias e um controle administrativo sobre estas novas regiões. O caráter privado fica latente ao perceber a listagem dos governadores pernambucanos até a invasão holandesa em 1630, se denotando a presença da família Duarte e Albuquerque instituindo um padrão de colonização e ocupação do território[16].</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Verticalizando a discussão, nesta primeira etapa (1534-1630), a região “alagoana” seria identificada em seu principio pela menção ao Rio de São Francisco, marco de um dos espaços ocupacionais do território. Todavia, a delimitação do ambiente vai ser resultado da política de controle das conquistas, da ampliação dos tentáculos físicos e do desenvolvimento da economia açucareira implementada por Duarte Coelho. Porém, não se exclui, antes disso, as experiências exploratórias sobre a região como ocorridas em Barra Grande (Maragogi), as expedições de Gonçalo Coelho (1512) e a contenção dos franceses por Gaspar de Lemos.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Assim, o primeiro passo para o desenho dos chãos “alagoanos” deu-se com a fundação de Penedo, em 1570. Dirceu Lindoso considerou esse território como uma savana sertaneja às margens do rio São Francisco[17]. Devido a uma grande presença indígena se desenvolveria ali uma colonização sertaneja, com poucas plantações, elevada criação bovina e uma forte presença religiosa. Logo, o espaço de Penedo demarcou a introdução do sertão e o aumento da exploração do extremo sul da Capitania de Pernambuco, ou seja, os limites mais intensos que percorreriam o rio São Francisco. Sua elevação a condição de vila somente se deu em 1636, sob o controle flamengo, dotando-a de mais liberdade na gestão administrativa.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Fruto de uma estratégia de defesa militar pernambucana, Cristóvão Linz receberia carta de sesmaria, em 1575, numa zona permeada por quatro rios [Manguaba, Camarajibe, Santo Antonio Grande e Tatuamunha] dando origem a ocupação de Porto Calvo. A concessão da terra tinha por intenção a criação de uma espécie de cordão de isolamento dos índios selvagens que permeavam a banda sul da capitania, conhecimento adquirido após o massacre dos Caetés na região de Coruripe, em 1556. Desta feita, o território da Nossa Senhora de Apresentação de Porto Calvo se desenhou com contornos muito semelhantes aqueles encontrados em Olinda, sede da capitania, a saber: grande concentração de escravos, produção e comercialização da economia açucareira e desenvolvimento de um grupo senhorial que disputava o poder local. Interessante é perceber que Porto Calvo eleva-se também a condição de vila no mesmo ano de Penedo.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Por fim, a composição territorial é encerrada com a formação do pólo lagunar entre Mundaú e Manguaba. Segundo Josemary Ferrrare existe uma controversa sobre a real ocupação daquelas localidades de acordo com a duplicidade de distribuição de sesmarias, já que Diogo Soares da Cunha e Diogo de Melo e Castro teriam recebido as mesmas faixas de terras em 1591[18]. No entanto, o primeiro que teria de fato ocupado o território em 1614 construiu um povoamento com sede em Santa Maria Madalena da Alagoa do Sul. Por sua posição centralizada, as lagoas do norte e do sul canalizavam a produção das outras duas localidades acima citadas, contribuindo, também para estabelecer as relações entre elas. Além disso, também havia se transformado em vila no ano de 1636.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Diante deste quadro, podemos dizer que entre 1534 e 1630, a expressão Alagoas remete-se exclusivamente a esta última vila central e lagunar, porém um território vasto que se estendia desde a atual Santa Luzia do Norte até Marechal Deodoro, ou se formos mais ousados, São Miguel dos Campos. A expressão para abrigar todo o território não era percebido. Muito pelo contrário! Mesmo com uma parca documentação para este momento, percebe-se o uso das três localidades Penedo, Porto Calvo e Santa Luzia como termos para definir localidades que faziam parte de uma mesma faixa de terra, a saber, Capitania de Pernambuco. Logo, isto implica em dizer que as regiões eram vistas como independentes e autônomas entre si, devendo obediência ao governador e/ou capitão-donatário da região pernambucana.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">O período subseqüente a este, 1630-1654, que coincide com o momento da ocupação batava da capitania de Pernambuco o quadro de nomeação do território permanece inalterado. No entanto, há de se ressaltar que, com base em Moreno Brandão, as três vilas foram ocupadas em momentos distintos, demonstrando a compreensão de autonomia entre elas; mas, por outro lado, grande parte daqueles territórios se tornavam um refúgio propício para os pernambucanos assolados pelos holandeses[19].</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">O fim do período holandês trouxe a necessidade de uma redefinição territorial e a abertura de novos espaços para negociação. Porém, a inexistência de um centro administrativo e o poder dos proprietários de terras que permaneceram em momento de luta contra os batavos deixariam marcas sublinhares da composição política-econômica local. Por outro lado, a preocupação em ocupar efetivamente Maceió e desenvolver sua proteção fora colocado como ponto de pauta no governo de Fernando de Souza Coutinho [1670-1674]. Outro problema latente do território remetia-se a grande presença de formação quilombola, transformando-se em questão prioritária na gestão da capitania. O crescimento da economia açucareira e a conseqüente entrada exacerbada de africanos contribui para desencadeamento de resistências nas Matas regionais. Por conta disso, talvez se explique a falta de percepção ou expressão do território no momento pos bellum.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Contudo, foi justamente nesta conjuntura que a documentação do Conselho Ultramarino nos descortina uma visão, no mínimo curiosa, para aquelas localidades. No primeiro documento da coleção especificamente sobre Alagoas referente a uma Informação prestada sobre os serviços de um capitão, em 1680, assim percebemos:</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">O capitão Miguel da Cunha Leite conta que tem servido a Vossa Alteza na Capitania das Alagoas de Juiz dos Órfãos, Escrivão da Câmara, Juiz Ordinário, Capitão de Infantaria da Ordenança desde o ano de 1670 até o de 1674 em que veio para o reino com licença, havendo-se acabado em o ano de 1688 na entrada que fez ao Palmar [...][20].</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">O relato é interessante porque demonstra um súdito português que atuava na manutenção e crescimento da conquista, e ao contrário de muitos documentos dessa natureza, não solicita absolutamente nada ao monarca, apenas informando suas atividades. Também pudera, Miguel Leite possui nada mais, nada menos do que quatro cargos que envolviam arrecadação de riquezas, defesa e atuação administrativa. O que nos interessa, neste caso, é a forma que o próprio Conselho Ultramarino usa para se referir ao local onde o capitão atuava: Capitania das Alagoas. Situação até nova e inédita em documentos. Sabemos, evidentemente, que seria uma exceção, uma demonstração isolada, porém não deixa de ser singular detectar que o olhar administrativo já via aquelas territórios distintos como fazendo parte de uma única região: a Alagoas. Mesmo que os próprios habitantes ainda não enxergassem dessa forma, já que os documentos subseqüentes a estes revelam o uso das expressões “vila de Porto Calvo” “Vila de São Francisco” ou “Vila das Alagoas”, esta última se referindo a Santa Maria Madalena. Mais sui generis ainda se torna quando pensamos que a criação da comarca somente se daria na centúria seguinte. Vejamos o impacto desta alteração.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Uma Comarca, uma delimitação, uma identificação...</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Em 26 de Maio de 1712, os membros da câmara da Vila de Santa Maria Magdalena Alagoa do Sul escrevia carta a D. Pedro II agradecendo o bom cuidar de seus vassalos. Nas linhas, apontavam:</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Não há muitos anos que esta Câmara da Vila das Alagoas representou a Vossa Majestade o quanto convinha ao Serviço Real, e a conservação dos seus moradores, que houvessem nela um Ministro de vara branca que ocupasse o cargo de Ouvidor Geral com jurisdição na Vila de Porto Calvo, e no Rio de São Francisco, e sem demora na resolução, foi Vossa Majestade logo servido responder a esta câmara que mandaria um Ministro de toda a suposição que administrasse justiça [...][21]</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">E complementavam:</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">[...] foi Vossa Majestade servido, pela sua real grandeza (sem mais atenção do que olhar pelo bem e aumento de seus vassalos) eleger ao Dr. Joseph da Cunha Soares para que viesse exercer nesta Vila o cargo de Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca com jurisdição na Vila do Porto Calvo, e do Rio de São Francisco [...][22]</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Esses trechos corporificam um dos momentos mais importantes para o entendimento do “mundo colonial alagoano”: a criação da comarca. Explicitamente nele percebemos os súditos da região central entendendo-se como fazendo parte de uma nova realidade, reflexo de anseios antigos daquelas conquistas. Segundo os moradores da “Vila das Alagoas” a opção por esta localidade abrigar a sede seria a mais sensata, já que Porto Calvo encontrava-se muito distante da Vila do Rio São Francisco, considerada uma das mais perigosas e tumultuosas entre elas. Além disso, em Santa Maria Magdalena já havia uma estrutura de cargos que ajudava na composição da comarca [almotaçaria e escrivão dos órfãos]. No entanto, há de ser ressaltado, que este não foi um consenso entre aquelas vilas, pois três anos antes, os moradores da Vila de Porto Calvo e Rio São Francisco também tinham escrito ao Conselho solicitando a criação dos cargos de Ouvidor-geral exclusivamente naquelas localidades[23]. Acreditamos que tal fato demonstra o quanto estas conquistas ainda se viam de forma isolada e com pouca conexão entre elas a não ser o vínculo com a Capitania de Pernambuco.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">De qualquer forma, a criação da comarca das Alagoas, oficialmente se procedeu em 6 de outubro de 1706 transformando “Vila da Alagoa do Sul” como sua cabeça e Vila de Porto Calvo e Vila de São Francisco [Penedo] como termos da comarca. Segundo Isabel Loureiro, apesar da criação da comarca ter ocorrido nesta data, os entreveros na Capitania de Pernambuco entre senhores de engenho e comerciantes [evento que ficou conhecido como Guerra dos Mascates, 1710-1711] acabou adiando a concretização efetiva do funcionamento do novo órgão administrativo[24]. Situação que pode ser constatada facilmente na documentação, pois a referência a mesma só começou a acontecer a partir de 1712, com as fontes acima citadas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Assim, a instituição de uma Comarca remete a uma delimitação judiciária nos espaços ultramarinos, já que o Ouvidor tem as funções tanto do cotidiano jurídico, passando pelo controle dos ânimos/tumultos até a administração do político[25]. Na prática ele funcionaria como uma espécie de governador de capitania quando as localidades não possuíam este ofício, para aquelas que já a tinha o mesmo ficaria restrito ao mundo legal. No que tange a comarca das Alagoas, o que se percebe é que ao mesmo tempo em que a nova administração institui um personagem [muitas vezes persona non gratta aos súditos locais] com poderes importantes sobre moradores, também institui um novo olhar sobre o território, uma nova nomenclatura, ou seja, uma nova forma de denominar a parte sul da Capitania de Pernambuco.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Voltemos então à documentação para compreender um pouco essa tessitura de designações...</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Na carta acima apontada, percebe-se o uso das vilas ainda como autônomas cada uma se remetendo a sua realidade, normalmente atrelada a expressão “Capitania de Pernambuco” no ato da redação das linhas. No entanto, um elemento já se percebe a partir do inicio do Setecentos, a adoção do termo “Vila das Alagoas” em substituição a Santa Maria Magadalena Alagoa do Sul. Essa mudança seria fulcral para designação posterior do que viria a ser este território, momento em que essa expressão passaria de fato a abranger todas as vilas daquelas bandas. E mais do que isso, sendo naturalmente usada tanto pelo corpus administrativo como por aqueles que viviam naquela localidade.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">No entanto, entre 1706 [ou se preferimos, 1712] até 1817 há uma intensa oscilação na maneira de denominar a região, dependendo daqueles que escrevem o documento, informando ou fazendo solicitações. Por exemplo, Simião de Araújo, queria uma provisão para o ofício de escrivão, escreveu a coroa portuguesa, em 21 de Agosto de 1732, em busca do atendimento de seus anseios, e assim se identifica:</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Diz Simião de Araújo morador na vila de Penedo, Comarca da vila de Alagoas, que a serventia do oficio de Escrivão da Ouvidoria da mesma Comarca se acha vaga e nele suplicante concorrem todos os requisitos necessários para bem poder servir o dito oficio[26].</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">A mesma situação acontece com Miguel de Amorim, que solicitava o pagamento pelo serviço prestado em uma Igreja em 26 de Outubro de 1736:</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Diz Miguel de Amorim morador no termo da Vila do Porto Calvo que pela suplica que a Câmara e vigário da dita Vila fez a Vossa Majestade foi servido fazer mercê a Matriz dela de um conto de réis para se fazer a Capela mor [...][27]</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Ou, para encerrar esse grupo, um requerimento de José Pereira de Castro, escrito já na virada do século, em 18 de janeiro de 1800:</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Diz José Pereira de Castro, que ele foi nomeado pelo Governador do Estado de Pernambuco, nomeado Mestre de Campo do Terço auxiliar da Villa das Alagoas como foi ver da Patente inclusa, e por que precisa que Vossa Alteza Real lhe confirme[28].</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Nos três casos percebe-se o uso da expressão vila identificando o lugar de origem, o que implica em dizer que estes indivíduos se identificavam pertencentes aquelas localidades, ou seja, antes de pertenceram a uma Comarca, se inseriam no espaço a partir da acepção mais local ou de procedência. A relação vila/comarca fica evidente no texto de Simião de Araújo, que insere uma na outra, primeiro se remete da onde vem [vila de Penedo] e depois aponta a onde está essa vila [Comarca das Alagoas]. Esta seria uma forma recorrente daqueles que viviam nas conquistas “alagoanas” se expressarem junto aos órgãos administrativos. O grande perigo desta situação é a percepção de quando o termo “Vila das Alagoas” se refere à região somente entre os rios Munduá/Manguabá e quando a mesma expressão remete-se a quase toda região que hoje compreendemos como Alagoas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Situação percebida, em uma certidão feita pelo escrivão Manuel de Santiago Nogueira, em 23 de Setembro de 1744:</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Manoel de Santiago Nogueira escrivão da Câmara nesta vila de Santa Maria Magdalena da Lagoa do Sul e seu Termo distrito da Capitania de Pernambuco por Sua Majestade que Deus Guarde Etc. Certifico que a folhas cento e trinta do livro que serve de Registro das ordens neste Senado fica Registrada há nova ordem de Sua Majestade de vinte de Março deste presente ano que trata sobre as sesmarias e posse o Referido na verdade do dito Livro a que me Reporto é que passei a presente por duas vias por mim assinadas a ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Governador e Capitão General de Pernambuco nesta Villa das Alagoas aos vinte e três de Setembro de 1744 anos[29].</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Aqui podemos detectar o uso das três expressões de uma mesma localidade “vila de Santa Maria Magdalena da Lagoa do Sul”, “Vila das Alagoas” e “Capitania de Pernambuco”. A primeira para informação do lugar de atuação do oficial, a segunda fazendo menção a quem pertencia àquela vila e a terceira já sinalizando a compreensão de um espaço que abrigaria todas as localidades [Alagoas, Porto Calvo e Penedo]. Neste caso, podemos sugerir uma hipótese de que a partir de 1712, o uso da expressão “Vila das Alagoas” começava a se referir ao território inteiro [comarca e seus termos], quando esse significado não procedia, ela viria associada diretamente com o uso dos termos das outras vilas e para se remeter a Vila das Alagoas ou se retornava a expressão de Santa Maria Magdalena como também se inseria a palavra “sul” para diferenciar da terminologia de toda a comarca.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Tal costume fica translúcido quando olhamos a documentação dos próprios gestores coloniais naquelas conquistas. Em consulta do Conselho Ultramarino, de 4 de abril de 1724, assim se remete ao espaço:</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Vendo-se neste conselho a carta inclusa de 4 de Novembro do ano passado em que o ouvidor geral da Villa das Alagoas Manoel de Almeida Matoso dá conta a Vossa Majestade da causa que o obrigou a prender a Seu antecessor João Vilela do Amaral[...][30]</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Ou ainda pensando em um caso mais específico, o requerimento do próprio ouvidor Antonio Rabelo Leite, em 21 de fevereiro de 1733:</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Diz o Doutor Antonio Rabelo Leite, Ouvidor da Vila das Alagoas, por seu procurador, que Vossa Majestade foi servido despachar para Ouvidor da dita Vila ao Bacharel João Rodriguez da Silva Ayala e para efeito de Se tirar Residência ao Suplicante Necessita que Se lhe passe ordem [...][31]</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Enfim, nos dois documentos, oriundos da estrutura administrativa oficial, o uso da expressão “Vila das Alagoas” já possuía o significado de todo o território que compreendia as três vilas, demarcando a inserção jurídica e política que o espaço adquiriu a partir de 1706. Isso também pode ser percebido, em caso de documentos de outras regiões do “território alagoano”, que ainda não tinham ganho o estatuto de vila, ainda permanecendo como freguesia ou paróquia. Caso exemplar encontra-se no documento de um militar, em 6 de julho de 1740, quando assim se expressa: Diz o capitão mor reformado João Marinho Falcão morador na freguesia de São Miguel da Vila das Alagoas que ele serviu a Vossa Majestade com toda a satisfação no posto de Capitão mor da dita Freguesia [...][32]. Logo, neste caso, o uso do termo Vila das Alagoas remeter-se-ia exclusivamente a composição espacial que abrigava tanto as três vilas como outras freguesias que faziam parte daquela região. Sem dúvida, há uma complexificação do uso desta expressão que acabou transformando um termo que nomeava uma administração jurídico-político para uma expressão que dava contornos, delineamentos e, nome, a um determinado lugar.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Por sua natureza de dependência administrativa à capitania de Pernambuco, o termo “Vila das Alagoas” acabou por se consolidar e se popularizar na documentação como o recurso interessante de expressão de identidade, pelo menos geográfica, já que em relação aos súditos ainda não temos bagagem e dados suficientes para afirmar tal suposição. Entretanto, levando em consideração que a organização espacial da América portuguesa era formada por Capitanias, compostas por vilas e, por conseguinte, estas distribuídas em freguesias e paróquias, a convenção “Vila das Alagoas”, neste caso, expressa uma unidade territorial, mas não uma independência, nem muito menos a identidade de um povo, talvez, quem sabe, um incentivo para o mesmo!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Para complicar ainda mais toda esta historia de denominações, vamos dar uma olhada no documento 21 e que se desmembra no documento 22 da coleção do Arquivo Histórico Ultramarino sobre Alagoas. O mesmo se refere a uma consulta feita pelo próprio Conselho Ultramarino ao rei sobre a substituição do ouvidor João Vilela do Amaral por Manuel de Almeida Matoso, circunstância permeada de acusações, intrigas e disputa pelo poder. Formada por diversas cartas entre gestores, o documento descortina a complicada relação entre capitania/vila. Quando o governador de Pernambuco [Manoel de Souza Tavares] escreveu ao ouvidor das Alagoas, em 6 de abril de 1720, assim se expressou:</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Senhor Doutor Ouvidor geral da Villa das Alagoas que esta vossa mercê fazendo nessa Capitania das Alagoas do Porto Calvo, e Rio de Sam Francisco, nomeações e provimentos de ofícios, não devendo vossa mercê por nenhum título intrometer se em semelhante procedimento porquanto El Rei meu Senhor, só ao Governador de Pernambuco concede jurisdição para prover geralmente todos os ofícios de justiça e fazendo destas capitanias e não a nenhum Ministro que venha servir nelas[33].</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Em outra carta, do próprio João Vilela do Amaral, neste conjunto, no mesmo dia, aponta:</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O Senhor Governador de Pernambuco Manoel de Souza Tavares, nos deu conta em carta do mês de julho deste ano da qual vossa mercê esta provendo todos os ofícios de justiça das Vilas dessa Capitania das Alagoas, não lhe tocando, escrevendo outros danos, vendo o resoluto que cobra os novos direitos que é estilo pagar nessa dos ditos provimentos a fazenda Real e que querendo evitar este procedimentos[...][34]</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">E, por fim, os membros da câmara de Porto Calvo, suplicavam:</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">[...] todos juntos clamam, e pedem humildemente aos pés de Vossa Majestade que como Rei Católico, e Príncipe piedoso lhes comuniquem o remédio de que necessitam suas aflições e que nesta vila se tire a residência deste Ministro donde os molestados deporão suas queixas por quanto os moradores e capitania das Alagoas, cabeça da comarca que dista desta vinte e cinco léguas não tem cabal notícia de que se queixam os moradores deste lugar[...][35]</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Nas três circunstâncias, o termo Capitania das Alagoas foi usado para nomear o espaço alagoano de uma forma ampla! No primeiro caso, a impressão que se dá é que o governador de Pernambuco transformava as três localidades em uma capitania só; no segundo pedido o ouvidor associa vila e capitania como termos distintos, separados, como se a Vila das Alagoas estivesse presente na Capitania das Alagoas, ou seja, a primeira referia-se a Santa Maria Magdalena; e por fim, a câmara de Porto Calvo denomina a Vila das Alagoas como Capitania das Alagoas, já que associa a expressão cabeça da comarca. Sem dúvida é um cenário rico e instigante para interpretação, dentre as várias possibilidades de análise, sugerimos, quem sabe, a consolidação para os grupos ligados ao poder (pelo menos), bem como aqueles entrelaçados na malha administrativa régia no ultramar, a plena consciência de estar se tratando de uma região com características próprias, contornos específicos e um cotidiano político, econômico e social, nem tão diferente, mas um pouco distinto da Capitania de Pernambuco.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Ainda nesses casos não percebemos o uso da expressão capitania atrelada ao estatuto de independência, porém nos leva a uma tentadora concepção destes contornos físicos se desenhando. Assim, afirmamos mais uma vez que mesmo que a autonomia não seja o resultado da criação da comarca, a instituição deste órgão muito mais do que instituir um regime jurídico-administrativo na região também fora a grande responsável por mapear fisicamente suas três vilas, constituindo-a de um desenho bem diferente da Capitania de Pernambuco, por mais que ainda permanecesse atrelada a ela.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A independência conquistada em 1817, concordando com Lindoso, foi uma resposta imediata a uma consolidação física territorial ilustrada em 1706/1712, como também fruto de uma elite local que buscava um aparelho estatal livre da intervenção pernambucana, ampliando as possibilidades de aquisição de cargos e benefícios. Mas, não foi só isso! Acreditamos que 1817, também sinalizou uma posição, uma tomada de lado e adoção de um projeto. Este que pregava o afastamento de Pernambuco [que visava à emancipação frente ao reino] e a aproximação e manutenção da fidelidade ao monarca lusitano “tropicalizado” no Rio de Janeiro. Em resposta, a comarca das Alagoas passava a ganhar o estatuto de Província, autônoma e submissa diretamente a corte carioca/metrópole interiorizada[36]. Desta forma, todos os 61 documentos da coleção referente a Alagoas do período posterior a insurreição pernambucana lançam as expressões Província das Alagoas, Junta Provincial das Alagoas ou Ouvidor Geral das Alagoas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Interessante assinalar que por mais que a partir deste momento o uso da expressão Alagoas (atrelada ou não a Província) possa ser usada de maneira confortável, não acreditamos que anteriormente a isso também não poderia ser feito. O cuidado que se deveria tomar era o da associação do termo Alagoas ao de independência, ai sim extremamente anacrônico! Por mais que usemos Vila das Alagoas entre 1706/1712-1817 temos sempre que sinalizar a submissão desta região à Capitania de Pernambuco. Pois, acreditamos que ainda nesse período seus moradores, e consequentemente, os súditos da coroa portuguesa ainda se viam como pertencentes à Vila de Porto Calvo, Vila de Penedo [ou São Francisco] ou Vila de Santa Maria Magdalena Alagoa do Sul. O problema de toda essa história é a identificação dos súditos como pertencentes a esta região, ou seja, a diminuição do uso dos termos de vila para a utilização de Província. O que implicaria dizer que seus habitantes antes de se denominarem “Porto Calvenses” se entenderiam como “alagoanos”.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Não sabemos se isso se funda no ato de 1817, muito pouco provável, até pelo jogo político e clientelístico que envolve tal feito. De qualquer forma, essa seria a grande função do aparelho estatal forjado neste momento: a construção de uma identidade alagoana, ou mais do que isso, a consolidação do desenho político-administrativo e geográfico feito em 1706 para o reconhecimento daqueles que habitavam naquelas bandas de suas características culturais e sociais semelhantes. Não queremos aqui defender, assim, a fundação da cultura de um povo, até porque cultura não se funda, ela é inerente ao ser humano, a uma sociedade e a um tempo. Acreditamos na fundação e/ou invenção de um Estado, o Estado Alagoano! Estado este que buscaria características similares desse povo, elementos já existentes, frutos do processo colonial e da formação territorial para a definição do que seria aidentidade alagoana.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">* * *</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Enfim, o que se tentou fazer nestas linhas foi um esforço de buscar um nome para um lugar em um determinado período histórico. Nesta procura sugerimos o afastamento do uso desse nome como um conceito, seguindo a linha interpretativa de Reinhart Kosselleck. Desta forma, se apropriando do termo expressão para nomear aquelas bandas imiscuídas na sesmaria de Duarte Coelho em 1534. Por isso, defendemos a legalidade do termo “Alagoas Colonial” como uma expressão genérica que abarcaria um período entre 1500-1822 de uma região conquistada pela coroa portuguesa e submetida até 1817 ao domínio administrativo pernambucano, quando consegue sua autonomia. Esta convenção – sempre entre aspas, por favor – funda-se no próprio risco atribuído ao uso da expressão Brasil Colonial, talvez também um equívoco se for tomada “ao pé da letra”!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">No entanto, é preciso delimitar as características dessa expressão, percebendo até que ponto ela nos remete a idéia de uma identidade alagoana. Por conta disso, acreditamos que entre 1500-1630, a localidade era denominada por suas regiões de sesmaria e conquista [Porto Calvo, Penedo, Alagoa do Sul], ainda extremamente dispersas e sem uma conexão, significando Alagoas estes três territórios. Durante e depois da invasão batava, 1630-1706/1712, o quadro permanece inalterado, mas, sem dúvida, a experiência flamenga e a consolidação da colonização auxiliaram no fortalecimento das vilas e das freguesias. Em um terceiro momento, 1706/1712-1817, mais precisamente com a criação da comarca, uma identidade física começava a se moldar, percebendo-se o uso das expressões que denominavam a vila de forma isolada, tanto quanto a idéia de Vila e Capitania de Alagoas como um espaço único, porém, ainda submetido a Pernambuco. No último momento, 1817-1822, não só o termo Província das Alagoas remontaria a toda região, como representaria uma autonomia à Pernambuco e a costura identidária daquelas não tão mais dispersas regiões[37].</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">Fontes e Bibliografia:</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">ALBUQUERQUE, Isabel Loureiro de. História de Alagoas. Maceió: Sergassa, 2000. </div><div style="text-align: justify;">Arquivo Histórico Ultramarino, Alagoas Avulsos, Documentos 1, 8, 10, 21, 27, 76, 81, 93, 103, 113, 282 e 471. </div><div style="text-align: justify;">BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: EDUFMG, 2007. </div><div style="text-align: justify;">BICALHO, Maria Fernanda Baptista. “As Câmaras Ultramarinas e o Governo do Império” In: FRAGOSO, João; GOUVEIA, Maria de Fátima & BICALHO, Maria Fernanda Baptista (Orgs.) O Antigo Regime nos Trópicos – A Dinâmica Imperial Portuguesa (Séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 189-222. </div><div style="text-align: justify;">BOXER, Charles R. O Império Marítimo Português. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. </div><div style="text-align: justify;">BRANDÃO, Moreno. História de Alagoas. Arapiraca: Edual, 2004. </div><div style="text-align: justify;">CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 2 volumes, 1994. </div><div style="text-align: justify;">DIAS, Maria Odila Silva. "A Interiorização da Metrópole" In: Carlos Guilherme Motta (Org.) 1822: Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972, pp. 160-186. </div><div style="text-align: justify;">FERRARE, Josemary. Marechal Deodoro: Um itinerário de Referências Culturais. Maceió: Catavento, 2002. </div><div style="text-align: justify;">GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas & Sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. </div><div style="text-align: justify;">GREENE, Jack P. Negotied Authorithies - Essays in Colonial Political and Constitucional History. Charlottesville/Londres: The University Press of Virginia, 1994. </div><div style="text-align: justify;">HESPANHA, Antonio Manuel. As Vesperas do Leviatã – Instituições e Poder Político, Portugal Século XVIII. Coimba: Livaria Almedina, 1994. </div><div style="text-align: justify;">HOLLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. </div><div style="text-align: justify;">http://pt.wikipedia.org/wiki/Capitania_de_Pernambuco, data 02/04/2010, 11:55. </div><div style="text-align: justify;">JUNIOR, Caio Prado. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Publifolha, 2000. </div><div style="text-align: justify;">KOSELLECK, Reinhart. "Uma História de Conceitos: Problemas Teóricos e Práticos" In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, Volume 5, Número 10, 1992, p. 134-146. </div><div style="text-align: justify;">LINDOSO, Dirceu. A Interpretação da Província: Estudo da Cultura Alagoana. Maceió: Edufal, 2005. </div><div style="text-align: justify;">LINDOSO, Dirceu. Formação da Alagoas Boreal. Maceió: Catavento, 2000. </div><div style="text-align: justify;">MELLO, Evaldo Cabral. Rubro Veio – O Imaginário da Restauração Pernambucana. Rio de Janeiro: Toopbooks, 2002. </div><div style="text-align: justify;">NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial. São Paulo: Hucitec, 1995. </div><div style="text-align: justify;">RUSSELL-WOOD, A. J. R. O Mundo em Movimento: os Portugueses na Ásia, África e América. Lisboa: Difel, 1998. </div><div style="text-align: justify;">SALGADO, Graça (Coord.). Fiscais e Meirinhos – A Administração no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. </div><div style="text-align: justify;">VERÇOSA, Élcio Gusmão. Existe uma Cultura Alagoana? Maceió: Catavento, 2002. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">* Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco e professor adjunto do Curso de História da Universidade Federal de Alagoas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[1] VERÇOSA, Élcio Gusmão. Existe uma Cultura Alagoana? Maceió: Catavento, 2002.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[2] Para isso ver CERTEAU, Michael de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 2 Volumes, 1994; ou BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: EDUFMG, 2007.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[3] LINDOSO, Dirceu. A Interpretação da Província: Estudo da Cultura Alagoana. Maceió: Edufal, 2005.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[4] Arquivo Histórico Ultramarino, Alagoas Avulsos, Documento 471, grifo nosso.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[5] Idem, Ibidem.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[6] GREENE, Jack P. Negotied Authorithies – Essays in Colonial Political and Constitucional History. Charlottesville/Londres: The University Press of Virginia, 1994.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[7] Ver MELLO, Evaldo Cabral. Rubro Veio – O Imaginário da Restauração Pernambucana. Rio de Janeiro: Toopbooks, 2002.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[8] Cf. GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas & Sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[9] KOSELLECK, Reinhart. “Uma História de Conceitos: Problemas Teóricos e Práticos” In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, Volume 5, Número 10, 1992, p. 134-146.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[10] Idem, pp. 166-137.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[11] Sobre esta questão ver: BICALHO, Maria Fernanda Baptista. “As Câmaras Ultramarinas e o Governo do Império” In: FRAGOSO, João; GOUVEIA, Maria de Fátima & BICALHO, Maria Fernanda Baptista (Orgs.) O Antigo Regime nos Trópicos – A Dinâmica Imperial Portuguesa (Séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 189-222.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[12] Só para citar três exemplos: JUNIOR, Caio Prado. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Publifolha, 2000; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002; NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial. São Paulo: Hucitec, 1995.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[13] Cf. BOXER, Charles R. O Império Marítimo Português. São Paulo: Companhia das Letras, 2002; RUSSELL-WOOD, A. J. R. O Mundo em Movimento: os Portugueses na Ásia, África e América. Lisboa: Difel, 1998; HESPANHA, Antonio Manuel. As Vesperas do Leviatã – Instituições e Poder Político, Portugal Século XVIII. Coimba: Livaria Almedina, 1994.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[14] http://pt.wikipedia.org/wiki/Capitania_de_Pernambuco, data 02/04/2010, 11:55.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[15] SALGADO, Graça (Coord.). Fiscais e Meirinhos – A Administração no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 128.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[16] A título de informação segue a lista: 1534-1561, Duarte Coelho; 1561-1577, Duarte Coelho de Albuquerque; 1578-1602; Jorge de Albuquerque Coelho; 1603-1630, Duarte de Albuquerque Coelho. Todos eles entremeados por regentes e lugar-tenente.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[17] LINDOSO, Dirceu. Formação da Alagoas Boreal. Maceió: Catavento, 2000, p. 38.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[18] FERRARE, Josemary. Marechal Deodoro: Um itinerário de Referências Culturais. Maceió: Catavento, 2002, p. 15.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[19] BRANDÃO, Moreno. História de Alagoas. Arapiraca: Edual, 2004, pp. 42-57.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[20] Arquivo Histórico Ultramarino, Alagoas Avulsos, Documento 1, fl. 1. O texto foi transcrito conforme a escrita atual e os grifos são nossos.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[21] Arquivo Histórico Ultramarino, Alagoas Avulsos, Documento 10, fl. 1, grifo nosso.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[22] Idem, Ibidem.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[23] Arquivo Histórico Ultramarino, Alagoas Avulsos, Documento 8.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[24] ALBUQUERQUE, Isabel Loureiro de. História de Alagoas. Maceió: Sergassa, 2000, p. 70.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[25] SALGADO, Op. Cit.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[26] Arquivo Histórico Ultramarino, Alagoas Avulsos, Documento 76, fl. 1, grifo nosso.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[27] Arquivo Histórico Ultramarino. Alagoas Avulsos, Documento 93, fl. 1, grifo nosso.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[28] Arquivo Histórico Ultramarino, Alagoas Avulsos, Documento 282, fl. 1, grifo nosso.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[29] Arquivo Histórico Ultramarino, Alagoas Avulsos, Documento 113, fl. 1, grifo nosso.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[30] Arquivo Histórico Ultramarino, Alagoas Avulsos, Documento 27, fl. 1, grifo nosso.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[31] Arquivo Histórico Ultramarino, Alagoas Avulsos, Documento 81, fl. 1, grifo nosso.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[32] Arquivo Histórico Ultramarino, Alagoas Avulsos, Documento 103, fl. 1, grifo nosso.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[33] Arquivo Histórico Ultramarino, Alagoas Avulsos, Documento 21, fl. 48, grifo nosso</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[34] Idem, fl. 49, grifo nosso.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[35] Idem, Ibidem, fl. 24, grifo nosso.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[36] Aqui apropriando-se da expressão forjada por DIAS, Maria Odila Silva. “A Interiorização da Metrópole” In: Carlos Guilherme Motta (Org.) 1822: Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972, pp. 160-186.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[37] Queria fazer um agradecimento especial ao Arthur Curvelo, Dimas Marques, Alex Rolim, Mariana Marques, Jacqueline Castro, Claudio Cerqueira e Lanuza Pedrosa, bolsistas e colaboradores do Grupo de Estudos Alagoas Colonial (GEAC) que tem me auxiliado na transcrição desta “nova” documentação, bem como no debate destas “outras” idéias teóricas sobre a região em questão, sem os quais seria impossível redigir e pensar estas páginas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">ALBUQUERQUE, Isabel Loureiro de. História de Alagoas. Maceió: Sergassa, 2000. </div><div style="text-align: justify;">Arquivo Histórico Ultramarino, Alagoas Avulsos, Documentos 1, 8, 10, 21, 27, 76, 81, 93, 103, 113, 282 e 471. </div><div style="text-align: justify;">BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: EDUFMG, 2007. </div><div style="text-align: justify;">BICALHO, Maria Fernanda Baptista. “As Câmaras Ultramarinas e o Governo do Império” In: FRAGOSO, João; GOUVEIA, Maria de Fátima & BICALHO, Maria Fernanda Baptista (Orgs.) O Antigo Regime nos Trópicos – A Dinâmica Imperial Portuguesa (Séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 189-222. </div><div style="text-align: justify;">BOXER, Charles R. O Império Marítimo Português. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. </div><div style="text-align: justify;">BRANDÃO, Moreno. História de Alagoas. Arapiraca: Edual, 2004. </div><div style="text-align: justify;">CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 2 volumes, 1994. </div><div style="text-align: justify;">DIAS, Maria Odila Silva. "A Interiorização da Metrópole" In: Carlos Guilherme Motta (Org.) 1822: Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972, pp. 160-186. </div><div style="text-align: justify;">FERRARE, Josemary. Marechal Deodoro: Um itinerário de Referências Culturais. Maceió: Catavento, 2002. </div><div style="text-align: justify;">GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas & Sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. </div><div style="text-align: justify;">GREENE, Jack P. Negotied Authorithies - Essays in Colonial Political and Constitucional History. Charlottesville/Londres: The University Press of Virginia, 1994. </div><div style="text-align: justify;">HESPANHA, Antonio Manuel. As Vesperas do Leviatã – Instituições e Poder Político, Portugal Século XVIII. Coimba: Livaria Almedina, 1994. </div><div style="text-align: justify;">HOLLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. </div><div style="text-align: justify;">http://pt.wikipedia.org/wiki/Capitania_de_Pernambuco, data 02/04/2010, 11:55. </div><div style="text-align: justify;">JUNIOR, Caio Prado. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Publifolha, 2000. </div><div style="text-align: justify;">KOSELLECK, Reinhart. "Uma História de Conceitos: Problemas Teóricos e Práticos" In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, Volume 5, Número 10, 1992, p. 134-146. </div><div style="text-align: justify;">LINDOSO, Dirceu. A Interpretação da Província: Estudo da Cultura Alagoana. Maceió: Edufal, 2005. </div><div style="text-align: justify;">LINDOSO, Dirceu. Formação da Alagoas Boreal. Maceió: Catavento, 2000. </div><div style="text-align: justify;">MELLO, Evaldo Cabral. Rubro Veio – O Imaginário da Restauração Pernambucana. Rio de Janeiro: Toopbooks, 2002. </div><div style="text-align: justify;">NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial. São Paulo: Hucitec, 1995. </div><div style="text-align: justify;">RUSSELL-WOOD, A. J. R. O Mundo em Movimento: os Portugueses na Ásia, África e América. Lisboa: Difel, 1998. </div><div style="text-align: justify;">SALGADO, Graça (Coord.). Fiscais e Meirinhos – A Administração no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. </div><div style="text-align: justify;">VERÇOSA, Élcio Gusmão. Existe uma Cultura Alagoana? Maceió: Catavento, 2002. </div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div>Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-72888530064128723662010-04-27T10:33:00.000-03:002010-04-27T10:33:56.828-03:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/_2TdFHAVMlvs/S9bnaUIaRJI/AAAAAAAAKIg/4mE9yp-HQOQ/s1600/ferrugem4.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/_2TdFHAVMlvs/S9bnaUIaRJI/AAAAAAAAKIg/4mE9yp-HQOQ/s320/ferrugem4.jpg" tt="true" /></a></div><br />
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<div style="text-align: justify;">CARNAVAL OPERÁRIO</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Ivo dos Santos Farias</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">RESUMO</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O carnaval aparece como uma manifestação extraordinária de uma coletividade que se faz presente em diversos povos, em várias regiões do mundo, criando uma espécie de “a segunda vida do povo” (BAKHTIN, 1987) ou numa dialética do trabalho e da casa, do cotidiano e do extraordinário (DAMATTA, 1997). Entretanto, o carnaval operário aqui estudado surge concomitantemente como meio de resistência, dominação, continuidade e/ou ruptura para com a vivência na vila operária de Fernão Velho, numa análise comparativa e simbólica entre dois diferentes blocos (o Ferruge e o Boi), existentes em dois diferentes momentos (o de vila operária e o de cidade dormitório, respectivamente).</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Palavras-chave: Carnaval. Vila operária de Fernão Velho. Cidade dormitório.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">1 INTRODUÇÃO</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O carnaval é considerado uma das mais representativa e antiga manifestação coletiva da humanidade, na medida em que consegue passar por uma grande e variada quantidade de povos em todo o mundo, no entanto, o que marca sua existência é a necessidade de “uma alternância entre o tempo profano, caracterizado pelas rotinas do trabalho e pela vigência da ordem, e o tempo sagrado, marcado pelo desenfreamento coletivo e pelo excesso” (ALMEIDA, 2003, p. 13); ou seja, o carnaval caracteriza-se como “a segunda vida do povo” (BAKHTIN, 1987), por ser uma forma de burlar a seriedade e a oficialidade da vida cotidiana; ou até mesmo uma “inversão do cotidiano” (BURKE, 1993)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Entretanto, iremos fazer aqui uma análise comparativa entre dois blocos (o Ferruge e o Boi) situados na vila operária de Fernão Velho , e em momentos históricos diferentes (vila operária e cidade dormitório), a fim de tentar compreender a representatividade existente dentro destes dois carnavais, buscando perceber nestas festas os nexos com o cotidiano, com as relações sociais e relações de trabalho, construídas e incorporadas em cada um desses diferentes contextos históricos.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Todavia, para que entremos no “ritmo” deste carnaval operário (embalado pelo frevo) é necessário que tenhamos em mente a situação política, econômica e territorial no qual ele está inserido, com o propósito de conseguirmos visualizar suas características, bem como sua constante analogia simbólica, enquanto um dos responsáveis pela criação de um “habitus” do “agente em ação” (BOURDIEU, 2007), peculiar a esta forma de administração da força de trabalho, ou seja, o “sistema fábrica com vila operária” (LEITE, 1988), que se fez presente entre meados e fim do século XIX até as décadas de 1970 e 80 no Brasil.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Nas duas próximas sessões, passaremos a adentrar no “mundo do carnaval” (BURKE, 1989) operário, de forma a buscarmos as relações simbólicas existentes nestes diferentes carnavais, correspondentes a situações de continuidades ou rupturas para com os modos de produção, servindo como caso limite dentro das relações sociais existentes na comunidade, pois a interpretação destas representações consiste num ato extremamente complicado, na medida em que condiz com a ousadia de interiorizar e compreender os nexos de uma metáfora que se realiza num “tipo coletivo” (DURKHEIM, 2008) peculiar, onde tal interpretação corre o risco de não estar em conexão com a realidade social correspondente.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Portanto, a abordagem que veremos a seguir está ligada a uma dialética do trabalho e da casa, do cotidiano e do extraordinário (DAMATTA, 1997), na medida em que se constrói como alternativa artística às relações de trabalho, ao mesmo tempo em que confirma as relações de poder, interessantes a grupos que bancam e patrocinam a festa (no primeiro momento a Fábrica, no segundo candidatos à política). Por isso que a tentativa de mergulhar na interpretação desta, como de qualquer outra, corresponde a um imaginário coletivo e de diversas maneiras de compreender.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">2 O “FERRUGE” E O CARNAVAL CONSTITUÍDO SOB A POLÍTICA DE CONTROLE DE FORÇA DE TRABALHO</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O bloco Ferruge foi criado em 1951, no auge de uma política de controle de força de trabalho denominada “sistema fábrica com vila operária” (LEITE, 1988) e, portanto, sua existência está metaforicamente ligada a uma possível dubiedade de interpretações, pois pode representar tanto uma rejeição à vida cotidiana, imposta pelas relações de trabalho e pelo controle patronal; como pode ser um dos mecanismos de controle utilizado pela fábrica como meio de confirmação das relações de poder, pois ao fim das festas ou dos rituais, todos voltam para casa e para a rotina do cotidiano, de volta à “realidade da vida” (DAMATTA, 1997, p. 39).</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Entretanto, este bloco está inserido dentro da vila operária da primeira indústria têxtil do estado de Alagoas (União Mercantil Têxtil, atual fábrica Carmen), fundada em 1857, no atual bairro de Fernão Velho, “ainda no Brasil imperial e escravista” (ALMEIDA, 2006, p. 17), sendo que este tipo industrialização só terá o amadurecimento de seus ethos capitalista e das relações mercantis em Alagoas entre os anos 1930 e 1950, “passando a apresentar uma configuração que a colocava como pólo decisivo de uma alternativa econômica mais progressista” (LESSA, 2008), em contraposição a um tradicionalismo econômico colonial, onde predominava a cana-de-açúcar.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Entretanto, a condição de vila operária correspondia ao seu total domínio sob a fábrica, pois tal sistema está inserido numa política de controle da força de trabalho existente após a Revolução Industrial na Europa e tem, portanto, “o intuito de disciplinar tanto a sua vida profissional como o seu cotidiano para que pudesse render o máximo possível e evitar incidentes na vila-operária” (FARIAS, 2008). A materialização de tal fato é vista no oferecimento de casas, água, luz, espaços de lazer, festas, entre outras formas de promover “a vida extra-fabril da localidade” (LEITE, 1988, p. 17), sendo todas estas “benfeitorias” descontadas nos salários de seus trabalhadores. Tal aspecto dá condição para entendermos como é viva e contraditória a herança patriarcal e escravista dos antigos senhores de engenho no modo de produção capitalista brasileiro, porque apesar de estar inserido num sistema industrial e capitalista, onde todo pagamento é convertido em dinheiro, “desprovido de qualquer sentimento” (MARX; ENGELS, 1998, p. 12), aqui ainda prevalece a idéia de troca de “favores” como ideologia das relações de trabalho.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Também, podemos considerar que esta vila operária está historicamente sobreposta ao “estágio sólido da era moderna”, (BAUMAN, 2001, p. 20), porque parte de um período de necessidade de rigidez para com a criação de proletarização de uma classe não especializada, onde há uma carência de engajamento ativo do patrão com sua classe trabalhadora, pois ao mesmo tempo em que oferece estas “benfeitorias”, participa (vigia) pessoalmente também em muitas das festas (dos “rituais”), dos dias de lazer e das solenidades formais atuando como um pai extremamente zeloso para com seus filhos (a comunidade), os quais lhe garantiriam o lucro no dia seguinte, da mesma forma que sua presença em corpo reforça seu poder dentro deste modelo de relação social.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Neste contexto aparece o bloco que vai ter maior representatividade na vida carnavalesca e cotidiana desta comunidade, pois apesar de ter findado em 1995, consegue permanecer vivo e saudoso na memória dos que presenciaram e vivenciaram sua existência. Este bloco chama-se Ferruge.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Seu próprio nome pode indicar inicialmente uma tentativa de contrariedade com as máquinas, na medida em que a palavra ferrugem traz a visualização de uma corrosão dos ferros, o que pode representar metaforicamente uma aversão ao instrumento (não à pessoa) que lhe dá uma vida estafante e brutal. Assim, o que caracteriza o Ferruge – que saía às ruas nas segundas e nas terças feira de carnaval – é o fato de que as pessoas se sujavam de melaço, óleo queimado, lama, ovos e tinta; e, não só se sujavam, como sujavam toda a vila operária, desde as casas, os prédios, carros, ônibus ou qualquer pessoa transeunte ou que estivesse nas portas a olhar o bloco passar. Além disso, havia regras para quem participasse do bloco: homem não podia usar camisa, nem cueca, pois seriam rasgadas pelos demais foliões.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O que representa de fato o episódio de sujar os bens da fábrica? Seria algum tipo de manifestação de desregramento? Será algum tipo de anomia jurídica, tal como diria Durkheim (2004)? Seria uma forma de os operários manifestarem sua insatisfação para com o controle de suas vidas e de seu trabalho? Ou então seria uma forma de a fábrica “dar brecha” para desafogar o cotidiano de sua classe operária a fim de melhor controlá-las? </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Estamos aqui numa grande e perigosa interpretação desta festa, pois nos posicionamos numa espécie de meio-termo das relações, na medida em que não a entendemos simples e unicamente como uma forma de controle, nem como uma forma de resistência organizada, ou seja, nenhuma das duas relações é autônoma, pois estão umbilicalmente entrelaçadas, porque o carnaval, com seu mundo de inversão, de não oficialidade e de comicidade, representa metaforicamente uma rejeição para com os traços concernentes à moral diária e às formas de poder em que cada sociedade está inserida; talvez ele represente um meio de se esquecer momentaneamente os acontecimentos cotidianos e o fechar-se num mundo peculiar, onde se apresenta como uma “peça imensa, em que as ruas e praças se convertiam em palcos, e a cidade se tornava um teatro sem paredes” (BURKE, 1989, p. 206). </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Contudo, o momento do carnaval não distingue os atores sociais. Apresenta-os tão somente como membros uniformes de uma massa que se envolve, se mistura e que brinca, tal como diria um ex-operário desta fábrica, no documentário Memória da vida e do trabalho (BRANDÃO, 1986): “os quatro dias de carnaval você não se lembrava de nada na vida, só de Deus, porque era lindo, todo mundo brincava”. Vemos que tal fala faz paralelo com DaMatta (1997, p. 54): “o tempo do carnaval é marcado pelo relacionamento entre Deus e os homens, tendo, por isso mesmo, um sentido universalista e transcendente”.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Por isso, uma de nossas preocupações principais é entender o Ferruge não só enquanto acontecimento, mas compreender o que acontecia após estes quatro dias de carnaval, após a “quarta feira ingrata”, pois não queremos nos fechar em seu cotidiano, mas compreendê-lo enquanto mecanismo de resistência ou de controle dentro das condições materiais, políticas e econômicas apresentadas acima. O que representava os dias posteriores à Quarta feira de cinzas? Será o início da espera da próxima festa?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Acreditamos que o carnaval seja mais que um momento hermético, porque está relacionado com o terreno ao qual está inserido. No nosso caso, o bloco Ferruge finda em 1995, o que coincide com o fato de a Fábrica Carmen de fiação e tecelagem vender praticamente toda a vila operária e entregar grande parte de suas casas, como forma de indenização a seus operários, decretando estado de falência. Em 1997, a fábrica retoma suas atividades, mas agora sem envolvimento com a comunidade, pois enquanto que em seu momento de apogeu econômico chegava a possuir cerca de 5.000 operários, na sua volta de atividades, mal tinha 400 operários, devido principalmente ao desenvolvimento das máquinas, que substituía diversas sessões por uma única sala. Assim, não mais interessava à fábrica o antigo modelo de administração de sua força de trabalho, transformando a antiga vila operária em cidade dormitório e alterando radicalmente as suas relações sociais.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Portanto, nosso bloco está situado num contexto único à sua existência, pois ele representa o momento peculiar de uma comunidade que teve em si uma “violência simbólica” (BONNEWITZ, 2003) correspondente à sua forma de trabalho e de vivência de indivíduos e grupos que vieram de várias regiões do interior de Alagoas e que usou artifícios diversos para driblar as condições brutais que tal sistema lhes impunha e o Ferruge aparece como um dos maiores símbolos de criatividade de manifestação coletiva, porque apesar de ter sido mantido em sua maior parte pelos bolsos da fábrica, este bloco foi construído, idealizado, vivido e aceito por um grupo com identidade firmada nas relações de trabalho e na vivência na vila operária, e conseguiu perpassar sua época, sendo, como já dissemos forte elemento de reflexão sobre uma “identidade perdida” e saudosa. Segundo o depoimento de outro ex-operário, cantor da antiga orquestra local, afirma que o Ferruge surgiu da seguinte maneira: </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O Ferruge, quem formou o Ferruge foi um lá da oficina, o Xixiu, o finado Xixiu é um dos fundadores do Ferruge. Então fizeram lá, eles conversando, ai vamos formar um bloco e tal, ai fizeram o bloco, né e botaram o nome de Ferruge. Quando saíram no primeiro ano eles saíram todo sujo, mas não sujava as casas não, sabe. Só eles mesmos quem se sujava de ferrugem da oficina, daquele pó e alguém que queria se sujar eles faziam assim e melava um pouquinho, mas depois virou bagunça (grifo nosso), saíram aqueles caras que tomavam conta do bloco, aí começaram rasgar roupa, jogar as coisas nas paredes, as paredes tudo limpinha e era a maior imundície (grifo nosso), mas que graças a Deus acabou, né. Eu queria que ficasse o bloco sem melar as paredes. Quando chegava perto de carnaval ninguém limpava as paredes, ninguém fazia nada, por causa do Ferruge, esse tal Ferruge, aí relaxou, Xixiu ainda ficou tomando conta uns tempos depois, depois se afastou acabou. (2008)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Assim, podemos entender neste breve relato da trajetória do tal Ferruge, como ele parece constituir-se inicialmente por uma certa ordem, uma sujar-se a si, mas não as casas e com o tempo virar bagunça. No entanto, é justamente na fase que vira bagunça que ele toma a sua maior dimensão representativa de sua inversão, de contrapor a uma ordem que se chocava com uma vida regrada pela rotina dos apitos impertinentes da fábrica, que ditava os horários de entrada, de saída, de acordar e de dormir de sua classe operária. Esta bagunça, esta imundície, portanto, são símbolos de uma alegria existente numa festa que se acaba, que perde seu sentido. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Contudo, os antigos atores não mais existem, as condições de inversão não são mais necessárias após o abandono do controle da fábrica e isso ocasiona um não entendimento do sentido de tal bloco que tem seu fim também devido a um tipo de violência diferente da anterior, que é a violência gerada por parte dos freqüentadores de outros locais, os quais não compreendem as “relações simbólicas” existentes naquele contexto. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Portanto, após o fim do Ferruge, o foco festivo da localidade de Fernão Velho tomará outra direção, a qual iremos analisar mais na próxima sessão.</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">3 O BOI NA CIDADE DORMITÓRIO</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Ao analisarmos o Ferruge, pudemos perceber como esse carnaval operário esteve entrelaçado às relações sociais, políticas e econômicas existentes no contexto histórico peculiar a sua existência; e agora, como possível resposta dual a continuidades e/ou rupturas para com as antigas relações, estudaremos outro bloco correspondente a nova situação (de cidade dormitório) em que se encontra a comunidade. Este bloco denomina-se Boi.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">No entanto, é-nos conveniente perguntar: quais representações estão contidas na figura deste Boi? O que representa ou pode representar um animal confeccionado como figura simbólica e metafórica de um bloco? Ele é um transbordamento ou um desligamento com a situação de dominação da antiga vila operária? Será simplesmente um mecanismo que os moradores desta comunidade criaram para reincorporarem, num dia do ano, o momento de identidade cultural e social que vivenciaram nos tempos da vila operária? Ou será uma forma de se desvincularem por completo de suas antigas relações?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A primeira discussão que aqui se deve proporcionar é a de que o carnaval desta comunidade não mais corresponde aos quatro dias que antecedem a quaresma (ou seja, o carnaval na data oficial do Brasil), mas nas festas de reis, ou seja, no dia 06 de janeiro ou no primeiro domingo do ano. Assim, a própria figura do boi , muito comum nos Reisados e Guerreiros alagoanos, aqui não mais corresponde ao fim das festas natalinas, mas a preparação do carnaval (carnaval que praticamente não mais existe na comunidade, pois no período do carnaval muitas pessoas se deslocam para outras localidades a fim de apreciarem os carnavais dos outros, justamente por não mais haver o entusiasmo para com as festas e rituais carnavalescos de seu lugar).</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Contudo, este aspecto carnavalesco existente nas festas de reis não é tão estranha, pois segundo Théo Brandão (apud Nina Rodrigues, 1932, p. 263):</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O rancho ou Reisado é um grupo de homens e mulheres, mais ou menos numeroso, representando pastores e pastoras que vão a Belém e que, de caminho, cantam, e pedem agasalho pelas casas de família. Os ternos não vão quase nunca à Lapinha, só cantam nas portas das casas conhecidas nas quais entram, comem e bebem e às vezes amanhecem dançando quadrilhas, polkas e valsas; todos eles cantam e dançam nas casas por dinheiro [...] num charivari impossível de descrever-se</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
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</div><div style="text-align: justify;">A partir da descrição anterior, podemos perceber como o aspecto carnavalesco está entrelaçado às festas de reis, da mesma forma em que aparece nos mais variados folguedos, pois a relação religião e carnaval acaba sempre se misturando, porque “os festejos do carnaval, com todos os atos e ritos cômicos que a eles se ligam, ocupavam um lugar muito importante na vida do homem medieval [...] quase todas as festas religiosas possuíam um aspecto cômico popular e público, consagrado também pela tradição” (BAKHTIN, 1987, p. 4). Daí, podemos compreender as possíveis origens desta característica das festas religiosas, que apesar de o carnaval já existir em momentos mais antigos da história, a característica da ideologia e moral cristão só aparece na Europa a partir da época medieval e desemboca inconscientemente no imaginário contemporâneo como uma possível forma de resistência intrínseca às mais variadas formas de sociedade.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Entretanto, outro aspecto que é importante destacarmos refere-se as características da figura do boi, a qual sempre foi elemento primordial e de destaque nas festas de Reisados, pois</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">nos pobres ele é arranjado com uma cabeça legítima de boi, pintada, ou uma cabeça de boi esculpida em madeira que o dançador de ‘entremeio’, um tanto curvado, segura; enquanto que um grande lençol de chita, cheio de florões, recobre-lhe as costas, a imitar o corpo do boi (BRANDÃO, 1997, p. 86).</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">E, o que nos chama atenção é a aproximação das características deste boi dos reisados descrito pelo folclorista alagoano Théo Brandão, com o Boi de Fernão Velho, pois é interessante salientar que ele se diferencia bastante dos bois de concurso de carnaval de Maceió, onde toda sua confecção está repleta de ornamentação e brilho, além da diferença rítmica e de apresentação: o de Fernão Velho é um bloco acompanhado por orquestra de frevo, onde os atores se misturam; enquanto que o boi existente nos concursos de Maceió é de caráter apreciativo, de platéia, embalado por instrumento de percussão, com cantor e coreografias, em parte ensaiadas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">No entanto, o que nos convém aqui analisar é o aspecto simbólico deste Boi operário e a tentativa de compreender quais representações estão incutidas nesta festa, que, apesar de já existir desde a década de 1960 na comunidade, só veio a ter relevância a partir da desistência do Ferruge, em 1995; e, portanto, dentro das condições históricas de cidade dormitório. Isto é, o Boi tanto pode representar uma tentativa de trazer de volta uma “identidade perdida” (enquanto transbordamento das antigas relações sociais), na medida em que muitos dos antigos moradores se reencontram dentro do Boi e reconstroem temporariamente e inconscientemente o período de convivência na vila operária; da mesma forma que pode simbolizar um mecanismo de ruptura, de reinvenção, de uma manifestação autônoma e, no entanto, como recorte com as antigas formas de dominação.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Porém, a correlação do fortalecimento do Boi com o fim do Ferruge é-nos claro na fala de uma das organizadoras do bloco, quando diz que “o Boi é uma tradição de Fernão Velho. O Boi representa muitas coisas. Coisa que nunca teve aqui. Tinha o Ferruge, acabaram, aí ficou o Boi”; da mesma forma em que vemos este bloco vagarosamente tomar maior dimensão com pouca ou quase nenhuma interferência da fábrica, pois, segundo afirma o fundador do bloco: </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">esse Boi ta com tanto ano no mundo, tem mais de quarenta anos. Comecemos ele, saía numa caixa de sapato, sabe, numa caixa de papelão. Depois eu cismei de inventar esse Boi, de fazer esse Boi, aí virou tradição. [...] Aí saímos com lata veia, tocando na lata veia, depois a gente inventemos uma rifa falsa [...] Aí peguemos os instrumentos da escola de samba e encaixemos um bucado de surdo tarol, o diabo a quatro. Aí depois quando o Veríssimo pagou uma parte da orquestra, depois passou para o Hermínio ficou pagando, pagando, pagando, ai ficou essa multidão, aí a turma foi juntando, juntando. Porque no início era quatro pessoa acompanhando, agora ta aquele mundão como você vê, né. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Assim, podemos analisar esta festa sob estes dois vieses possíveis neste contexto intrinsecamente contraditório e ambíguo, que está pintado numa época pós vila operária, vila essa que constitui em relações capitalistas, com pinceladas de escravismo; ao mesmo tempo em que suas resistências podem velar, em alguns aspectos, a dominação imbricada em suas relações e representações dialéticas entre o “cotidiano” e o “extraordinário”, pois </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">o rito estando na sua situação extraordinária, ele se constitui pela abertura deste mundo especial para a coletividade. Não há uma sociedade sem uma idéia de mundo extraordinário, onde habitam os deuses e onde, em geral, a vida transcorre num plano de plenitude, abastança e liberdade. Montar o ritual é, pois, abrir-se para esse mundo, dando-lhe uma realidade, criando um espaço para ele e abrindo as portas para a comunicação entre o ‘mundo real’ e um ‘mundo especial’ (DaMatta, 1997, p. 38, 39). </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Entendendo-se a festa como este momento extraordinário da comunidade, passamos a adentrar em sua dialética, em seu movimento dentro dessa dinâmica social que apesar de se inserir no período de “modernidade líquida”, que vivenciamos na atualidade, correspondente a um repúdio e a um destronamento do passado, desfazendo-se assim das tradições; e onde os “senhores ausentes” (isto é, a elite global contemporânea) não mais necessitam se engajar ativamente na vida das populações subordinadas (BAUMAN, 2001), nosso objeto acaba se contrapondo a este modelo, no momento mesmo em que a comunidade em estudo (como tantas outras) reanima seus laços através de uma tentativa de criar e preservar uma tradição simbólica numa “identidade perdida”.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Concomitantemente, o Boi não mais representa uma identidade operária, onde as ligações criadas pelas suas condições lhes ofereciam um ar de ambiente em família, mas sim uma certa distância para com os que participam, onde o sujar a si próprio e aos outros não é mais permitido, provavelmente a fim de evitar-se atritos entre os participantes, que se misturam entre moradores atuais, ex-moradores e pessoas “de fora”; e essa mistura não mais contem a unidade de relações de controle e de resistência social. Assim, o Boi é um mecanismo que abre espaço a reinventar possibilidades artísticas coletivas não mais presas às antigas relações, ao mesmo tempo em que sua dialética incorpora todo o processo e o espaço anteriores que permitiram sua criação.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Sendo assim, o Boi pode representar uma grande variedade de interpretações, na medida em que meche com o imaginário de seus participantes e dos espectadores que saem à porta para ver o bloco passar. O carnaval é por si mesmo um momento de excitação dos sentimentos, das memórias e, portanto, do saudosismo. Sua constituição está imbricada numa dialética, numa negação de si para afirmar-se enquanto produto de uma coletividade e o Boi é atualmente o símbolo maior desta dialética nesta comunidade.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">4 CONSIDERAÇÕES FINAIS</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Pudemos perceber que não há como dissociar a existência destes blocos num diálogo de trocas de interesse, pois em seu primeiro momento, o carnaval está relacionado às condições de dominação patronal, que controla não somente a vida fabril, mas a vida cotidiana da vila operária e de seus moradores; enquanto que no segundo momento, existe um forte diálogo com a necessidade dúbia de reviver e/ou libertar-se das antigas relações de trabalho e de vivência.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Entretanto, o “sentido” tanto do Ferruge e como do Boi, só podem ser entendidos no “sentido imaginado e subjetivo dos sujeitos da ação” (WEBER, 2001, p. 400), ou seja, a sua complexidade está no fato de ele representar a necessidade de as pessoas dar sentido e significação inconscientemente a estes rituais e não a outros, por exemplo. Este sentido é o que pode instrumentalizar nossa tentativa de interpretação deste elemento simbólico posto nas relações sociais correspondentes.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Todavia, o fato de no Ferruge as pessoas aceitarem pacificamente sujarem a si próprio e a seus colegas, rasgarem a roupa e sujarem as casas de seu vizinho, representa uma relação de intimidade e de companheirismo não mais possível na atualidade, onde o carnaval “limpo” cria uma atmosfera de “cada um em seu lugar”, apesar de estarem todos num lugar só. O Boi pode ser reflexo de uma época de intensificação dos individualismos, onde brinca-se somente para ter seu divertimento pessoal e não mais o divertimento do coletivo, onde a inversão parece ter um sentido não tão vivo em comparação às antiga relações. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Portanto, são diversas as possibilidades de adentramos no estudo destas representações momentâneas desta comunidade e este trabalho teve apenas o intuito de colaborar com uma análise comparativa aberta a críticas e comentários, a fim de aprofundar as possíveis decifrações de códigos criados por este povo, que manteve por uma forte identidade por um relativamente longo período e que tem à deriva suas possibilidades de incorporar ou permanecer com novos hábitos e auto estima social.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">REFERÊNCIAS</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: 2002 informação e documentação: referência: elaboração. Rio de Janeiro: ABNT, 2002. 24p.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520: 2002 informação e documentação: citações em documentos: apresentação. Rio de janeiro: ABNT, 2002.7p </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">ALMEIDA, Luiz Sávio de. Notas sobre poder, operários e comunistas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2006. 157p. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">ALMEIDA, Jaime de. Uma teoria da festa: o carnaval brasileiro. In: _____. ALMEIDA, Luiz Sávio de (Org.); CABRAL, Otávio; Araújo, Zezito. O negro e o construção do carnaval no Nordeste. Maceió: EDUFAL, 2003. P. 13-22.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">BAKHTIN, Mikhail. Introdução. In: ____. A cultura popular na idade média e no renascimento: contexto de François Rabelais. São Paulo; Brasília: Hucitec;EdUnb, 1993. p. 1-50.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">BAUMAN, Zygmunt. Prefácio. In: ____. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 7-22. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">BONNEVITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de P. Bourdieu. Petrópolis: Vozes, 2003. 149 p.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">BRANDÃO, Théo. O reisado alagoano. Maceió: EDUFAL, 2007. 230 p.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">BURKE, Peter. O mundo do carnaval. In: ____. Cultura popular na idade moderna. São Paulo: Cia das Letras, 1993. p. 202-228.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. 350 p.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2008. 155 p.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">______. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 2004. 483 p.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">FARIAS, Ivo dos Santos. Fernão Velho: memórias de uma cultura operária. 2008. 50f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em História). Universidade Federal de Alagoas. Maceió, 2008.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">LESSA, Golbery. Para uma história da indústria têxtil alagoana. No íris alagoense, Maceió, dez. 2008. Disponível em: http://novoirisalagoense.blogspot.com. Acessado em: 15 dez. 2009.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">LOPES, José Sérgio Leite. A tecelagem dos conflitos de classe na “cidade das chaminés”. São Paulo: Editora Marco Zero, 1988. 623 p.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">MARX, Karl; ENGELS, Friederich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Grijalbo, 1977. 138 p.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">MARX, Karl; ENGELS, Friederich. O manifesto do partido comunista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. 65 p. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">MEMÓRIA da vida e do trabalho. Direção e produção de Celso Brandão. Argumento e texto: José Sérgio Leite Lopes e Rosilene Alvim. Roteiro: Regina Coeli. Maceió: Estrela do Norte, 1986. 1 DVD (20 min). son., color.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">WEBER, Max. Conceitos sociológicos fundamentais. In: ____. Metodologia das ciências sociais (parte 2). 3. ed. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2001. p. 399-429.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-43413933516234896722010-01-31T14:20:00.001-02:002010-01-31T14:22:18.689-02:00Fotos Antigas Alagoaspicasaweb.google.com.br/golberylessaUnknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-58818846071064950482009-12-08T11:21:00.006-02:002009-12-29T18:09:54.705-02:00A CONTINUIDADE DA ABORDAGEM POSITIVISTA ACERCA DO FOLKLORE NA OBRA DE THEO BRANDÃO<a href="http://1.bp.blogspot.com/_2TdFHAVMlvs/Sx6b3yCFWVI/AAAAAAAAJ5M/hwAsmiEvXHE/s1600-h/Digitalizar0001.jpg"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5412935184771537234" src="http://1.bp.blogspot.com/_2TdFHAVMlvs/Sx6b3yCFWVI/AAAAAAAAJ5M/hwAsmiEvXHE/s320/Digitalizar0001.jpg" style="cursor: hand; display: block; height: 240px; margin: 0px auto 10px; text-align: center; width: 320px;" /></a> <br />
<div><a href="http://4.bp.blogspot.com/_2TdFHAVMlvs/Sx5cjsr5JVI/AAAAAAAAJ40/v_sZBUW5SAw/s1600-h/Digitalizar0001.jpg"></a><br />
</div><div align="center">Foto: Revolução de 1930 em Alagoas (acervo APA) <br />
</div><br />
<div><br />
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<div></div><br />
<div align="justify"><em>Por</em> Gabriel Magalhães Beltrão (sociólogo)<br />
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O seguinte trabalho a respeito do intelectual folclorista Theo Brandão segue a linha do projeto de iniciação científica que anseia trazer à tona os precursores das ciências sociais no Estado de Alagoas. A partir deste mote é que se torna de fundamental importância a análise do referido autor, pois este foi um dos que iniciaram a institucionalização das Ciências Sociais em Alagoas a partir do antigo curso de Estudos Sociais – predecessor direto do curso de ciências sociais da Universidade Federal de Alagoas - onde ministrava a disciplina de antropologia física. Apesar de possuir um caráter também historiográfico, não é este o foco central da nossa empreitada: buscamos primordialmente realizar uma análise sociológica da intelligentsia a partir das orientações dadas por Michel Löwy em A Evolução Política de Lukács: por uma sociologia dos intelectuais revolucionários; ou seja, buscaremos explicitar quais os vínculos do pensamento de Theo Brandão com a sua realidade sócio-histórica, tomando a sua abordagem a respeito do folclore como o fulcro para desvendar tais relacionamentos contidos no seu pensamento que aparece supostamente indepedente a uma leitura apressada.<br />
<br />
1 – O folclore numa abordagem positivista<br />
<br />
Os pensamentos científicos positivista e evolucionista de Augusto Comte e Spencer, respectivamente, apregoam a idéia de que a sociedade burguesa se configura enquanto o ápice da evolução humana, estágio evolutivo marcado pela razão em contraposição ao saber tradicional. Assim, a modernidade é identificada ao saber racional característico da ciência que teria suplantado as formas empíricas de conhecimento identificadas ao arcaico, ao tradicionalismo, ao pré-moderno. Instaura-se com esses autores uma abordagem dicotômica das sociedades ocidentais: apesar de terem atingindo o momento último da evolução estas sociedades ainda trazem consigo reminiscências arcaicas que estariam, inelutavelmente, em vias de desaparecimento. Haveria uma natureza distinta entre as formas de ser, de existir e de pensar associadas às camadas populares, a todo aquele conjunto formado por proletários e camponeses que estão desprovidos de uma cultura moderna<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title="">[1]</a>, racional, e que, ao contrário, se caracterizam pelas relações pessoais, pelo saber empírico, pela cultura oral, pela produção própria de utensílios como os brinquedos, etc. A burguesia, no entanto, era a representação clara da modernidade e do progresso à medida que suas relações são impessoais – intermediadas pelo dinheiro – , sua cultura é culta (erudita) marcada pela escrita e pela intencionalidade autoral.<br />
Surge dessa abordagem o espaço para o surgimento de uma nova ciência típica da modernidade: aquela que tem por objeto específico o saber popular. Havia nas sociedades civilizadas uma cultura arcaica que sobrevivia no interior da modernidade apesar de nada ter a ver com ela; justamente esse saber popular que se encontra a margem do civilizado é que seria o objeto sui generis responsável pela emersão da ciência da saber popular – o folclore. Sobre essa pretensão diz Florestan Fernandes em um dos seus muitos escritos sobre o folclore:<br />
<br />
Em síntese, o objeto do folclore seria – pode-se dizer assim, dentro desse esquema – o estudo dos elementos culturais praticamente ultrapassados: as “sobrevivências”. Ou seja, como o definiu Sébillot: “a ciência do saber popular”, partindo da significação do próprio vocábulo (folk = povo; lore = saber), tal como propusera o seu criador, William Thoms. Essa é a pista seguida por Saintyves na definição que apresentou mais tarde e que logo se tornou clássica, principalmente entre os folcloristas latinos: “o folclore é a ciência da cultura tradicional dos meios populares dos países civilizados”. <a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title="">[2]</a> (Pg. 41)<br />
<br />
<br />
Ao folclore enquanto ciência cabe a tarefa de descrever e sistematizar tudo que estiver relacionado à cultura popular o que gera uma distinção da atividade do folclorista em relação às demais ciências sociais. Por partir do pressuposto de que o folclore é uma mera reminiscência, o folclorista não busca realizar explicações causais a respeito do conteúdo dos fatos folclóricos, ou seja, não há qualquer pretensão de desvelar o relacionamento dos fatos folclóricos com a totalidade social na qual eles estão inseridos. Essa abordagem meramente descritiva faz bastante sentido à medida que o pressuposto teórico é proveniente do positivismo que encara o folclore como um anacronismo em vias de desaparecimento. Algo que é anacrônico é retrogrado e estranho ao moderno e, por sua vez, não possui grandes significados sócio-culturais já que não se relaciona com a modernidade em voga. Os antropólogos e sociólogos não comungam desta idéia e vêem o folclore inserido “numa ordem de fenômenos mais ampla – a cultura – e podem ser estudados como aspectos particulares da cultura de uma sociedade” (Idem pg. 48); qualquer que seja a fundamentação teórica do sociólogo ou do antropólogo o folclore sempre será encarado como um conjunto de manifestações culturais específicas, mas que está em conexão com a sociedade como um todo não havendo essa dicotomia típica dos folcloristas. Finalizando, diz F. Fernandes sobre a maneira distinta como a sociologia e a antropologia enxergam os fatos folclóricos:<br />
<br />
Os fatos folclóricos não passam de um aspecto da cultura totalmente considerada e são fatos que se referem a modalidades diferentes dessa cultura e, por conseguinte, só podem ser explicados a partir dessa mesma cultura. (Idem, pg. 49)<br />
<br />
1.1 – A continuidade de Theo Brandão<br />
<br />
Dito essas considerações a respeito da concepção positivista clássica do folclore, buscaremos agora demonstrar a vinculação de Théo Brandão com a mesma. Segundo Florestan Fernandes, a busca incessante inicial por consolidar o folclore enquanto uma ciência particular mediante as discussões teóricas foi suplantada por uma nova geração menos afeita a esse nível de discussão e mais interessada em realizar trabalhos descritivos. Dessa forma, a tradição folclorista da América Latina se interessava quase que exclusivamente pelo trabalho de campo, pela descrição das manifestações populares e pela busca da origem de tais manifestações, eximindo-se totalmente de explicações causais destes fatos folclóricos. Tratava-se de estudos “biográficos” de determinados elementos folclóricos, como gosta de dizer F. Fernandes.<br />
A obra folclorista do médico de formação e alagoano Théo Brandão se insere na concepção teórica positivista e neste contexto prático característico da América Latina por vários fatores que tentaremos enumerar a partir de agora. Em palestras ao Rotary Club em 1949 Théo Brandão assim define o folclore:<br />
<br />
Folclore, segundo o mais recente conceito enunciado por André Varagnac é civilização tradicional, isto é, engloba todos os elementos culturais não elaborados intelectualmente, tudo aquilo que o homem, de qualquer nível social aprendeu fora dos livros, da escola e dos diversos meios de difusão cultural: o fonógrafo, o cinema ou o rádio.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title="">[3]</a><br />
<br />
<br />
O folclore é claramente definido como civilização tradicional, ou seja, como aquela parcela da cultura que está distanciada da modernidade, que é externa e estranha aos mecanismos modernos da cultura, tal como a escola, o cinema e o rádio – locus do saber racional. O tradicional é definido como os elementos culturais não elaborados intelectualmente à medida que possui um caráter diretamente empírico, desprovido de sistematização conceitual, e é propagado mediante a oralidade e não através da escrita. O homem de qualquer nível social pode está inscrito nesta parcela tradicional, arcaica, sendo este reconhecimento de Théo Brandão bem característico da nossa formação capitalista hiper atrasada onde a inexistência de ruptura histórica ocasiona sempre processos marcados pela sobrepujança da continuidade sobre as descontinuidades: mesmo as nossas elites agro-exportadora e mercantil – portadoras por excelência da modernidade – trazem consigo marcas inelutáveis do tradicional. Apesar dessa constatação de que o arcaico não é exclusivo ao povo no estado de Alagoas, em uma passagem da sua monografia Reisado Alagoano Théo Brandão diz implicitamente que a modernidade é uma exclusividade das nossas elites. Diz se referindo ao reisado:<br />
<br />
E quando em vilas ou cidades não encontram casa que os aceitem para dançar (o que é muito mais comum hoje do que antigamente, quando a aristocracia rural dos bangüês e a classe média das cidades do interior a ela ligada ainda não possuíam, nem rádios, nem vitrolas, nem cinemas e era a grande apreciadora das folganças populares) realizam os folguedos nos mercados públicos. Ou então, se algum chefe político ou pessoa influente da localidade patrocina a exibição, ela se realiza em armazéns, pátios cimentados, galpões e não mais nas salas de visita ou de jantar como acontecia nos tempos antigos. (pg.26)<br />
<br />
<br />
O tom nostálgico da passagem não encobre o fato de que nela podemos identificar a associação da modernidade à aristocracia rural do estado, aquela responsável pela adoção de valores culturais modernos que deixam para trás o tradicional reisado. Ao homem do povo resta a continuidade das suas manifestações culturais tradicionais, a partir de agora não mais valoradas pelos “senhores do tempo” que trazem para o mesmo espaço geográfico a modernidade dele (do povo) excluída. O arcaico pode até respingar na elite agro-mercantil alagoana, no entanto, a modernidade é vista como uma exclusividade desta, tornando-se o povo reprodutor por excelência da cultura tradicional; a este a modernidade é estranha assim como o é a sua processualidade.<br />
Seguindo a tônica positivista, ao homem do povo é excluída a sua participação no moderno e sua cultura passa a ser etiquetada como um anacronismo exótico que deve ser descrito e sistematizado por uma área específica do saber – o folclore como ciência do saber popular. Temos que ressaltar aqui, entretanto, uma tênue distinção de suma importância. Nas sociedades que atingiram o capitalismo pela via clássica – Inglaterra, França e Estados Unidos –, evidenciou-se uma transformação abrupta em toda a sociedade onde os elementos pré-capitalistas foram rapidamente substituídos por um conjunto de práticas e valores essencialmente distintos; neste contexto, há até um certo sentido em se dizer que os aspectos tradicionais são anacrônicos, meras reminiscências, justamente pelo fato de que tais práticas e valores serão em um curto prazo suplantados por aqueles plenamente capitalistas. Este não é o caso da formação brasileira, especificamente da sub-região representada por Alagoas. Não seria nem um pouco plausível a Théo Brandão afirmar explicitamente – tal como o fazia os propagadores da concepção positivista clássica - que a cultura popular é um anacronismo existente na sociedade alagoana, afinal, longe de está em vias de dissolução, ela faz parte intrinsecamente à nossa modernidade capitalista. A nossa formação capitalista traz consigo elementos eminentemente pré-capitalistas que fazem parte do próprio desenvolvimento do capital local: não se trata de uma relação dicotômica, mas, ao contrário, de uma unidade dialética onde o velho se sintetiza ao novo como forma de potencializá-lo – no caso potencializar a exploração capitalista. Diante disso, Théo Brandão absorve a perspectiva teórica que taxa a cultura popular como isenta da modernidade e numa relação de externalidade em relação a ela, mas com uma sutil diferença em relação ao positivismo clássico, visto que o arcaico aqui não está em vias de dissolução e por isso o sentido mais puro do ser alagoano deve residir precisamente neste tradicionalismo. Enquanto numa França revolucionária o referencial identitário reside nos valores tipicamente modernos, para Théo Brandão a identidade alagoana se encontra nas suas tradições culturais mais apartadas da modernidade – especificamente no reisado e no guerreiro.<br />
Poderíamos dizer, então, que há um positivismo velado na abordagem de Théo Brandão sendo este justificado pelas especificidades sócio-históricas da nossa formação capitalista. Uma reprodução em mesmo tom desta abordagem de origem francesa na peculiaridade da nossa formação não possibilitaria que o nosso autor lograsse êxito na sua empreitada de formular uma interpretação da identidade alagoana que se tornasse hegemônica. Afinal, o seu objetivo foi tão bem realizado que a bandeira de Alagoas foi substituída pela sua proposta que está diretamente voltada à exaltação das tradições culturais alagoanas. A bandeira do estado estaria representando a “essência” do povo alagoano, aquilo que é mais próprio à nossa identidade, mesmo que esta resida numa dimensão da sociedade que é alijada da modernidade; talvez seja justamente por este distanciamento quase que absoluto existente entre a cultura popular e a modernidade que as manifestações tradicionais sejam entronadas como a nossa essência última. Por este fato é que se evidencia uma certa repulsa quanto ao movimento interno de transformação existente no folclore; diz Théo:<br />
<br />
Atualmente, a preocupação com os improvisos de “peças” e com as intermináveis “embaixadas”, do mesmo modo que a lei do menor esforço que não se coaduna com o tirocínio e a virtuosidade necessários à aquisição da antiga técnica do bailado, levam ao abandono dos “passos” difíceis e por isto mais belos, substituídos por danças mais simples que requerem muito menor esforço e por uma independência de movimentos, uma descoordenação do todo que, embora não deixe de ter seus atrativos, não se pode comparar com a uniformidade e a precisa marcação dos antigos reisados. (pg.76)<br />
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<br />
O hiato entre o popular e o moderno não é absoluto e, por isso, evidenciam-se as transformações no interior do folclore, mesmo que a contragosto do folclorista. Apesar dessas modificações, ao folclorista não cabe a tarefa de entendê-las – explicá-las - , mas, tão-somente, descrevê-las e, principalmente, remeter-se às origens destas manifestações para daí apreender a sua essencialidade que não se perde com esses movimentos pontuais, que apenas aparentemente são degeneradores. Desta essencialidade é que provém a nossa identidade que nos distingue dos demais povos da federação.<br />
Como já havia dito anteriormente, o caráter dicotômico da perspectiva positivista a respeito do folclore conduz à defesa do folclore como ciência do saber popular e, por se tratar de um anacronismo, tal ciência estaria isenta do caráter explicativo causal existente nas demais; afinal, pensar o folclore é pensar uma cultura que, por mais que defina a nossa identidade, não tem vínculos com a modernidade em voga, não havendo a necessidade de se buscar explicá-la à luz da sociedade tomada como um todo. Théo Brandão faz uma crítica às abordagens teóricas que abandonam a busca pelas origens do folclore em prol da compreensão da sua função no contexto cultural; diz ele no artigo Influencias Africanas no Folclore Brasileiro:<br />
<br />
Demais, tem contribuído fortemente para que se tornem mais árduas essas dificuldades, a ausência, nos últimos anos, de interesse, valoração e prestígio para os estudos genéticos no folclore, e conseqüente abandono da pesquisa das influencias e fontes de nossas tradições populares. Dominam entre folcloristas as teses funcionalistas e aculturacionistas segundo as quais é ociosa e contraproducente o estudo das fontes e origem dos nossos costumes e do nosso folclore, o seu estudo cientifico interessa-se por sua função no contexto cultural ou pelas modificações por eles sofridas em nossa sociedade e cultura, em face da interação com outros fatos e costumes autóctones e alienígenas.<br />
<br />
Théo Brandão quer um estudo que se atenha à busca pelos elementos genéticos do folclore, buscando trazer à tona as influências múltiplas que contribuíram à formação do folclore alagoano; em outras palavras, busca-se a “essência” das nossas tradições culturais que formam a nossa identidade alagoana. Por mais que o folclore sofra um processo de transformação – seja por fatores exógenos ou endógenos à sociedade alagoana – isso não é o que deve interessar ao folclorista, cabendo a este trazer à tona a pureza do tradicional que não se perde nas transformações modernizadoras. Não cabe também ao folclorista buscar desvendar qual a função do folclore no interior da sociedade, afinal este objetivo nunca foi – desde as abordagens clássicas acerca do folclore – próprio ao folclore enquanto ciência; “é preciso procurar as origens, antes que as causas”<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title="">[4]</a>, num claro objetivo “biográfico” dos fenômenos folclóricos. Pode-se dizer que a essência alagoana contida no folclore possui um caráter metafísico, visto que esta passa incólume por todas as transformações sofridas pelo próprio folclore enquanto complexo social partícipe da totalidade social; ou seja, Théo Brandão opera uma reificação da identidade alagoana ao atribuí-la uma dimensão essencial metafísica.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title="">[5]</a><br />
Essa carência explicativa na obra de Théo Brandão – advinda, segundo a minha hipótese, da sua filiação teórica com a abordagem positivista a respeito do folclore – foi notada por Florestan Fernandes que teceu os seguintes comentários a respeito da sua premiada obra O Reisado Alagoano:<br />
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A monografia do sr. Théo Brandão sobre o “O Reisado Alagoano”, contemplada com o primeiro prêmio, distingue-se pela documentação extraordinariamente rica, quase toda inédita e exposta de maneira minuciosa, clara e objetiva. O autor teve o cuidado de indicar o local e a data em que foram colhidos os textos, as melodias e outros dados. Interessantes e valiosas são as informações sobre as mudanças sofridas pelo “reisado” no decorrer do período a que se refere a pesquisa do autor. Pena é que o sr. Théo Brandão não tenha procurado elaborar cientificamente o excelente material que apresenta. A análise etnográfica não é completa, mas em muitas partes pelo menos satisfatória, ao passo que a discussão sociológica apenas se esboça em algumas passagens. Não há nenhuma conclusão geral do estudo. <a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title="">[6]</a><br />
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A obra é reconhecida pela sua capacidade de documentar o reisado alagoano, demonstrando uma série de modificações existente entre o reisado daquele período em relação ao reisado praticado nos anos 20 e 30 – épocas em que o autor era neto de um senhor de engenho e adorava quando o seu avô aceitava que o reisado fosse realizado no interior da Casa Grande. Apesar desse reconhecimento, Florestan deixa claro as limitações do autor que não realiza uma elaboração científica do seu material, ou seja, não tem qualquer pretensão em compreender o sentido das manifestações culturais tradicionais para a sociedade alagoana, muito menos buscar explicações para as transformações evidenciadas no interior destas.<br />
Feito essas considerações que buscam provar a hipótese de que Théo Brandão dá continuidade à abordagem positivista a respeito do folclore, mesmo que com uma peculiaridade decorrente da nossa formação social específica, passaremos agora a uma nova etapa do relatório de caráter mais propriamente teórica. Nesta, anseia-se refletir a respeito do que se trata a cultura, bem como sobre o papel dos intelectuais na formação de uma identidade regional; daremos ênfase ao reconhecimento de que a identidade é um espaço de conflito e que, conseqüentemente, não há interpretações acerca dela que não tenha uma determinada vinculação de classe. Em todo esse percurso terá a figura de Théo Brandão um papel central já que é dele que estamos tratando.<br />
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2 – Cultura, formação da identidade regional e o papel dos intelectuais<br />
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Quando se pensa a cultura normalmente se faz uma associação com os fenômenos subjetivos, com a dimensão das crenças e valores que diferenciam um povo de uma área geográfica específica dos demais povos, de maneira que estas representações imaginárias se consubstanciem em práticas sociais distintas. Dessa forma, toda e qualquer sociedade seria necessariamente cultura haja visto que todas possuem um conjunto de significados, signos e condutas peculiares que fundamentam a sua identidade, pressuposto indispensável ao sentimento de pertença e da alteridade. Certamente todo povo possui cultura, afinal é uma barbaridade etnocentrista se distinguir entre os povos de cultura e aqueles isento de cultura. Todavia, a cultura que é própria ao ser social é entendida aqui como a complexa articulação existente entre subjetividade e objetividade, nunca numa abordagem que dissolva a objetividade na subjetividade. Isso significa dizer que as culturas dos povos não podem estar desconectadas das suas relações sociais objetivas, mas, antes, se configuram precisamente enquanto a complexa articulação existente entre as práticas sociais primárias (o trabalho) e aquelas práticas sociais de caráter intersubjetivo (arte, folclore, direito, culinária, senso comum, etc.). É neste sentido que o sociólogo alagoano Golbery Lessa propõe a substituição do conceito de cultura – que se restringe à subjetividade – pelo conceito marxiano de práxis, pois neste caso busca-se elevar à consciência as múltiplas mediações que unificam os pólos distintos da subjetividade e da objetividade pondo um termo às abordagens culturalistas. Sobre essa perspectiva da cultura citemos Lukács:<br />
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(…) tudo que a cultura humana criou até hoje nasceu, não de misteriosas motivações internas espirituais (ou coisa que o valha), mas do fato de que, desde o começo, os homens se esforçaram por resolver questões emergentes da existência social. É à série de respostas formuladas para tais questões que damos o nome de cultura humana.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn7" name="_ftnref7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title="">[7]</a><br />
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A cultura humana deve ser encarada como um conjunto de respostas que os homens já deram às demandas surgidas para a sua existência social, respostas estas que são dadas de acordo com as possibilidades historicamente existentes. Assim, o reisado alagoano descrito por Théo Brandão se configura enquanto uma resposta específica dada pelos sujeitos para expressarem em termos estéticos a eles cabíveis as suas realidades sócio-históricas peculiares; torna-se, desta forma, uma manifestação historicamente fincada e que traz consigo todas as marcas características da formação social específica que fundamentou o seu engendramento pelos trabalhadores dos engenhos de cana de açúcar da província de Alagoas. Precisamente neste sentido diz Golbery Lessa no artigo Outra Alagoanidade:<br />
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A alagoanidade não é só um fenômeno subjetivo, não é apenas um estado de consciência ou um jeito próprio de cada alagoano expressar sua individualidade, no sentido de possuir essas ou aquelas atitudes mentais. A alagoanidade é o conjunto articulado de sistemas que estruturam a formação social alagoana e possui singularidades em relação aos conjuntos análogos de outras formações sociais.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn8" name="_ftnref8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title="">[8]</a><br />
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A formação social alagoana possui peculiaridades que a distingue de outras formações, mesmo aquelas mais similares. Há, portanto, singularidades que distinguem, por exemplo, a nossa economia mesmo que seja em relação àquela existente em Pernambuco, que é bastante similar à nossa em função do nosso passado colonial; destas peculiaridades relacionam-se uma série de outras características que são próprias ao alagoano em outros complexos sociais, sem que com isso estejamos desconsiderando a autonomia relativa destes. Nas palavras de Golbery Lessa: “É fértil procurar no sistema econômico singularidades que são pólos de reprodução de singularidades de outros complexos da práxis alagoana. Isso não significa desprezar ou diminuir a importância da lógica interna de cada complexo social específico (…)”. Por tudo isso, nossa abordagem acerca do folclore pode ser definida como diametralmente oposta àquela proposta por Théo Brandão: estamos longe de considerar o folclore como uma manifestação cultural que não tenha nexos causais indissolúveis com a sua realidade sócio-histórica que fundamentou a sua emergência; nem muito menos achamos que tal manifestação cultural está isenta de movimentos internos que expressam as transformações da formação social alagoana. Por ser partícipe de uma totalidade social complexa, o folclore não pode em hipótese alguma ser considerado um anacronismo histórico que conviva à margem - em paralelo – da sociedade moderna; por mais que o seu surgimento nos remeta ao passado colonial, ele se transforma em consonância com o lento processo de transformação da sociedade alagoana, passando a conviver com o moderno não numa posição de externalidade dicotômica, mas numa relação de síntese dialética que unifica o que aparentemente se repele.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn9" name="_ftnref9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title="">[9]</a><br />
É de fundamental importância que toda formação social busque promover uma consciência de si mesma, no caso de Alagoas, que haja uma interpretação acerca do ser alagoano que seja universalizada a todos aqueles que habitam este espaço geográfico específico. A interpretação a respeito desta realidade social peculiar não é um espaço harmônico como às vezes se propõe, mas, ao contrário, toda e qualquer interpretação que anseie delinear uma identidade cultural traz consigo as marcas do seu ponto de vista de classe. Além disso, propor uma interpretação sobre a identidade de um povo significa não somente delimitar o que ele é, visto que a partir desta delimitação se define em larga escala o que ele deve ser. Ou seja, qualquer interpretação a respeito do que seja o ser social alagoano não é ingênua, pois está necessariamente vinculada a uma determinada posição no conflito social preponderante, bem como prescreve – mesmo que de forma inconsciente – como deve se dar o devir desta mesma formação social.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn10" name="_ftnref10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title="">[10]</a> Mais a frente nos debruçaremos sobre Théo Brandão para exemplificar esta relação entre identidade cultural e conflito.<br />
Dirceu Lindoso nos mostra que desde a época em que Alagoas ainda era uma comarca da capitania de Pernambuco já havia uma peculiaridade desta região em relação ao norte da capitania. Diz ele:<br />
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Há indícios de que no século XVIII o espaço alagoano se apresentava como dotado de um modo diferencial de falar-se o português de origem minhota ou além-tejana; como um aglomerado populacional onde se iniciavam certas formas de distinções de conduta social, de aglutinamento dos elementos culturais; de definição política da organização social em aldeias indígenas, povoações, vilas, freguesias, comarcas; de um espaço físico configurado e de referências topográficas nítidas.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn11" name="_ftnref11" style="mso-footnote-id: ftn11;" title="">[11]</a><br />
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Ressalta o autor que já no século XVIII essa distinção já se formalizava ao nível da escrita através dos relatórios dos governos de Pernambuco que sempre delineavam a peculiaridade da região sul da capitania. Durante todo o século XVIII há esse processo de gestação da imagem peculiar a respeito do território, da economia, da política e da sociedade da comarca de Alagoas que vai atingir o seu ápice em 1817, data em que o ato régio eleva a comarca ao posto de capitania. A partir do momento em que cessa a sujeição política em relação a Pernambuco é que se dar a “criação de um espaço cultural alagoano, que constitui a materialização da imagem diferencial que se vinha formando numa antecedência de mais de dois século”<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn12" name="_ftnref12" style="mso-footnote-id: ftn12;" title="">[12]</a>. Continua Lindoso:<br />
A formação da imagem diferencial das Alagoas, embora constem suas raízes na época colonial, se materializa no Reino Unido, quando se estabelece por decreto régio, a capitania das Alagoas em 1817. A destinação das Alagoas como entidade política de autonomia relativa no corpo do Brasil Reino se prefigura na imagem diferencial que se produz na escrita do século XVIII. (…) Só a partir de 1817 as Alagoas são uma imagem política homogênea e autônoma, que se passa a definir na difícil história social e política do futuro Império.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn13" name="_ftnref13" style="mso-footnote-id: ftn13;" title="">[13]</a><br />
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A partir deste momento é que se inicia o processo de maturação da formação da identidade alagoana, sendo cunhada a partir da ótica dos senhores de engenho e dos comerciantes urbanos. Isso significa dizer que a interpretação a respeito do que seja o ser alagoano durante o séc. XIX é realizada exclusivamente – ao nível da escrita e dotada de uma sistematização mínima - por estas camadas sociais hegemônicas econômica e politicamente; “A imagem diferencial se materializa, e se consolida como fato de poder”, sintetiza Lindoso.<br />
Antes de prosseguirmos, é fundamental trazer as considerações de Golbery Lessa a respeito desta necessidade de se construir identidades nacionais ou regionais por parte das classes dominantes. Este autor traz no seu artigo acima citado as contribuições do austro-marxista Otto Bauer sobre as construções das identidades nacionais; segundo a sua hipótese, percorrem-se três etapas para se constituir esta identidade nacional ou regional. Sinteticamente, são as seguintes: 1) o momento inicial de erudição onde uma elite intelectual se debruça sobre o passado histórico e cultural de um povo para daí propor uma interpretação sobre esta peculiaridade; 2) no momento intermediário, um conjunto de agitadores culturais e políticos buscam propagar aquela interpretação da identidade, buscando relacioná-la às instituições políticas para que também se tornem propagadoras da mesma; 3) por último, aquela interpretação da identidade nacional ou regional é assimilada pelo conjunto da população de um dado espaço geográfico, tornando-se partícipe do senso comum o que contribui para a formação da unidade nacional e a soberania do Estado-nação.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn14" name="_ftnref14" style="mso-footnote-id: ftn14;" title="">[14]</a><br />
Podemos dizer que às classes dominantes de Alagoas do século XIX também era de suma importância se cunhar uma dada identidade sobre o ser alagoano, devendo esta ser universalizada com o objetivo de reiterar a hegemonia econômica e política constituída. Tal identidade que anseia preservar as relações de classe da província busca apagar as ações contra-hegemônicas de segmentos da classe explorada, tal como a Guerra dos Cabanos de 1832 que é abstraída da identidade do povo alagoano. O que se observou foi uma imputação criminal a esta revolta que não estava em conformidade com a natureza do alagoano, sendo proveniente de seres desprovidos do espírito alagoano. Estavam em consonância com o espírito alagoano aqueles sujeitos que não questionassem a sociedade escravista, baseada na produção agro-exportadora de cana de açúcar, o Estado liberal-escravista e seus senhores de engenhos. É importante salientar que o Instituto Histórico Alagoano foi um dos primeiros do país datando de 1862, o que demonstra que a elite aristocrático-mercantil do estado desde cedo teve a preocupação de elaborar a sua interpretação da história da província. Afora isso, Dirceu Lindoso demonstra minuciosamente que a própria interpretação da província vai sendo modificada, modernizada relativamente, à medida que o capital mercantil vai se sobrepujando ao capital agrário-exportador; passa-se a identificar nos escritos a necessidade de modernização dos engenhos mediante a adoção das modernas usinas, a necessidade de políticas que incentivassem a indústria têxtil do estado, a crítica à estrutura burocrático-autoritária do Império em favor do liberalismo econômico, entre outros aspectos que demonstram que no interior da própria elite alagoana havia divergências relativas ao futuro da província.<br />
Ao início do século XX Alagoas já havia sentido internamente um processo considerável de modernização capitalista, seja através da intensificação do comércio - principalmente em Maceió - ou do surgimento das primeiras indústrias têxteis que intensificavam ainda mais a vida urbana – sendo Fernão Velho e Rio Largo os principais focos. Aliando o esse movimento interno é de suma importância considerarmos processos regionais, nacionais e internacionais que ocorriam concomitantemente e que influenciam consideravelmente a realidade local e os sujeitos históricos aqui existentes. Todo esse cenário sócio-econômico do estado se irradiava sobre diversos complexos sociais: na política, a sobrepujança do capital mercantil intensificou o processo de urbanização e de modernização da produção de cana-de-açúcar através das substituições dos bangüês, mesmo que a contragosto dos senhores de engenhos – este processo de modernização da política se concretizaria em 1912 com a queda da oligarquia Malta que é substituída por uma outra oligarquia de caráter mais progressista, modernizante; na cultura, à medida que novos sujeitos emergiam neste processo – proletariado urbano, setores médios ligados à burocracia estatal republicana, entre outros – a formulação da identidade alagoana foi sendo transformada, modernizada, seja por parte da perspectiva conservadora, republicano-democrática ou mesmo socialista. Justamente por isso surgem figuras como Otávio Brandão com seus escritos anarquistas, Graciliano Ramos na literatura, a Escola de Viçosa com seus estudos folclóricos, Arthur Ramos<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn15" name="_ftnref15" style="mso-footnote-id: ftn15;" title="">[15]</a> e os seus estudos sobre os índios, negros e mulheres - que rompem com a abordagem tradicionalmente racista da interpretação da classe dominante alagoana sobre a alagoanidade - , além da modernização na historiografia com Craveiro Costa e Moreno Brandão. Esse processo de transformação da realidade social e do discurso sobre a mesma prosseguiu até 1930 quando se deu a vitória do tenentismo, responsável pela potencialização deste processo modernizante dentro das limitadas capacidades do capitalismo brasileiro.<br />
As transformações vivenciadas nas relações de produção se configuram enquanto o momento predominante que exigiram dos sujeitos históricos respostas imprescindíveis para a reprodução social; a interpretação da identidade é certamente uma resposta a esta necessidade oriunda do trabalho e que passa a compor a totalidade social. As propostas identitárias para o ser alagoano se tornam mais numerosas a partir do século XX em função do já referido surgimento de novos sujeitos e do espaço extremamente débil, mas existente, da democracia nos perímetros urbanos. Como havia dito anteriormente, cada uma dessas interpretações não se limitam a representar sobre o que é o ser alagoano, mas trazem consigo uma necessária projeção acerca do que deve ser este ser alagoano.<br />
Todos esses comentários historiográficos são imprescindíveis para situarmos Théo Brandão historicamente. Não podemos defini-lo como um mero folclorista, por mais que fosse assim que ele se identificasse, mas ele “foi um dos contemporâneos mais ativos na construção de uma consciência da alagoanidade”.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn16" name="_ftnref16" style="mso-footnote-id: ftn16;" title="">[16]</a> Atuou ativamente na elaboração de uma identidade alagoana que representasse uma modernização da interpretação aristocrático-burguesa até então em voga, ou seja, foi um erudito capaz de perceber o movimento de seu tempo e a partir daí realizar esta atualização indispensável para que a identidade alagoana propagada pela elite local se tornasse plausível. O homem é um ser que dá respostas e estas são dadas a partir do momento em que as necessidades surgem na realidade social; no caso de Théo Brandão, as transformações existentes na realidade alagoana – assim como os discursos já existentes sobre o humano a nível mundial – o impeliram a dá respostas palatáveis sobre o ser alagoano do ponto de vista de sua classe de origem<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn17" name="_ftnref17" style="mso-footnote-id: ftn17;" title="">[17]</a>. Uma série de outros alagoanos também realizou esta empreitada em outras dimensões (do ponto de vista da elite local), como Moreno Brandão na historiografia, Arthur Ramos na antropologia, que trazia à tona uma série de interpretações até então obscurecidas pela abordagem tradicional da classe dominante e Manuel Diegues Jr. que faz uma interpretação modernizada dos bangüês alagoanos. Gilberto Freyre se configura enquanto um marco divisor de águas que influenciou toda uma geração subseqüente: não havia mais como tematizar a identidade excluindo o negro e o índio que se tornam partícipes indispensáveis para sua efetivação; entretanto, estes são trazidos para o discurso dominante mediante uma atenuação da trágica relação efetivamente existente, bem como por uma bestialização destes sujeitos historicamente dominados.<br />
Théo Brandão enquanto intelectual orgânico<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn18" name="_ftnref18" style="mso-footnote-id: ftn18;" title="">[18]</a>da elite agro-mercantil alagoana não pode trazer as camadas populares para o debate político, não pode equipará-las à elite dentro de um projeto transformador de caráter popular-democrático tal como ocorreu na França revolucionária. Lá, os trabalhadores e os camponeses foram chamados pela burguesia para agirem enquanto sujeitos históricos e porem a baixo o velho regime, instaurando a modernidade capitalista alicerçada nos ideais de igualdade e liberdade. O distanciamento da burguesia em relação às camadas populares já havia sido evidente na Alemanha e na Itália, onde a debilidade da burguesia impedia que ela se contrapusesse revolucionariamente à velha aristocracia feudal, além de que a incapacidade do capitalismo em efetivar os ideais humanistas alardeados durante a revolução francesa abrira espaço para projetos societais que questionavam a ordem do capital, causando temor por parte das burguesias nacionais ainda ávidas por poder político. A intitulada via prussiana, por Lênin, ou a revolução passiva ou transição pelo alto, por Gramsci, significa precisamente esta transição para o capitalismo em que as massas são apartadas do processo histórico, justamente porque a burguesia quer vê-las distante do poder como forma de impedir que elas ponham as suas demandas a serem efetivadas; instaura-se nesses países instituições muito mais autoritárias, chauvinista, um capitalismo onde a intervenção estatal é uma constante à medida que eles estão retardados no processo de acumulação de capital, em suma, não há a emergência de uma democracia liberal burguesa. Todos esses problemas decorrentes da via prussiana ao capitalismo existem na transição ao capitalismo pela via colonial, mas tais problemas assumem nestes países um caráter muito mais nocivo, como é o caso do Brasil. Evidenciamos um processo muito mais acentuado de apartamento das camadas populares das tomadas de decisão, o que fica claro nos processos de independência e de proclamação da República: o distanciamento destes para com a massa é gritante, quase que absoluto. Há também um fortalecimento ainda maior do Estado sobre a sociedade civil com o objetivo frustrado de realizar a modernização capitalista no país a partir da acumulação do capital nacional; entretanto, essa transição hiper tardia ao capitalismo impede a acumulação do capital nacional que se torna sócio minoritário do capital monopolista dos países centrais; ao receio das camadas populares por parte da burguesia nacional fundamenta acordos desta com as oligarquias agrárias de maneira que os avanços progressistas do capitalismo sejam inexistentes ou limitados, fortalecendo o chauvinismo em detrimento da participação popular. Sobre essa transição diz Carlos Nelson Coutinho:<br />
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Neste tipo de transição, as camadas subalternas manifestam-se através de um “subversivismo esporádico e elementar” (a expressão é de Gramsci), ao passo que as classes dominantes reagem a esses embriões de um movimento que vem de baixo precisamente com manobras pelo alto, que implicam um acordo e uma conciliação entre os segmentos “modernos” e os segmentos “arcaicos” dessas classes. Não se tratam, essas transições, de meras contra-revoluções, mas são precisamente aquilo que Gramsci chamou de “revoluções-restaurações”, ou “revoluções passivas”, que, ao mesmo tempo em que se introduzem novidades, conservam muitos elementos da velha ordem. A especificidade deste tipo de transição é precisamente esta: que o novo surge na história marcado por uma profunda conciliação com o velho, com o atraso.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn19" name="_ftnref19" style="mso-footnote-id: ftn19;" title="">[19]</a><br />
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Essa panorâmica sobre as formações capitalistas é importante para compreendermos a forma positivista como Théo Brandão traz o povo para a interpretação da identidade alagoana. As transformações sociais exigem a atualização desta identidade cunhada pela elite agro-mercantil do estado de forma que Théo Brandão retire as camadas populares do ostracismo, emergindo-as no discurso dominante como sujeitos passivos, inertes e impossibilitados de fazer a sua própria história. Diz Golbery Lessa:<br />
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Primeiro: o homem do povo – que ele gosta de chamar o homem “folk” – não é visto nunca como o protagonista de sua própria história, ou de seu futuro, de seu devir. O homem folclórico é visto sempre por Theo Brandão como aquele homem que está apartado da modernidade, que não é e nem pode ser um cidadão, que não é um potencial revolucionário, que não pode ser um potencial protagonista de projetos políticos e propostas globais para a sociedade. O homem folclórico é idealizado romanticamente como um homem de necessidades básicas, um homem que não se revolta, um homem que aceita a vida como ela é e que mesmo assim com todas essas limitações reproduz o “espírito” mais profundo de Alagoas - nos seus folguedos, nas suas danças, na sua literatura oral, na sua arte de fazer brinquedos, na sua arte de confeccionar objetos populares . É uma visão paternalista desse homem; é uma visão que isola esse homem da modernidade, da vida real e do universo político. Eu creio que é uma visão extremamente cruel, extremamente preconceituosa que nega a humanidade ao homem do povo. Ao invés de trazer o homem do povo para o diálogo com o intelectual de classe média, ao invés de respeitar esse homem do povo ele é etiquetado, condicionado dentro de determinados espaços em que ele existe como uma espécie de espécime exótico; o exótico que seria fundamental pra determinar a singularidade da identidade alagoana. <a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn20" name="_ftnref20" style="mso-footnote-id: ftn20;" title="">[20]</a><br />
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Essa forma de trazer a massa explorada para o seu discurso revela que a modernização do pensamento da classe dominante é extremamente limitada, tratando-se de um movimento de inovação marcado fortemente – enquanto predominância - pelo velho, ou seja, pela continuidade das tradições preconceituosas que assumem uma nova roupagem. Nada mais é do que a “modernização conservadora” que assola não só o pensamento da elite sobre a realidade, mas é imanente ao próprio movimento verificado na realidade material; o historicamente novo é submisso ao historicamente velho no desenvolvimento capitalista de Alagoas.<br />
À guisa de conclusão, a formação capitalista alagoana bem como a vinculação de classe do autor são os elementos que fundamentam a sua absorção da abordagem positivista a respeito do folclore. Os fundamentos básicos da conceituação positivista clássica a respeito do folclore servem bastante ao seu intento: encarar o folclore como uma área específica do saber à medida que possui um objeto sui generis – a civilização tradicional como diz o próprio autor – ; ciência essa que está isenta das explicações causais comuns ao saber científico pelo fato de que seu objeto não possui implicações sociais amplas, pois se trata de anacronismo em relação à modernidade em voga. Estes aspectos estão em consonância com o objetivo de Théo Brandão de atualizar a imagem da classe dominante alagoana sobre o estado, pois: 1) a cultura popular (folklore) por está apartada da modernidade é entendida como uma dimensão da sociedade carente de autonomia, composta por sujeitos passivos presos à tradição, residindo nela, ao mesmo tempo, o “espírito alagoano” que é generalizado a toda Alagoas e universalizado no tempo, fundamentando-se uma visão paternalista sobre o homem do povo; 2) por se trata de anacronismo cultural, o folclore não deve ser encarado como uma dimensão de grande importância explicativa à realidade social existente, cabendo apenas a sua descrição e a busca pelas suas origens por parte dos folcloristas; ou seja, o folclore está isento das contradições que permeiam o mundo moderno, sendo um espaço onde não há conflito, mas sim harmonia típica do “espírito alagoano”. Diz Golbery Lessa sobre essa carência de teorização:<br />
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Eu creio que, a partir da perspectiva de Théo Brandão, teorizar muito sobre o homem folclórico alagoano implicaria em uma série de antinomias, ficariam mais explícitos todos os defeitos que eu sublinhei anteriormente. Ou seja, não teorizar – não sei se ele tinha isso consciente ou inconsciente – implicava em esconder essas várias antinomias éticas e teóricas que a abordagem dele do folclore alagoano possui.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn21" name="_ftnref21" style="mso-footnote-id: ftn21;" title="">[21]</a><br />
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Esta imagem sobre Alagoas proposta por Théo Brandão foi acatada por nossa elite local pelo fato de que satisfazia ao seu interesse, visto que a sua definição da identidade alagoana se coadunava com a prospecção que esta tinha em relação ao futuro do estado. Isso não desconsidera a existência de frações conflitantes no interior da elite alagoana, mas reconhece que a proposta de Théo Brandão expressa uma interpretação da identidade alagoana bastante plástica, capaz de angariar concordância seja na fração da elite mais relacionada ao capital mercantil-industrial, seja naquela parcela agro-exportadora que reconhece o processo modernizante como inelutável – mesmo que não seja capaz de fazer cessar o sentimento nostálgico dos bangüês alagoanos.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title="">[1]</a> Diz Florestan Fernandes: “Para os autores da época e ainda para alguns contemporâneos o termo cultura significaria o patrimônio cultural das classes mais elevadas; e seria, caracteristicamente, uma cultura transmitida por meios escritos, compreendendo todos os conhecimentos científicos, as artes em geral e a religião oficial. O termo folclore significaria e abrangeria, pois, todos os elementos que constituem o que se poderia entender “a cultura das classes baixas”, transmitida oralmente. Aqui começou a série de analogias e termos de comparações entre os “meios populares” e os “primitivos”, no folclore, ambos considerados povos pré-letrados ou “incultos”, isto é, gente sem a cultura das classes “superiores”. (Fernandes, Florestan, 1920-1995. O folclore em questão/ Florestan Fernades. – 2ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2003. – (Raízes). Pg.39 nota 1)<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title="">[2]</a>Fernandes, Florestan, 1920-1995. O folclore em questão/ Florestan Fernandes. – 2ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2003. – (Raízes).<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title="">[3]</a> Palestra ministrada ao Rotary Club em 1949; coletada no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas e extraída do livro Folclore de Alagoas/Maceió – Alagoas (1949).<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title="">[4]</a> Frase Maunier retirada do livro acima citado de Florestan Fernandes, pg. 60.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title="">[5]</a> Para evitar equívoco, deixa-se claro que a busca pelas origens de uma formação social não é necessariamente realizada mediante uma abordagem positivista - que isola um determinado complexo da totalidade social, como o folclore, identificando nele uma “essência” pétrea e inatingível que não se transforma em função das mudanças evidenciadas na realidade social. Longe dessa universalização de uma essência hipostasiada, o materialismo histórico busca apreender a essência de uma formação social considerando-a historicamente, como produto de práticas sociais específicas. Refuta-se categoricamente o suposto abismo existente entre essência e fenômeno que hipostasia o primeiro e restringe a historicidade ao segundo; em suma, a realidade social nada mais é do que a articulação complexa existente entre esses dois momentos distintos igualmente históricos e que se unificam mediante uma série de mediações.<br />
Mais considerações sobre a relação essência-fenômeno ver em Lessa, S. Notas sobre a historicidade da essência em Lukács no link www.sergiolessa.com<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref6" name="_ftn6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title="">[6]</a> O prêmio referido advém do 4ª concurso de monografias sobre o folclore nacional instituído em 1949 pela discoteca pública municipal/SP.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref7" name="_ftn7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title="">[7]</a> Citação extraída da dissertação de Ester Vaisman “O problema da Ideologia na Ontologia de G. Lukács” proveniente do livro de W. Abendroth Conversando com Lukács.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref8" name="_ftn8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title="">[8]</a> Os grifos são meus.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref9" name="_ftn9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title="">[9]</a> Seguindo a lógica de Théo Brandão, poderíamos afirmar que a carroça a propulsão animal – com pneus de fusca e molas de caminhão - que faz parte do cotidiano da capital alagoana se configura enquanto uma reminiscência arcaica, tradicional, que convive numa relação de externalidade com os meios de transporte modernos (carros, motos, etc.). Neste sentido, a carroça também faria parte do que há de mais puro do ser alagoano: seria um exemplo da nossa tradição que não se rende ao movimento da sociedade em vias de modernização. Entretanto, longe de possuir um significado reificado cunhado em suas origens – engenhos coloniais – que nada tem a ver com a nossa modernidade, a carroça é um grande exemplo que demonstra a imbricação entre o novo e o velho do capitalismo alagoano mesmo em sua fase globalizada; longe de ser um anacronismo se configura enquanto um partícipe direto da nossa formação capitalista hiper atrasada onde o novo e o velho se sintetizam dialeticamente numa totalidade complexa, tendo o velho um caráter predominante.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref10" name="_ftn10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title="">[10]</a> Esta relação entre a interpretação a respeito do ser com o vir-a-ser é imprescindível para pensarmos a cultura. Como um conjunto de idéias e valores assentados em uma dada realidade sócio-histórica, a cultura dá sentimento de pertença aos indivíduos de maneira que estes ocupem um dado papel nesta sociabilidade; entretanto, a sociedade não é uma mera reprodução do mesmo, mas se depara com o contínuo jorrar do novo, com o incessante surgimento de necessidades que precisam ser respondidas pelos sujeitos. É neste momento que identidade cultural é fundamental para o vir-a-ser da sociedade, pois as respostas que os sujeitos históricos darão às necessidades oriundas de seu ser social estão em larga escala delimitadas por este conjunto de idéias e valores que chamamos de cultura. O homem responde às necessidades históricas de seu ser social escolhendo entre as alternativas inscritas no âmago deste mesmo ser social, sendo a identidade cultural fundamental para estes momentos de tomada de decisão entre alternativas.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref11" name="_ftn11" style="mso-footnote-id: ftn11;" title="">[11]</a> Citação extraída do livro Interpretação Da Província – Estudos da Cultura Alagoana, especificamente do artigo Representação Social na escrita da cultura alagoana no século XIX, pg. 32.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref12" name="_ftn12" style="mso-footnote-id: ftn12;" title="">[12]</a> Idem, pg. 35.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref13" name="_ftn13" style="mso-footnote-id: ftn13;" title="">[13]</a> Idem, pág. 36.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref14" name="_ftn14" style="mso-footnote-id: ftn14;" title="">[14]</a> Conferir em Outra Alagoanidade.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref15" name="_ftn15" style="mso-footnote-id: ftn15;" title="">[15]</a> Podemos dizer que há em Arthur Ramos uma modernização mais progressista do que a existente em Théo Brandão. Para este último, a “essência alagoana” contida no folclore era uma amálgama decorrente da posição simétrica – eqüitativa – das três matrizes culturais basilares da nossa formação: a africana, a indígena e a portuguesa; ao que nos parece, há nesta abordagem a diluição da relação assimétrica baseada no domínio econômico, político e cultural da matriz portuguesa representada nos senhores de engenho. Já em Arthur Ramos, parece-nos que as relações de poder existente entre as matrizes culturais são reconhecidas e não dissolvidas em um suposto resultado final – o folclore; tanto o é que Arthur Ramos se incumbiu de realizar interpretações sobre o negro e o índio que explicitassem tais dominações e que servissem de base para políticas públicas específicas que reconhecessem a discrepância histórica.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref16" name="_ftn16" style="mso-footnote-id: ftn16;" title="">[16]</a> Outra Alagoanidade, Golbery Lessa.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref17" name="_ftn17" style="mso-footnote-id: ftn17;" title="">[17]</a> O fato de Théo Brandão ter estudado a identidade alagoana a partir do ponto de vista de sua própria classe não significa dizer que esta relação seja absoluta, inexorável. Afinal, ícones do pensamento do proletariado como Marx, Engels, Lênin, Trotsky e Lukács não faziam parte desta classe propriamente dita, mas abandonaram o ponto de vista de suas classes de origem e assimilaram o ponto de vista do trabalho para pensar a realidade social em que viviam. Michel Löwy nos mostra que alguns intelectuais da pequena-burguesia e até da própria burguesia assumem o ponto de vista da classe trabalhadora por serem sensíveis à antinomia existente entre o capitalismo e os valores humanistas propagados pela própria burguesia revolucionária. Instalada essa “crise” de identidade nestes sujeitos, abrem-se dois caminhos a serem escolhidos por eles: por um lado, o da crítica irracionalista-romântica ao realmente existente que conduz a um pensamento místico como forma de superar a angustia existencial; e por outro lado, a opção da crítica do ser social burguês a partir da ótica do trabalho, que conduz a uma crítica profunda do capitalismo ao mesmo tempo em que se torna claro a possibilidade do vir-a-ser histórico impulsionado pela classe trabalhadora.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref18" name="_ftn18" style="mso-footnote-id: ftn18;" title="">[18]</a> Termo cunhado por Gramsci em Os Intelectuais e a Organização da Cultura.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref19" name="_ftn19" style="mso-footnote-id: ftn19;" title="">[19]</a> Coutinho, Carlos Nelson. Intervenções: o marxismo na batalha das idéias – São Paulo: Cortez, 2006. pg.144<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref20" name="_ftn20" style="mso-footnote-id: ftn20;" title="">[20]</a> Citação retirada da entrevista realizada pelo bolsista Gabriel Magalhães Beltrão que segue em anexo.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref21" name="_ftn21" style="mso-footnote-id: ftn21;" title="">[21]</a> Citação também extraída da entrevista.<br />
</div></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-88535195263624117802009-06-10T11:45:00.007-03:002012-03-14T06:55:52.328-03:00<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div><div><br />
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<div align="justify"><br />
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Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA<br />
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA<br />
Superintendência Regional de Alagoas – SR-22/AL<br />
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NOTA TÉCNICA 01-2006<br />
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Alternativas sustentáveis para as terras e os parques industriais das antigas usinas AGRISA e PEIXE a partir das suas eventuais desapropriações para fins de reforma agrária<br />
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Assessoria do Gabinete da Superintendência*<br />
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*Nota Técnica elaborada por Golbery Lessa, Especialista em Política Pública e Gestão Governamental do quadro funcional do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), em exercício no Incra (SR22) como assessor especial do Gabinete da Superintendência, a partir dos debates do seminário “Viabilidade técnica da Agrisa integrada ao Plano Regional de Reforma Agrária e alternativas econômicas para a região” e das considerações do grupo de trabalho formado no seminário para apresentar uma posição sobre o tema.<br />
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Maceió – março de 2006<br />
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ÍNDICE<br />
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Introdução<br />
1. Usina de açúcar e destilaria de álcool: os piores negócios do mundo<br />
1.2. Setor Sucroalcooleiro e o Capitalismo Periférico em Alagoas<br />
2. Cooperativa agroindustrial sucroalcooleira: todos os males e nenhum benefício<br />
2.1. Quais são as vantagens de uma cooperativa?<br />
2.2. O funcionamento da Agrisa como cooperativa agroindustrial<br />
2.3. Uma Alternativa: cooperativas de produção de frutas, cereais e hortaliças<br />
2.3.1. Introdução e Metodologia<br />
2.3.2. Análise das Tabelas<br />
2.3.3. Conclusões e Projeções<br />
3. Referências Bibliográficas<br />
4. Anexo<br />
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Introdução<br />
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A provável desapropriação de 20 mil hectares de terras pertencentes ao grupo empresarial Nivaldo Jatobá (áreas ligadas às falidas usinas AGRISA e PEIXA), localizadas nos municípios de Joaquim Gomes, Flexeiras e São Luís do Quitunde, tornará disponível para o assentamento de trabalhadores rurais sem-terra a maior área da história de Alagoas pertencente a um único proprietário e, por outro lado, que representa trinta por cento do que já foi disponibilizado em toda a história da reforma agrária do Estado. A possibilidade de equacionar alguns dos mais agudos problemas sociais desses municípios (já que haveria espaço para o assentamento de 2 mil famílias) tem deixado mais evidente a necessidade de aprofundarmos a reflexão sobre os rumos da reforma agrária, principalmente no que se refere às alternativas econômicas para o desenvolvimento dos assentamentos e no que toca à sua relação com os outros setores do mundo rural e da sociedade como um todo.<br />
As grandes dificuldades enfrentadas pelos cerca de cem assentamentos existentes em Alagoas, expressas na freqüente desorganização da produção, na falta de integração com os mercados locais, nacionais e internacionais e no caráter rotineiro da tecnologia que empregam, unidas à ideologia legitimadora que envolve secularmente a lavoura da cana-de-açúcar, constituíram um espaço para que alguns setores técnicos da máquina pública e da academia passassem a aceitar a possibilidade de que as terras e o parque fabril das antigas usinas AGRISA e PEIXA fossem, tão logo desapropriados, alocados para a formação de uma cooperativa agroindustrial constituída por famílias de trabalhadores sem-terra com o objetivo de produzir cana, açúcar e álcool. A proposta tem sido apresentada como inovadora, já que aparece como uma espécie de superação da posição considerada sectária de perceber a lavoura da cana-de-açúcar em si mesma como a causa essencial dos problemas fundiários e agrícolas do Leste Alagoano.<br />
Como procuraremos detalhar neste texto, esta proposta constitui-se no contrário do que aparenta. Uma cooperativa para produzir o mesmo que os usineiros de Alagoas têm produzido há séculos não possui viabilidade econômica e nem supera a lógica perversa das relações sociais típicas do capitalismo periférico estabelecido em terras caetés. A não ser que se transforme em um enorme ralo por onde as instâncias do governo federal e estadual façam correr rios de subsídios, insustentáveis a partir de quaisquer padrões de desenvolvimento econômico, social e político, a referida cooperativa sucroalcooleira teria poucas chances de competir vitoriosamente no mercado e, caso conseguisse fazê-lo, tenderia a reproduzir as dimensões mais perversas do modelo canavieiro tradicional: superexploração do trabalho, monocultura exportadora (que inibe o desenvolvimento do mercado interno e da divisão social do trabalho), destruição dos recursos naturais e fortalecimento de uma cultura política oligárquica e patrimonialista. Resultados que estariam em pleno desacordo com as principais diretrizes do Plano Nacional de Reforma Agrária, o qual está alicerçado no desenvolvimento sustentável da agricultura familiar e na crítica ao modelo do chamado agronegócio.<br />
1.Usina de açúcar e destilaria de álcool: os piores negócios do mundo<br />
Ao contrário do que parece, uma unidade fabril do setor sucroalcooleiro é um dos empreendimentos mais difíceis de sobreviver em um mercado competitivo. Sem uma série de interferências e de ausências da máquina estatal, bem como várias práticas ecológica e socialmente condenáveis, dificilmente este setor teria sobrevivido no Brasil, notadamente na região Nordeste. Os principais problemas da indústria canavieira têm relação direta com os limites que a própria cana e seus derivados colocam para a sua produção em moldes capitalistas, a saber: 1) a pouca absorção de mão-de-obra durante a fase do plantio, da maturação e do processamento da matéria-prima; e 2) a natureza imediatamente perecível que a cana adquire após a colheita.<br />
A baixa absorção de mão-de-obra na produção de cana-de-açúcar repete-se, em outro patamar e por outras razões, no seu processamento. A natureza essencialmente química da fabricação do açúcar e do álcool impõe um processo de trabalho no qual os operários não entram em contato direto com a matéria-prima, o que torna mais rápido, como em toda indústria química, o processo de diminuição do número de trabalhadores por unidade fabril; isso significa um rápido avanço relativo do capital constante em relação ao capital variável; fato que gera uma diminuição particularmente rápida no valor impregnado em cada unidade dos produtos finais.<br />
O caráter extremamente perecível que a cana-de-açúcar adquire após o corte impede a existência de um comércio mundial desta matéria-prima. Segundo os técnicos mais experientes do setor, atualmente só é economicamente viável a cana plantada até 100 km de distância da unidade fabril em que será processada, o que é determinado pelos altos custos relativos do transporte e pelo caráter perecível do produto. Essa natureza perecível da cana colhida também impede a existência de um mercado nacional e mesmo estadual; o processo de compra e venda desta gramínea acaba sendo realizado num circuito municipal ou intermunicipal. Esse caráter perecível torna também impossível a constituição de estoques. Qualquer usina é obrigada a localizar-se muito próxima dos canaviais e, quase sempre, está territorialmente envolvida por estas plantações.<br />
As singularidades físicas e químicas da planta impõem outras particularidades decisivas para as relações capitalistas no setor. A inexistência de um mercado mundial de cana para abastecer ininterruptamente as unidades fabris e a impossibilidade da constituição de estoques desta matéria-prima que tivesse o mesmo objetivo impõem à parte industrial do setor uma grande diminuição na velocidade de rotação do capital, o que determinará uma tendência de baixa significativa na taxa de lucro. Sabe-se que dois capitais de igual grandeza e iguais taxas de mais-valia e de lucro produzem diferentes massas de mais-valia e de lucro, se tiverem tempos de rotação diferentes. Ou seja, pressupondo duas empresas de mesmo capital, é mais rentável a empresa que fabrica e vende mercadorias todos os dias do que uma empresa que gasta um tempo mais longo entre a preparação e a venda de seus produtos. A primeira empresa faz girar o seu capital circulante (matéria-prima e gastos com mão-de-obra) mais rapidamente e, portanto, mais vezes, o que determina uma maior absorção de mais-valia, uma maior massa de lucro, um menor tempo de amortização do capital e uma maior disponibilidade de liquidez.<br />
Enquanto uma indústria automobilística produz e vende muitos veículos a cada dia do ano, uma usina produz e vende açúcar apenas durante seis meses de cada ano, já que precisa esperar a maturação dos canaviais. Os meses de paralisia somente podem ser compensados pelo aumento das escalas produtivas (mas esse recurso tem limites relativamente estreitos, já que os aumentos de escala também geram externalidades negativas, como o aumento do tempo de amortização do capital) e pela brutal elevação da taxa de mais-valia, entre outros expedientes de graves conseqüências sociais e ambientais.<br />
Para aumentarem sua massa de lucro e continuarem acumulando capital, os usineiros têm utilizado os seguintes expedientes: 1) ampliação das áreas de “cana própria” com o objetivo de amealhar as rendas absoluta e relativa da terra e para tornar frágil a posição dos fornecedores de cana no mercado dessa matéria-prima; 2) aumento contínuo das escalas de produção, com o intento de diminuir o impacto financeiro negativo da baixa absorção de valor por unidade de cana e de produto final, o que implica na multiplicação dos latifúndios e na imposição da monocultura; 3) efetivação de altas taxas de sonegação de impostos estaduais e federais, bem como de retenção ilícita das contribuições para a previdência social; 4) descumprimento de vários artigos fundamentais da legislação trabalhista, com graves prejuízos para a vida profissional dos trabalhadores canavieiros; 5) combinação do uso da mais-valia relativa com a mais-valia absoluta, adquirindo esta última contornos realmente trágicos, expressos nos baixíssimos salários e na alta intensidade do trabalho, com impactos corrosivos para os sindicatos e outras organizações preocupadas com a organização dos trabalhadores agrícolas; 6) descumprimento da legislação ambiental, com o intuito de diminuir os custos de produção, com trágicos resultados para o equilíbrio ecológico; e 7) radicalização da captura das instâncias estadual e municipal da máquina pública e da cultura patrimonialista.<br />
1.2. Setor Sucroalcooleiro e o Capitalismo Periférico em Alagoas<br />
A agroindústria sucroalcooleira alagoana não é a industrialização do campo, é a ruralização da indústria. Constitui-se em um verdadeiro dinossauro econômico; a sua calda agrícola extensiva embarga-lhe o passo, esmaga gerações de trabalhadores alagoanos, atravanca a divisão social do trabalho e inibe o desenvolvimento dos traços mais positivos do capitalismo. Nas condições alagoanas, este setor econômico tem, além disso, o enorme inconveniente de possuir um grande potencial de reproduzir-se por séculos. Isso acontece não porque Alagoas tenha uma vocação genética, cultural ou metafísica para produzir açúcar, mas porque essa agroindústria inibe radicalmente a divisão social do trabalho e, portanto, dificulta muito o surgimento de atividades econômicas que possam superá-la. Há séculos o litoral nordestino, o alagoano em particular, é dominado pelos canaviais e pelo subdesenvolvimento radical que impõem.<br />
Não podemos confundir o desenvolvimento agrícola do capitalismo clássico com o desenvolvimento agrícola do capitalismo periférico. Por exemplo, a grande propriedade agrícola nos Estados Unidos de hoje, que tira vantagens do uso da economia de grande escala, é resultado do desenvolvimento da pequena propriedade rural capitalista, é a expressão de toda uma trajetória progressista e democrática durante a qual criou-se um amplo mercado interno de bens agrícolas, o qual foi decisivo para o barateamento dos alimentos e, portanto, para aumento relativo da renda dos trabalhadores e para a consolidação da mais-valia relativa em detrimento da mais-valia absoluta (como se sabe, a mais-valia relativa é também acionada pelo barateamento dos bens consumidos pelos trabalhadores, que pressupõe o desenvolvimento da produtividade na constituição desses produtos). No caso alagoano, a grande propriedade é a expressão do mais completo atraso, representa a negação do caminho progressista e democrático trilhado pelos Estados Unidos. A economia de grande escala das usinas alagoanas não expressa a modernidade, mas o desperdício em escala aumentada e representa uma enorme muralha que paralisa a verdadeira modernidade capitalista na agricultura; modernidade que se fundamenta na oferta de alimentos a preços constantemente declinantes para os trabalhadores urbanos.<br />
Alguns intelectuais têm utilizado, muitas vezes inconscientemente, a teoria de Lênin sobre o caráter progressista da economia de escala na agricultura para defender o setor canavieiro alagoano. Ora, Lênin se referia a economia de grande escala no contexto do capitalismo clássico e não no seio dos capitalismos prussiano e colonial. O autor de O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia sabia mais do que qualquer outro cientista as enormes diferenças entre o caminho clássico e o caminho não clássico de desenvolvimento da agricultura, tanto que foi quem mais aprofundou as reflexões de Marx e de Engels sobre o tema. Sabia claramente que em um contexto prussiano ou colonial a grande propriedade agrícola era um estorvo para o avanço do capitalismo no campo e em todas as esferas da sociedade. Utilizar de maneira descontextualizada a teoria do líder bolchevique sobre determinadas vantagens da grande propriedade na agricultura é o mesmo que inverter essa teoria e inviabilizar a compreensão adequada das realidades particulares.<br />
Apesar de todas as debilidades econômicas que possuem e de constituírem-se na causa principal do atraso do capitalismo alagoano, as usinas criam fortunas milionárias para os seus proprietários e impõem-se na paisagem com a perenidade das pirâmides. Isso é possível devido à colaboração dos governos federal e estadual e, principalmente, pelo fato de que a sociedade alagoana é essencialmente organizada no sentido de doar todos os seus recursos, de todas as suas esferas, para que essas empresas possam dar a maior massa de lucro possível aos seus proprietários. Por um lado o governo da União, por meio de subsídios generosos, da reserva de parte do mercado exterior (a chamada cota americana) e nordestino para o açúcar alagoano, afasta o máximo possível a concorrência e todos os outros mecanismos de mercado que representem perigo para esses capitais; por outro lado a sociedade e seu aparelho estatal são utilizados por essas empresas como um vasto campo de concentração, no qual podem encontrar ilimitados sacrifícios humanos de toda a ordem e magnitude. Outro suporte básico dessas empresas é a monopolização da renda da terra, ou seja, daquele ganho proveniente não do capital empregado mas do simples fato de deter um monopólio geográfico. Como as propriedades rurais dessas empresas são imensas, grandes parcelas dos seus ganhos são provenientes desse monopólio de largos pedaços da natureza; ganhos que não custam nenhum investimento.<br />
Pela ajuda generosa que historicamente ofereceram ao setor canavieiro, os vários governos federais do passado receberam o apoio de muitos deputados e senadores alagoanos, os quais, em sua maioria, são patrocinados diretamente pelos usineiros e sempre se colocam como fiéis defensores dos interesses desses capitalistas. A maioria da população alagoana, ao contrário, não ganha absolutamente nada por constituir-se em um mero instrumento da lucratividade desses capitais; cada centavo dos lucros das usinas é constituído por cada fato concreto da tragédia social, cultural e política vivida pela maior parte do povo alagoano. Entre outros fatos conhecidos de todos, as fontes de cada partícula dos ganhos monetários da agroindústria canavieira alagoana são as seguintes: 1) a morte das crianças da classe trabalhadora e o seu sepultamento em covas rasas; 2) a inibição do seu crescimento físico e intelectual pela precariedade dos alimentos e pela debilidade dos sistemas de saúde e educação; 3) a velhice precoce de homens e mulheres devido à dureza do trabalho e aos longos períodos de subalimentação e doença; 4) a destruição das culturas popular e erudita e de milhares de novos talentos artísticos, literários e científicos; 5) a precariedade da alimentação que atinge toda as regiões do Estado; 6) a marginalização de todos os valores morais democráticos e humanistas em benefício da prepotência, das hierarquias ilegítimas e do poder econômico; 7) a inexistência de recursos estatais para a constituição de políticas públicas adequadas; 8) a repressão à liberdade de pensamento e de organização sindical e política; 9) a destruição das estradas, do equilíbrio financeiro do sistema energético e de outros elementos da infra-estrutura sob a responsabilidade do estado; 10) o descumprimento das legislações trabalhista e ambiental e o aniquilamento de todos os recursos naturais mais importantes, como as matas, os animais silvestres e as fontes de abastecimento de água potável; e 11) o aproveitamento da desvalorização da moeda nacional frente ao dólar ou ao euro para a ampliação de sua rentabilidade.<br />
As precárias condições de vida que surgem desse modelo econômico tendem a tirar a legitimidade ideológica da burguesia agroindustrial; mesmo gastando muito em várias formas de propaganda ideológica, esta classe está sempre na iminência de ficar desmoralizada e desacreditada diante da opinião pública e da massa popular. O seu domínio, geralmente, sustenta-se muito mais na coerção do que no consenso, ou seja, mais na força bruta do que na sua capacidade de convencer as outras classes sociais das positividades do modelo de sociedade que propõe. Para que evitemos profundos erros teóricos e políticos, é preciso perceber claramente que esta classe social não tem condições objetivas de propor uma alternativa de desenvolvimento menos precário e desumano; as suas debilidades econômicas congênitas empurram-na para uma brutalidade constante e crescente e para o mais radical estreitamento político. Não há qualquer setor progressista, democrático e antiimperialista no seio dessa burguesia agroindustrial. Nenhum membro dessa classe dominante pode propor o progresso, a democracia e defesa dos interesses de Alagoas e da soberania nacional porque essa classe não representa o pólo moderno no nosso Estado, representa a união indissolúvel de um moderno atrasado, em relação ao moderno das regiões mais desenvolvidas do país, com um atraso também mais acentuado do que o atraso dessas regiões. Para esta classe social, combater o atraso seria combater a si mesma, o que certamente não está disposta a fazer. Além de construir, pela utilização da mais-valia absoluta, uma sociedade de miseráveis, a agroindústria alagoana, por seu caráter exportador, cria uma sociedade sem estabilidade econômica, sem mercado interno substancial e carente de qualquer grau significativo de divisão social do trabalho. A atual economia alagoana superou a escravidão, porém conserva ainda, de maneira modernizada, os outros traços da economia alagoana do período colonial; ainda baseia-se na monocultura, na união entre agricultura e indústria e na exportação dos seus principais produtos.<br />
Quando uma empresa vende um milhão de dólares, está trocando, do ponto de vista do valor, “seis por meia dúzia”, ou seja, está trocando um milhão em mercadorias por um milhão em dinheiro; o valor econômico é o mesmo, tendo havido apenas uma mudança na maneira de expressar-se: antes, expressava-se em mercadoria, depois da troca, expressa-se em dinheiro. O lucro das empresas não vem dessa troca de valores iguais; o lucro vem da troca desigual entre os empresários e seus trabalhadores, origina-se no fato de que os trabalhadores oferecem uma mercadoria (sua força de trabalho) que produz muito mais do que aquilo que os capitalistas pagam por ela; o lucro do capitalista vem dessa troca desigual e não da venda ao consumidor. Pelo desconhecimento desse mecanismo e o seu relacionamento com a constituição dos preços, muitas pessoas imaginam que a exportação é a única e principal fonte de riqueza de qualquer formação social. Ora, os países mais desenvolvidos do mundo baseiam sua riqueza no mercado interno e não na exportação. Os EUA e o Japão, por exemplo, não exportam atualmente mais do que quinze por cento de seus produtos; essas nações vêem o mercado exterior apenas como uma válvula de escape para os seus excessos de produção e como um dos mecanismos básicos de controle do valor de suas moedas.<br />
O preço de uma mercadoria oscila em torno do seu valor, mas a estabilização do mercado desta mercadoria tende a igualar valor e preço. Antes de haver a confluência completa entre valor e preço, é possível ganhar ou perder vendendo esta mercadoria acima ou abaixo do seu valor. O setor sucroalcooleiro alagoano dá tanta atenção às exportações pelo fato de que, por meio destas, consegue vender suas principais mercadorias acima do valor contido nelas, o que é possibilitado pelo sistema de câmbio, isto é, pela conexão particular da moeda brasileira com a moeda norte-americana e o euro. Em outras palavras, as trocas econômicas entre dois países, pelo fato de serem muito afetadas por variáveis não-econômicas (taxas, impostos e subsídios) e pela diferença de produtividade nas duas nações, constituem um mercado particularmente afetado pela dificuldade de confluência entre valor e preço. O setor sucroalcooleiro alagoano aproveita esta natureza particular do mercado mundial para auferir um lucro extra que, na maioria das conjunturas, não acontece na mesma magnitude no abastecimento do mercado interno.<br />
Pelo fato de exportar a maior parte de seus produtos, Alagoas entra em um círculo perverso: quanto mais exporta, mais fica dependente de poucos produtos e de poucos mercados e, por outro lado, mais inibe a diferenciação interna da sua economia e mais reproduz o modelo exportador. O Estado ergue, então, o mesmo tipo de economia no qual o Brasil estava submerso antes do processo de substituição de importações, iniciado nos anos trinta. O país exportava café e outros produtos tropicais e importava todos os outros bens que necessitava. É o que ocorre ainda hoje em Alagoas; importamos de outras formações sociais (principalmente de Estados brasileiros) quase todos os produtos industrializados e agrícolas, bem como grande parte dos serviços que necessitamos. Essa situação inviabiliza qualquer desenvolvimento econômico capaz de tornar a economia auto-sustentável e de possibilitar uma melhor distribuição dos recursos econômicos entre as várias classes e setores sociais da população.<br />
Enfim, a grande propriedade agroindustrial é a principal protagonista do atraso da Zona da Mata alagoana. O interior dessas propriedades é um dos locais privilegiados da reprodução da subjugação do historicamente novo pelo historicamente velho e da profunda inércia histórica que é a característica básica desta formação social. A condenação desse tipo de empreendimento e da espécie de capitalismo que pressupõe não é apenas ou principalmente um impulso ético, configura-se no resultado de uma análise apoiada em uma constatação científica que acompanha de perto algumas das mais importantes teorias produzidas pelas correntes progressistas de pensamento existentes no Brasil e no mundo.<br />
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2. Cooperativa agroindustrial sucroalcooleira:<br />
todos os males e nenhum benefício<br />
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2.1. Quais são as vantagens de uma cooperativa?<br />
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Quais seriam as diferenças e identidades entre uma usina administrada por uma cooperativa de trabalhadores rurais e uma usina administrada por capitalistas? Como toda cooperativa em uma sociedade regida pelo mercado, a entidade proposta seria uma espécie de “capitalista coletivo”, contudo com algumas singularidades em relação a uma empresa capitalista tradicional, empresas estas que se distribuem entre as de capital fechado e as de capital aberto. Em relação a uma empresa de capital aberto, qualquer cooperativa possui como principal singularidade o fato de que cada um de seus membros tem a mesma quantidade de poder nas decisões gerenciais. Cada associado representa um voto na assembléia geral e, portanto, as diferenças em termos de número de cotas, ou seja, as distintas quantidades de investimento individual, mesmo que determine diferentes rendimentos, não se expressam em um superior poder de influenciar a gestão. Como se sabe, uma sociedade anônima comporta diversos tipos de ações e os participantes podem enfeixar distintas porcentagens do total desses papéis, isso possibilita diferentes quantidades de poder de gestão e de acesso aos rendimentos líquidos da empresa. Em relação a uma empresa de capital fechado, a cooperativa possui a singularidade de ser um empreendimento igualitário em termos de gestão.<br />
O igualitarismo na gestão, que é da essência de uma cooperativa, determina que esse tipo de empresa seja mais adequado para determinados ramos produtivos e operações econômicas e menos adequado para outros. A igualdade de todos na gestão inibe o interesse dos grandes capitalistas que estão em busca de alta rentabilidade; isso impõe, na grande maioria dos casos, graves limites para o tamanho do patrimônio e para o capital de giro de uma cooperativa, o que vai determinar a sua inadequação aos ramos da economia nos quais os investimentos são mais altos. Uma grande siderúrgica dificilmente pode sobreviver no mercado durante um tempo significativo se for organizada como cooperativa. Na verdade haveria enormes dificuldades até para formar o capital inicial, que é muito grande nesse ramo. Existem exceções a essa tendência, mas são determinadas por circunstâncias muito específicas, de natureza política e de capacidade de obtenção de consenso em torno da visão do sistema de idéias cooperativista.<br />
O sistema cooperativista é eficiente para reunir em um único corpo econômico os pequenos e médios produtores, consumidores e trabalhadores que precisam adquirir ou vender produtos ou serviços, bem como ter acesso mais vantajoso ao crédito. Ou seja, a cooperativa atua bem no sentido de diminuir a concorrência entre os pequenos e médios agentes econômicos no seu confronto cotidiano com os grandes agentes ou no seu contato com as dificuldades infra-estruturais do seu ramo de atividade ou de seu consumo individual. As estatísticas mais recentes sobre o cooperativismo no Brasil comprovam essa maior adequação do sistema cooperativista a essas funções; demonstram também que as cooperativas na agropecuária são mais numerosas do que em outros ramos, seguidas pelas cooperativas de crédito e de trabalho. Outros números da mesma fonte nos informam que a maior parte dessas cooperativas é formada por pequenas e médias empresas. As cooperativas de produção, que abarcam a indústria, têm números pouco expressivos.<br />
2.2. O funcionamento da Agrisa como cooperativa agroindustrial<br />
Pressupondo as características do cooperativismo e da economia mercantil, bem como suas singularidades em Alagoas, como funcionaria uma cooperativa agroindustrial que assumisse as terras e o parque fabril das usinas AGRISA e PEIXA? Como qualquer usina, cada uma dessas empresas seria uma mistura entre agricultura e indústria, contudo teria a singularidade de também se constituir em uma mistura entre agricultura familiar e patronal. As duas mil famílias assentadas seriam gestoras da parte coletiva do projeto, formada pela área agrícola comum (se houvesse opção pela constituição de uma área desse tipo, como ocorreu na usina Catende, no município do mesmo nome, em Pernambuco) e pelo parque industrial, bem como das suas respectiva parcelas individuais. Na medida em que a cana, o álcool e o açúcar são produtos que impõem uma agricultura extensiva e uma produção industrial de grande escala e o cooperativismo não se compatibiliza com esse modelo, a configuração organizacional proposta pressuporia graves problemas de adequação do cooperativismo à parte fabril e aos tipos de mercadorias produzidas.<br />
Haveria também problemas para a consolidação da lógica da agricultura familiar. Já que as parcelas seriam necessariamente muito pequenas, com cerca de sete hectares utilizáveis, e as famílias não poderiam fazer retiradas significativas do lucro do parque industrial sem descapitalizar a empresa, o caráter extensivo da lavoura canavieira, que determina um baixo rendimento por hectare, imporia uma renda agrícola muito baixa para cada família e talvez não as pudesse elevar acima do nível da pobreza, mesmo somando esta renda com a auferida pelos salários ganhos na parte industrial e no trabalho na lavoura comum. A possível coletivização não teria qualquer efeito significativo no sentido de aumentar a renda ou a produtividade, já que a constituição de uma área comum a partir da diminuição das parcelas individuais não teria o condão de multiplicar os rendimentos por hectare e nem diminuir o número de pessoas que precisaria obter rendimentos da mesma área de produção, bem como não representaria nenhuma modificação técnica relevante (pressupondo que as famílias teriam acesso às mesmas condições técnicas para trabalharem suas parcelas).<br />
Um dos problemas mais importantes da fábrica residiria no fato de que o seu capital não poderia ser aberto, isto é, não poderia contar com uma capitalização por meio do mercado de ações. Por outro lado, na medida em que a usina teria que passar vários anos sem distribuir parte substancial do seu lucro líquido com seus gestores, sob pena de tornar-se inviável, e os salários seriam parte decisiva da renda das famílias assentadas, a empresa teria sérios problemas com a rigidez relativa da mão-de-obra, já que tenderia (como ocorre na usina Catende) a ser pressionada a não despedir parte significativa da mão-de-obra agrícola (no caso da existência de uma área comum) e industrial no período da entressafra. Sabe-se que as usinas alagoanas e de outros estados dispensam cerca de metade da mão-de-obra industrial e dois terços da mão de obra agrícola na entressafra; essa dura característica do setor sucroalcooleiro imporia uma grande desvantagem comparativa para a cooperativa agroindustrial proposta.<br />
A falta de capitalização, a rigidez da mão-de-obra e as fortes pressões para a distribuição do lucro líquido da empresa provenientes da baixa remuneração da parte agrícola somar-se-iam às dificuldades de ampliação da massa de lucros típicas do setor sucroalcooleiro para transformar rapidamente a cooperativa numa empresa cronicamente deficitária e ávida por subsídios governamentais cada vez mais freqüentes e abundantes. Essa fome de subsídios seria maior do que a apresentada tradicionalmente pelas empresas privadas do setor, na medida em que as dificuldades econômicas seriam maiores. As pressões sobre as instâncias estatais também seriam mais intensas, já que os argumentos sociais seriam mais fortes do que os comumente utilizados pelos usineiros. Estaríamos diante de um “elefante branco” com a cara dos oprimidos da terra. Enfim, a cooperativa agroindustrial sucroalcooleira proposta não seria competitiva e nem proporcionaria uma elevação substancial do padrão de vida das famílias assentadas. Seria uma espécie de ornitorrinco econômico, capaz de transformar em desvantagens as características mais positivas da grande empresa e as da agricultura familiar.<br />
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2.3. Uma Alternativa: cooperativas de produção de frutas, cereais e hortaliças<br />
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2.3.1. Introdução e Metodologia<br />
O mercado consumidor de produtos agropecuários no Estado de Alagoas é muito significativo, principalmente nos municípios de Santana do Ipanema, Batalha, União dos Palmares, Palmeira dos Índios, Arapiraca e Maceió. A capital, por exemplo, conta com cerca de 800.000 habitantes. Contudo uma porcentagem muito grande do abastecimento alimentar da população alagoana é suprido por produtos provenientes de outros Estados da Federação. Levando em conta o consumo doméstico e o consumo industrial, Alagoas é auto-suficiente apenas em açúcar, leite, alguns tipos de queijo, manteiga, carne bovina, banana, mandioca e laranja lima. A produção de coco-da-baía, que é suficiente para abastecer o consumo doméstico, não é suficiente para abastecer a fábrica da Sococo, uma das maiores da América Latina. O Grupo Coringa, localizado em Arapiraca, que produz alimentos à base de arroz, milho e mandioca, consumiria em quinze dias de trabalho toda a produção alagoana de milho, se esta tivesse preços competitivos e qualidade suficiente para não ser preterida pelo milho de outras regiões do país. União dos Palmares e Palmeira dos Índios, que são grandes produtores de aves de corte e ovos, também possuem uma demanda de milho incapaz de ser suprida pelos produtores alagoanos.<br />
Temos portanto um amplo mercado de produtos agrícolas que poderia ser suprido pela produção local. Com exceção daqueles produtos cujo clima alagoano não permite a exploração comercial, que constituem uma mínima parte dos produtos consumidos, seria possível produzir com competitividade vários alimentos que hoje são importados de outros Estados e de outros países. A principal vantagem competitiva é o baixo custo do frete para que a produção alagoana de hortaliças, cereais e frutas chegue ao mercado do próprio Estado. Alagoas, uma das unidades da federação com o menor território, está cortada por uma rede de estradas significativa. Por outro lado a existência de três climas bem demarcados nas três mesorregiões do Estado determina a possibilidade da produção dos produtos agrícolas mais diversos. Com base nessa constatação geral sobre o mercado de alimentos, veremos nas tabelas em anexo os números que demonstram as boas condições para a produção de hortaliças, cereais e frutas nas terras a serem desapropriadas.<br />
Antes de entramos na análise das tabelas, é necessário apresentarmos as fontes e a metodologia empregadas. As principais fontes foram o IBGE (Censo Agropecuário e PAM - Pesquisa Agrícola Municipal) e a EMBRAPA (as estatísticas sobre hortaliças no Brasil, baseadas em dados da FAO), bem como o estudo sobre o mercado de hortaliças no Maranhão elaborado por uma empresa de consultoria. As fontes organizadas pelo IBGE não trazem dados sobre o rendimento das hortaliças, nem informações (principalmente área colhida e produção total) a partir dos quais calcularmos este rendimento. O Censo Agropecuário traz informações apenas sobre quatro hortaliças e nem para essas é possível calcular o rendimento. A PAM sequer trata desses produtos. Encontramos no site da EMBRAPA, em artigos de revistas especializadas e em outros estudos esparsos (como o que trata do mercado de hortaliças no Maranhão) os rendimentos médios no Brasil das principais hortaliças. Não foi possível encontrar dados sobre o rendimento médio dessas hortaliças em Alagoas, inclusive porque muitas delas nem são produzidas no Estado. Alguns dados sobre rendimento no Brasil são mais precisos; são datados do ano de 2003. Os dados menos precisos, mas confiáveis, como o rendimento médio de determinadas hortaliças não contempladas pelas estatísticas da EMBRAPA, não têm data precisa; apesar disso, procuramos tomar as estimativas dos estudos mais recentes. Não há, portanto, perigo de estarmos trabalhando com rendimentos muito defasados.<br />
As tabelas são organizadas para correlacionar as dimensões macro e micro do mercado de hortaliças, cereais e frutas em Alagoas. Isso implica, naturalmente, na inclusão de números sobre o Nordeste e o Brasil, para que seja possível aquilatar a competitividade da eventual produção local. Cada tabela inicia-se com um balanço do suprimento em Alagoas de cada produto escolhido. O consumo total alagoano é calculado a partir do consumo médio anual por habitante (Pesquisa de Aquisição Alimentar 2003 - IBGE) multiplicado pela população alagoana. O total da produção alagoana por produto foi tirado da PAM de 2003. Segue os rendimentos agrícolas de Alagoas (dividido em suas três mesorregiões), do Nordeste e do Brasil. A distinção por mesorregião é importante devido às suas diferentes condições climáticas e de solo, que são mais adequadas para determinadas lavouras. Como já afirmamos, não apresentamos os rendimentos para Alagoas (e para o Nordeste) de várias hortaliças por falta de dados. Após esse item, as tabelas (no que se refere aos produtos para os quais temos informações) trazem a área plantada e a área colhida em Alagoas. Essas informações são decisivas para aquilatarmos o grau de estabilidade de suprimento dos produtos considerados. Por essa via, percebemos, por exemplo, que o milho e o feijão em Alagoas foram colhidos em menos da metade das áreas nas quais foram plantados. O que revela uma profunda fragilidade em suas cadeias produtivas. O outro item refere-se ao valor por tonelada, por kg e o valor produzido por hectare, bem como ao valor total da produção (ou seja, a soma dos valores recebidos por todos os produtores). Naturalmente, cada um dos três primeiros elementos citados é obtido por meio de determinada relação entre o valor total produzido e área colhida. Por último, as tabelas trazem, para aqueles produtos cuja produção local não supre completamente o consumo, o número de hectares que seriam necessários para o suprimento do mercado alagoano.<br />
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2.3.2. Análise das Tabelas<br />
As quatro tabelas (tabelas 1, 2, 3 e 4) relativas ao tema foram constituídas de tal forma que pudessem apresentar os três principais tipos de relação entre o consumo e a produção alagoana. A tabela 1 apresenta exemplos de produtos consumidos e não produzidos localmente. As duas tabelas seguintes apresentam alguns dos principais produtos consumidos, mas insuficientemente produzidos em Alagoas. Os dados sobre esses produtos foram separados em duas tabelas para diferenciarmos os produtos para os quais tivemos acesso a dados completos dos produtos para os quais não encontramos todos os dados necessários, principalmente o rendimento agrícola, a produção total e a área colhida no Estado e no Nordeste. A tabela 4 expõe alguns dos principais produtos que têm o consumo suficientemente coberto pela produção local.<br />
A análise da tabela 1 demonstra que Alagoas não produz cinco dos produtos mais importantes do mercado agrícola: tomate, cebola, batata-inglesa, melão e uva. Os três primeiros são produtos essenciais na cesta básica e os outros dois são significativos para a população que tem um poder de compra mais alto. Todos são plantados no Nordeste com um rendimento superior ao brasileiro, o que revela as boas possibilidades para que sejam explorados pelos agricultores alagoanos. Isto é, a insuficiência de sua produção não é determinada por um problema de inaptidão do clima e do solo local, na medida em que os outros Estados nordestinos de condições naturais parecidas produzem-nos em grande escala e com competitividade. É impressionante o fato de que, apesar de possuir condições naturais propícias, Alagoas não plante e comercialize produtos de tão alto faturamento por hectare. Três dos produtos citados possibilitam um faturamento situado 11 e 14 mil reais (pressupondo o rendimento nordestino); os dois restantes, o melão e a uva, apresentam um faturamento de 21 e 43 mil reais, respectivamente. Para se ter um bom parâmetro de comparação desses faturamentos, é importante observar a cana-de-açúcar colhida em Alagoas no ano 2003 possibilitou um faturamento localizado entre 2.000 e 2.500 reais por hectare, dependendo da produtividade do município considerado.<br />
No que se refere às terras das antigas usinas AGRISA e PEIXA, os dados da tabela comentada e informações agronômicas que tivemos acesso apontam para a possibilidade de as famílias assentadas plantarem melão, tomate, cebola e batata-inglesa e, sob determinadas condições, seria possível explorar até mesmo a uva. Naturalmente o aproveitamento dos produtos referidos pressupõe um grande aporte tecnológico, o qual será necessário criar por meio de um sistema formado pelo o Governo Federal, o Governo do Estado, os Municípios e a sociedade civil. A ausência desse esforço de desenvolvimento tecnológico tem sido uma das principais causas da não exploração desses produtos em solo alagoano, o que por sua vez é um fato determinado pela hegemonia política, econômica e ideológica das grandes propriedades produtoras de cana-de-açúcar.<br />
A tabela 2, uma das que apresentam os produtos insuficientemente abastecidos pela produção alagoana, mostra que o pimentão e o inhame possuem porcentagem significativa (38,85 e 81,16%, respectivamente) do seu consumo suprida pela produção de Alagoas. Os outros produtos (pepino, beterraba e cenoura), igualmente decisivos na cesta básica, têm uma porção mínima de suprimento local. Como já afirmamos, essa tabela está incompleta em relação à anterior. Apesar disso, se usarmos os dados de rendimento do Brasil, podemos ver que é bastante alto o faturamento por hectare desses produtos (média de 6.600 reais), quando comparado ao faturamento das lavouras da cana-de-açúcar, do feijão, do milho e do arroz, que ocupam áreas significativas em Alagoas.<br />
Organizamos a tabela 3 de forma a sublinhar as características específicas de três grupos de produtos. O primeiro grupo é formado pelo arroz, o milho e o feijão; estes são os produtos básicos entre os básicos, já que a maior parte da energia consumida pela população em forma de alimentos é proveniente deles. Pelas suas próprias características, os cereais têm a função de esteio energético em quase todas as nações. No Brasil, o feijão, mesmo não sendo um cereal, também passou a ser uma das colunas da alimentação, principalmente no Nordeste, onde disputando espaço com a mandioca (consumida, como se sabe, principalmente em forma de farinha). O arroz tem uma penetração nacional, enquanto o milho é muito mais presente no Sul e no Sudeste do país. O segundo grupo é formado por três frutas tropicais: o mamão, a melancia e a goiaba. São três das principais frutas consumidas no Brasil e possuem um bom faturamento por hectare. O último conjunto é formado apenas pela castanha de caju, produto de alta rentabilidade quando destinado ao mercado internacional e pouco ofertado no mercado local.<br />
A análise do primeiro grupo demonstra, inicialmente, que há um déficit muito significativo (cerca de 50%) entre a área plantada e a área colhida de feijão e de milho, revelando sérios problemas nessas lavouras. O déficit não é um acidente, os dados do IBGE demonstram que este fenômeno repete-se todos os anos. Esses produtos são explorados principalmente no Sertão e no Agreste. Não temos elementos suficientes para explicar o fenômeno, mas talvez esteja relacionado com a seca (na área produtiva do Sertão), as pragas e as dificuldades de armazenamento e comercialização. Seja como for, no que toca as esses alimentos, Alagoas somente produz um quarto do que consome. Para piorar a situação, o rendimento por hectare dos dois produtos é uma dos mais baixos do país.<br />
É importante sublinharmos que o consumo de milho que apresentamos na tabela (37.000 t) é o resultado da soma do consumo in natura do cereal, que é relativamente pequeno (6.420t), com o milho necessário para fabricar as toneladas consumidas de flocos e fubá de milho. Por não termos encontrados os dados necessários para o cálculo, deixamos de lado o milho necessário para suprir a avicultura alagoana, instalada principalmente nas cidades de União dos Palmares e Palmeira dos Índios. Contudo é relevante acrescentar que a Secretaria de Agricultura e Pesca do Estado de Alagoas estima em 50 mil toneladas o consumo total de milho. Como o feijão não costuma ser industrializado no Estado (e, mesmo no Brasil, a industrialização é insignificante), o consumo in natura coincide com consumo total.<br />
No caso do arroz, há uma constatação positiva e uma negativa. Alagoas tem um rendimento por hectare muito mais alto do que os rendimentos do Nordeste e do Brasil e, por outro lado, produz apenas 27% do arroz que sua população consome. Não estamos levando em consideração o consumo industrial do arroz, principalmente aquele que é usado como matéria-prima pelo Grupo Coringa. É impressionante o fato de que o Estado que tem as melhores condições naturais para a cultura do arroz tenha que importar dois terços deste cereal de outras unidades da Federação.<br />
Ainda na tabela 3, apresentamos o resultado do cálculo da área necessária a ser explorada com esses três produtos para que o consumo alagoano seja suprido pela produção local. Constatamos que a área necessária é maior que a área colhida existente. Os números são muito expressivos, principalmente no que se refere ao milho e ao feijão. A soma das áreas necessárias dos três produtos chega a 139 mil hectares; número que respalda bem a tese de que o suprimento local do consumo alagoano implica na diminuição significativa da área ocupada pela monocultura da cana-de-açúcar. O outro grupo de produtos considerados na tabela não precisa de áreas tão grandes, mas podem ser muito importantes para um projeto específico, como o que estamos planejando para as terras das antigas usinas AGRISA e PEIXA, já que têm um faturamento bastante significativo por hectare.<br />
O caso da castanha de caju é, na realidade alagoana, muito particular e por isso merece ser tratado com mais detalhes. Observemos, inicialmente, que o rendimento por hectare da Leste Alagoano (1.250 kg/h) é três vezes maior do que o rendimento do Ceará (300kg/h), que é o maior produtor e exportador brasileiro. Segundo informações que obtivermos, a produtividade alagoana pode alcançar 2.000kg/h, ou mais, com facilidade. Se considerarmos o atual preço atual do quilo da castanha no mercado externo (4,4 U$) e a solidez da demanda do produto, chegamos à conclusão de que a exploração da castanha no Leste Alagoano seria um empreendimento bastante rentável e com potencialidade de ocupar produtivamente milhares de hectares.<br />
Se fizermos um cálculo considerando o rendimento alagoano de hoje e o preço pago pela castanha no mercado internacional, o faturamento por hectare e a rentabilidade dessa lavoura seriam impressionantes, quando comparados com os outros produtos já mencionados, com exceção da uva. Pode-se objetar que o preço da castanha no mercado internacional não seria o mesmo pago ao agricultor, mas essa objeção deve ser respondida com a afirmação de que os próprios lavradores podem beneficiar a sua produção por meio de fábricas organizadas em regime de cooperativa. Como veremos detalhadamente adiante, a principal desvantagem da produção da castanha se relaciona com a possibilidade de reprodução da lógica da monocultura, o que poderia ser evitado por meio de um pacto entre o Estado e a sociedade civil em torno da administração racional dessa cultura.<br />
Finalmente, a tabela 4 expõe os produtos básicos que são suficientemente supridos pela produção alagoana. Entre esses produtos, há aqueles que são explorados com o objetivo principal de suprir o mercado interno (mandioca, manga e batata-doce) e aqueles que são plantados e beneficiados para a exportação, ou seja, para outros Estados da Federação (laranja e banana) ou outros países (maracujá e abacaxi). O maracujá e o abacaxi são produzidos principalmente na Cooperativa Pindorama, localizada entre Coruripe e Penedo, e só uma pequena parte da sua produção deve chegar à mesa do alagoano. A laranja produzida em Alagoas tem o inconveniente de ser de uma única espécie (lima), enquanto nosso mercado demanda também outros tipos. Isso não ocorre, felizmente, no caso da banana, cujo consumo de todos os seus principais tipos é suprido pela produção local.<br />
O consumo total da mandioca foi obtido, de modo análogo ao do milho, por meio da soma do seu consumo in natura e em forma de farinha. Isso se justifica porque o consumo in natura é tão pequeno em relação aquele em forma de farinha que, caso levássemos em conta apenas o primeiro, chegaríamos a uma representação bem distante da realidade. Em 2003, o consumo de mandioca foi de 8.490 toneladas e o de farinha de 33.702 toneladas. Considerando o aproveitamento atual de uma tonelada de mandioca quando beneficiada (250 kg de farinha), chegamos à conclusão de que o consumo da raiz e da farinha em 2003 demandou 134.808 toneladas de mandioca. Em contrapartida, foram produzidas nos mesmo ano 181.181 toneladas dessa raiz, o que dá uma sobra de 46.373 toneladas. Esses números demonstram que o Estado tem auto-suficiência no que se refere a esse produto e ainda exporta para outras unidades da Federação uma porcentagem significativa de sua produção.<br />
A batata-doce, mesmo sem ter a enorme presença da mandioca, é plantada na microrregião da Mata Norte e a sua produção supre o mercado local de um dos alimentos mais típicos da culinária alagoana, principalmente nas cidades da zona rural do Leste Alagoano e do Agreste. Palmeira dos Índios e União dos Palmares produzem alguma manga em um esquema mais racional, o resto dos municípios parece aproveitar mangueiras esparsas, localizadas nos quintais e plantações de outros produtos. Isso implica no fato de que a qualidade do produto, bem como a sua variedade, deixa bastante a desejar.<br />
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2.3.3. Conclusões e Projeções<br />
As tabelas comentadas trazem-nos dados capazes de levarmo-nos a conclusões muito relevantes sobre a questão do abastecimento em Alagoas e relativas às possibilidades dos novos assentamentos que serão implantadas nas terras das antigas usinas AGRISA e PEIXA. Uma primeira conclusão importante é a de que, se excetuarmos a área necessária para que a produção de arroz, feijão e milho supra o consumo alagoano, a área a ser ampliada para a produção local dos outros produtos da cesta básica ultrapassa pouco os 2 mil hectares, o que, a título de comparação, representa a mesma área ocupada por dez grandes fazendas canavieiras (de 240 hectares). Pela pouca área que precisam ocupar para satisfazer as necessidades dos alagoanos, a exploração desses produtos não requer o questionamento prático do modelo monocultor e latifundiário do Leste alagoano, embora implique numa denúncia teórica desse modelo; a sua não exploração nas dimensões necessárias relaciona-se a outras variáveis, como a inexistência em Alagoas de um aparato tecnológico que dê suporte a essas lavouras e à pequena dimensão do mercado de consumo alagoano, que faz os detentores de grandes capitais preferirem produzir cana, açúcar e álcool para os muito elásticos mercados internacionais desses produtos (além de pagarem em dólar). A situação é diferente quando levamos em conta o milho e o feijão, pois requerem grandes espaços para ampliarem suas áreas colhidas de maneira suficiente, os quais necessariamente seriam disputados à lavoura canavieira.<br />
O quadro abaixo sumariza os números que embasam essas considerações. Pode-se perceber que a área para o arroz, o feijão e o milho abarca 98,50% da área que necessita ser implantada. Por outro lado, é fundamental sublinhar que a área necessária total, que é de 141.080,76 hectares, que seria localizada majoritariamente no Leste Alagoano, representa 33,6% da área ocupada atualmente pela lavoura canavieira. Outro aspecto muito relevante encontra-se no fato de que a área existente ocupada com lavouras voltadas para o mercado interno teria que ser aumenta 257% para suprir o consumo do Estado. Isso revela um grande atraso no desenvolvimento da divisão social do trabalho, que é uma das principais características do capitalismo periférico em Alagoas.</div><br />
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<div align="justify">Quadro 1 </div><div align="justify"><br />
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É decisivo refletirmos sobre as condicionantes do preço (principalmente impostos, taxas, condições naturais e fretes) e sobre a origem dos produtos agropecuários importados pelo Estado (que releva o leque de concorrentes dos produtos plantados em solo alagoano), bem como detalharmos algumas características singulares do consumo local de produtos da cesta básica.<br />
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O alagoano está entre os brasileiros que consomem menos alimentos e as famílias do Estado ocupam o primeiro lugar entre aquelas que afirmam ter dificuldade de acesso aos alimentos necessários. O consumo per capita em Alagoas é 78,5 % do consumo paulista, 83,6% do consumo baiano e 76,4% do consumo brasileiro (POF/2003). Isso se explica pelas diferenças de renda média, de preço e qualidade dos produtos entre os Estados brasileiros. O alagoano tem menos dinheiro para gastar, o que freia o seu consumo de alimentos e de outros itens (apesar de a cesta básica alagoana está entre uma das mais baratas do Brasil; mas o que conta mesmo é a relação entre o preço desta cesta e a renda disponível para adquiri-la, ou seja, o decisivo é o poder de compra do consumidor e não o nível dos preços em si); por outro lado a baixa qualidade relativa de vários produtos que são importados de outros Estados (como as frutas tropicais e várias hortaliças), principalmente devida às longas distâncias que percorrem (as frutas precisam ser colhidas ainda muito verdes e as verduras acabam se machucando na viagem), poda o seu impulso de ampliar os gastos com alimentos em detrimento de outros.<br />
Desse modo, para sermos rigorosos em nossos cálculos sobre a área a ser plantada, seria preciso levar em conta as possibilidades de aumento de consumo no curto e médio prazo. Esse aumento poderá ser causado pela expansão da renda dos pobres, principalmente via programas de transferência de recursos patrocinados pelo Governo Federal e pela diminuição do preço e melhoria da qualidade que uma produção local pode provocar. Na medida em que o menor consumo alagoano em relação ao brasileiro incide na grande maioria dos produtos alimentares, podemos projetar com alguma razoabilidade que a área necessária para suprir este aumento de consumo gira em torno de 25% da área necessária para suprir o consumo alagoano atual. Contudo esse cálculo precisa ser feito com mais vagar, em um momento posterior da reflexão sobre o assunto.<br />
Não podemos subestimar o papel dos problemas da oferta no baixo consumo relativo do alagoano. Os produtos provenientes de outros Estados não enfrentam barreiras causadas por taxas e impostos (já que um dos componentes da famosa guerra fiscal entre os Estados brasileiros é a prática de quase todos isentarem seus produtos agrícolas de ICMS), mas os produtos não nordestinos, devido às grandes distâncias, têm incorporado aos seus preços um frete tão caro que inviabiliza a sua venda no Estado. Dependendo do caso, o frete pago por um agricultor paulista para transportar o seu produto para Alagoas encarece de 30 a 65% o preço final. Isso torna inviável a exportação para Alagoas da maior parte dos produtos agropecuários de Estados que estejam localizados em outras regiões do país. O problema principal é que o faturamento por tonelada da maioria desses produtos fica bem próximo do custo do frete por tonelada. Desse modo, o abastecimento de Alagoas só pode ser feito, essencialmente, pelos Estados de Pernambuco, Sergipe, Paraíba e Bahia. Portanto, do ponto de vista dos impostos, os produtores alagoanos não têm vantagens comparativas em relação aos produtores de outras unidades da Federação que desejem abastecer o mercado de Alagoas, a grande vantagem comparativa dos produtores alagoanos refere-se ao frete, seus produtos não incorporam os caríssimos fretes das viagens interestaduais.<br />
Tudo isso nos leva a concluir, quando pensamos sobre as alternativas produtivas para as os assentamentos nas terras das antigas usinas AGRISA e PEIXA, que é viável projetar uma área plantada com o objetivo de aproveitar as vantagens comparativas da produção local (além do frete, temos a vantagem de precisar colher os produtos em períodos mais próximos de sua maturação, o que melhora muito a sua qualidade), contudo é necessário constatar que essa espécie de área não é extensa o suficiente para abarcar a maior parte da área disponível. Será necessário projetarmos uma área com esses mesmos produtos com o objetivo de disputar mercados no nível regional (principalmente os de Sergipe, Bahia, Pernambuco e Paraíba). E também será preciso ocupar uma parte da área com produtos de exportação alternativos à cana-de-açúcar. Essas áreas podem ser dividas em termos de risco, entre outras clivagens. A produção para o mercado alagoano tem o menor risco, enquanto que a produção para o mercado exterior tem o maior; mas isso pode ser diferente, dependendo dos produtos que forem exportados, já que existem mercados bem sólidos para determinados gêneros tropicais, como é o caso da castanha.<br />
Na medida em que o conjunto das famílias assentadas teria direito a plantar em 13 mil dos 20 mil hectares desapropriados (os 7 mil hectares restantes constituiriam as áreas de preservação ambiental e reserva legal), chegamos à conclusão de que a área a ser ampliada para atingir o pleno suprimento local dos produtos alimentícios da cesta básica, com exceção do milho, do feijão e do arroz, poderia ocupar 2.500 hectares, que representa cerca de 20% da área disponível. Considerando parcelas que só explorassem esse tipo de produto, o que é apenas uma das possibilidades, essa área ocupada daria rendimentos líquidos médios de 1.200 reais por família. Contudo, das 2.000 famílias assentadas, somente 357 famílias estariam com os seus problemas de emprego e renda equacionados. Restariam ainda 1.643 famílias.<br />
Essas famílias restantes, ocupando uma área de 10.500 h, sempre pressupondo que as parcelas explorassem uma única fatia de mercado, teriam que ser divididas entre aquelas que explorariam os produtos da cesta básica para competir no mercado regional e aquelas que explorariam produtos de exportação para outros países, principalmente a castanha de caju. A dimensão das áreas totais desses dois tipos de exploração somente pode ser calculada em outro momento de nossa reflexão sobre o tema, já que requer um tempo de pesquisa que não dispomos. Contudo, podemos salientar que a exploração de produtos para competir no mercado nordestino é viável, mesmo que mais arriscado que a exploração dos outros dois mercados mencionados. Mesmo com relativamente poucos investimentos, o rendimento do cajueiro é tão alto no Leste Alagoano, o mercado internacional é tão sólido e os concorrentes brasileiros têm rendimentos tão baixos que a exploração da castanha de caju nos assentamentos parece ser o melhor negócio possível, pelo menos em termos de renda líquida média por família. Por outro lado, mesmo sendo muito segura e rentável, a exploração da castanha para o mercado internacional tem o risco de promover a constituição de uma nova monocultura em parcelas significativas do Leste Alagoano. Contudo esse problema pode ser contornado por meio de um pacto entre as várias instâncias do Estado e da sociedade civil no sentido de administrar politicamente a exploração da castanha, com o objetivo de obrigar a sua produção a limitar-se a uma determinada área e a enquadrar-se em um modelo de agricultura social e ecologicamente sustentável.<br />
Com base nos números das tabelas apresentadas no anexo, podemos perceber que a necessidade de introduzir uma área significativa de produtos de exportação para o mercado internacional, que implica no risco de construir uma nova monocultura, tem relação com o tamanho relativamente reduzido das parcelas que estarão disponíveis para cada família. Se essas parcelas tivessem o dobro de hectares, a maioria das famílias poderia plantar aqueles produtos que são a base da alimentação dos alagoanos (o milho, o arroz e o feijão) e cuja exploração é decisiva para constituir as bases da segurança alimentar e do desenvolvimento de uma agropecuária moderna, já que voltada essencialmente para o mercado interno e capaz de estabelecer uma densa rede entre a agricultura, a pecuária e o beneficiamento dos alimentos. A cadeia do milho é fundamental em qualquer sociedade contemporânea. A exploração suficiente de milho ativa a indústria de produtos alimentares, a avicultura e a suinocultura e, na seqüência, estimula o beneficiamento das carnes dessas duas atividades. Isso cria um círculo virtuoso entre produção de milho, aumento do valor agregado, da qualidade dos alimentos, dos empregos e da renda. Algo parecido ocorre com o arroz, que também é capaz de aumentar os empregos e provocar o surgimento de fábricas de beneficiamento e de produtos alimentícios derivados. O feijão, por sua vez, mesmo não tendo a possibilidade de ser usado como ração animal, tem um papel tão importante na alimentação do alagoano que qualquer melhoria no seu preço e ampliação da sua área colhida implica em grandes conseqüências positivas em termos de empregos e renda.<br />
Seria importante mencionar que a três áreas de exploração referidas poderiam ser espalhadas em porcentagens em cada uma das parcelas, respeitando evidentemente os tipos de solo e outras condições naturais. Isso poderia aumentar a diversidade biológica das parcelas e nivelar os riscos e a renda de todas as famílias envolvidas no projeto. Outra medida importante seria o consórcio das culturas mais comerciais com as culturas mais usadas para o consumo da própria família, como o milho, o feijão e o arroz (o arroz somente seria viável nas várias parcelas que possuem área das várzeas dos vários rios da região de Joaquim Gomes, Flexeiras e São Luís do Quitunde). O excedente dessa produção de subsistência poderia ser comercializado, o que também faria aumentar a renda líquida da família. Por outro lado, devido à existência de vários pequenos rios perenes na região, a piscicultura poderia ser uma alternativa muito importante, principalmente devido ao fato de ser achatado o consumo de pescados em Alagoas pela grande deficiência na oferta de peixe e camarões frescos. Por fim, não podemos esquecer os vários recursos existentes nas áreas de proteção ambiental e reserva legal (sete mil hectares) que podem ser explorados de maneira sustentável, principalmente o mel e outros produtos silvestres.<br />
Enfim, essas são as conclusões que pudemos chegar com os recursos e o tempo que dispomos.<br />
1. Não é viável a constituição de uma cooperativa agroindustrial para produzir cana, açúcar e álcool nas terras das antigas usinas AGRISA e PEIXA, pelo menos no contexto no social, econômico e político no qual foram desapropriadas. Devido à pequena dimensão das parcelas, o baixo faturamento da cana por hectare e a rigidez da mão-de-obra provocada pela inadequação da forma cooperativa para uma usina ou uma destilaria, a constituição de uma cooperativa desse tipo repetiria os graves defeitos que se pode constatar na Cooperativa Harmonia (que administra a usina Catende) e significaria a construção de um verdadeiro “elefante branco”, com prejuízos para todas as partes envolvidas no projeto. A Cooperativa Pindorama, que ainda não moeu cinco safras, é sempre bom lembra isso, possui condições muito diferentes daquelas existentes na Cooperativa Harmonia e das que existiriam numa cooperativa sucroalcooleira constituída nas antigas usinas AGRISA e PEIXA. As principais diferenças encontram-se no tamanho dos lotes e na ausência de rigidez da mão-de-obra em Pindorama, além da sua sólida infra-estrutura constituída em décadas de apoio financeiro nacional e internacional a fundo perdido. Em Pindorama, os lotes possuem entre 20 e 30 hectares e a mão-de-obra é assalariada; isso significa uma renda líquida alta por lote e a não existência da rigidez de mão-de-obra no campo e na parte industrial. O modelo de Pindorama não se aplica às condições que existiriam numa cooperativa constituída antigas usinas AGRISA e PEIXA, pelo menos no contexto em que foram desapropriadas, ou seja, com um número de demandantes que impõe lotes de 7 hectares por família e, devido a isso, a impossibilidade de usar outros trabalhadores a não ser aqueles integrantes das próprias famílias assentadas, o que gera necessariamente a referida rigidez de mão-de-obra.<br />
2. A melhor alternativa seria a constituição de várias cooperativas articuladas para explorarem o plantio, o beneficiamento e a venda de produtos agropecuários e de origem animal, com exceção da cana, do açúcar e do álcool (pelas razões expostas acima). Essas cooperativas poderiam ser divididas por produto, movimento social ou por fatia do mercado a ser explorada. Na medida em que cada faixa do mercado implicaria em riscos e rentabilidade diferentes, seria importante que cada parcela fosse composta por produtos destinados a mercados distintos, evitando que algumas famílias ficassem sobrecarregadas com determinados riscos e outras privilegiadas com uma renda mais alta. Essa verdadeira engenharia social implicaria em uma série de pactos decisivos entre as varias instâncias estatais, os movimentos que lutam pela reforma agrária e outros setores da sociedade civil preocupados com a resolução da questão agrária em Alagoas.<br />
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3. Referências Bibliográficas<br />
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CARVALHO, Cícero P. de. Análise da reestruturação produtiva da agroindústria sucro-alcooleira alagoana. Maceió: EDUFAL, 1998. (Série Apontamentos, 42).<br />
CARVALHO, Cícero P. de. Pindorama: a cooperativa como alternativa. Maceió: EDUFAL, 2005. (Série Apontamentos, 50).<br />
HEREDIA, Beatriz A. Formas de dominação e espaço social: a modernização da agroindústria canavieira em Alagoas. São Paulo: Marco Zero; Brasília, DF: MTC/CNPQ, 1988.<br />
IANNI, Octávio. Origens agrárias do Estado brasileiro. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.<br />
LIMA, Araken A. A agroindústria canavieira alagoana: da criação do IAA a desregulamentação na década de 1990. Campinas: Instituto de Economia/UNICAMP, 1994. (Dissertação de Mestrado).<br />
LIMA, Araken A. de. A crise que vem do verde da cana: uma interpretação da crise financeira do Estado de Alagoas no período 1988-96. Maceió: EDUFAL, 1998. (Série Apontamentos, 30).<br />
MELLO, Paulo D. A. Reestruturação produtiva na atividade canavieira: ação sindical e dos movimentos sociais rurais em Alagoas a partir de 1985. Recife: Departamento de Ciências Sociais/UFPE, 2002 (Tese de Doutorado).<br />
SZMRECSÁNYI, Tamás. O planejamento da agroindústria canavieira do Brasil: (1930-1975). São Paulo: HUCITEC/UNICAMP, 1979.<br />
UFSCAR – UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. A competitividade do sistema agroindustrial da cana-de-açúcar e novos empreendimentos viáveis baseados na utilização de matérias-primas originadas da cana-de-açúcar e seus derivados. São Carlos/SP: UFSCAR/CNI/IEL/SEBRAE, 2004. (Relatório de pesquisa)</div></div></div></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-38396510891873847872009-06-10T11:39:00.001-03:002009-12-29T18:08:44.313-02:00<div align="justify">Crise na Assembléia e Limites Políticos da Sociedade Civil Alagoana<br />
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(Golbery Lessa, historiador)<br />
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Em fevereiro do presente ano, a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) que abriu a possibilidade do retorno à casa de Tavares Bastos dos deputados estaduais afastados pela Justiça teve o efeito de despertar na sociedade civil maior vigor na busca de novos caminhos para a mobilização referentes à mudança da cultura política local. A postura anterior das várias entidades reunidas no Movimento Contra a Criminalidade e a Corrupção (MSCC) baseava-se no elitismo, num exagero na moderação prática e ideológica (algo fora do lugar num contexto de emergência política e ética) e no excesso de confiança no discurso jurídico (como se este fosse suficiente e o único pertinente). O esperado golpe da atual ilegítima mesa diretora de não instalar os trabalhos legislativos do ano de 2009 no dia marcado para uma significativa manifestação popular foi respondido, brilhantemente, com o contragolpe da ocupação do plenário e a instalação simbólica de uma “Assembléia Legislativa Popular”, contundente recado sobre a possibilidade real de um afastamento irreversível entre os poderes constituídos e a sociedade civil, com ocorreu em 17 de julho de 1997. Contudo, ainda há um logo caminho a percorrer para que os alagoanos encontrem forças suficientes para renovar o Poder Legislativo estadual e as suas práticas políticas. Será necessária principalmente uma profunda autocrítica do campo progressista.<br />
Por quais motivos a sociedade civil não está conseguindo mobilizar-se com eficiência e efetividade contra as presumidas ilegalidades (mesmo respeitando o princípio do contraditório e sem querer julga no lugar da Justiça, temos o direito de dizer que existe uma montanha de indícios) praticadas na Assembléia Legislativa? As limitações políticas e ideológicas da mobilização popular estão expressando as limitações da sociedade civil alagoana na presente etapa de seu desenvolvimento, particularmente dos trabalhadores sindicalizados mais atuantes e dos setores empresariais “não-canavieiros”. Essas limitações têm relação com a configuração particular das classes sociais no Estado e a história das idéias e das práticas políticas locais. Deixemos os setores empresariais referidos para um artigo futuro e analisemos o outro sujeito social citado.<br />
Os trabalhadores até agora mobilizados estão reunidos principalmente em entidade de funcionários públicos municipais, estaduais e federais, além de estarem nos movimentos de luta pela terra, cujos membros formam a massa disposta às ações mais contundentes e o grosso das passeatas. Segundo o site do MSCC, o movimento teria sido fundado pelos seguintes sindicatos e entidades: Sindicato dos Policiais Rodoviários (SINDPRF), Sindicato dos Servidores do Judiciário Federal e MPU (SINDJUS), Sindicato dos Urbanitários, Sindicato dos Trabalhadores em Seguridade Social (SINDPREV), Sindicato dos Servidores Públicos de São Miguel dos Campos (SIMESC), Sindicato dos Médicos, Sindicato dos Taxistas, Sindicato dos Trabalhadores em Educação (SINTEAL), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Ordem de Advogado do Brasil – AL. Vê-se que o grosso das entidades fundadoras do movimento é formado de funcionários públicos, principalmente federais, secundados pelos servidores estaduais (urbanitários e trabalhadores na educação). Esse perfil manteve-se inalterado até o presente momento (junho de 2009); basta ver que os “deputados populares” escolhidos simbolicamente durante a ocupação do plenário foram, na maioria, os dirigentes das entidades apontadas e uma minoria de lideranças dos movimentos agrários. O grosso dos trabalhadores do setor privado, a maioria dos trabalhadores da capital e do interior, e suas entidades representativas estiveram ausentes; essa ausência tem tido um impacto decisivo nos rumos práticos e ideológicos do movimento. Por quê? Porque sem diálogo e aliança com os trabalhadores do setor privado o sindicalismo dos funcionários públicos tende a projetar alguns limites estruturais de sua natureza nas práticas e na subjetividade dos movimentos políticos dos quais participa.<br />
Os principais limites do sindicalismo no serviço público são os seguintes: 1) a estabilidade no emprego, arma necessária contra o clientelismo, modifica bastante o significado da greve e de outros atos de rebeldia da força de trabalho; a greve torna-se burocrática e destituída do caráter épico que tem no setor privado, onde existe a angustia pela possibilidade de perder o emprego, o ódio natural contra os pelegos, a vigilância radical dos acordos feitos pelas lideranças, entre outros dilemas; o caráter rotineiro da greve no serviço público cria espaço para um sindicalismo marcado pela moderação, o desleixo com o debate fundamentado de questões mais amplas e a supervalorização política das ações judiciais; essas circunstâncias geram a perpetuação das mesmas lideranças, dificuldade a renovação dos quadros sindicais; 2) a significativa quantidade de servidores que entraram sem concurso público (antes de 1988) por terem “costas quentes” e o grande número de cargos de confiança acabam cooptando para o “patrão” (o governo) ou para as correntes de clientelismo relevante parte das lideranças existentes na categoria, o que dificulta a organização pela base e as mobilizações por bandeiras políticas concretas; e 3) o servidor tem o estado como patrão e não a diretoria de uma empresa privada, o que termina gerando uma identidade entre mobilização sindical e mobilização política, ou seja, os servidores se colocam contra o governo de plantão com mais facilidade do que os trabalhadores privados e parecem se politizar muito mais rapidamente do que estes; contudo, ocorre de fato mais freqüentemente uma “politicização” do que uma politização, isto é, os servidores tendem a limitar os temas políticos a aspectos superficiais e a prognosticar o moralismo como remédio para todos os males, tendo grande dificuldade de perceber os embates econômicos decisivos entre as forças sociais e econômicas que estão na base do universo político; essa dificuldade de perceber os verdadeiros interesses em jogo é ainda reforçada pelo fato de que o próprio exercício da função pública, que objetiva regular os conflitos sociais, gerar a ilusão em quem a exerce de estar acima das classes , de ser um juiz imparcial dos interesses em luta.<br />
Em 1950, os trabalhadores da indústria eram 44% da força de trabalho urbana de Alagoas e os funcionários públicos tinham uma participação muito menor, em torno de 10%. A expansão das atividades estatais iniciada no Estado Novo, continuada na época do “milagre brasileiro” e reforçada pela Constituição Federal de 1988 inverteu esse quadro: em 2000, os funcionários públicos passaram a ser 25% dos assalariados urbanos e os operários industriais foram reduzidos para 18%. Os servidores agora recebem quase 70% da renda do trabalho no Estado e têm em média a metade da participação entre a população que recebe de 3, 5, 10 e 20 salários mínimos. O setor privado passou a ser formado pelos comerciários (13% em 1950 do emprego urbano, 21% em 2000) e pelos prestadores de serviço (24% em 1950 do emprego urbano, 23% em 2000) na maioria empregada em empresas pequenas, mas não apenas nelas. Essas modificações na configuração da força de trabalho acompanharam as modificações no PIB, que passou a ser formado, a partir de meados dos anos 1980, majoritariamente pelo setor de serviços, com forte presença neste das atividades do setor público (administração, saúde, segurança e Justiça), numa porcentagem só alcançada em outros estados menos desenvolvidos do país.<br />
Esta nova realidade quantitativa criou as possibilidades de um mundo diferente na representação sindical e política dos trabalhadores. As lutas sindicais do passado, baseadas nos trabalhadores do setor privado e lideradas pelos comunistas e trabalhistas deram lugar, notadamente a partir de meados dos anos 1980, a lutas nucleadas pelos funcionários públicos e orientadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Uma minoria entre os trabalhadores urbanos protegida pela estabilidade no emprego, lotada em entidades com centenas de indivíduos e possuidora de 70 % da massa salarial, passou a hegemonizar o sindicalismo e a representação política dos assalariados, deixando na penumbra uma maioria formada por operários industriais dispersos nas duas dezenas de usinas, na construção civil e em outros ramos industriais de menor expressão demográfica (os químicos são poucos, mas produzem 20% do PIB alagoano), bem como uma grande quantidade de comerciários espalhados em milhares de pequenas lojas (com exceção dos supermercados) e de assalariados do setor de serviços pessoais e a empresas. Criaram-se, assim, as condições para a existência de duas culturas políticas específicas, com lideranças, idéias e lógicas distintas e, em várias dimensões, antagônicas. Os trabalhadores do setor privado passaram a agir e pensar a política fora dos marcos clássicos do sindicalismo de esquerda, já que foram praticamente abandonados - ou incompreendidos - por esta corrente ideológica, convergindo apenas em alguns momentos com as idéias e as ações dos funcionários.<br />
De modo geral, os trabalhadores alagoanos do setor privado são mais difíceis de organizar devido à existência de um substancial exército laboral de reserva no Estado e da inexistência de estabilidade no emprego, entre outras variáveis. Além destas, cada uma das categorias desses trabalhadores possui dificuldades específicas. Os operários das usinas têm dificuldade de se organizar porque os seus direitos de associação e expressão são negados na prática pelos empresários e outras instâncias de poder (são mais vigiados porque podem parar o coração econômico da oligarquia canavieira); os trabalhadores da construção civil, apesar de estarem concentrados em poucas grandes empresas, têm a desvantagem de conviverem com uma intensa dispersão das equipes ao final de cada obra; os comerciários na maioria estão dispersos em milhares de pequenas lojas, onde o paternalismo patronal e a vigilância se exercem com o mesmo empenho, com a exceção dos grandes supermercados. Algo análogo ocorre com as trabalhadoras domésticas (60 mil em Alagoas) e os assalariados do setor de serviços a empresas. Apesar disso tudo, esses assalariados teriam uma chance de constituírem sindicatos mais fortes se o imaginário político alagoano não estivesse tomado desde meados dos anos 1980 por idéias feitas à imagem e semelhança dos limites do sindicalismo dos servidores públicos, sindicalismo que nega a importância política do trabalhador do setor privado (visto como um lumpemproletariado que vende o seu voto e atrapalha o progresso das idéias progressistas), por mais que esta negação não apareça formulada com sinceridade.<br />
O dia 17 de Julho de 1997, jornada de protesto liderada pelos servidores públicos estaduais que motivou a renúncia do então governador Divaldo Suruagy, ponto culminante de uma crise econômica que se expressava, entre outras coisas, no não pagamento do funcionalismo, foi emblemático dos limites e possibilidades do sindicalismo alagoano contemporâneo. Sua análise ensina sobre as atuais dificuldades de mobilização. Os funcionários públicos estaduais, com o apoio de toda a sociedade civil, derrubaram o mesmo governador no qual tinham votado dois anos e meio antes; o tinham escolhido na esperança de que Suruagy trouxesse de novo uma época áurea para os vencimentos dos servidores. Só que o governador, que até aquele momento era um verdadeiro mito, não foi capaz de realizar a tarefa impossível de trazer de volta a conjuntura de seus primeiros mandatos, nas quais havia dinheiro suficiente para obras públicas e expansão do gasto com pessoal. O “acordo dos usineiros” havia acabado de debilitar os cofres públicos e uma série de circunstâncias legais e econômicas impediram rolagem da dívida do Estado. Diante do acúmulo de meses sem pagamento, os servidores transformaram o apoio em crítica, a simpatia em ódio.<br />
O verdadeiro levante armado de 17 de Julho de 1997 foi uma saída democrática e popular para uma quadra histórica na qual as classes dominantes caíram na inércia porque não tinham coesão nem projeto político definido, não possuíam lideranças públicas com iniciativa e só assistiam sua hegemonia deteriorar-se progressivamente. A partir de um determinado momento, a quase totalidade da população apoiava, mesmo que não ativamente, a vanguarda de sindicatos e associações de servidores públicos que encetou vários tipos de protestos e formas de mobilização até conseguir a destituição do governador, tendo realizado a tarefa aparentemente impossível de impor a sua vontade à maioria folgada que Suruagy possuía na Assembléia Legislativa. Esse movimento político tão poderoso não foi, por outro lado, capaz de aprofundar significativamente o seu diagnóstico e os seus objetivos; virou-se para uma saída moderada demais e muito imprudente para quem havia sofrido tanto com as aventuras do status quo: apoiou uma candidatura (Ronaldo Lessa) sem um compromisso claro com mudanças estruturais e se absteve de eleger uma bancada de deputados progressistas ao lançar a principal liderança do movimento (Heloísa Helena) para o senado federal. Ronaldo Lessa fez dois governos de centro-direita, repetindo no básico os projetos políticos tradicionais (é sempre possível encontrar um roda-pé progressista em qualquer governo e seria possível encontrá-lo no de Lessa, mas isso não muda o seu rumo político essencial). Heloísa transformou-se em liderança nacional e o Brasil a furtou de Alagoas (sua volta com vereadora em 2009 parece ser a forma que a história encontrou para reparar esse erro). Após 12 anos do dia 17 de Julho de 1997, a esquerda alagoana demonstra ter perdido o rumo ideológico e os votos, tornando-se uma força temporariamente residual; o poderoso movimento popular pariu um rato porque expressou a força e os limites de sua principal base social: os servidores públicos isolados dos trabalhadores do setor privado. Muita moral, revolta e capacidade de luta, mas diagnóstico superficial e idéias tímidas. <br />
A fragilidade relativa da atual mobilização da sociedade civil alagoana contra o status quo político na Assembléia Legislativa se explica, entre outras variáveis, pelos limites ideológicos e políticos da base social da vanguarda sindical mobilizada, que se expressa na subjetividade e na ação dessa vanguarda. Seu discurso tem sido abstrato, fragmentado, legalista e eivado de um moralismo empobrecedor do debate. Diz que o sistema político é corrupto porque as principais lideranças são corruptas (uma afirmação quase tautológica) e esquece-se de explicar quais variáveis permitem que os corruptos cheguem ao poder e permaneçam nele.<br />
Os seguintes fenômenos estruturais que determinam a corrupção e a crise no Legislativo são esquecidos: 1) a universalização da aposentadoria rural, a estruturação dos sistemas nacionais de financiamento da saúde e da educação, o Bolsa Família e os programas oficiais de crédito aos pequenos agricultores, entre outros fenômenos análogos, bem como a diminuição radical do número dos moradores das fazendas (a partir de meados dos anos 1980) provocaram mudanças profundas na situação do eleitorado, dando-lhe mais independência das redes de clientelismo e tornando muito mais cara a manutenção das chamadas “bases eleitorais”; 2) a participação majoritária do setor de serviços no PIB, a partir dos anos 1980, determinou o aumento do nível de urbanização do eleitorado e o fortalecimento de novos atores, como o funcionalismo público, os comerciários e os prestadores de serviço a empresas, robustecendo a sociedade civil e o peso da opinião pública no resultado das eleições (na verdade, essa urbanização do voto constituiu-se numa “reurbanização”, já que nos anos 1950 a impossibilidade do voto do analfabeto fizera o voto urbano ter uma importância decisiva, representando por volta de 40% do eleitorado), fatos que “inflacionaram” ainda mais o voto rural e tornaram o voto citadino muito caro para ser “comprado” sem um rede dispendiosa de clientelismo; e 3) o fortalecimento do poder político da União em relação aos Estados a partir de 1995 (por meio do Plano Real e uma série de medidas implementadas pelos governos de Fernando Henrique Cardoso: Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Kandir, Programa de Apoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal dos Estados, vinculação de recursos para as áreas da educação básica [FUNDEF] e da saúde [Emenda Constitucional n° 29], etc.) diminuiu as arbitrariedades nas contas dos Estados que eram aproveitadas politicamente pelas oligarquias; esse desequilíbrio do pacto federativo, apesar de suas intenções neoliberais, teve, em Alagoas, um impacto positivo no que toca ao fortalecimento do espaço democrático ao abrir espaço para a valorização da polícia federal e do Ministério Público, agora reestruturados por constantes concursos e melhorias salariais.<br />
As presumidas irregularidades no uso do dinheiro público na Assembléia Legislativa explicam-se, em nossa opinião, pelo conflito entre as novas circunstâncias hostis ao antigo status quo político e sua disposição de resistir às mudanças democratizantes que a nova realidade impõe. A inflação dos gastos nas campanhas políticas alagoanas originou-se do aumento radical da monetarização dos laços políticos nas cadeias de clientelismo e dos gastos com o marketing necessário para amealhar o voto de um eleitor mais moderno e independente. Em decorrência, diferente do passado, no qual o mandonismo político se realizava com acordos a fio de bigode, o poder político passou a ser determinado, para aqueles que não desejaram trilhar o saudável caminho da disputa democrática, cada vez mais pela capacidade de amealhar dinheiro sonante em quantidades cada vez maiores, daí a busca de acesso irregular aos fundos públicos. A corrupção no sistema político alagoano contemporâneo não é, portanto, expressão da onipotência de um grupo de políticos e a pretensa prova de que tudo permanecerá igualmente miserável nessa terra de natureza luxuriante, é a demonstração que uma nova etapa de modernização se aproxima e de que a sociedade civil precisa superar os seus limites para atenuar as dores do parto e moldar o futuro de maneira mais generosa.<br />
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Maceió-AL, junho de 2009.<br />
</div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-42412840756912154612008-12-19T09:58:00.003-02:002010-04-15T13:51:41.503-03:00<a href="http://2.bp.blogspot.com/_2TdFHAVMlvs/SUuNTHFE86I/AAAAAAAAHfw/nJx0tOu4rk8/s1600-h/F%C3%A1brica+Alagoana+recortado+1.jpg"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5281470347479413666" src="http://2.bp.blogspot.com/_2TdFHAVMlvs/SUuNTHFE86I/AAAAAAAAHfw/nJx0tOu4rk8/s320/F%C3%A1brica+Alagoana+recortado+1.jpg" style="cursor: hand; display: block; height: 227px; margin: 0px auto 10px; text-align: center; width: 320px;" /></a><br />
<div align="justify">Para uma História da Indústria Têxtil Alagoana<br />
[por Golbery Lessa] <a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title="">[1]</a><br />
[Introdução: a história de Alagoas não é a história do açúcar]<br />
Na historiografia alagoana clássica, surgida entre a segunda metade do século XIX e as três primeiras décadas do século XX, não existe a proposta de exagerar o papel da atividade canavieira na história do Estado e subestimar o significado de outros setores econômicos, como a pecuária, o comércio, a lavoura algodoeira e a produção de tecidos. Nos textos de Tomás Espíndola, Dias Cabral, Moreno Brandão e Craveiro Costa, para citar alguns dos autores mais conhecidos, inexiste a tese de que a história de Alagoas seria a história do açúcar. Entretanto, os livros Açúcar e Algodão, <a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title="">[2]</a> de Humberto Bastos, e O Bangüê nas Alagoas,<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title="">[3]</a> de Manuel Diegues Júnior, publicados em 1938 e 1949, foram interpretados de maneira distorcida por uma opinião pública impressionada com o poder adquirido pelas usinas a partir dos anos 1960 e ajudaram, involuntariamente, na invenção de uma teoria canavieira sobre a formação social alagoana que, mesmo sem conseguir impregnar a historiografia, tornou-se hegemônica nos discursos político, jornalístico e burocrático.<br />
A partir da interpretação canavieira fica difícil escrever a história de municípios tão importantes como Delmiro Gouveia, Santana do Ipanema, Palmeira dos Índios, Arapiraca, Penedo e Maceió, estruturados por atividades agropecuárias, comerciais, de serviços e industriais muito distintas do setor açucareiro. Vastas regiões do Estado e mesmos momentos históricos decisivos de áreas do atual Leste Alagoano não podem ser suficientemente explicados por um raciocínio baseado na noção de “civilização do açúcar” ou qualquer um dos seus sucedâneos. Na trilha dos clássicos, historiadores contemporâneos de distintas perspectivas metodológicas, como Dirceu Lindoso, Sávio de Almeida, Douglas Apratto, Osvaldo Maciel, Fernando Medeiros e José Alberto Saldanha, têm sublinhado a importância de outras atividades econômicas, temas e regiões e, desse modo, deixado aberta a possibilidade para abordagens mais complexas da história de Alagoas.<br />
Citemos alguns dos inúmeros fatos que não cabem na teoria que exagera o papel do açúcar: 1) a ascensão da cultura do algodão durante quase todo o século XIX e sua presença significativa até a primeira metade do século XX, envolvendo amplas áreas dos atuais Sertão e Agreste, definindo as bases da estrutura fundiária dessas regiões e chegando a ser cultivado na área tradicionalmente canavieira; 2) a proeminência econômica da burguesia comercial de Jaraguá (com decisiva presença de portugueses e outros europeus) durante aquele mesmo período, simbolizada pela centralização do poder em Maceió (1839) e pela criação da Associação Comercial (1866); 3) o papel decisivo do capital mercantil (alagoano, nordestino e estrangeiro) na constituição das primeiras grandes usinas locais (Brasileiro, Utinga Leão, Serra Grande e Sinimbu) e na constituição das doze fábricas de fiação e tecelagem; 4) o fato de que essas fábricas têxteis chegaram a rivalizar com a indústria do açúcar entre os anos 1930 e 1960 em termos de capital investido, valor produzido e número de operários; e 5) a grande descontinuidade existente entre o engenho e a usina, tanto em termos de suas lógicas econômicas básicas quanto no que se refere à origem de seus capitais.<br />
É um universo de personagens e questões decisivas que tem sido negligenciado. Se observarmos apenas os casos da burguesia e da classe trabalhadora das fábricas têxteis, já entramos num espaço importante para entender melhor os descaminhos do ethos capitalista e das relações sociais mercantis em Alagoas, na medida em que esses sujeitos encarnaram a vanguarda desse mundo burguês entre o final do século XIX e meados do século XX. Isso implica em abrirmos a possibilidade de compreender melhor um dos momentos decisivos da reafirmação do caráter colonial, tardio e autoritário do capitalismo alagoano.<br />
[Virada do século XIX para o século XX: entre a usina e a fábrica têxtil]<br />
Após um primeiro momento de consolidação, vivido entre a última década do século XIX e as duas primeiras do século XX, a indústria têxtil alagoana chegou ao seu amadurecimento entre os anos 1930 e 1950, passando a apresentar uma configuração que a colocava como pólo decisivo de uma alternativa econômica mais progressista. Pode-se iniciar a comprovação deste fato por meio de números que possibilitam a comparação entre o complexo têxtil e o setor canavieiro durante o período citado.<br />
Em 1933, com o objetivo de dar publicidade às reivindicações que fizera a Getúlio Vargas, a Associação Comercial de Maceió publicou um livreto intitulado Alagoas na Economia do Brasil.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title="">[4]</a> O texto assinado por Antonio de Mello Machado, presidente da entidade e um dos proprietários da União Mercantil, fábrica têxtil de Fernão Velho,<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title="">[5]</a> apresenta os seguintes números: em 1932, o setor canavieiro, contando com 27 usinas e 700 engenhos, alcançou um valor de produção de 52.388.580$000 (em contos de réis), constituído pelos seguintes itens: açúcar (46.969.260$000), álcool e aguardente (3.500.000$000), cana exportada para outros Estados (1.240.323$000) e cana consumida de outras formas (680.000$000); no mesmo ano, a cadeia produtiva têxtil, com 10 fábricas de fiação e tecidos, alcançou uma valor de produção de (40.516.800$000), a partir dos seguintes itens: tecidos (32.062.552$000), algodão (3.696.800$000) e caroço de algodão (1.620.000$000). Diante desses dados (o universo têxtil era responsável por 43,6% da soma dos valores produzidos pelos dois setores), fica difícil sustentar que a produção alagoana girasse apenas ao redor do engenho e da usina.<br />
Para aquilatar o grau de desenvolvimento e as potencialidades trazidas pela parte industrial desses setores no início dos anos 1930, podemos calcular o valor médio da produção por unidade fabril e a contribuição da tecnologia tradicional e da maquinaria para o processo produtivo. A divisão entre o valor total do açúcar e o número de usinas tem como resultado 1.740.000$000, a divisão entre o valor total dos tecidos e o número de fábricas resulta em 4.050.000$00. A quase totalidade do tecido e dos fios era produzida nos dez grandes estabelecimentos fabris. Por outro lado, a partir de uma tabela do Instituto do açúcar e do Álcool (IAA) apresentada pelo economista Humberto Bastos, no citado livro Açúcar e Algodão, pudemos chegar à conclusão de que 30% da produção açucareira alagoana ainda eram efetivados por engenhos, fato demonstrativo de que a tecnologia tradicional ainda tinha um espaço relevante neste setor. A partir de dados relativos ao montante de capital investido apresentados no citado livreto da Associação Comercial, pode-se calcular que uma usina possuía em média um capital de 3.009.556$000 e uma fábrica têxtil, 5.763.383$000. Ou seja, uma fábrica representava quase o dobro de poder econômico de uma usina.<br />
Em 1940 e 1950 a indústria têxtil tinha, respectivamente, 6.294 e 10.514 operários, pagava um total de 7.125 e 57.382 (em milhares de cruzeiros) em salários e produzia tecido e fios no valor de 64.663 e 353.457 (em milhares de cruzeiros). <a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title="">[6]</a> Nestes censos a indústria açucareira foi submersa no conceito de indústria alimentar, o que dificulta um pouco a comparação, mas não a inviabiliza porque sabemos por outras fontes que o setor canavieiro deveria corresponder a 98% do valor da produção daquela indústria (a produção de álcool ainda não era relevante naquelas décadas, sua exclusão não macula nossas conclusões). Os números dessa atividade eram, a partir dos mesmos censos industriais de 1940 e 1950, os seguintes: empregava 4.419 e 6.917 operários, pagava um total 5.011 e 25.719 (em milhares de cruzeiros) de salários e sua produção valia 94.723 e 392.995 (em milhares de cruzeiros). Ou seja, a indústria têxtil superava a indústria açucareira no que se referia ao número de operários, ao montante dos salários pagos (mais do que o dobro em 1950) e chegava bem próximo no tocante ao valor da produção. Segundo o Anuário Estatístico Brasileiro, em 1954 a indústria têxtil teve um valor de produção um pouco maior do que a indústria de alimentos em Alagoas.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn7" name="_ftnref7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title="">[7]</a><br />
Caso observemos a dimensão agrícola dos dois setores no século XX, perceberemos que o algodão abrangia uma área muito maior do que a cana pelo menos desde os anos 1930 até meados dos anos 1950 <a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn8" name="_ftnref8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title="">[8]</a> e, devido ao costumeiro uso das propriedades rurais camponesas para seu cultivo, alcançava um maior número de trabalhadores. Em 1933, as lavouras de algodão e cana ocupavam, respectivamente, 66.700 e 26.060 hectares, enquanto os seus valores de produção eram 36.890$000 (somando o algodão em rama e o caroço de algodão) e 27.197$000 mil-réis.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn9" name="_ftnref9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title="">[9]</a> No século XIX, o espaço agrícola do algodão foi maior desde as primeiras décadas até o início do último quartel. O aumento da demanda inglesa pela fibra fez surgir milhares de pequenas glebas algodoeiras nos atuais Agreste e Sertão da então Província das Alagoas.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn10" name="_ftnref10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title="">[10]</a> Essas proporções se explicam pela retração do mercado para o açúcar brasileiro durante a primeira metade do século XIX e pelo fato de que a cana, com a tecnologia da época, não tinha capacidade de ir além das estreitas faixas de terra espremidas nos vales. O algodão alagoano era, como no Brasil inteiro, uma cultura de pequenos agricultores pobres, de descaroçadores remediados e de grandes comerciantes. <a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn11" name="_ftnref11" style="mso-footnote-id: ftn11;" title="">[11]</a> O baixo investimento inicial, o consórcio como o feijão, o milho e mamona e as conjunturas intermitentes de preços altos determinavam que o algodão se espalhasse com facilidade, chegando às vezes a ocupar parte da terra de engenhos de açúcar.<br />
O universo industrial têxtil não era um mero coadjuvante do mundo canavieiro entre o início dos anos 1930 e o final dos anos 1950. A indústria de fiação e tecelagem foi se consolidando e constituindo-se num espaço econômico, ideológico e político bastante particular em relação aos antigos e novos espaços da sociedade alagoana, como os espaços dos bangüês, das usinas e do sertão agropecuário. Apesar de suas singularidades, esse mundo têxtil das fábricas com vilas operárias não era um elemento isolado na formação social alagoana, mas uma das formas particulares do processo de urbanização e modernização mercantil-financeira que transcorreu desde a metade do século XIX e concentrou-se em Maceió e outras cidades marcadas pelo comércio, como Penedo e Pilar. Compartilhava com o espaço das usinas a mesma lógica essencial determinada pelo metabolismo do capitalismo periférico e retardatário, entretanto tinha uma abertura maior para processos de superação dessa lógica, representava uma alternativa mais progressista do que o mundo centrado no açúcar.<br />
Em um dos textos mais esclarecedores sobre a história alagoana contemporânea, afirma Dirceu Lindoso sobre as singularidades desse mundo fabril têxtil:<br />
Geraram, as vilas operárias urbanas, pela primeira vez na cultura alagoana, formas culturais urbanas proletárias. Essas formas, embora contivessem ingredientes ainda rurais, revelavam um conteúdo de nítida oposição às formas tradicionais de organização social vigente na cultura rural. Embora, de início, essa oposição não se revelasse nítida, entretanto já registrava, em termos sociais, uma distinção com as formas sociais de vida de tradição rural. A integração urbana de mão-de-obra de origem rural, fixada em vilas e cidades, fez-se nas condições de existência social que as vila operárias representavam e através do regime disciplinar de trabalho nas fábricas. Esse processo de concentração de moradia em forma padronizada e na nova disciplina de trabalho industrial realizou a homogeneização das disparidades da mão-de-obra rural numa força de trabalho que representava um fato novo na organização do trabalho social em condições alagoanas: a padronização da vida nas vilas operárias correspondia à padronização do trabalho nas fábricas. E esse processo de padronização proletário-urbano diferia da dispersão e disparidade da organização do trabalho em situação camponesa. Marcava-se de um modo diferente do tempo tradicional camponês. A escrita e a alfabetização eram componentes da vida urbana, enquanto dominava na organização do trabalho em situação camponesa a hegemonia absoluta da oralidade e do agrafismo. <a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn12" name="_ftnref12" style="mso-footnote-id: ftn12;" title="">[12]</a><br />
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Fica evidenciado que o espaço têxtil foi um dos principais focos de urbanização e modernização do cotidiano, do trabalho, da política e da subjetividade. Além de ser um dos pioneiros na apreciação sistemática desse papel progressista do universo têxtil, o autor ainda tem o outro grande mérito de identificar e descrever a metamorfose econômica, política e subjetiva vivida pela sociedade alagoana a partir da segunda metade do século XIX. Identifica uma nova etapa de desenvolvimento do capitalismo em Alagoas, marcada pela industrialização, a urbanização e o surgimento de um novo bloco histórico. Analisa a decadência dos senhores de engenho e sublinha a ascensão de um agrupamento de classes baseado nas cidades e no capital mercantil-industrial. Este novo bloco seria composto pelos usineiros, os donos de fábricas têxteis, os grandes comerciantes e os financistas. Por outro lado, os novos atores trouxeram as condições de existência que possibilitaram a autoconstrução das classes trabalhadoras urbanas em geral e, em particular, do proletariado fabril.<br />
[Usina de açúcar: negação e afirmação da lógica retardatária]<br />
Entre a Abolição (1888) e o fim do Estado Novo (1937-45), o sistema econômico vigente no Estado de Alagoas moveu-se no sentido de radicalizar, num primeiro momento, a proeminência do capital mercantil e, num momento posterior, de transferir a hegemonia econômica para a indústria, subordinando a esta a agricultura e o comércio. Repetiu-se o que se passou em outros Estados no mesmo período e o que ocorrera nos países centrais entre o início e a metade do século XIX. No entanto, Alagoas (repetindo a trajetória de Pernambuco) concentrou cerca de metade dos capitais disponíveis em um setor agroindustrial, o canavieiro, cujas especificidades materiais (caráter perecível da cana após a colheita, o que impede a existência de um mercado estadual, nacional e internacional dessa matéria-prima) tendem a construir um espaço produtivo no qual a lógica da parte fabril torna-se excessivamente dependente da lógica da parte agrícola.<br />
Os engenhos bangüês sobreviveram relativamente pouco tempo à Abolição porque sua base técnica, marcada por um desenvolvimento muito vagaroso e pela dificuldade de ampliar as escalas de produção, era incompatível com a nova realidade na qual o valor dos produtos passava a ser determinado predominantemente a partir da quantidade social média de trabalho assalariado.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn13" name="_ftnref13" style="mso-footnote-id: ftn13;" title="">[13]</a> No que se refere a essas dimensões básicas, a usina representou uma grande ruptura com o passado e, ao menos para quem não prefira a escravidão ao trabalho assalariado, um passo adiante em vários aspectos. As três primeiras grandes usinas alagoanas (Brasileiro, Utinga Leão e Serra Grande, surgidas entre 1892 e 1894) <a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn14" name="_ftnref14" style="mso-footnote-id: ftn14;" title="">[14]</a> e as fábricas têxteis representaram o pioneiro estabelecimento da subsunção real do processo de trabalho ao capital, ou seja, constituíram relações capitalistas na sua forma típica: trabalho assalariado, maquinaria e desenvolvimento tecnológico contínuo.<br />
O Barão Vandesmet (usina Brasileiro), representante do capital francês, Luiz Amorim Leão Filho (usina Utinga Leão), de família portuguesa enriquecida no grande comércio, e Carlos Benigno Pereira Lyra (usina Serra Grande), de clã pernambucano cosmopolita,<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn15" name="_ftnref15" style="mso-footnote-id: ftn15;" title="">[15]</a> traziam capitais e ethos muito diferentes daqueles que moviam a prática econômica dos senhores de engenho. Entretanto a modernidade que traziam chocou-se com um obstáculo decisivo e até hoje insuperável no ramo que escolheram para aplicar seus capitais: numa circunstância na qual o caráter perecível da cana inviabiliza a existência de um mercado regional, nacional e internacional dessa matéria-prima, a planta fabril acaba tendo sua atividade condicionada pelos lentos ciclos biológicos dos canaviais próximos, o que ameaça a usina de ser contaminada pela lenta rotação de capital da parte agrícola e pela conseqüente queda na taxa de lucro. Para tentar escapar dessa armadilha estrutural, a usina obrigou-se a organiza-se também com empresa agrícola e não apenas como empresa industrial; por meio da chamada cana própria, procurou não ficar dependente do preço da matéria-prima proposto por seus fornecedores e apressar a rotação de capital nos canaviais a partir do uso de técnicas agrícolas modernas.<br />
O novo desenvolvimento do setor canavieiro representou um avanço do capitalismo no campo e, contraditoriamente, uma “ruralização” da indústria, com conseqüências negativas tanto nas finanças quanto no ethos da vanguarda empresarial, o que foi decisivo para a diminuição do potencial de desenvolvimento capitalista que este segmento representava e um dos motivos do subdesenvolvimento econômico posterior. A cana própria consolidou o latifúndio no Leste Alagoano, dificultando o surgimento de um campesinato produtor de alimentos e matérias-primas a preços declinantes, uma das premissas para o barateamento dos meios de vida dos assalariados e da generalização da mais-valia relativa, muito mais progressista do que a mais-valia absoluta, pois possibilita que o aumento do lucro coadune-se com a melhoria das condições de vida do trabalhador. O fenômeno da entressafra açucareira obriga as plantas fabris a uma paralisia completamente irracional durante seis meses, o que se procura compensar pela diminuição radical da remuneração dos trabalhadores e pelos aumentos astronômicos nas escalas de produção, fato que amplia o risco de superprodução.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn16" name="_ftnref16" style="mso-footnote-id: ftn16;" title="">[16]</a><br />
[Fábrica têxtil: possibilidade de superação da lógica retardatária]<br />
A outra metade dos capitais disponíveis nas Alagoas foi aplicada na indústria têxtil, movida por uma lógica significativamente distinta. As fábricas têxteis também usavam um produto agrícola como matéria-prima básica, mas a durabilidade do algodão após a colheita possibilitava a existência de um mercado regional, nacional e mesmo internacional dessa fibra, bem como a constituição de estoques nos armazéns das próprias empresas. As fábricas não necessitavam empatar capitais na compra ou arroteamento de terras e fazer gastos com seu manejo e administração. A existência de um mercado amplo de algodão e a natureza pulverizada da classe dos produtores diretos (pequenos agricultores) dificultava o monopólio dessa matéria-prima (apesar da existência de uma estrutura de comercialização que concentrava os lucros entre os atravessadores e descaroçadores) e possibilitava que as fábricas alagoanas pudessem obtê-la a preços razoáveis até os anos 1930.<br />
Ao contrário das usinas, as fábricas não passavam por um processo anual de paralisia na entressafra agrícola. Funcionavam com uma lógica plenamente industrial, sem subserviência excessiva aos humores da agricultura. Suas singularidades tinham conseqüências bem mais progressistas do que aquelas provocadas pelas singularidades da usinas. Os salários eram melhores e as leis trabalhistas puderam ser aplicadas, a partir da Revolução de 1930, sem que as empresas fossem à bancarrota. A maior capacidade de oferecer empregos por unidade de capital e sua localização em cidades de grande relevância econômica e política (Maceió, Penedo, Pilar, Rio Largo, São Miguel dos Campos e Delmiro Gouveia) foram determinantes para que estas empresas cumprissem o papel modernizador sublinhado de modo pioneiro por Dirceu Lindoso.<br />
As personas do grande capital alagoano (e estrangeiro em Alagoas) nas primeiras décadas do século XX apenas começavam a perceber as diferenças entre o setor têxtil e o açucareiro e ensaiavam investimentos nessas vias. Não se sabia qual deles iria vingar e tornar-se o caminho essencial do desenvolvimento; era uma época de experimentação e risco. A maior parte dos grupos empresariais escolheu uma das alternativas e alguns ensaiaram os dois ramos simultaneamente. Emblemáticas do tatear de alguns capitais entre os dois setores foram as compras, em 1938, da fábrica União Mercantil pelos proprietários da usina Utinga Leão, e da pequena usina Coruripe, em 1941, por Tércio Wanderley, rico comerciante, dono de fábrica de sabão localizada em Maceió, acionista minoritário de fábricas têxteis e proprietário, desde 1936, da Companhia Antunes de Fiação e Tecelagem (Nova Aliança, Sergipe, atual Neópolis). <a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn17" name="_ftnref17" style="mso-footnote-id: ftn17;" title="">[17]</a><br />
[Vazio de poder no bloco histórico dominante e violência política]<br />
Em Alagoas não havia muitos adeptos da Revolução de 1930 antes que as tropas da nova ordem chegassem à capital.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn18" name="_ftnref18" style="mso-footnote-id: ftn18;" title="">[18]</a> Na terra de Pedro Aurélio de Góis Monteiro, um dos homens mais influentes no novo regime, houve dificuldades para estabilizar o novo poder porque os impasses do capitalismo local tinham constituído um bloco econômico dominante radicalmente contrário às propostas modernizadoras dos tenentistas.<br />
Existiam setecentos engenhos bangüês sobrevivendo a partir da estratégia de diminuir os custos monetários da produção por meio da mistura entre o assalariamento e relações sociais pré-capitalistas. Os bangüês não aceitaram desaparecer sem luta. Competiram por força de trabalho, terras e mercado consumidor com as usinas.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn19" name="_ftnref19" style="mso-footnote-id: ftn19;" title="">[19]</a> As usinas ainda não estavam consolidadas financeiramente e nem tinham incorporado vários dos principais avanços técnicos agrícolas da nova etapa capitalista. <a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn20" name="_ftnref20" style="mso-footnote-id: ftn20;" title="">[20]</a> A cana continuava sendo plantada no massapê, terra que dificultava o emprego de máquinas e outros equipamentos pesados. Para não perder sua força de trabalho para os engenhos e para diminuir os custos monetários da produção, os usineiros reproduziram a figura do morador em suas fazendas e resistiam a qualquer legislação trabalhista.<br />
O capital mercantil com sede em Jaraguá estava exclusivamente interessado na existência de boas condições para os seus negócios e de algum produto de exportação para os mercados brasileiro e internacional, tanto fazia que fosse açúcar ou algodão, couro ou mamona, madeira ou tecido; tanto fazia que fosse produzido por grandes ou pequenos proprietários, por moradores ou assalariados. Eram esses grandes comerciantes que ficavam com a maior parte da riqueza produzida pela economia alagoana. Somente as três maiores usinas eram capazes de fugir da subordinação ao grande comércio de importação-exportação. As fábricas têxteis tiveram que lutar muito para que a rede de distribuição de tecidos não ficasse com grande parte dos lucros do setor.<br />
As reformas propostas pelos tenentistas também não encontraram apoio entre os industriais têxteis devido às singularidades desse setor no Estado. As fábricas locais tinham dois problemas principais : 1) o alto preço e a péssima qualidade do algodão produzido em Alagoas; e 2) o alto custo da produção da energia elétrica por meio de caldeiras abastecidas com lenha. Em São Paulo, maior produtor de tecidos do país, o início da década de 1930 foi marcado pelo começo de enormes safras sucessivas de algodão de ótima qualidade, resultado do retalhamento planejado das antigas fazendas de café e da intervenção do estado na lavoura algodoeira. As empresas bandeirantes passaram a ser independentes da matéria-prima nordestina. As várias quedas d’água existentes no relevo paulista, o amplo mercado consumidor e a abundância de capitais interessados em produzir energia hidroelétrica já tinham resolvido o problema energético do setor têxtil bandeirante desde a década anterior. O mundo têxtil alagoano estava começando a pagar caro a não resolução da questão agrária e a dificuldade de planejamento econômico do bloco social dominante, determinada pelo contínuo vazio de poder no seu interior.<br />
Os senhores de engenho e usineiros estavam longe de ter os mesmo interesses imediatos e estratégicos, já que representavam etapas distintas do capitalismo. É anacronismo imaginar a existência de um setor açucareiro unificado e politicamente capaz de subordinar os outros segmentos das classes dominantes nesse período e nas duas décadas posteriores. Em 1930, três usinas fundadas pelo capital mercantil produziam 48% do açúcar branco alagoano (Leão, 234.000 sacos, Serra Grande, 183.000 sacos e Brasileiro 90.00, sacos); seis usinas menores, que produziam entre 30.000 e 47.000 sacos (Sinimbu, Coruripe, São Simeão, Alegria, Esperança e Uruba), eram responsáveis pela produção de 26 % do mesmo açúcar; várias delas, como a Coruripe, tinham surgido por iniciativa de senhores de engenho mais capitalizados, mas nem por isso eram capazes de evitar as freqüentes bancarrotas; as sete usinas restantes eram tão pequenas que contribuíam com apenas 3,7 % da produção. A maioria dos usineiros ainda não era financeiramente poderosa como seria no futuro<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn21" name="_ftnref21" style="mso-footnote-id: ftn21;" title="">[21]</a> e a crise de superprodução determinada pela perda do mercado externo era uma espada de Dámocles sobre o setor.<br />
Como afirmamos, a burguesia mercantil interessava-se por continuar parasitando o valor produzido por outros personagens econômicos e, por outro lado, em transferir paulatinamente parte dos seus capitais para investimentos que provassem ser lucrativos, como as usinas e as fábricas têxteis. Estas fábricas, por sua vez, já produziam quase metade do valor econômico do Estado, mas lutavam com obstáculos estruturais para continuar sobrevivendo e não tinham uma presença econômica e demográfica suficiente para alçarem-se à hegemonia política.<br />
As insuficiências econômicas desses vários segmentos criavam um vazio de poder estrutural no interior do bloco histórico dominante, ou seja, produziam uma grande dificuldade para o estabelecimento de uma hierarquia política permanentemente renovada e legitimada por regras democráticas. Isso resultava em apelos constantes à violência e na tentativa de desmoralização dos adversários, bem como na busca por parte de cada grupo situacionista de constituir uma espécie de ditadura sobre o resto da sociedade, de restringir ao máximo as instituições republicanas para impedir o fortalecimento dos opositores. Até por instinto de sobrevivência e preconceito de classe, estes segmentos sociais uniam-se celeremente contra as classes trabalhadoras, como o campesinato e os assalariados; mantinham a ordem estabelecida com relativa facilidade, mas isso não significa que se unificavam de modo consistente para a efetivação de um programa avançado e coerente de desenvolvimento.<br />
No início dos anos 1930, diante do impasse histórico provocado pela inércia das classes dominantes locais, os trabalhadores alagoanos aproveitaram os avanços da Revolução de 1930 para intensificar sua luta pela humanização do sistema econômico por meio das leis trabalhistas, dos direitos fundamentais e do fortalecimento das instituições republicanas. Os comunistas e socialistas reformistas que estavam à frente do movimento não propunham a revolução social imediata, restringiam-se a agitar as bandeiras de modernização que os liberais não assumiam. A liberdade sindical, por exemplo, consiste apenas no direito de o trabalhador negociar a sua força de trabalho como se faz com qualquer outro produto, representa o direito de gerir de modo racional, pacífico e burguês a mercadoria “força de trabalho“. No entanto, partir de 1933, muitos trabalhadores foram perseguidos, presos, humilhados e deportados para o Rio de Janeiro sob a acusação de estarem tentando subverter a ordem e o sistema social.<br />
[Causas da decadência do setor têxtil e do seu proletariado]<br />
O vazio de poder referido e o seu impacto no planejamento econômico inibiram as tendências renovadoras em todos os quadrantes da formação social alagoana; o sistema econômico não conseguiu alcançar novas etapas, restringindo-se a acomodar reativamente seu atraso às circunstâncias cambiantes ao seu redor. Nesse contexto, o setor local de tecidos entrou em decadência devido aos impactos da irresolução dos problemas estruturais do capitalismo alagoano numa conjuntura na qual seus concorrentes passaram a receber grandes benefícios da melhor articulação interna de suas classes dominantes e de um enfretamento mais eficiente dos obstáculos para o desenvolvimento do sistema.<br />
Quando São Paulo passou a produzir algodão de ótima qualidade e em grande quantidade, deixou de ser importador da fibra nordestina e passou a ser exportador. A partir do início dos anos 1930, quando esta virada ocorreu, o setor têxtil alagoano (e o nordestino) perde um dos seus diferenciais competitivos básicos em relação ao Sul, já que o algodão correspondia na época ao principal custo variável na produção de fios e tecidos. A Revolução de 1930 impôs a limitação da jornada de trabalho e uma série de outros mecanismos legais (como o salário mínimo) que diminuíram a margem de mais-valia absoluta com a qual as empresas alagoanas podiam contar para aumentarem sua competitividade a partir de uma fuga para trás, uma volta a etapas anteriores do sistema.<br />
Outro problema estrutural que diminuía a competitividade das fábricas alagoanas, pelo menos até 1955, era o alto custo da energia elétrica utilizada, dependente de um custoso setor de produção de lenha, seja o próprio ou o contratado. Enquanto isso, as fábricas de São Paulo, como já assinalado, contavam com energia hidroelétrica desde as duas primeiras décadas do século XX. A disparidade de custos de energia, que tinha relação com as maiores escalas do mercado paulista para as empresas do ramo elétrico, contribuiu muito para o atraso econômico relativo das fábricas alagoanas.<br />
A partir dos anos 1930, São Paulo tinha as seguintes vantagens sobre Alagoas: 1) algodão mais barato e de melhor qualidade; 2) energia mais barata; 3) proximidade dos maiores mercados consumidores; e 4) uma legislação trabalhista nacional que estancava a possibilidade de seus competidores usarem o achatamento das condições de vida dos trabalhadores como principal arma competitiva. Não havia grandes diferenciais tecnológicos, já que as máquinas utilizadas até os anos 1960 eram de procedência estrangeira e as empresas nacionais ainda não investiam em desenvolvimento tecnológico autônomo. Os industriais do Rio de Janeiro e de São Paulo tentaram o tempo todo dificultar a proliferação de concorrentes no resto do país defendendo uma lei que impedisse a livre importação de teares, conseguindo que vigorasse um decreto nesse sentido entre os anos 1930 e 1936.<br />
Para resolver o problema da qualidade e do preço do algodão em Alagoas, teria sido necessário um planejamento estatal ancorado num bloco histórico dominante coeso, internamente hierarquizado, capaz de práticas políticas pacíficas e possuidor de um projeto de avanço capitalista conseqüente. Era preciso enfrentar os atravessadores, as práticas abusivas dos poderosos donos dos descaroçadores e construir uma estrutura pública de crédito para o pequeno produtor de algodão, a base de todo o sistema. Essas mudanças beneficiariam muito as fábricas têxteis, mas seus proprietários precisavam convencer os outros setores e as lideranças políticas da necessidade de realizá-las. As mudanças na produção e no comércio de algodão requeriam o enfretamento de vários pequenos e médios poderes econômicos e políticos e, desse modo, necessitavam ser realizadas por atores poderosos.<br />
As fábricas têxteis, mesmo sendo economicamente mais modernas do que as usinas, não tinham força suficiente para acabar com o vazio de poder no bloco histórico dominante e construírem um estado capaz de superar os gargalos que entravavam o desenvolvimento do setor. Esse impasse se expressava no conservadorismo político dos industriais têxteis e na sua aliança com os usineiros e a burguesia comercial; tratava-se, portanto, de um conservadorismo político objetivamente determinado. O caminho escolhido foi suicida, já que inviabilizou as mudanças necessárias para que o setor têxtil sobrevivesse; entretanto, a aliança com o proletariado e o projeto popular-nacionalista, representado por Ismar de Góis Monteiro, Muniz Falcão e o Partido Comunista do Brasil (PCB), também tinha a potencialidade de solapar as bases dessa indústria, na medida em que implicava em aumentos imediatos dos gastos com a força de trabalho para unidades fabris acossadas por competidores muito mais capitalizados e bem posicionados no mercado.<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftn22" name="_ftnref22" style="mso-footnote-id: ftn22;" title="">[22]</a><br />
Por outro lado e na outra ponta do espectro social, o proletariado têxtil esteve geralmente compondo a vanguarda contrária à barbárie social e ao atraso econômico e político de Alagoas. Dentro do setor que expressava o maior avanço da modernidade, foi seu pólo político mais ativo, progressista e generoso. Os operários têxteis alagoanos deixaram um legado decisivo para as novas gerações, em termos de idéias, práticas políticas e compromisso com uma modernidade coerente com suas próprias promessas, ou seja, comprometida menos com o mercado e mais com os valores democráticos, as instituições republicanas, a justiça social e, no limite, com o socialismo.<br />
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Maceió, 2008.<br />
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<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title="">[1]</a> Historiador, Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. O presente texto é um dos produtos do projeto Trama da Memória, Tecitura do Tempo: registro da memória e da iconografia das famílias de tradição operária têxtil residentes no bairro de Fernão Velho - Maceió/AL, desenvolvido pela Pró-reitoria de Extensão da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal), com o apoio do Ministério da Cultura (Programa de Apoio à Extensão Universitária - PROEXT Cultura 2007) e da Petrobras.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title="">[2]</a> Cf. BASTOS, Humberto Bastos. Açúcar e Algodão. Maceió: Casa Ramalho, 1938.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title="">[3]</a> Cf. DIEGUES JÚNIOR, Manuel. O Bangüê nas Alagoas: traços da influencia do sistema econômico do engenho na vida e na cultura regional. Rio de Janeiro: Edição do Instituto do Açúcar e do Álcool, 1949.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title="">[4]</a> Cf. ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE MACEIÓ. Alagoas na Economia do Brasil. Maceió: Casa Menezes, 1933, p.31-32. Trata-se de um livro bastante raro, mas pode ser encontrado para consulta no acervo do Arquivo Público de Alagoas.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title="">[5]</a> Pioneira empresa do ramo têxtil em Alagoas e um das primeiras do país. Foi fundada em 1857 e sua fábrica começou a funcionar a partir de 1862. Na atualidade (novembro de 2008), ainda está em funcionamento.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref6" name="_ftn6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title="">[6]</a> Cf. IBGE. Censo Industrial de 1940. Rio de Janeiro: IBGE, 1940. IBGE. Censo Industrial de 1950. Rio de Janeiro: IBGE, 1950.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref7" name="_ftn7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title="">[7]</a> Cf. IBGE. Anuário Estatístico do Brasil de1956, p. 126-29.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref8" name="_ftn8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title="">[8]</a> Em 1952, o algodão era plantado em 57. 288 hectares e a cana em 59.022 hectares.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref9" name="_ftn9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title="">[9]</a> Encontramos o valor total da produção de açúcar e não o da cana; desse modo, deduzimos o valor da safra desta a partir do pressuposto, aceito por vários autores, de que 70% do preço do açúcar são constituídos de sua matéria-prima básica. Cf. SZMRECSÁNYI, Tamás. O Planejamento da Agroindústria Canavieira do Brasil (1930-1975). São Paulo: Hucitec, Unicamp, 1979.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref10" name="_ftn10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title="">[10]</a> Durante a primeira metade do século XIX, assim como ocorreu em outras Províncias do atual Nordeste brasileiro, em Alagoas o algodão rivalizou com o açúcar em termos de valor exportado. Cf. MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da Restauração Pernambucana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p.19-20.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref11" name="_ftn11" style="mso-footnote-id: ftn11;" title="">[11]</a> No Relatório ou exposição a respeito da plantação e cultura do algodão na Província das Alagoas, apresentado ao Excelentíssimo Senhor Presidente da mesma em 18 de fevereiro de 1875, documento anexo ao ofício da Associação Comercial de Maceió, da mesma data, há informações importantes sobre a estrutura agrícola e comercial da lavoura do algodão em Alagoas (Acervo do Arquivo Público de Alagoas, AS. 1856-77 maço 13, estante 02.).<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref12" name="_ftn12" style="mso-footnote-id: ftn12;" title="">[12]</a> Cf. LINDOSO, Dirceu. Interpretação da Província: estudo da cultura alagoana. 2ª Ed., Maceió: Edufal, 2005.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref13" name="_ftn13" style="mso-footnote-id: ftn13;" title="">[13]</a> Gnaccarini, José C. A Economia do Açúcar: processo de trabalho e processo de acumulação. In: Cardoso, Fernando Henrique [et. al.]. O Brasil Republicano: estrutura de poder e economia (1889-1930). 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref14" name="_ftn14" style="mso-footnote-id: ftn14;" title="">[14]</a> Essas usinas produziam a maior parte do açúcar alagoano nos anos 1930. As duas últimas até hoje continuam entre as maiores usinas do Estado.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref15" name="_ftn15" style="mso-footnote-id: ftn15;" title="">[15]</a> Para se ter uma idéia da visão ampla do clã, basta dizer que durante a segunda década do século XX o grupo adquiriu o Diário de Pernambuco, jornal decisivo na disputa por hegemonia ideológica e política em Pernambuco, com influência em todo Nordeste.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref16" name="_ftn16" style="mso-footnote-id: ftn16;" title="">[16]</a> Cf. SZMRECSÁNYI, Tamás. O Planejamento da Agroindústria Canavieira do Brasil (1930-1975). São Paulo: Hucitec, Unicamp, 1979.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref17" name="_ftn17" style="mso-footnote-id: ftn17;" title="">[17]</a> A trajetória de Tércio Wanderley é emblemática das relações econômicas e subjetivas entre os dois ramos. Antes de comprar a usina Coruripe, em 1941, com capital emprestado sem juros por Arthur Mello Machado (cuja família vendera a União Mercantil ao grupo Leão em 1938), seu amigo de longa data, o futuro comendador tinha aprendido muito com a participação nos conselhos fiscais e nas assembléias gerais de algumas fábricas têxteis. Segundo Aurino Vieira da Silva, um dos seus biógrafos, o jovem Tércio Wanderley tinha Gustavo Paiva como ídolo e absorveu muito do seu conhecimento em longas conversas privadas. Cf. Silva, Aurino Viera Da. Comendador Tércio Wanderley. Maceió: 2005.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref18" name="_ftn18" style="mso-footnote-id: ftn18;" title="">[18]</a> Cf. Gusmão, Carlos de. Boca da Grota. Maceió: Serviços Gráficos da Gazeta de Alagoas, 1970. RODRIGUEZ, Clódio. O Sorriso do Tempo. Maceió: Casa Ramalho, s.d. Tenório, Douglas Apratto. Metamorfose das Oligarquias. Curitiba: HD Livros, 1997.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref19" name="_ftn19" style="mso-footnote-id: ftn19;" title="">[19]</a> Cf. Gnaccarini, op. cit.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref20" name="_ftn20" style="mso-footnote-id: ftn20;" title="">[20]</a> Cf. SANTANA, Moacir Medeiros de. Contribuição Para a História do açúcar em Alagoas. Recife: Museu do Açúcar, 1970.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref21" name="_ftn21" style="mso-footnote-id: ftn21;" title="">[21]</a> Cf. LIMA, Jorge de. Calunga. Agir: Rio de Janeiro, 1959.<br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=23899664#_ftnref22" name="_ftn22" style="mso-footnote-id: ftn22;" title="">[22]</a> TENÓRIO, Douglas Apratto. A Tragédia do Populismo: o impeachment de Muniz Falcão. 2ª e.d. Maceió: Edufal, 2007.<br />
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</div>Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-9432451150442608032008-03-04T11:12:00.002-03:002009-12-29T18:10:16.984-02:00Artigo sobre a crise na Assembléia<div align="justify">Mandonismo e Democracia em Alagoas: crise na Assembléia Legislativa e inédita hegemonia econômica de Maceió<br />
Golbery LessaQuais são as variáveis econômicas, sociais e culturais que determinaram as características históricas do Legislativo alagoano e fizeram surgir dúvidas tão radicais quanto aquelas que hoje prevalecem na sociedade civil sobre o caráter democrático deste Poder? A insatisfação e mesmo o repúdio que parte da população vem demonstrando atualmente em relação à Assembléia Legislativa expressam, na essência, o conflito entre a crescente necessidade de modernização política de Maceió, cujo peso eleitoral tem recebido o reforço nos últimos dez anos de um aumento muito grande de sua participação no PIB do Estado (cerca 75% desde 1999, quando em 1996 detinha 50% e em 1949, 30% - Dados do IPEADATA), e a prevalência do mandonismo na maior parte das cidades alagoanas.<br />
A clássica diferença entre as possibilidades de modernização no interior e na capital do Estado adquiriu um novo patamar com o expressivo aumento do peso específico da economia maceioense e com as necessidades de modernização política e cultural que este fenômeno vem impondo. Ou seja, a crise presente no Legislativo estadual surge como uma manifestação aguda do descompasso entre o novo peso de Maceió e o mandonismo político fundamentado no interior. A esfera política está se movendo, pelos mais variados canais (intervenção federal, mobilização dos trabalhadores, críticas da sociedade civil organizada, clamor de parte da classe média por segurança pública etc.) para adequar-se à nova configuração econômica, que não é compatível com o alto grau de mandonismo político vigente.<br />
O particular atraso do capitalismo em Alagoas, expresso no significativo papel econômico da agricultura em relação à indústria e em outras dimensões decisivas, determinou uma sobrevida mais longa do mandonismo, com suas inevitáveis conseqüentes: o clientelismo e o patrimonialismo. A prevalência da agroindústria canavieira durante grande parte da nossa história, setor que submete necessariamente a dimensão industrial à dimensão agrícola (impondo a figura da entressafra e a dependência da parte industrial à lenta rotação de capital da agricultura, o que determina que a taxa média de lucro somente seja alcançada com a superexploração do trabalho, da natureza e dos fundos públicos), determinou a dispersão territorial das manchas industriais e sua submissão econômica e geográfica à ruralidade. Esse quadro econômico fez surgir, com o aparecimento da República, uma realidade política marcada pelo fato de que a maioria absoluta dos eleitores permaneceu espalhada em pequenas e médias cidades com economia ruralizadas e dependentes dos usineiros. Os operários das plantas fabris das usinas permaneceram dispersos numa vasta região e ilhados pelo próprio isolamento que a agroindústria impõe a cada usina e destilaria, além de estarem submetidos à concorrência de uma enorme população sem trabalho e a uma atmosfera política inibidora da liberdade sindical e de expressão. A existência de uma população rural submetida ao regime de moradia, fenômeno típico da zona canavieira, e a baixa divisão social do trabalho facilitaram muito a sobrevivência de várias formas de mandonismo.<br />
Mas a história não deixou de avançar, mesmo que lentamente, e preparar a superação de vários dos principais anacronismos da formação social alagoana. As modificações vêm ocorrendo pela seguinte via: a economia baseada na agroindústria canavieira necessitou de uma cidade que fosse o seu pólo administrativo, comercial e portuário; com o passar do tempo, esta cidade criou e recriou necessidades próprias (típicas do mundo urbano) e, em determinado momento dessa trajetória, passou a ser uma antítese do mundo rural que lhe deu origem. Este fenômeno estrutural vem se expressando no universo político como um conflito entre as propostas de modernização originárias da capital e o antigo status quo baseado no mandonismo. Não é por acaso que as iniciativas mais radicais de modernização vêm sendo propostas pela vanguarda sindical maceioense e por amplos setores da classe média da cidade. A capital sempre foi mais progressista, mas houve uma mudança de qualidade no seu peso nos últimos dez anos, determinando um novo equilíbrio de forças que precisa se expressar na modernização das práticas políticas e no aprofundamento da cultura democrática. O conflito político hoje tem dois protagonistas principais: o setor canavieiro (com presença em 54 municípios do Leste Alagoano, 1 milhão de habitantes, 100 mil trabalhadores, 30% dos votos e 20% do PIB) e a cidade de Maceió (com 900 mil habitantes, milhares de trabalhadores, 25% dos votos e 75 % do PIB – setor de serviços, comércio, turismo, indústria da construção civil e indústria química). É preciso deixar evidenciado que esse novo equilíbrio de forças, no qual Maceió ganha um inédito protagonismo, luta para expressar-se também no Executivo. A hegemonia do setor canavieiro no governo Teotônio Vilela Filho é, portanto, um anacronismo, não corresponde mais à base econômica da formação social alagoana; este descompasso é o segredo da crise deste governo e de seu alheamento em relação às necessidades do povo. Ficou evidente, por exemplo, que a greve geral dos funcionários públicos contra as primeiras medidas de arrocho salarial propostas pelo Executivo teve o apoio de todos os setores econômicos de Maceió; os comerciantes sabem que suas vendas dependem do volume de recursos existentes nas mãos dos consumidores e que suas empresas não dependem diretamente de qualquer potentado interiorano.<br />
Este quadro não implica, necessariamente, que estamos no limiar de uma era radicalmente democrática em Alagoas. O passado nos oprime com o peso de uma pirâmide e o mandonismo político está impregnado na subjetividade dos indivíduos. A cidade de Maceió, novo palco decisivo da economia e da política, esta dividida em classes sociais com interesses históricos antagônicos e com diferentes potenciais estratégias de desenvolvimento; sua classe dominante, mesmo precisando de práticas políticas e elementos culturais mais modernos do que os usineiros, tende a defender uma tipo de desenvolvimento capitalista excludente e periférico, baseado na superexploração do trabalho, na destruição da natureza, na especulação imobiliária e na dependência cultural e tecnológica. Ou seja, as classe proprietárias de Maceió podem ser aliadas da classe média e dos trabalhadores alagoanos contra o passado rural, mas têm seus próprios limites e problemas. Para os trabalhadores alagoanos resta, como sempre, agir no sentido de barrar os processos mais bárbaros do capitalismo por meio da luta por políticas públicas socialmente justas e, com calma e energia, preparar as condições teóricas e práticas da efetivação das propostas socialistas. No curto prazo, o principal desafio é preencher de maneira progressista o vazio de poder aberto com a desconstrução do papel político da Assembléias Legislava, que também enfraquecerá o Executivo estadual e outras instâncias estatais.<br />
</div><div align="justify">Maceió-AL, 13 de dezembro de 2007. <br />
</div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-35677713541899734832007-03-14T13:43:00.001-03:002009-12-29T18:11:12.504-02:00Outra Alagoanidade<div align="justify"><br />
Outra Alagoanidade<br />
Golbery Lessa*<br />
O que é alagoanidade? A quem interessa? Deve ser mantida na sua configuração atual ou precisa ser reconstruída? Como a alagoanidade se insere no moderno? Qual sua relação com as questões agrária, étnica, de gênero, social, democrática e republicana? São essas algumas das perguntas que se fazem hoje os nossos viventes. Houve vários outros momentos históricos nos quais existiu a urgência de identificar e responder essas questões. Cumprindo o destino de todas as identidades que relacionam uma população, um território e um aparato de estado, a alagoanidade teve que se reinventar ao longo da história, notadamente quando foi exposta a desafios colocados pelas várias etapas de modernização experimentadas pelo seu entorno.<br />
O local foi periodicamente posto em cheque pelo regional, o nacional e o global; teve que lutar para adequar as suas relações sociais e visões de mundo às novas realidades circundantes. Mas é decisivo lembrar que o atraso radical da modernização em Alagoas, que constituiu um processo histórico extremamente marcado pela lentidão, torna um grave erro a tendência de superestimar a identidade entre o conteúdo das etapas de desenvolvimento exógeno e as modificações da alagoanidade. Do ponto de vista do desenvolvimento das etapas pelas quais passa o sistema capitalista na sua forma clássica, o capitalismo alagoano está radicalmente atrasado; entretanto evidentemente esse abismo estrutural, essa diacronia lógica (no sentido da lógica do sistema na sua expressão clássica), convive com uma sincronia cronológica (ou seja, Alagoas está inserido no mesmo tempo objetivo do entorno, usa o mesmo calendário vigente em Pernambuco, São Paulo e Nova Yorque), o que tem implicações decisivas na própria maneira como o atraso alagoano se configura, se reproduz e convive com outras realidades.<br />
A percepção dessas intricadas mediações auxilia-nos a explicar, por exemplo, fenômenos tão complexos quanto a lógica do desenvolvimento da música eletrônica em Alagoas. Circunstâncias práticas e o corolário de ideologia pós-moderna com o qual esse tipo de música tem sido envolvido determinaram, no caso da Inglaterra, que os bailes surgissem nos galpões das fábricas desativadas pela reestruturação produtiva dos anos oitenta do século XX; em terras caetés, os bailes têm sido realizados na estação ferroviária ou nos desativados armazéns de açúcar, expressões arquitetônicas do final do século XIX e símbolos de uma etapa incipiente do desenvolvimento capitalista. Estaria a música eletrônica fora de lugar em Alagoas? Aqui precisamos de Roberto Schwartz. Como ser pós-moderno numa formação social na qual o moderno não se completou e nem está em vias de completar-se? Essa carência de chão social adequado para sua reprodução clássica vivida pelo ponto de vista pós-moderno também acomete as visões de mundo liberal, social-democrata e marxista, embora está última perspectiva possa compreender melhor o imbróglio por ter um compromisso radical com a percepção das contradições do sistema e, portanto, tenha potencialidade de apontar saídas para o impasse.<br />
A identidade alagoana não é a soma aritmética de todos os costumes dos habitantes desta terra espremida entre a Bahia, Sergipe e Pernambuco; também não é a consciência que os alagoanos podem ter de suas singularidades culturais e de sua história comum. A alagoanidade não é só um fenômeno subjetivo, não é apenas um estado de consciência ou um jeito próprio de cada alagoano expressar sua individualidade, no sentido de possuir essas ou aquelas atitudes mentais. A alagoanidade é o conjunto articulado de sistemas que estruturam a formação social alagoana e possui singularidades em relação aos conjuntos análogos de outras formações sociais. Nesse sentido, a descrição analítica da alagoanidade passa pelo desvelamento das peculiaridades das nossas relações sociais básicas, das especificidades do relacionamento entre estas e o espaço geográfico em que se dão e das singularidades dos complexos sociais nos quais a subjetividade tem maior peso (arte, ciência, direito, culinária, folclore etc).<br />
É comum se dizer que cultura é tudo aquilo que o homem cria e vive. Esse conceito torna-se muito próximo do conceito de práxis desenvolvido por K. Marx em suas célebres Teses sobre Feurbach, e significa a atividade própria do ser humano, que relaciona de maneira peculiar e complexa a subjetividade e a objetividade. Entretanto a maior parte da reflexão sobre a cultura acabou relegando a lição marxiana e dissolvendo a objetividade na subjetividade. Ora, mas o modo de produção também é cultura; é criado e vivido pelos homens; trata-se de um sistema de relações entre seres humanos, em que naturalmente estão presentes várias das dimensões da subjetividade, a partir do qual a sociedade distribui importantes elementos objetivos, como trabalho, o tempo livre e a riqueza socialmente produzida.<br />
É fértil procurar no sistema econômico singularidades que são pólos de reprodução de singularidades de outros complexos da práxis alagoana. Isso não significa desprezar ou diminuir a importância da lógica interna de cada complexo social específico, como a arte, a culinária e as relações de gênero; significa apenas buscar conexões que são importantes para tornar as coisas caetés/palmarinas/calabarianas mais compreensíveis. Ao observar essas conexões, ao não restringirmos o conceito de cultura apenas à subjetividade e, portanto, substituí-lo pelo conceito de práxis, podemos perceber que o latifúndio canavieiro é tão alagoano quanto a violência política, o assassino de aluguel, o guerreiro, o pastoril, as praias, o rio São Francisco, a caatinga e a tradição religiosa e lingüística legada pelos bantos. O caráter oligárquico do poder político em Alagoas é tão alagoano quanto o sururu de capote. Isso implica, necessariamente, numa complexa atitude de aproximação e repulsa da alagoanidade. Para encontrar a saída do impasse, precisamos refletir sobre a consciência da alagoanidade, que por vezes é confundida com a alagoanidade em si. Antes, entretanto, é imprescindível fazermos uma rápida digressão teórica sobre os processos de construção das identidades nacionais.<br />
Eric Hobsbawm, em seu erudito e esclarecedor livro Nações e Nacionalismos desde 1780: programa, mito e realidade, publicado pela editora Paz e Terra em 1991, corrobora a opinião de Otto Bauer, austro-marxista do início do século XX e um dos pioneiros dos estudos relativos à construção das interpretações sobre as identidades nacionais, quando este afirma que os movimentos nacionais tendem a percorrer três fases (ver o texto de Otto Bauer intitulado “A Nação”, in Gopal Balakrishnan (org) Um Mapa da Questão Nacional. RJ, Contraponto, 2000): 1) uma elite intelectual investiga as peculiaridades culturais e históricas de seu povo e propõe uma interpretação dessa identidade; trata-se de um momento de erudição e trabalho de pesquisa realizado por um conjunto pequeno e articulado de especialistas; 2) um número significativo de agitadores culturais e políticos fazem a propagada daquela interpretação da identidade nacional construída pelos acadêmicos e buscam estabelecer instituições públicas reprodutoras de suas idéias sobre a nacionalidade; 3) a interpretação proposta pelo grupo de eruditos e pelos agitadores culturais é aceita pela maior parte do povo e torna-se elemento componente do senso comum; o que ajuda a consolidar a unidade nacional e constitui uma das principais bases da formação de um Estado com soberania sobre um determinado território e uma população definida.<br />
Otto Bauer, por encontrar-se no Império austro-húngaro, que estava eivado de nacionalidades mobilizadas, preocupava-se em demonstrar aos companheiros marxistas a necessidade de tratar teoricamente a questão das nacionalidades; procura então sublinhar principalmente as relações entre nacionalidade e classe social, desenvolvendo a tese de que em várias sociedades capitalistas da época as classes dominantes não estavam permitindo que o proletariado tivesse acesso à nacionalidade, ou seja, não demonstravam interesse de efetivar a terceira etapa de desenvolvimento dos movimentos nacionalistas. O proletariado alemão, por exemplo, estaria sendo impedido pela burguesia de ter acesso ao rico acervo da cultura erudita germânica, fato que seria demonstrado pelas dificuldades de os operários terem acesso à escola e à leitura. O austro-marxista reivindicará, em conseqüência, a socialização da identidade nacional. É importante observar que Otto Bauer não incluirá as singularidades do modo de produção de um povo no conceito de identidade nacional, que define como a consciência que uma população tem de uma trajetória histórica e cultural comum.<br />
E. Hobsbawm, egípcio que foi muito bem acolhido na Inglaterra e desenvolveu uma profunda ligação com este país, está preocupado em justificar a existência do Reino Unido e, conseqüentemente, em tratar sem grandes romantismos as causas dos nacionalismos escocês, gaulês e irlandês. Procura demonstrar, entre outros pontos relevantes de sua fértil abordagem, o fato de ser muito comum que as interpretações das identidades nacionais elaboradas pelas elites acadêmicas estejam muito em desacordo com a realidade histórica e cultural, ou seja, grande parte do conteúdo dessas interpretações que fundamentam os movimentos nacionalistas são invenções, construções aleatórias, projeções do desejo de enaltecer a trajetória de um povo, tornando-a mais heróica do que realmente foi. Assim o autor demonstra, por exemplo, que somente dois e meio por cento dos habitantes da Itália falavam o moderno italiano quando ocorreu a unificação do país na segunda metade do século XIX. Fato análogo ocorreu na Alemanha, cuja língua tornada oficial só era conhecida por uma minoria erudita no momento da unificação. De modo análogo, no começo do movimento nacionalista irlandês, os militantes ensinavam de manhã para o povo os rudimentos de sua a antiga língua que estavam aprendendo à noite. Enfim, esses e outros fatos configurariam o que o historiador vai denominar de “invenção das tradições”.<br />
Essas e outras reflexões sobre os movimentos nacionais podem ser adaptadas para discutirmos a questão da alagoanidade e de outras identidades estaduais, já que aqui também se trata de um processo no qual uma população luta para ter consciência de sua especificidade e para constituir instituições políticas com determinado grau de poder sobre um território específico. A principal diferença entre os dois fenômenos reside no fato de que, a partir de um determinado momento, essas “nacionalidades” aceitaram-se como partes de uma nacionalidade mais ampla, constituindo uma federação. Em vários casos essa aceitação não foi pacífica e teve muito de pura e simples imposição pela força das armas, como nos clássicos casos de Pernambuco e do Rio Grande do Sul. O conflito entre centralização e descentralização política na história brasileira tem evidentemente uma relação forte com a definição das bases da nacionalidade. Aureliano Candido Tavares Bastos, sem dúvida uma das mais importantes personalidades alagoanas, foi o primeiro grande defensor teórico dos direitos políticos e culturais das então províncias brasileiras.<br />
Sabe-se que Téo Brandão, nosso admirável folclorista, preocupou-se em aprofundar seus conhecimentos de heráldica para, na segunda metade da década de cinqüenta, propor um novo brasão e uma nova bandeira para o Estado de Alagoas. Como outros indivíduos da época, acreditava que os símbolos vigentes até então não representavam adequadamente a história e a cultura alagoanas e teriam sido compostos sem o respeito aos mais razoáveis padrões heráldicos. O novo brasão ostenta as cores dos folguedos alagoanos, os símbolos dos três primeiros povoamentos, os ramos das duas principais culturas do Estado, uma estrela expressando o pertencimento de Alagoas à Federação e três tainhas herdadas da iconografia holandesa, representando Marechal Deodoro e as lagoas. A sociedade civil formadora de opinião e os poderes públicos aceitaram o novo brasão e a nova bandeira e estes passaram a fazer parte do senso comum e da vida cotidiana de todos alagoanos. É evidente que os símbolos propostos no novo brasão e na nova bandeira e mesmo a heráldica utilizada representam apenas uma das formas possíveis de perceber-se o passado e a cultura de Alagoas, do mesmo modo que os símbolos e a “heráldica” do brasão e da bandeira anteriores. Não há, por exemplo, referências ao Quilombo dos Palmares, que é um dos fatos fundadores da nossa história e contemporâneo do período holandês tão bem contemplado nos novos símbolos oficiais. Téo Brandão não foi só um grande folclorista, foi um dos contemporâneos mais ativos na construção de uma consciência da alagoanidade. A história de sua decisão de mudar o brasão e a bandeira (que se estendeu para o brasão e a bandeira de Maceió) revela a efetivação, numa determinada escala, das três etapas geralmente percorridas, segundo Otto Bauer, por propostas de identidade que relacionam uma população e uma máquina estatal.<br />
No interior de cada época de elaboração da consciência da identidade alagoana as perguntas e as respostas foram naturalmente variadas, já que as diversidades regionais, municipais, éticas, econômicas, políticas e de gênero, entre outras, marcaram este solo como ocorre em qualquer formação social e, em conseqüência, semearam várias visões de mundo convivendo no mesmo espaço e no mesmo tempo. A diversidade de olhares no interior de cada época não evitou convergências, influências e acordos parciais, conscientes e inconscientes; isso ocorreu pelo fato de que a unidade de cada formação social impõe zonas de consenso até para os grupos sociais mais antagônicos entre si. O empresário mais neoliberal e o operário mais socialista precisam, por exemplo, de um ordenamento jurídico coerente que regule os vários momentos dos conflitos em torno da renda, das políticas públicas e de outros aspectos; precisam igualmente de uma língua comum e de um único sistema de pesos e medidas que facilitem a existência local das relações sociais básicas.<br />
Nos casos das formações sociais que possuem mais de uma língua, as pessoas se acostumam a falar duas ou mais línguas para poderem se comunicar com os outros grupos. Um sotaque próprio de cada região ultrapassa as barreiras de classe e de etnia, convivendo com formas de falar próprias de cada um desses grupos. A língua de Alagoas é falada pelo usineiro e pelo pescador, mesmo que os diferentes anos de escolarização, a distinto acesso às viagens internacionais e os diversos contatos com a mídia e as tradições imponham divergências significativas no que se refere a determinadas pronúncias e mesmo no que toca às expressões utilizadas. Muitos brasileiros apreciam as interpretações de Djavan e não percebem que estão rendendo homenagem a uma das modulações do falar alagoano, na sua vertente maceioense, que sintetiza a língua originária da região portuguesa do Minho (região de onde provavelmente vem parte da prosódia de Maceió) e toda a herança de falares negros e caboclos específicos falados pelas populações trabalhadoras da capital. A mãe soprou-lhe a África nos ouvidos, os professores do Liceu Alagoano ensinaram-lhe as formalidades da gramática oficial e a fala da classe média, o menino sintetizou as fontes e produziu uma poesia de universalidade arrebatadora. Sofisticação inexplicável para quem não conectá-la às suas origens sociais e culturais.<br />
A necessidade de complexos sociais que estruturem a formação social de Alagoas impõe algumas identidades às interpretações da alagoanidade propostas pelos vários grupos sociais (“interpretações” numa sentido muito amplo, que incorpora desde as opiniões do senso comum até as visões mais sofisticadas). Várias condicionantes constituíram em cada momento uma zona de acordo (limitada, mas efetiva) entre as diversas interpretações da alagoanidade conectadas a cada grupo social, Uma espécie de fundo simbólico comum que é imprescindível para operacionalizar dimensões importantes do cotidiano da reprodução social. Isso ocorre, por exemplo, no espaço das interpretações da economia propostas pelas duas classes sociais que possuem os interesses estratégicos mais antagônicos: o assalariado e o capitalista. O fato de o crescimento econômico tender a aumentar os salários e as oportunidades de emprego faz com que os trabalhadores alagoanos não sejam por princípio contrários aos planos de desenvolvimento da economia local, inclusive se estes planos representarem apenas etapas da tradicional modernização conservadora. Mesmo um líder operário marxista e com plena consciência de classe será obrigado a levar em conta a existência de uma realidade chamada “economia alagoana”, que se contrapõe, até certo ponto, às economias de outros Estados brasileiros. Desse modo, é certo que os assalariados alagoanos fazem coro com os capitalistas na defesa de mais verbas federais para Alagoas, mesmo que discordem destes na maneira de aplicá-las e no tipo de desenvolvimento e sociedade que aspiram.<br />
Esse fundo simbólico comum de interpretação da alagoanidade é freqüentemente mistificado, no sentido de ser interpretado como prova de uma pretensa harmonia essencial entre classes, etnias e outros grupos sociais. Operação de mistificação que fica ainda mais deplorável quando é adicionada à transformação ideológica desse fundo comum em uma pretensa verdadeira, metafísica, atávica e imutável alagoanidade. O crime político, por exemplo, pode ser por este caminho naturalizado como uma derivação necessária e insuperável da natureza violenta do homem alagoano. A monocultura, por sua vez, também pode ser apresentada como imprescindível para a preservação de uma etérea alagoanidade, que transita num mundo mágico de arquétipos impregnados do cheiro doce do mel, da pretensa bondade no tratamento dos escravos e de uma bela paisagem marcada pelas ondas que o vento espalha nos canaviais. Para evitar este caminho é preciso compor, por exemplo, uma abordagem historiográfica da figura de Floriano Peixoto que não fortaleça o mito da violência inata do alagoano. O habitante de Santa Catarina teve o nome de Floriano imposto à sua capital, após ter visto vários concidadãos serem fuzilados pelo presidente; é fácil para o catarinense acreditar no mito da violência inata do alagoano, principalmente se o próprio alagoano o reforçar sublinhando os aspectos mais negativos do governo do marechal.<br />
Evidentemente houve sempre interpretações hegemônicas sobre a alagoanidade, que geralmente estiveram associadas, como ocorre em toda sociedade de classe, às idéias e interesses dos grupos que estiveram no cume da pirâmide social. Entretanto é importante deixar evidenciado que os oprimidos sempre lutaram no campo simbólico, nunca foram ideologicamente passivos desde Zumbi dos Palmares, passando pela resistência indígena até chegar aos modernos sindicatos e movimentos agrários. A história é muito mais rica do que revela uma abordagem do tipo “malvados e coitados”, na qual uma visão paternalista, mesmo que bem intencionada como todas que calçam o inferno, acaba negando a dignidade dos oprimidos por percebê-los como vítimas inertes do destino. As interpretações hegemônicas da alagoanidade tiveram que conviver com várias insurgências que, em diversos momentos históricos, pareceram mesmo ameaçar-lhes. A obra de Graciliano, por exemplo, é uma bomba nuclear desconstruindo a visão dominante da alagoanidade; do ponto de vista dos argumentos literários, não fica pedra sobre pedra do status quo e, certamente por isso, a capital alagoana não possui uma estátua do nosso maior romancista.<br />
No presente, como em vários momentos do passado, a sociedade civil local tem a sensação de que a consciência da identidade alagoana se esvai, que ela é frágil, qual uma chama de vela na ventania do processo de globalização. Percebe-se resistência em vários setores. Na academia, nas ONG’s, no jornalismo, nas artes, entre os trabalhadores e mesmo em alguns setores empresariais ligados ao mercado interno há muita inquietação em torno da alagoanidade. Por não perceberem um movimento análogo em torno da identidade alagoana, esses grupos olham para as vigorosas afirmações de identidade da Bahia e de Pernambuco com uma profunda dor. Qual seria a causa desse impasse, dessa impotência? Por que as várias interpretações da alagoanidade não têm sido revigoradas e nem têm contribuído para melhorar nossa auto-estima e a compreensão da realidade? Esse fenômeno pode ser explicado pelas características da alagoanidade em si, não simplesmente pela natureza de suas interpretações.<br />
As singularidades da formação social alagoana têm determinado a constituição de interpretações hegemônicas da alagoanidade incapazes de cumprirem a meta de serem guias da nossa elevação a novos patamares civilizacionais. A particularidade do capitalismo caeté tem determinado uma consciência hegemônica da alagoanidade que não tem todos os elementos necessários para estabelecer as condições subjetivas de desenvolvimento desta formação social. O sentimento de sermos desterrados em nossa própria terra, a sensação de identidade esvaziada e sem auto-estima, a desvalorização da cultura local são elos necessários no processo de reprodução da incompletude e do caráter hiper-atrasado do sistema capitalista alagoano.<br />
O principal núcleo da nossa economia, a monocultura de exportação, que prevalece desde a época colonial, por complexas razões históricas submeteu a manufatura (o engenho propriamente dito, os equipamentos de elaboração do açúcar) e depois a indústria (a planta fabril da usina) à lógica econômica da agricultura de exportação e a seus problemas estruturais, principalmente a vulnerabilidade às intempéries, a dependência do mercado externo e a lenta rotação do capital (que implica numa queda acentuada na massa de lucros); esta submissão do historicamente novo ao historicamente velho teve impactos desastrosos para o desenvolvimento do capitalismo em Alagoas, abrindo espaço às características mais desumanas deste sistema em detrimento de seus aspectos progressistas. A divisão social do trabalho foi paralisada, a sociedade continuou essencialmente rural, a existência de novos setores econômicos decisivos foi inviabilizada e o mercado interno tornou-se radicalmente restringido.<br />
O principal setor da economia alagoana há mais de quatrocentos anos vende seus produtos para consumidores finais que não se encontram no nosso território, falam outras línguas e em muitos casos nem sabem da localização do Estado no mapa-múndi. O consumo interno é irrelevante para este setor da economia (Alagoas consome, atualmente, apenas dois por cento do açúcar que produz) e, em conseqüência, não entra no cálculo empresarial. Como demonstrou K. Marx, a produção capitalista cria tanto a mercadoria quanto constrói o seu próprio consumidor. No caso alagoano, há um distanciamento geográfico radical entre os dois pólos, o que inviabiliza a existência da forma mais progressista do ciclo econômico. Este fato, que é uma das expressões da paralisia da divisão interna do trabalho, tende a construir uma formação social abstrata, sem instituições sociais bem estruturadas que possam se articular e fundamentar um vigor coletivo.<br />
A ruralização da indústria alagoana, que restringe muito a massa de lucros devido à lentidão que impõe à rotação do capital industrial, determina entre os empresários uma corrida tresloucada pela diminuição dos custos, via diminuição radical dos gastos com mão-de-obra, aproveitamento desordenado da natureza, luta por subsídios públicos, busca de moedas estrangeiras fortes (daí a preferência pela exportação para mercados de outros países) e o monopólio da renda absoluta da terra (a renda absoluta da terra é uma espécie de imposto que a sociedade toda paga ao proprietário rural sem que este precise investir um centavo em troca; está renda absoluta é distinta do lucro sobre o investimento na terra, o qual é proporcional ao capital que foi investido e à taxa de mais-valia obtida). Não se tratam de livres escolhas individuais de investimento; é a própria estrutura secular da economia que impõe suas necessidades retrógradas de reprodução à consciência da classe empresarial. O impacto dessa realidade objetiva e subjetiva tem um efeito extremamente negativo no desenvolvimento da consciência da alagoanidade.<br />
Um dos principais resultados das circunstâncias econômicas apontadas e do divórcio entre a classe empresarial e as tendências mais progressistas do capitalismo é a extrema impotência da sociedade civil organizada, elemento que na modernidade é o esteio da identidade local, das instituições republicanas e dos valores democráticos, bem como das possibilidades da construção de perspectivas alternativas aos modelos sociais vigentes. A sociedade civil apresenta-se enfraquecida pelo fato de constituir-se de sujeitos sociais (classes, etnias e outros grupos) sem a completude, sem a inteireza, sem o pleno desenvolvimento econômico e social que possuem em sociedades de capitalismo mais desenvolvido; essa falta de completude se expressa em várias formas de incompletude política, cultural e ideológica, o que dificulta a constituição de um espaço republicano e capaz de mediar de modo civilizado distintos e claros projetos de sociedade.<br />
Por capitanearem um modelo econômico capitalista que, contraditoriamente, paralisa os desenvolvimento qualitativo do próprio sistema, o núcleo principal dos empresários alagoanos aparta-se da visão liberal clássica da economia, que propugna a revolução constante do modelo econômico e o aumento contínuo da divisão social do trabalho, e aproxima-se de uma perspectiva conservadora e pouco sistemática da realidade local; isso torna muito frágil a situação do status quo em qualquer arena discursiva mais sofisticada, como a Universidade. Na verdade é impossível, sem se afirmar disparates, defender cientificamente o modelo, econômico, social e político vigente em Alagoas. Desse modo, a sociedade civil fica sem o auxílio dos mais poderosos de seus membros para elevar-se aos mais altos padrões políticos, ideológicos e culturais. Isso explica a irrelevância das verbas que as instituições culturais alagoanas recebem das maiores empresas locais; fenômeno bem diferente do que ocorre, por exemplo, nos EUA, país no qual várias grandes empresas financiam generosamente bibliotecas, museus e outras iniciativas.<br />
Enfim, a interpretação hegemônica propõe sub-repticiamente uma alagoanidade tímida, cabisbaixa, carente de auto-estima, violenta, elitista, paternalista, hipocritamente racista, conservadora, passiva, apartada do compromisso com o progresso e a igualdade social, os valores democráticos e o aperfeiçoamento das instituições republicanas. É, como toda interpretação de uma identidade, tanto uma versão sobre o que existe quanto uma projeção sobre o que deve ser. Faz uma seleção dos piores aspectos que impregnaram a história alagoana, procura lhes dar um aspecto palatável, e os eleva à categoria de arquétipos imutáveis do homem alagoano. A violência seria apenas outro nome para a valentia; a timidez política seria expressão do desejo de ordem; o elitismo representaria a fidalguia; a monocultura seria uma vocação natural, um destino manifesto; o racismo nunca teria sido marcante e os escravos sempre teriam sido bem tratados; o conservadorismo é apresentado como um trunfo contra as idéias socialistas.<br />
É necessária uma nova interpretação da identidade alagoana para que possa existir uma nova alagoanidade. Milhares de camponeses, trabalhadores assalariados, pequenos e médios comerciantes ligados ao consumidor interno, profissionais liberais, funcionários públicos das três esferas, índios, sem-terras, remanescentes de quilombos, aposentados, jovens e outros grupos sociais são o esteio objetivo da inquietação atual em torno da alagoanidade. O aumento significativo das verbas federais tem provocado, nos últimos vinte anos, o desenvolvimento de várias dimensões do mercado interno, principalmente no comércio e no setor de serviços, que são essencialmente independentes do núcleo central da economia alagoana; esses resultados econômicos positivos das políticas públicas federais, que representam um fortalecimento da União em relação ao Estado, aumentam o espaço democrático e a possibilidade de intervenção dessas camadas sociais no debate político e cultural. Esses setores têm a possibilidade de interessar-se por uma interpretação da realidade alagoana que venha a propor a superação das mazelas do passado e se fundamente em valores e conceitos coerentes com o patamar de desenvolvimento já alcançado pela humanidade. Talvez já existam as condições de a formação social alagoana alcançar à sua autoconsciência e superar a interpretação tradicional de si mesma, de chegar, portanto, à compreensão das suas reais necessidades históricas, momento imprescindível para a construção de uma outra alagoanidade._________________*Professor universitário, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp<br />
</div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-1142691907977412612006-03-18T11:23:00.001-03:002010-01-05T11:10:17.885-02:00Entrevista de Otávio Brandão sobre as Alagoas de 1917<div align="justify">Do site: (http://www.cpdoc.fgv.br)<br />
<br />
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS<br />
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE<br />
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)<br />
Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A<br />
citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.<br />
REGO, Otávio Brandão. Otávio Brandão (depoimento, 1977). Rio<br />
de Janeiro, CPDOC, 1993. 139 p. dat.<br />
OTÁVIO BRANDÃO<br />
(depoimento, 1977)<br />
Rio de Janeiro<br />
1993<br />
Ficha Técnica<br />
tipo de entrevista: história de vida<br />
entrevistador(es): Maria Cecília Velasco e Cruz; Renato Lessa<br />
levantamento de dados: Maria Cecília Velasco e Cruz; Renato Lessa<br />
pesquisa e elaboração do roteiro: Maria Cecília Velasco e Cruz; Renato Lessa<br />
sumário: Nara Azevedo de Brito<br />
conferência da transcrição: Nara Azevedo de Brito<br />
copidesque: Elisabete Xavier de Araújo<br />
técnico de gravação: Clodomir Oliveira Gomes<br />
local: Rio de Janeiro - RJ - Brasil<br />
data: 15/01/1977 a 10/02/1977<br />
duração: 6h 50min<br />
fitas cassete: 05<br />
páginas: 139<br />
Entrevista realizada no contexto da pesquisa "Trajetória e Desempenho das Elites Políticas<br />
Brasileiras", parte integrante do projeto institucional do Programa de História Oral do CPDOC,<br />
em vigência desde sua criação, em 1975.<br />
Esta entrevista subsidiou a elaboração da tese de doutorado de Dulce Pandolfi, publicada no<br />
livro Camaradas e companheiros: memória e história do PCB (Rio de Janeiro, Relume-Dumará;<br />
Fundação Roberto Marinho, 1995).<br />
temas: Anarquismo, Astrogildo Pereira, Bloco Operário e Camponês (1928-1930),<br />
Cooperativismo, Greves, Movimento Operário, Otávio Brandão, Partido Comunista do Brasil,<br />
República Velha (1889-1930), Sindicalismo, Sindicatos de Trabalhadores.<br />
<br />
<br />
"Sumário<br />
1ª Entrevista: 15.01.1977<br />
Origem familiar; formação escolar e intelectual; jornal A Semana Social; protesto contra a<br />
Primeira Guerra Mundial e a prisão; os anarquistas; sindicalismo em Maceió; criação da<br />
Socidadade dos Irreverentes e da Congregação Libertadora da Terra e do Homem; setores<br />
ativos do operariado; sindicatos amarelos; anarquismo e anarco-sindicalismo; políticos e<br />
movimento operário; anarquismo e revolução; Insurreição de Magé (1918); inviabilidade do<br />
anarquismo; sindicatos anarquistas; a Coligação Social; Federação Operária; ação política<br />
anarquista; caráter individualista do anarquismo; socialistas e positivistas; a imprensa e a<br />
questão social; relações com Prestes; o Bloco Operário e Camponês; dificuldades do BOC em<br />
São Paulo; Teotônio Sousa Lima; atividade política nas fábricas; aliança com o<br />
tenentismo.............................. p. 1-37<br />
2ª Entrevista: 21.01.1977<br />
Contatos com anarquistas; reunião em Buenos Aires e liquidação do BOC (1930); expulsão do<br />
Brasil (1931); influência do BOC entre os trabalhadores; I Conferência Comunista do Brasil;<br />
difusão do anarquismo no Brasil; José Elias da Silva; desagregação do PC; popularidade dos<br />
políticos entre os operários; os amarelos no porto; movimento cooperativista; jornal A Voz do<br />
Povo; greve da Leopoldina (1920); deportações de anarquistas por Epitácio Pessoa; Lima<br />
Barreto; organização das greves; greve dos gráficos (1929); adesão de Astrojildo ao<br />
comunismo; o Partido Comunista e a disciplina partidária; a insurreição de 1935; Coligação<br />
Social (1920); Everardo Dias; o grupo Clarté; o Partido Socialista; ligações dos sindicatos com<br />
o coronel Bandeira de Melo; luta contra os anarquistas; Astrojildo Pereira; reorganização dos<br />
sindicatos; insurreições da Internacional para o movimento no Brasil; atuação de Astrojildo<br />
Pereira; criação do PC e propostas de trabalho; I Congresso do PC; perfil dos fundadores do<br />
PC; o trotskismo; papel da esposa no movimento operário.......................................................<br />
p.37-97<br />
3ª Entrevista: 10.02.1977<br />
Influência da Internacional na fundação do PC; reorganização dos sindicatos; órgãos do PC;<br />
trabalho junto aos camponeses; vereador em 1946; organização interna do PC; interferência da<br />
Internacional na linha do partido; atividades nos sindicatos; diferenças entre anarquismo e<br />
comunismo; o PC e as leis trabalhistas; proposta de frente cínica entre o PC e os anarquistas;<br />
tentativa de ligações com a Coluna Prestes; adesão ao comunismo; II Congresso do Partido;<br />
política reformista burguesa nos anos 20; sistema eleitoral na República Velha; criação e<br />
atuação do BOC; atuação como vereador; Revolução de 1930; reunião em Buenos Aires;<br />
legislação eleitoral........................................................................................................... p. 97-139<br />
1ª Entrevista: 15.01.1977<br />
M.C. - Otávio, onde e quando você nasceu?<br />
O.B. - Eu nasci a 12 de setembro de 1896, na cidade de Viçosa, de Alagoas, no interior,<br />
a cem quilometros do litoral, no meio das plantações de cana-de-açúcar. Subiam,<br />
desciam ladeira, até as portas da cidade, aquelas plantações de cana-de-açúcar. Viçosa é<br />
uma cidade muito pequeno-burguesa, cercada de latifúndios, antigos engenhos,<br />
engenhos de açúcar. Só muito depois é que apareceu uma usina. Então, o ambiente era<br />
este: uma pequena burguesia urbana - uns progressistas, outros confusos, outros<br />
reacionários - e aquele latifúndio cercando a cidade, latifúndios de plantações de canade-<br />
açúcar. Lugar muito bonito, o rio Paraíba no meio dos pedregais, aquelas matas, às<br />
vezes matas virgens. Uma coisa raríssima na história do Brasil a gente encontrar matas<br />
virgens. Uma dessas, subindo a serra Dois Irmãos, atravessei com um grupo de amigos:<br />
seis horas subindo e abrindo caminho com um facão, porque de outra forma não era<br />
possível dar um passo - aquele entrelaçamento de cipós, da base até lá em cima, eram<br />
matas virgens. Agora estive em Itatiaia e vi lá matas bonitas, mas os paus são finos, quer<br />
dizer são recentes, e a mata não é virgem. A gente pode penetrar de um extremo a outro,<br />
como na Europa.<br />
M.C. - E qual era a profissão de seu pai?<br />
O.B. - Meu pai era prático de farmácia. Era um homem democrata, progressista, um<br />
homem de idéias muito avançadas para a época. Não esqueça de que, chegou 15 de<br />
novembro de 1889, houve a Proclamação da República no Rio de Janeiro, e chegou lá a<br />
notícia muito depois. Não havia telégrafo; não havia estrada de ferro. Então, os<br />
pequeno-burgueses urbanos reuniram-se na Câmara Municipal e proclamaram sua<br />
adesão à República. Bom; até aí, nada demais. Na hora dos triunfadores, sempre<br />
aparecem os oportunistas. O diabo é que Viçosa ficava longe, no interior, e um dia<br />
chegou a notícia: "Dom Pedro II recompôs a Monarquia". E todos começaram a dizer:<br />
"Estamos perdidos, vamos ser enforcados, porque fizemos um documento público."<br />
[risos] E, assim, um escândalo tremendo. Então, foram a meu pai para ele retirar a<br />
assinatura. Estava lá: Manuel Correia de Melo Rego. Mas meu pai respondeu: "Não; eu<br />
coloquei a assinatura; agora, acabou-se. Prefiro ser enforcado a retirar a assinatura."<br />
Então ele deu coragem aos outros pequeno-burgueses e ficou o dito pelo não dito.<br />
Depois é que chegou a notícia de que a República estava se consolidando, que a<br />
Monarquia estava perdida. Ele disse: "Está vendo? Imagine que vergonha, nós, depois<br />
de termos assinado esse documento, retirarmos a nossa assinatura! Teria sido uma<br />
desmoralização total." Eu tenho aí uma cópia desse documento.<br />
Era um homem assim, de caráter! Eu, do ponto de vista do pensamento, devo muito a<br />
meu pai, e do ponto de vista do sentimento, devo à minha mãe.<br />
Minha mãe era dessas mulheres amorosas, cheia de carinho, cheia de doçura. Uma<br />
coisa admirável. Muitos anos depois saí pelo mundo... Mas ela morreu logo, quando eu<br />
tinha quatro anos de idade.<br />
M.C. - Você tinha irmãos?<br />
O.B. - Tinha uma irmã - os outros morreram - que ainda está viva. Depois da morte de<br />
minha mãe, eu cresci, saí pelo mundo procurando suas amigas. Chegava num lugar,<br />
perguntava: "A senhora conheceu d. Maroquinha, da Farmácia Popular, rua do<br />
Juazeiro?" Ela dizia: "Ah, eu conheci:" E eu perguntava: "Como era dona Maroquinha?"<br />
Ela respondia: "Era uma maravilha de mulher." Para as amigas ficou aquela recordação.<br />
Então, do ponto de vista do sentimento, devo muito a minha mãe. Está ali o retrato dela,<br />
ao lado do meu pai.<br />
M.C. - Otávio, o que você estudou? Onde?<br />
O.B. - Bem; eu estudei em Viçosa. Aprendi a ler com a professora Maria do Â. Era uma<br />
negra. [risos] Dava bolo a três por dois. Eu tinha muito medo dela! Ela, porém, nunca<br />
me bateu. Aprendi rapidamente a ler. E é interessante que Graciliano Ramos, que hoje é<br />
uma glória nacional, também aprendeu a ler com Maria do Â. Ele num dos livros, ataca<br />
a Maria do Â; e eu, num artigo, no Diário de Notícias, no Suplemento Literário, a<br />
defendi. Ela ensinou a ler a dois escritores: [risos] um é uma celebridade; o outro é<br />
negado por todos os lados. É uma questão de classe! Mas, de qualquer forma, ela nos<br />
ensinou a ler, além de outros e outros. É uma mulher pobre, negra, professora primária,<br />
perdida no interior de Alagoas, vivendo só, naquela pobreza, e acabou na miséria Maria<br />
do Â.<br />
M.C. - E o ginásio?<br />
O.B. - Bem; depois fui para outros colégios. Sobretudo o colégio do Professor Tibúrcio<br />
Nemésio. Este homem tinha idéias progressistas. Era da pequena burguesia urbana,<br />
progressista, lá de Viçosa. Ele também contribuiu para o meu desenvolvimento. Depois,<br />
fui para Maceió, e aí quiseram converter num santo o caboclo rebelde de Viçosa. Era um<br />
colégio de Irmãos Maristas, mas eu não queria aprender o catecismo. Meu pai não me<br />
ensinou o catecismo, meu pai nunca me mandou à igreja. Ele só acreditava em Deus e<br />
na madrinha dele - esta coisa de adotar uma santa, que era madrinha da Igreja de Santa<br />
Rita, lá na região dos Canais e das Alagoas. Ele falava: "Só acredito em Deus e na<br />
minha madrinha Santa Rita." Nunca me mandou à igreja. E os Irmãos Maristas queriam<br />
me ensinar o catecismo. Eu não queria, então, fui castigado. Parece que era às quatro<br />
horas da tarde a hora de ir brincar em Maceió. Quatro horas da tarde, eu era castigado. Ia<br />
para um salão, ficava olhando a parede [risos] durante duas horas. Parece que foram<br />
trinta e tantas horas de castigo para eu me tornar católico! Eu, de fato, não era católico e<br />
não conhecia o catecismo. No fim, eu, desesperado, sem ter para quem apelar, penso:<br />
"Se eu recusar, volto a Viçosa, e lá não tem nada, não tenho futuro. Que fazer?" No final<br />
aceitei e me tornei católico.<br />
M.C. - E quando é que você rompeu com o catolicismo?<br />
O.B. - Fui católico dois anos e meio. Em 1912, rompi totalmente e nunca mais voltei ao<br />
catolicismo. Fui o primeiro a romper na família. Então foi um escândalo, uma coisa<br />
tremenda. Meu tio, Alfredo, que pagava meus estudos, ficou desesperado e dizia:<br />
"Quando eu morrer, vou pagar este crime de ter contribuído para educá-los, e você saiu<br />
assim contra a Igreja!" Havia um tio padre, irmão da minha mãe. Foi também uma luta<br />
tremenda contra ele. Havia o bispo de Alagoas, que também era Brandão. Tudo era<br />
Brandão e tudo católico. E essa gente toda caiu em cima de mim. Uma coisa<br />
terrível! Foi uma luta desesperada, que durou de 1912 a 1919. Em 1919 tudo se<br />
complicou, porque havia nossa luta no seio da família, mas também havia a luta social,<br />
em Maceió, ajudando os operários a conquistar o dia de oito horas, conquistar aumento<br />
de salários, liberdades sindicais. Aí fui metido na cadeia de Maceió, e a única solução<br />
era fugir de Alagoas. A família se opunha, mas havia já um bandido para me matar.<br />
Então, foi em 1912 a ruptura. Claro que eu não podia ter a base teórica que tenho hoje:<br />
falta de livros, falta de amigos. Fiquei sozinho naquela luta, anos e anos. E a família<br />
toda dizendo:" Volta, volta ao catolicismo."<br />
M.C. - Você participou de algum grupo anticlerical?<br />
O.B. - Não.<br />
M.C. - Existia algum em Maceió?<br />
O.B. - Não; não havia ninguém. Eu falava com uns, com outros, ninguém queria. Eu<br />
sozinho, absolutamente só, anos e anos. Tal o atraso! Não havia livros, não havia<br />
ambiente, não havia nada. Fui estudando literatura em geral, como, por exemplo,<br />
hindus, que consegui, os gregos sobretudo, os alemães, os russos etc. E, estudando<br />
filosofia, li o livro de Büchner, Força e matéria, li Darwin, li Haeckel, biólogos. O que<br />
encontrei, eu fui lendo e devorando com aquela ansiedade. Para poder resistir àquela<br />
pressão toda do ambiente. Li Nietzsche. E isto me salvou. Eu digo:" Não; não volto<br />
nunca mais, nunca mais."<br />
M.C. - Isso foi na época em que você estava na faculdade?<br />
O.B. - Sim; eu estava no Recife, em 1912, estudando farmácia. Estudei três anos e<br />
completei o curso no Recife. Mas, paralelamente, estudei os naturalistas, ciências<br />
naturais, teoria e prática. Saía pelos arredores de Recife estudando botânica,<br />
mineralogia, geologia. E estudando literatura universal. Aí conheci os hindus; conheci o<br />
Rig-Veda, que é o mais bonito dos quatro Vedas. Li o Rig-Veda; li Sa Kuntale,1 de<br />
Kalidaga; li o que encontrei. Até hoje eu guardo esse exemplar do Sa Kuntale. Eu<br />
admirei muito os hindus. E fui procurando os materialistas, aqui, ali e acolá.<br />
M.C. - E como você entrou em contato com as idéias anarquistas?<br />
O.B. - Isso já foi depois, em Maceió. Em Maceió, houve um tipógrafo, Antônio<br />
Bernardo Canelas. Ele era tipógrafo, jornalista, tudo. Ele editou o jornal A Semana<br />
Social, em Maceió. Ele não estudava. Acreditava demais na própria intuição, mas era<br />
muito inteligente. Tinha antenas; pegava as coisas no ar. Canelas editou esse jornal.<br />
Esse jornal teve muita importância, porque, quando o governo declarou guerra à<br />
Alemanha, A Semana Social botou lá a manchete: "Abaixo a guerra imperialista."<br />
Somente Maceió, Rio e São Paulo é que protestaram contra a guerra. A esmagadora<br />
maioria dos intelectuais: Rui Barbosa, Coelho Neto, toda essa gente apoiando os<br />
Aliados contra os alemães. E nós contra os Aliados e contra os alemães, de modo que<br />
foi um coisa impressionante. E Canelas tinha amizade com Astrojildo Pereira, aqui no<br />
Rio de Janeiro. Astrojildo morava em Niterói, a correspondência vinha para o Rio de<br />
1 Sa Kuntale (o anel perdido) é uma peça do poeta indiano Kalidaga (Sec. V).<br />
Janeiro. Então, Astrojildo começou a dar indicações. Aí eu li Bakunin, Deus e o Estado;<br />
li Kropotkin, A conquista do pão; li Sebastião Faurre; li Malatesta. O que encontrei, fui<br />
lendo. E li Nietzsche, que contribuiu muito, porque, como ele mesmo diz, no prefácio lá<br />
de um dos seus livros: "Retirai deste livro amargo, razões para tudo." [riso] É como a<br />
Bíblia, a gente tira dali o que bem quer. E então, Nietzsche serviu para eu resistir àquele<br />
ambiente clerical, àquela pressão da família, àquilo tudo. Ele representou um papel<br />
positivo. E as outras idéias dele, em filosofia e em sociologia, eu repudiei. Admirei<br />
sobretudo as poesias, como aquele "Canto da Noite", que ele escreveu em Roma.<br />
Quanto às idéias, muitas das idéias dele, que depois contribuíram para o nazismo, eu<br />
rechacei já em 1916, 1917, quando ele diz: "O Estado é o mais frio dos monstros..."<br />
Porque Nietzsche tem muitas coisas anarquistas e tem coisas que serviram para Hitler. A<br />
primeira parte foi a que eu adotei. O livro dele O anticristo, que é uma crítica ao<br />
cristianismo, também li. E foi o que eu encontrei em Maceió. Sobre a Rússia, o único<br />
livro que encontrei foi um livro do século passado... Stepniaquim descrevendo os<br />
Narodnaiavolia, os terroristas do século passado. Foi o único livro que encontrei, não<br />
encontrei mais nada de lá. Ou então artigos de jornal, mas artigos caluniosos. Todos<br />
esses jornais caluniando a revolução na Rússia.<br />
M.C. - A Semana Social foi fundada quando?<br />
O.B. - Mais ou menos em 1916 ou 1917, por aí assim.<br />
M.C. - E você começou a escrever para o jornal em que época?<br />
O.B. - Escrevi artigos contra, por exemplo, aquelas coisas do Olavo Bilac, o<br />
militarismo, a defesa nacional, aquilo tudo. Escrevi um artigo de que ainda me lembro.<br />
Fui à redação, sentei-me num canto qualquer e fui ditando, Canelas escreveu e publicou.<br />
E um outro... Eu li A mãe, de Máximo Gorki, que exerceu uma influência muito grande<br />
em mim, porque eu vi a mãe proletária, a mãe operária, que, levada pelo carinho e pelo<br />
amor do filho, foi-se transformando até se tornar uma revolucionária. A mãe, de<br />
Máximo Gorki, exerceu grande influência na minha vida. E escrevi [risos] influenciado<br />
pelo livro de Gorki, um apelo à revolta. Foi um escândalo! Saiu em A Semana. Foi um<br />
escândalo, uma coisa terrível, chamando o povo todo à revolta contra os comendadores,<br />
os latifundiários, a burguesia.<br />
M.C. - O jornal tinha uma tiragem grande?<br />
O.B. - Não; grande não podia ser, porque era boicotado. Somente grupos de operários,<br />
em Maceió, e pequeno-burgueses urbanos progressistas é que liam A Semana Social.<br />
M.C. - Ele era boicotado de que forma?<br />
O.B. - Bem; dinheiro não tinha. Canelas deixava de comer para juntar dinheiro para<br />
poder comprar papel, e havia sempre dificuldades.<br />
M.C. - Ele era o único editor do jornal?<br />
O.B. - É; ele era o tipógrafo, o jornalista, o doutor, o escritor, tudo, tudo. Ele não tinha<br />
cama. Havia, assim, um lugar debaixo... Não tinha linotipo, era tipógrafo.<br />
Debaixo daquelas caixas dos tipos, um cantinho, era ali que ele dormia.<br />
M.C. - E os operários em geral liam esse jornal?<br />
O.B. - Liam; os operários de Maceió liam esse jornal. Grupos de operários. Acabou tudo<br />
na cadeia de Maceió. Uns 14!<br />
M.C. - Por quê?<br />
O.B. - Imagine! A Igreja Católica zangada, porque eu fiz conferências, mostrando a<br />
origem da terra alagoana através de milhões de anos, e perguntavam: "E Deus?" Eu<br />
respondia:" Deus não tem nada a fazer nesse terreno. É a geologia. Deus não entra nesse<br />
terreno." Então a Igreja muito zangada, pois queria que eu fosse um esteio da Igreja<br />
Católica como os outros Brandões. Por exemplo, se a gente chegava num lugar e<br />
perguntava: "Quem construiu aquela igreja?" A resposta era sempre: "Foi um tal<br />
Brandão." Mais adiante, a gente perguntava: "E essa outra?" "Foi um tal Brandão." E<br />
quando não construiu, pelo menos reconstruiu. O irmão da minha avó, o vigário<br />
Francisco de Borja Barros Loureiro, reconstruiu a igreja de Viçosa, que até hoje está lá.<br />
M.C. - Quer dizer que a sua família é uma família tradicional em Alagoas?<br />
O.B. - E clerical, com aquele fanatismo danado, muito duro, muito duro. E essa coisa de<br />
virgindade de Maria! Eu dizia: "Não me aborreçam com bobagens." E eles reagiam:<br />
"Como bobagem? Isso é uma coisa sagrada, e não sei o quê." Eu dizia: "Ela foi mãe e<br />
ficou grávida, não podia ser mais virgem." Eles respondiam: "Mas que escândalo!" E os<br />
tios ficavam ofendidos, não queriam discutir. Eles diziam: "Mas que desaforo, que<br />
ofensa." Eu explicava: "Não estou ofendendo o senhor, não estou dizendo nada." "Um<br />
menino que vi nascer outro dia quer me dar lição." "Eu não quero dar nenhuma lição,<br />
mas estudei religião, e o senhor não estudou." "Que desaforo, que ofensa." Não havia<br />
meio de discutir. Nesse ambiente era muita coação, sempre. Os parentes todos, um<br />
bando de beatos. Precisava ter paciência, se não eu os mandaria: "Vão para o inferno,<br />
que se danem!" Mas eu não dizia.<br />
M.C. - Mas como é que os operários foram presos? O senhor estava contando...<br />
O.B. - Bem; isso já foi depois. Em 1917, esse protesto contra a guerra repercutiu muito.<br />
Maceió teve essa glória - Maceió, Rio de Janeiro e São Paulo. Ninguém mais protestou.<br />
Um avacalhamento geral. A massa dos intelectuais era toda de aliadófilos, como Rui<br />
Barbosa. Todos diziam "Esta é a última guerra! Esta é a guerra da justiça! É a guerra do<br />
direito contra a força! Eu sou pela força do direito, contra o direito da força!" E diziam<br />
"Muito bem! Viva Rui Barbosa!" Essa palhaçada toda. E nós, contrários.<br />
Isso abalou aquilo tudo. O jornal foi fechado. Canelas teve que ir embora para o<br />
Recife, não pode mais ficar. E, pela primeira vez, penetrei na vida ilegal. Passei 15 dias<br />
no interior. Veio a multidão - imagine -, a multidão envenenada: empregados do<br />
comércio, estudantes, cerca de cinco mil pessoas. Fizeram um comício na praça dos<br />
Marítimos e, depois, saíram para a redação de A Semana Social. Lá, bateram à porta,<br />
que estava fechada, pois o Canelas estava dormindo. Uma vizinha veio e acordou o<br />
Canelas. Ele acordou com aquele barulho: "Lincha Canelas! Mata Canelas! Espião<br />
boche!" (Chamavam os alemães de boches.) Então, a vizinha passou pelos fundos...<br />
Sabe como são essas casas no interior: não têm quintal, e passa-se de uma casa para a<br />
outra. Essa senhora levou Canelas para a sala de jantar e botou a rede por cima dele. Ele<br />
ficou ali encolhido, ouvindo esse barulho de cinco mil pessoas gritando: "Espião boche!<br />
Acaba com isso! Mata! Lincha o bandido!" E, naquele meio, um sujeito, não sei quem,<br />
gritou: "Quem escreveu o artigo contra a guerra não foi Canelas, foi Otávio Brandão!<br />
Vamos quebrar as costelas dele!" [riso] Minhas costelas não são de ferro! Eu já previa<br />
isso e estava no interior, lá em Viçosa. Então, no final, os amigos que estavam na<br />
multidão, disseram: "Não; não foi Otávio Brandão que escreveu o artigo contra a<br />
guerra."<br />
Passou; mas o jornal morreu. Minha família aí embrulhou tudo, e todos<br />
começaram a dizer: "Antes era por causa do catolicismo; agora já se mete no meio<br />
desses desordeiros e é acusado de espião boche." Eu digo: "Eu não; não tenho nada de<br />
espião boche. Essa guerra é um crime, nós somos contra os alemães e contra os<br />
Aliados."<br />
Depois, no final, houve a insurreição de 1918, dos operários aqui, e Oiticica foi<br />
deportado para Maceió. Eu fui visitá-lo no engenho Mundaú, da família dele. Então,<br />
conversamos um pouco. Sei que aproveitaram umas conferências de um espírita e<br />
lançaram um manifesto. A Polícia saiu atrás do autor do manifesto, e o encontrou.<br />
Meteram-no na cadeia. Fui visitá-lo e, por crime de solidariedade, fui preso. Creio que<br />
13 ou 14 pessoas, inclusive operários, foram presas, acabaram na cadeia de Maceió.<br />
M.C. - O manifesto era sobre o quê?<br />
O.B. - Não me lembro mais. O manifesto foi provocado por esse Viana de Carvalho,<br />
que era espírita e andava fazendo propaganda do espiritismo. Então, parece que Oiticica<br />
escreveu este manifesto. Não tinha grande importância, mas a questão era que antes nós<br />
tínhamos levantado esses problemas todos, e a Polícia aproveitou para acabar com o<br />
movimento. Invadiu os sindicatos, deu pancada a torto e a direito...<br />
M.C. - Que sindicatos?<br />
O.B. - Ah! Nós criamos um sindicato de operários. Era o Sindicato de Ofícios Vários.<br />
Quer dizer, da Igreja Católica, zangada por causa da nossa explicação materialista da<br />
origem da terra alagoana, perguntavam: "E Deus?" Eu dizia: "Deus não entra, não tem<br />
nada a fazer na geologia." A burguesia zangada, por que os operários trabalhavam 12,<br />
14, 16 horas na fábrica de tecidos de Fernão Velho, em Rio Largo, por um salário<br />
miserável, e nós lutávamos pelo dia de oito horas. E fomos conquistando aqui, ali e<br />
acolá, o dia de oito horas, aumento de salários e liberdades sindicais. Bom: a burguesia<br />
zangada; a Igreja Católica zangada; os agentes do imperialismo, que vendiam gasolina e<br />
essa coisas todas, zangados, porque provei que Alagoas tinha petróleo, e eles diziam<br />
sempre: "O Brasil não tem petróleo! O Brasil não tem petróleo!" E eu provei que<br />
Alagoas tinha petróleo. Isto em 12 de outubro de 1917. Os latifundiários zangados,<br />
porque nós penetramos no interior pregando divisão das terras. "A terra aos<br />
trabalhadores de enxada." Então se juntaram todos: a Igreja Católica, os agentes do<br />
imperialismo, a burguesia, os latifundiários. E o ódio. Então, publicavam:<br />
"Maximalismo em Maceió." Aquelas manchetes e aquilo tudo.<br />
M.C. - Quer dizer que você também atuou politicamente na cidade?<br />
O.B. - Isso em 1917; e fui ao interior, aos engenhos dos meus parentes, procurar lá os<br />
trabalhadores de enxada e dizer: "A terra pertence a vocês! Divisão das terras! A terra ao<br />
trabalhador de enxada!" A família se reuniu e disse: "Ainda mais essa! O homem é um<br />
inimigo de Deus, um inimigo de Cristo, e agora é inimigo dos próprios parentes, quer a<br />
desgraça dos parentes!" Houve um conselho da família proibindo que eu visitasse, lá, os<br />
latifúndios.<br />
R.L. - Otávio, só havia anarquista em Maceió?<br />
O.B. - Houve o Canelas, que era anarquista; houve o... Rosalvo Guedes; que foi meu<br />
amigo, uma criatura excelente, ele foi preso. Houve um que tinha um nome estrangeiro<br />
mas era brasileiro.<br />
M.C. - Mas todos morando em Maceió?<br />
O.B. - Todos vivendo em Maceió.<br />
M.C. - E fora de Maceió?<br />
O.B. - Fora de Maceió, houve o meu amigo Alcides Pimenteira, um alfaiate. Um dia a<br />
Polícia foi lá prendê-lo e o encontrou: "Onde é que está Alcides Pimenteira?"<br />
Mostraram o morro do cemitério e disseram: "Está ali; vão buscá-lo." Estava morto.<br />
M.C. - E ele morava onde?<br />
O.B. - Morava em Viçosa, na rua Elói Brandão.<br />
M.C. - Em Viçosa, tinha alguma fábrica?<br />
O.B. - Não; não tinha fábrica, mas havia o descaroçador de algodão, havia os padeiros,<br />
havia assim um movimento. Em 1946, criaram uma célula e deram o meu nome a essa<br />
célula. Célula do Partido Comunista. Mas isso em 46.<br />
M.C. - E, em Maceió, era grande a classe operária?<br />
O.B. - Não era grande; havia muito artesão, operário de construção civil, alfaiate<br />
artesão, alfaiate a domicílio. Juntando esta gente toda, dava alguma coisa. Fizemos um<br />
comício com quinhentas pessoas na sede do Sindicato de Ofícios Vários. Aquela massa<br />
ali, e nós falando.<br />
M.C. - Existia outro sindicato?<br />
O.B. - Existia um outro na rua 16 de Setembro: Sindicato de Ofícios Vários. O que<br />
houve foi que nós fomos procurar e mexer essa gente toda; mas nós não tínhamos,<br />
assim, uma base teórica. Depois eu lhe dou o meu livro, Caminho, que descreve esse<br />
movimento em Maceió, de 1916, 1917, 1918, até março de 1919. Acabou tudo logo, na<br />
cadeia de Maceió.<br />
M.C. - Quer dizer que nem todos esses artesãos eram sindicalizados?<br />
O.B. - Não; não eram sindicalizados. Nós ainda fazíamos um trabalho de propaganda,<br />
de congregar essa gente toda. Sindicato de Ofícios Vários, isto é, de qualquer um.<br />
Qualquer um, de qualquer que fosse o ofício aderia ao sindicato. A gente jogava a rede,<br />
dizia: "Nós somos pescadores. Nós lançamos a rede de arrasto e puxamos. O que vem<br />
está certo." Não podíamos, por exemplo, fazer um Sindicato dos tecelões. Havia fábrica<br />
de tecidos em Jaraguá, mas aquilo era como fortalezas, muito difícil de penetrar; havia<br />
a fábrica de tecidos de Fernão Velho, em Rio Largo, mas era também muito difícil<br />
penetrar.<br />
M.C. - Porque era difícil, Otávio?<br />
O.B. - Porque eu morava em Maceió, e era preciso ir morar naqueles lugares. E a<br />
vigilância era tão grande! Havia os capangas, bandidos pagos pelas fábricas para vigiar,<br />
espiões e tudo isso. O atraso era tão grande que a pessoa se arriscava muito. Eu me<br />
arrisquei indo lá nos engenhos e fazendas, fazendo propaganda no meio dos<br />
trabalhadores. Havia capangas por todos os lados.<br />
M.C. - E, em Maceió, como é que vocês faziam a propaganda?<br />
O.B. - Bem; nós, lá nos sindicatos, fazíamos conferências, fazíamos comícios. A Polícia<br />
foi deixando, até certa hora.<br />
M.C. - Vocês tinham algum jornal além de A Semana Social?<br />
O.B. - Não; só A Semana Social e, depois, manifestos. Imagine: havia uma roubalheira<br />
para aumentar o preço do açúcar. Nós conseguimos descobrir isso e denunciamos os<br />
nomes daqueles capitalistas. Reuniu-se a Associação Comercial de Alagoas para rebater<br />
a acusação. Nós lançamos um manifesto e grudamos nos postes em 1918. Foi um<br />
escândalo, uma coisa pavorosa. E o título era este: "Povo, à revolta!" E terminava<br />
dizendo que o Brasil só endireitaria no dia em que - hoje não faria assim - o último<br />
burguês fosse enforcado com as tripas do último político. [riso] Cada coisa dessas era<br />
um escândalo. Uma cidade pacata, pequeno-burguesa, cheia de funcionários públicos,<br />
aquela vida vegetativa, aquilo tudo, e aparece um grupo assim!<br />
Primeiro, fundamos a Sociedade dos Irreverentes, o nome já... Mas entrou lá um<br />
espírita e veio pregar espiritismo. Então, dissolvemos a sociedade. Dizíamos: "Não; já<br />
tem espírita de mais aí. Não precisa mais."<br />
M.C. - Isso foi quando, a Sociedade dos Irreverentes?<br />
O.B. - Mais ou menos em 1917. Então, dissolvemos a Sociedade dos Irreverentes. Mas,<br />
em 1918, fundamos uma coisa mais séria, que se chamou Congregação Libertadora da<br />
Terra e do Homem, pregando a divisão de terra, aumento de salários, a valorização da<br />
cultura brasileira, uma série de problemas. A questão agrária, li, discuti. E fomos<br />
penetrando nas fazendas e engenhos, pregando "terra aos trabalhadores de enxada", a<br />
divisão das terras. Um escândalo pavoroso.<br />
M.C. - Você fundou a Congregação com quem?<br />
O.B. - Fui um dos fundadores.<br />
M.C. - E quem mais?<br />
O.B. - Na maioria, eram pequeno-burgueses; os operários aderiram depois. Pequenoburgueses;<br />
jornalistas; o poeta Faustino de Oliveira, uma criatura excelente, ainda está<br />
vivo; o Rosalvo Guedes, que era um pequeno empregado; Umbelino Silva, também um<br />
pequeno empregado.<br />
M.C. - Canelas não participou disso?<br />
O.B. - Não; já tinha sido expulso. A Polícia obrigou-o: "Ou você vai embora, ou será<br />
preso e expulso." Então, ele foi para Pernambuco, e lá editou um jornal dos operários.<br />
Depois, foi para Paris. Esteve aqui e acolá. Esteve em Moscou, num congresso. E, de<br />
volta, ele disse: "Na hora de votar o projeto de Lenin, eu votei contra. Fui o único voto<br />
contra." Eu lhe disse: "Foi uma asneira que tu fizeste; tinha que votar a favor." [riso] Ele<br />
achava que ele era uma glória, mas eu disse: "Foi uma asneira; tinha que votar a favor."<br />
[risos] Ele guardou o anarquismo até a morte. O Canelas tinha qualidades. Era corajoso,<br />
valente, não se avacalhou. Mesmo no meio desses perigos, de tudo isso, era corajoso.<br />
Mas acreditava na intuição e não estudava nada. Mesmo em Paris, não estudou nada.<br />
Então, morreu anarquista. No final, acabou brigando, descompondo. Foi para o jornal A<br />
Pátria, na seção operária, descompondo. Mas isso já foi uma história de 1923, 24.<br />
M.C. - Voltando, então, para a época sobre a qual a gente estava conversando. Na<br />
Congregação Libertadora da Terra e do Homem, vocês tinham o apoio de algum setor<br />
da classe operária?<br />
O.B. - Tínhamos operários.<br />
M.C. - Que participavam?<br />
O.B. - Sim; era, em geral, um movimento... Os russos chamam de stirrina2 um<br />
movimento espontâneo dos operários. Um atraso muito grande. A macumba de lá se<br />
chama xangô. Eram trabalhadores que não iam às reuniões para ir ao xangô. A cabeça<br />
deles, cheia de xangô e iemanjá. Era uma luta muito grande. Para você ter uma idéia do<br />
ambiente, eram fetichistas, quer dizer, xangô e toda esta coisa, espíritas, protestantes e<br />
aquela massa de católicos, oficialmente católicos, mas na realidade eram católicos<br />
fetichistas.<br />
Eu trabalhava numa farmácia, e vinham aqueles doentes. Apareceu lá um doente<br />
com uma úlcera muito grande na perna. Eu lhe disse: "Vamos tratar desta úlcera, tomar<br />
injeções e lavar isso. Eu lavo." Lavei muita úlcera, muita ferida. Ele disse: "Quanto o<br />
senhor cobra?" Eu respondi: "Nada." Ele perguntou: "Mas por que? Em nome de que o<br />
senhor quer fazer isso?" Eu lhe disse: "É amor ao Brasil e à humanidade." Ele<br />
continuou: "Mas nem um tostão?" Eu respondi: "Nem um tostão." Ele falou: "Vou<br />
pensar." Dias depois, ele voltou e disse: "Não aceito. Sou espírita. Cometi muitos crimes<br />
numa encarnação anterior, e agora esta úlcera é uma provação. Quando eu me<br />
reencarnar, então, não terei mais úlcera e não terei mais esses sofrimentos todos. É uma<br />
2 Em russo, no original, significa movimento espontâneo.<br />
provação. Deus quis assim, Jesus Cristo quis assim, e isto ainda é uma bênção." Eu aí<br />
dei uma tunda danada em Alan Kardec e na religião, mas ele ficou irredutível. Eu lhe<br />
disse: "Você vai morrer, dá gangrena, e você morre." Tempos depois pedi notícias dele,<br />
e ele tinha falecido. Era um ambiente assim.<br />
M.C. - Quer dizer que a massa do operariado era toda...<br />
O.B. - É; operários, assim, empesteados de fetichismo, de espiritismo, de catolicismo<br />
misturado com fetichismo. Era uma luta muito grande e muito difícil.<br />
M.C. - Mas que tipo de organização era a Congregação? Era um sindicato ou era uma<br />
sociedade?<br />
O.B. - Não era um sindicato; era uma associação, assim, para lutar pela reforma agrária,<br />
no melhoramento das condições de vida e trabalho dos operários, por uma cultura<br />
nacional, para aproveitar o folclore alagoano, que foi e é muito rico. Tudo isto. Mas isso<br />
foi 1918, veio 1919, e a Polícia esmagou tudo.<br />
M.C. - E quais foram os resultados práticos da ação desenvolvida pela Congregação?<br />
O.B. - Bem; melhor dizer sobre todo esse processo... como A Semana Social e tudo isso.<br />
O resultado prático foi o seguinte: em certas fábricas, conquistamos o dia de oito horas e<br />
aumento dos salários. Trabalhavam 12, 14, 16 horas! Conseguimos aumento dos<br />
salários e liberdades sindicais e essas idéias todas foram sendo espalhadas entre aqueles<br />
intelectuais.<br />
Imagina, houve uma exposição, com cento e tantos quadros. Eu fui à exposição.<br />
Fui ver. Não havia um quadro inspirado por Alagoas. Nada. Nem a paisagem alagoana,<br />
nem os homens alagoanos. Havia cópias de coisas japonesas, cópias de paisagens da<br />
Europa, de Alagoas nada, nada. Uma escola de pintura, cento e tantos quadros, e não<br />
havia um único de Alagoas. Então, fizemos um apelo para que se inspirassem na<br />
natureza brasileira, no trabalhador alagoano, descrevendo a vida alagoana. E aí foram<br />
surgindo. O Moreira e Silva passou a pintar homens e mulheres do povo: um vencido,<br />
uma mulher fazendo renda e paisagens alagoanas. O outro, o Lima, este também<br />
dedicou toda a vida às paisagens alagoanas. Paisagens lindas! Coisas maravilhosas.<br />
Toda a vida, imagina! Em 1960, quando voltei a Alagoas, reencontrei-o. Ele me<br />
prometeu um quadro, mas não deu. Dedicou toda a sua vida às paisagens, quer dizer, um<br />
resultado concreto da nossa propaganda.<br />
M.C. - E as reivindicações, como, por exemplo, aumento salarial, diminuição da jornada<br />
de trabalho, foram conseguidas através de greves?<br />
O.B. - Não; foram dessas agitações. Os patrões com medo! E os jornais escreviam:<br />
"Maximalismo em Maceió! Cuidado! Perigo!" Era assim. Os patrões ficaram com medo.<br />
M.C. - Quer dizer que eles concederam isso...<br />
O.B. - Era a primeira vez, a primeira vaga de movimentos em geral. E eles diziam que<br />
iam parar a fábrica. Os patrões ficaram com medo. Eram patrões muito reacionários,<br />
muito atrasados, burrinhos, burrinhos. E, então, foram cedendo aqui, ali,<br />
acolá. E os resultados só não foram maiores, porque, em 1919, como eu lhe disse, os 13<br />
melhores militantes acabaram na cadeia de Maceió e os outros, espalhados aqui e ali,<br />
perderam os empregos.<br />
M.C. - Quais eram as principais pessoas que trabalhavam na Congregação Libertadora<br />
da Terra e do Homem?<br />
O.B. - Seu criado, Rosalvo Guedes, Alcindo de Oliveira, Umbelino Silva.<br />
M.C. - Os mesmos que fundaram o Sindicato de Ofícios Vários?<br />
O.B. - É; os mesmos.<br />
M.C. - E, no campo, vocês conseguiram organizar um pouco os trabalhadores?<br />
O.B. - Não, não; era muito difícil, muito difícil. No livro Caminho, eu escrevo que<br />
chego num lugar e vem logo a religião: "Mas Deus fez o mundo assim, desde o começo<br />
do mundo. O trabalhador ali, no cabo da enxada; e os donos das terra. É o Senhor. Foi<br />
Deus quem fez assim. E o senhor quer acabar com isso?" Outros faziam outras<br />
alegações. E, no final, os mais inteligentes disseram: "Bem; suponhamos: nós dividimos<br />
a terra, retalhamos a terra, acabamos com isso. Vem o soldado imediatamente de<br />
Maceió. O senhor garante que o soldado não virá para retomar a terra, restituir a terra ao<br />
dono?" Eu não podia garantir. Eles falavam: "E como é que o senhor propõe uma coisa<br />
que não pode garantir?" Então, eu vi que aquela propaganda não daria nada, que<br />
teríamos que rolar muitos anos, teríamos que estudar a questão agrária a fundo, criar<br />
organizações próprias para poder fazer alguma coisa no campo.<br />
M.C. - Vocês não tiveram tempo de criar essas organizações próprias?<br />
O.B. - Não; nós queríamos criar. Aliás, a Congregação Libertadora da Terra e do<br />
Homem já era com esse espírito. Nós pregávamos a revolução... A revolução não, a<br />
reforma agrária, o imposto sobre herança - que seria dedicado à compra de terras, que<br />
seriam entregues aos trabalhadores.<br />
M.C. - E quando a Congregação foi fechada?<br />
O.B. - Nós é que a fechamos por que não podíamos mais nos mover. Na cadeia de<br />
Maceió, todo o tempo, um sujeito do lado de fora das grades ficava me olhando. Quando<br />
saí, perguntei: "Quem é esse sujeito?" Disseram: "É o Horato Maurício; é um pistoleiro<br />
político. Tem promessa de ser oficial da Polícia Militar de Alagoas, caso liquide você."<br />
E os amigos diziam: "Não saia de noite. O Horato Maurício está aí de tocaia, esperando<br />
para matá-lo." E, no final, em março, fui preso.<br />
M.C. - Março de que ano?<br />
O.B. - De 1919. Fui preso na cadeia de Maceió.<br />
M.C. - Você foi preso por quê?<br />
O.B. - Porque fui visitar o Rosalvo Guedes. Solidariedade moral. O Rosalvo Guedes foi<br />
preso porque descobriram que foi ele quem mandou imprimir o manifesto. O tipógrafo<br />
denunciou. Mais um manifesto. Então, os amigos me diziam: "Não saia de noite, que o<br />
Horato Maurício liquida você." E o secretário do Interior disse à minha família, ao meu<br />
tio, Manuel: "Não me responsabilizo pela vida de Otávio Brandão." Ele manda matar e,<br />
depois, a família estava avisada... Minha família ficou aterrorizada. Eu não podia mais<br />
me mexer, vivia vigiado pela família, que se opunha que eu partisse. No final, eu<br />
organizei a fuga. Corri para Jaraguá, comprei uma passagem com o nome mudado e<br />
saltei no Rio de Janeiro. A família disse: "Volta." Eu levei 41 anos sem poder voltar.<br />
Escrevi aos amigos: "Eu agüento a cadeia de Maceió e agüento uma surra. [riso] Posso<br />
voltar?" Os amigos diziam: "Não volte. A questão não é de cadeia, nem de surra, é que<br />
liquidam você. Você prejudicou os agentes do imperialismo, com a luta pelo petróleo;<br />
prejudicou a Igreja Católica, explicando a origem da terra alagoana durante milhões e<br />
milhões de anos sem Deus; prejudicou os burgueses, lutando pelo dia de oito horas; e<br />
prejudicou os seus parentes latifundiários, pregando a divisão das terras, a terra ao<br />
trabalhador de enxada. Não volte, não volte." E rolaram 41 anos sem que eu pudesse<br />
voltar.<br />
M.C. - Havia alguma ação organizada por parte dessas forças contra o movimento de<br />
vocês?<br />
O.B. - Sobretudo com a guerra, já houve uma mobilização, porque os Aliados tinham<br />
agentes pagos por toda a parte. Foram eles que organizaram esse comício, que depois<br />
desfilou para liquidar o Canelas. Havia o governo; havia a Igreja Católica, que botava<br />
aqueles artigos: "Maximalismo em Maceió." Pavor, havia um ambiente de pavor. E eu<br />
era considerado o chefe, o dirigente.<br />
M.C. - Havia sindicatos da burguesia em Maceió?<br />
O.B. - Não, não.<br />
M.C. - Eles não eram organizados?<br />
O.B. - Havia a Associação Comercial, que era um centro de reação e de tudo mais. Eram<br />
burgueses muito reacionários e burros, ignorantes até. Muito ignorantes. Tinham medo.<br />
Tinham medo de tudo: medo de Deus, medo do Diabo, do inferno, medo de tudo.<br />
Morriam e deixavam lá no testamento: tantos contos de réis para dizer tantas missas,<br />
para construir uma igreja, para isso e para aquilo.<br />
M.C. - E quando é que vocês fecharam a Congregação Libertadora?<br />
O.B. - Ela morreu em 1919.<br />
M.C. - E o Sindicato de Ofícios Vários também morreu?<br />
O.B. - Bem; a Polícia invadiu, bateu, deu surras de sabre, imagina você! Batendo, assim,<br />
nos operários e fechou aquilo tudo.<br />
M.C. - Também em 1919?<br />
O.B. - Sim; em 1919.<br />
M.C. - E essa invasão foi provocada por algum movimento?<br />
O.B. - Não; nenhum movimento. Então, o ambiente era assim, de pavor, no meio<br />
daquela pequena burguesia e da grande burguesia.<br />
M.C. - Existiam em Maceió organizações operárias ligadas à Igreja Católica?<br />
O.B. - Não; a Igreja só pensou nos operários muito depois. [riso] Antes, ela combatia a<br />
reforma agrária e dizia: "Nada disso. A terra pertence a Deus; ninguém pode tocar na<br />
terra" E uma das razões da condenação da Igreja também foi essa. Eu queria a reforma<br />
agrária, e a Igreja era contra. E a Igreja não pensava nos operários. Os operários,<br />
largados, abandonados. Depois, a Igreja, muito esperta, muito politiqueira, começou a<br />
criar esses sindicatos operários [riso] e, ultimamente, é a maior propagandista da<br />
reforma agrária. Eu digo: "Quem te viu, quem te vê!" [risos]<br />
M.C. - Quais eram os setores mais ativos entre o operariado?<br />
O.B. - Havia alfaiates artesãos, que não eram bem operários, eram alfaiates artesãos;<br />
havia a construção civil; havia um ou outro tecelão; havia empregados no comércio, que<br />
eram muito ativos; havia gráficos, mas estes não se diziam operários: "Eu sou artista."<br />
[riso] Eu achava uma graça enorme e perguntava a eles: "Por que você não é operário?"<br />
Eles me respondiam: "Não; operário é uma categoria inferior. Eu sou artista." [riso]<br />
M.C. - Isso entre os gráficos?<br />
O.B. - Sim; diziam: "Eu sou artista." Não eram operários. Para você ver a mentalidade!<br />
E a lutar contra essas muralhas todas, um pequeno grupo corajoso, bravo. Eu dou os<br />
nomes deles no livro O caminho. Precisava muita coragem, desprendimento, porque,<br />
por exemplo, Rosalvo Guedes passou anos e anos desempregado, passando<br />
necessidades.<br />
M.C. - Não conseguia emprego.<br />
O.B. - É; depois, era o pavor. Encontrei-o, em 1960, magro, envelhecido, doente, um<br />
filho louco. Uma tragédia.<br />
M.C. - Mas você me contou que os comerciários participaram daquele movimento<br />
provocado pelo seu artigo na A Semana Social, ao lado dos estudantes, movimento<br />
contra o Canelas, não é? Agora, você me falou que eles eram um setor bastante ativo,<br />
mas...<br />
O.B. - Empregados no comércio, mas era uma minoria. Ao passo que ali, contra nós,<br />
era uma multidão, mobilizada pelos agentes dos Aliados. Era uma multidão...<br />
M.C. - Quer dizer que desses setores todos...<br />
O.B. - O mais ativo era aquele pequeno grupo de empregados no comércio; o Umbelino<br />
Silva, Faustino de Oliveira, e este outro que eu disse o nome, que foi preso e eu fui<br />
visitá-lo na cadeia... o Rosalvo Guedes, que também era empregado no comércio. Todos<br />
esses eram os mais ativos. O trabalho de Canelas rendeu, espalhou-se, mas o jornal foi<br />
fechado, Canelas foi embora. A penetração no meio dos operários ficou mais difícil,<br />
porque não tínhamos mais um jornal, só um manifesto de tempos em tempos. Ao passo<br />
que com A Semana Social, aquilo ia penetrando nos operários em Maceió.<br />
M.C. - Quer dizer que o Sindicato de Ofícios Vários era pequeno, não é? Era um<br />
sindicato pequeno.<br />
O.B. - Sim; mas num comício que fizemos na sede do outro sindicato, apareceram<br />
tantos trabalhadores, que no final eu falei da janela do sindicato. E o trabalhador ficou<br />
ali. Esse sindicato ficava na praça da cadeia. Eu olhei assim, vi a cadeia e disse: "Mau<br />
negócio. [riso] Nós escolhemos uma sede, que daqui não teremos que caminhar muito<br />
para ir parar na cadeia."<br />
M.C. - E sindicatos amarelos existiam em Maceió?<br />
O.B. - Não; não havia. Bom, parece que havia no cais do porto. Uma vez Oiticica fez<br />
uma conferência lá.<br />
<br />
(...)"<br />
</div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-1142690546965004192006-03-18T10:59:00.001-03:002010-01-05T11:11:02.215-02:00Consulta do Conselho Ultramarino (Assassinos de Zumbi)Retirado do livro : "República de Palmares"<br />
Pesquisa e comentários em documentos <br />
históricos do século XVII - De Décio Freitas.<br />
<br />
(http://www.vicosadealagoas.com.br) <br />
<br />
Consulta do Conselho Ultramarino <br />
sobre a morte de Zumbi, encaminhada a El-Rei <br />
“Senhor,<br />
<br />
O Governador de Pernambuco Caetano de Melo de Castro em carta de 25 de março deste ano dá conta a Vossa Majestade de como se houve a certeza de haver conseguido a morte de Zumbi para nenhuma dúvida se fizesse como tantas vezes sucedeu nos governos anteriores, assim para quietação dos povos como para exemplo dos negros que o julgavam imortal, e para demonstração do que diz envia cópia da ata que fizeram os oficiais da câmara de Porto Calvo, e por ela se vê que o troço das tropas de paulistas em que ia por cabo o Capitão André Furtado de Mendonça que conseguiu a morte do negro no sumidouro que este artificiosamente fizera na Serra dos Dois Irmãos conduziu o corpo à presença dos oficiais da mesma câmara; que se apresentou aos ditos oficiais um corpo pequeno e magro, em cujo exame se viram quinze ferimentos de bala e muitos de lanças vendo-se ainda que o membro da virilidade do dito negro se havia cortado e enfiado na boca também lhe faltando um olho e se lhe cortara a mão direita; que perante os oficiais da câmara juraram as testemunhas pertencer o cadáver ao negro Zumbi, a saber, um cabo maior que se apanhara vivo na companhia do dito, os escravos Francisco e João, o senhor de engenho Antônio Ponto e o lavrador de partido Antônio Soza, que todos haviam conhecido em pessoa o açoite daqueles povos; que se lavrou na ata o reconhecimento do cadáver do negro Zumbi, e que para que se pudesse isso mostrar ao Governador de Pernambuco Caetano de Melo Castro deliberou-se levar ao Recife somente a cabeça pela impossibilidade de levar o corpo todo; que no pátio da câmara, presentes todos os oficiais, um negro decepou a cabeça a qual se salgou com sal fino, o que tudo se fez constar na mesma ata; que assim pôde ele Governador Caetano de Melo de Castro à vista da cabeça e da ata da câmara ter a certeza da morte do negro que tantos danos fizera à Real Fazenda e aos moradores das Capitanias de Pernambuco.<br />
<br />
Ao Conselho parecer fazer presente a Vossa Majestade o que escreve o Governador de Pernambuco Caetano de Melo de Castro de se haver morto ao negro Zumbi, o que Vossa Majestade deve mandar agradecer ao dito Governador o bem que neste particular e nos mais do serviço de Vossa Majestade se há havido. Lisboa, 2 de setembro de 1696.<br />
<br />
(a) Conde de Avelar<br />
(a) João de Sepúlveda e Matos<br />
(a) José de Freitas Serrão<br />
<br />
Como parece, 13 de setembro de 696. (Rubrica) / na folha 1 R/’ <br />
<br />
<br />
Capítulo 43, A cabeça de ZumbiUnknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-1142690134179089382006-03-18T10:53:00.001-03:002010-01-05T11:11:44.279-02:00De Riacho do Meio a Viçosa de Alagoas (Sidney Wanderley)Conheça Viçosa a partir do livro De Riacho do Meio a Viçosa de Alagoas, o “abecedário mínimo da povoação” da cidade.<br />
Por Sidney Wanderley. <br />
<br />
(http://www.vicosadealagoas.com.br) <br />
Assembléia<br />
<br />
Antiga denominação da atual cidade de Viçosa (AL), que vigorou de 1831 a 1890 e de 1943 a 1949.<br />
<br />
Outrora era bastante comum a reunião dos habitantes da povoação para, às cinco da tarde e em suas calçadas, discutirem o estado da lavoura, “resolverem” os problemas da Nação e, sobretudo, para divagarem apaixonadamente acerca das vidas alheias.<br />
<br />
Vezes muitas, vindos dos sítios para a compra ou venda de cereais, juntavam-se aos habituais freqüentadores das reuniões os rurícolas, com sua ingênua curiosidade e sua tradicional discrição – ouvidos atentos, bocas cerradas.<br />
<br />
Dizia-se então que constituíam uma assembléia.<br />
<br />
Possuíam tais assembléias infinito poder de deliberação sobre as vidas dos conterrâneos. Assim, a virgindade duma adolescente ou a sanidade mental de qualquer indivíduo dependiam menos dum atestado médico que do “humor crepuscular” de algum integrante da patota.<br />
<br />
Com o recente advento da televisão na província, tais assembléias sofreram mudança temporal e geográfica: passaram a realizar-se à noite, sempre em torno dos aparelhos de TV e apenas durante os comerciais das telenovelas. Nem tudo mudou, entanto. Comenta-se o destino do vilão da novela das oito com o mesmo entusiasmo e idêntica maledicência com que se trata do nebuloso passado de algum concidadão pouco querido.<br />
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Nas calçadas, urbanos e rurícolas constituem a “assembléia”. <br />
Foto de 1919.<br />
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Branquinha<br />
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Apelido carinhoso da cachaça. O mesmo que azuladinha, birita ou água-que-passarinho-não-bebe.<br />
<br />
Em Viçosa, a quantidade dos amantes da aguardente só é superada pelo número de vítimas da xistose. Sofre nos tempos atuais grande concorrência por parte da “lourinha”, inclusive nos segmentos de mais baixa renda da população.<br />
<br />
Vale ressaltar que os devotos da cachaça mantêm uma atitude cética e superior quando se deparam com uma tentadora garrafa de cerveja. Jorginho Bêbado, vítima fatal da cirrose e alcoólatra-maior da província, quando em vida sentenciou categórico: - A cerveja é o mijo do Diabo. Só que engarrafado e bem geladinho.<br />
<br />
Relata a sapiência popular que a mistura da pólvora com a cachaça provoca a coragem em quem dispuser de suficiente coragem para ingerir tão estranha mistura. Coragem para guerrear, para duelar, para aniquilar o inimigo.<br />
<br />
Aqui na terrinha é costume separarem-se os ingredientes. O derrotado prova da pólvora ou chumbo grosso e converte-se em defunto, migrando para a indesejada terra dos pés juntos; o vitorioso prova da cachaça e, em ato festivo, financia a bebedeira para os inúmeros espectadores do duelo, o que, por vezes, transforma a morte em algo mais aconselhável – porque menos dispendioso – que a preservação da própria vida.<br />
<br />
O Trovador Berrante e o Bar do Zézo na praça Apolinário Rebelo, a Toca do Veio e o Bar do Relógio na avenida Firmino Maia são, nos dias atuais, os pontos de encontro dos boêmios viçosenses que trabalham (nos copos) pelas noites e madrugadas e hibernam (pelas calçadas e camas) enquanto reina o sol. <br />
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Cemitério<br />
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De início não havia cemitério na cidade, sendo os mortos enterrados na Matriz, na igrejinha do Rosário e nos arredores da atual praça Apolinário Rebelo.<br />
O gradativo aumento da população e a ocorrência da terrível epidemia de cólera em 1856, causando inúmeras mortes entre os munícipes, tornaram evidente a necessidade da construção de um cemitério, o que foi feito de forma provisória ao final da rua do Joazeiro (atual Frederico Maia), erguendo-se um de paliçada onde hoje funciona o Grupo Escolar 13 de Outubro.<br />
<br />
A construção do atual e definitivo cemitério de Viçosa deu-se em 1890, com a vinda do frei Cassiano de Camachio, capuchino do convento da Penha no Recife, convidado que foi pelo vigário Loureiro para aqui missionar e erigir o cemitério.<br />
<br />
Com a notícia das missões começou o povo a afluir não só do município de Viçosa, bem como dos municípios limítrofes. Para erigir o cemitério no alto do morro onde se acha hoje instalado, e em menos de quarenta dias, frei Cassiano utilizou-se de um hábil estratagema: recomendou aos fiéis que expiassem suas culpas e pecados, não com padre-nossos e ave-marias, mas transportando pesadas pedras através da íngreme ladeira que separava a parte baixa da cidade do ápice do morro em que desejava instaurar a nova “mansão dos mortos”.<br />
<br />
O historiador Alfredo Brandão, em seu livro Viçosa de Alagoas, editado no Recife em 1914, nos informa a respeito: “Recordo-me que numa tarde eu e meu pai nos dirigíamos para a Viçosa. Quando chegamos no alto da Ladeira Vermelha, onde toda a vila se descortina, paramos extasiados, como se tivéssemos diante de nós algum Cosmorama oriental: uma compacta multidão movediça, enchendo a praça e as ruas, formava um longo cordão que subindo o monte pelo lado da (antiga) cadeia, ia até o cume onde se estava construindo o cemitério. O sol poente, batendo em cheio nesse formigueiro humano, fazia ressaltar as variegadas cores dos trajes e dava a todo o conjunto, visto assim de longe, um aspecto quase fantástico. Através das ruas mal se podia marchar, tal era a quantidade de gente que fervilhava, conduzindo pedras, cal, barro e areia para o cemitério. Nesse mister empregavam-se não só os homens válidos, como também os velhos, as mulheres e as crianças, cada um na quantidade de suas forças”.<br />
<br />
Quem já teve a pesada incumbência de transportar um defunto da parte baixa da cidade para o alto do morro do cemitério, deve reter bem em sua memória o quanto isto o debilitou. Quem agora teve a ofertada possibilidade de conhecer a história da construção do atual cemitério de Viçosa, que guarde bem em sua memória do quanto é capaz a esperteza dos freis Camachios e a ingenuidade dos beatos.<br />
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A avenida Firmino Maia em 1912: sem bares, só matagal. Ao alto, o cemitério (seta) <br />
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Dois Irmãos<br />
<br />
É a serra dos Dois Irmãos o ponto culminante do município, atingindo cerca de 400 metros de altura. Seu nome deriva de seus cabeços mais importantes – os Dois Irmãos, separados entre si pela cachoeira do rio Paraíba e que se situam na divisa entre os municípios de Viçosa e Cajueiro (antigo distrito de Capela). Constituem-se em atração turística natural, distantes 8 Km da sede municipal e entrecortados pela via férrea. <br />
<br />
O historiador Alfredo Brandão criou, em 1900, uma bela “estória” para “explicar” a gênese dos Dois Irmãos – a lenda de Inhamunhá, a meiga e sedutora iara que teria cometido o suicídio (convertendo-se após a morte na cachoeira do Paraíba) para evitar o combate de morte entre os irmãos guerreiros e indígenas Pirauê e Pirauá, desejosos de desposá-la. Enlouquecidos com o trágico desaparecimento da pretendida, os dois irmãos, possuídos por infinita melancolia, acabaram por transformar-se em gigantescas pedras que são hoje a serra dos Dois Irmãos.<br />
<br />
O bairrismo exacerbado de alguns munícipes deseja, a todo custo, que Pedro Álvares Cabral tenha avistado os cumes dos morros ora em enfoque, e não – como a História ensina – o monte Pascoal, na Bahia. Em outras palavras: o descobrimento do Brasil ocorreu em alguma das verdes margens do rio Paraíba, onde certamente Cabral teria aportado com sua esquadra – hipótese muito simpática e nada provável.<br />
<br />
O certo e indiscutível é que a serra dos Dois Irmãos serviu de refúgio e esconderijo para o heróico Zumbi e seus sequazes, fato este comprovado através de minuciosas pesquisas empreendidas por Alfredo Brandão e constantes em seu livro Viçosa de Alagoas. Ou nas palavras do historiador: “Não é pois de admirar que o Zumbi se tivesse refugiado a princípio no Sabalangá e mais tarde na serra que lhe fica próxima – a serra dos Dois Irmãos – a qual, por causa dos seus desfiladeiros, seus penhascos abruptos e suas gargantas profundas, por uma das quais se precipita o Paraíba, poderia oferecer todas as condições de estratégia e resistência”.<br />
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Emancipação Política<br />
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A exemplo da emancipação política de Alagoas, a desanexacão do município de Viçosa dos domínios de Atalaia efetivou-se sem para isso se fizesse necessária a existência de heróis, batalhas, vítimas e conspirações. Nem sequer um tiro foi disparado. Nenhuma palavra de ordem libertária ecoou nas ruas da cidade. Inexistiram bandos armados a trotarem sorrateiros pelas matas e morros do município. Enfim, tudo na mais perfeita paz. <br />
<br />
A 13 de outubro de 1831 um decreto imperial criava as vilas de Imperatriz (atual União dos Palmares) e Assembléia (atual Vicosa). Rezava o decreto em seu artigo 1o.:<br />
<br />
"Ficarão creadas duas villas desmembradas da villa de Atalaia, uma ao norte e pela margem do rio Mundahú, no lugar da Camaratuba; sua capital a povoação do Macaco; seu território comprehendido nas povoações do - Macaco - Lage do Canhôto - Juçara – Cabeça de Porco - Murici e Branquinha.; - outra ao norte do rio Parahyba e no lugar Riacho do Meio; sua capital a povoação do mesmo nome; seu território o comprehendido nas povoações – Riacho do Meio - Lourenço - Passage - Quebrangulo - Cassamba e Limoeiro - comprehendendo os juízes de paz das capellas filiaes das mencionadas povoações; sua denominação – Villa Nova da Assembléia".<br />
<br />
Mais balas foram gastas na comemoração que na conquista da independência política da Vila Nova de Assembléia: uma salva de vinte e um tiros causou susto e inquietação em seus pacatos e ordeiros habitantes. <br />
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Por decreto imperial, a povoação do Riacho do Meio converte-se em Vila Nova de Assembléia (1831). <br />
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Fé<br />
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Duas hipóteses podem ser levantadas: a existência ou a inexistência de Deus. Com a rala exceção de três almas penadas, duramente reprimidas pela grande maioria dos fiéis e tidas na conta de atéias, a cidade se manifesta em favor da primeira hipótese. <br />
<br />
Quanto à existência de Satanás, apenas o cônego opina de forma negativa. Os ateus - inclusive - somam-se aos fiéis para assegurar a existência do Tinhoso. Os sobradões que rodeiam a praça Apolinário Rebelo são tidos na conta de mal-assombrados e, conforme crença popular, tratam-se das habitações preferidas de Satanás seu horário comercial, ou seja, da meia-noite às quatro da manhã.<br />
<br />
Os padres de antanho rejeitavam a hipótese da presença de Lúcifer nos sobradões da praça, preferindo detectá-lo nas tentacoes carnais e na mudança de costumes processada no início do século. Graciliano Ramos, que aqui viveu de 1899 a 1906, anotou numa crônica pertencente a Viventes das Alagoas:<br />
<br />
“A cidade tem uns cinco mil habitantes. Contando bem, talvez achássemos seis mil, número que os naturais, bairristas em excesso, duplicam. . . Faz trinta anos que S. Revma. profere no púlpito, com ligeiras variantes, o mesmo sermão, ataque feroz ao mundo, à carne e ao diabo, férteis em tentações não especificadas. Prudente, S. Revma. impugna o exterior do mal. Acusou as primeiras mulheres que vestiram calças e montaram a cavalo de frente, escanchadas, como os homens, mas este indício de perdição vulgarizou-se rapidamente, os silhões e o costume de cavalgar de banda caíram em desprestígio - e o Vigário passou a denunciar outras manhas dos inimigos da alma. Agrediu as saias curtas das moças e os braços descobertos. Ante a resistência foi inexorável: esbaforiu-se e enrouqueceu depois da missa, usou argumentos rijos e, no batismo, afastou da pia as madrinhas não inteiramente agasalhadas. Recusou desculpas, triunfou. Idoso e de óculos, enxerga sem dificuldade os colos expostos. E julga que alguns centímetros de pele nua ocasionam prejuízo sério à cristã".<br />
<br />
Para sufragar as almas do purgatório, os fiéis utilizavam-se de uma cerimônia religiosa denominada Banquete das Almas e que consistia em orações, missas, comunhões etc. O Jornal de Viçosa nos fornece dados acerca de um Banquete das Almas efetivado em setembro de 1929:<br />
<br />
"O resultado do Banquete foi altamente satisfatório. Ei-Io: 1 missa celebrada, 250 comunhões, 30 comunhões espirituais, 449visitas ao S. Sacramento, 12.809 rosários, 2.349 terços, 677 mortificações, 176 ofícios, 1.005 coroas, 1.048 padre-nossos, 1.988 salve-rainhas, 447 visitas a Nossa Senhora, 100 visitas a outros santos, 50.000 jaculatórias, 193 missas ouvidas, 58 salmos, 545 ladainhas e 5 comunhões reparadoras.<br />
<br />
"O Revmo. Sr. vigário Pe. Cândido Machado, muito satisfeito com o resultado exposto, se congratula com todos os fiéis que concorreram para a realização dessa cerimônia e recomenda que todos continuem a rezar e a pedir pelas almas do purgatório". (Jornal de Viçosa, 20 de outubro de 1929.)<br />
<br />
Os cultos protestantes e as crenças de origem africana, não tendo almas suficientes para a realização de tão majestoso "banquete", nem por isso deixaram de sentar-se às suas mesas e de se refestelar com o modesto almoço espiritual que suas forças Ihes permitiam.<br />
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Gurganema<br />
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Uma das mais antigas ruas da cidade, hoje denominada Tibúrcio Nemésio. Iniciando-se ao final da praça Apolinário Rebelo, esta artéria se estende entre a base do morro do cemitério e a margem esquerda do rio Paraíba. Nela se localizam os fogueteiros da cidade, além do prédio onde outrora funcionou o célebre e celebrado cabaré Cabeça de Boi. <br />
<br />
Esta rua caracterizava-se em tempos passados pela permanente realização de farras e batuques. O primeiro vigário de Viçosa, Manoel Joaquim da Costa, pouco afeito a barulho e malandragem, batizou-a com o estranho vocábulo Gurganema. Trata-se de uma corruptela de cururupanema ou curupanema, que se desdobra em cururu – sapo e nema – podre. Portanto, a atual Tibúrcio Nemésio foi, até bem pouco, a rua do Sapo Podre.<br />
<br />
Os moradores do Sapo Podre, irados com o vigário e atentos à sua lerdeza, apelidaram-no apropriadamente de Mane Mole. Justa vingança.<br />
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Gurganema: <br />
a rua do Sapo Podre.<br />
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Hagiografia<br />
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Morto o padre Manoel Joaquim da Costa (vulgo Mané Mole) - vigário da Paróquia de 1835 a 1848 -, em 1849 Viçosa ganhou o seu segundo pároco. Tratava-se de Francisco Manoel da Silva, a quem o povo, por insabidas razões, alcunhou de Padre Cabrites. <br />
<br />
Com o fito de catequizar as almas hereges e manter viva a fé em Cristo naqueles que já a possuíam, Cabrites fincou pé e cruz na província. E aqui pôs-se a orar e trabalhar. E orou e trabalhou por longos trinta e sete anos, pois que só com sua morte - em 1886 é que se entregou ao luxo do cochilo eterno e definitivo.<br />
<br />
Ficou conhecido na cidade o seu Sermão da Laranja. No púlpito e em alta voz, o padre afirmava que se dispuséssemos em nossas mãos de uma laranja e tivéssemos que repartí-la com nosso melhor amigo, necessariamente deveríamos ficar com a banda mais doce para nosso consumo e fornecer a parte mais amarga (ou menos adocicada) para nosso amigo predileto. E justificava: Deus ensina no Primeiro Mandamento a amar o próximo como a nós mesmos; nunca amar o próximo mais que a nós mesmos. E querer ser melhor que o próprio Deus é empreitada digna apenas dos amantes de Lúcifer.<br />
<br />
Já idoso, o padre Cabrites era tido na conta de santo por inúmeras beatas que lhe invadiam a casa e, muitas vezes, a própria alcova. Dele, conta-se que ao fim da vida possuía seis amásias e doze ou quatorze guris, todos – elas e eles – possuidores da mais rígida e irrepreensível formação religiosa. Certa feita, questionado pelo bispo acerca de seus métodos nada ortodoxos, na disseminação da fé católica, padre Cabrites teria rebatido:<br />
<br />
- Cada qual com suas maneiras, meu caro bispo. O senhor com suas sábias palavras, eu com minhas ações generosas. E, ademais, nem só de almas e de verbo vive o Senhor.<br />
<br />
Francisco Manoel da Silva – o padre Cabrites – foi substituído após morrer pelo padre Francisco da Borja Loureiro – o Vigário Loureiro -, que, em início do século XX tentaria, infrutiferamente, manter nos domínios da fé o espírito do então coroinha e futuro romancista Graciliano Ramos.<br />
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A Matriz <br />
do Senhor do Bomfim, onde Graciliano Ramos foi coroinha e aprendeu com a fé as vantagens do ateísmo. <br />
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Indígenas<br />
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Foram os habitantes primitivos do município.<br />
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Em meados do século XVI, após desentender- se com o filho do segundo governador-geral do Brasil - D. Duarte da Costa, o primeiro bispo do Brasil (D. Pero Fernandes Sardinha) aboletou-se num navio e zarpou para Portugal. Em litoral alagoano a embarcação desistiu da viagem e soçobrou, morrendo afogada a maior parte de seus tripulantes.<br />
<br />
Alguns felizardos, nadando com fé e obstinação, conseguiram chegar com vida a terra firme. Entre eles, D. Pero Fernandes Sardinha. Não estavam num dia de sorte, porém.<br />
<br />
Mal chegados ao solo alagoano, foram imediatamente aprisionados pelos temíveis (índios caetés, que, entre outros hábitos estranhos e pouco recomendáveis, cultivavam a antropofagia. Tiveram suas cabeças esmagadas pelos tacapes e seus corpos digeridos pela fome indígena. Um lauto banquete, diga-se de passagem.<br />
<br />
Após a matança do bispo, os portugueses aliados aos índios tabajaras decretaram guerra de morte aos caetés. Estes, numérica e logisticamente inferiores, foram praticamente dizimados em batalhas que se prolongaram pela segunda metade do século XVI.<br />
<br />
Os poucos caetés sobreviventes embrenharam-se pelo sertão e, após a extinção dos quilombos, começaram a repovoar a Zona da Mata alagoana.<br />
<br />
É ainda (e sempre) o historiador Alfredo Brandão quem nos socorre:<br />
<br />
"Sendo os Caetés divididos em muitas sub-tribos, procurei saber qual o ramo que havia habitado a Viçosa e cheguei a conclusão que tinha sido o dos Caambembes, ou mais simplesmente Cambembes, índios que escaparam ao estudo dos investigadores e de cuja existência tive notícia por meio de reminiscências vagas, disseminadas ainda hoje entre os habitantes do local”.<br />
<br />
“O vocábulo cambembe serve hoje na Viçosa para designar o povo baixo do campo. Tal designação é recebida quase como uma afronta, vendo-se portanto que ela pertenceu a uma raça que se degradou. Segundo penso, a palavra cambembe é uma corruptela de caamemby, vocábulo indígena que se decompõe em caa – mato e memby – flauta, gaita ou buzina. Literalmente a tradução será: mato de gaitas, de buzinas ou de flautas. Desta etimologia depreendo que os Cambembes deviam ser um povo amigo da música. É bem possível que haja alguma identidade desses índios com os bardos dos Caetés, os quais conforme relata Ferdinand Diniz, acompanhavam os guerreiros nas pelejas, incitando-os com os seus cantos. Ainda hoje entre os caboclos descendentes dos Cambembes, encontram-se exímios tocadores de pífano”.<br />
<br />
No início do século XIX, quando Viçosa (então Riacho do Meio) não contava sequer com quinhentas almas, os cambembes vieram a constituir a classe proletária que trabalhava assalariada nos roçados de algodão e nas engenhocas dos proprietários de terras. Daí o acertado registro do dicionarista Aurélio Buarque de Holanda: “Cambembe. Bras., AL. No município de Viçosa, pessoa humilde que mora no campo”.<br />
<br />
Daí também o motivo de propriedades e povoações possuírem denominações tais como Porangaba, Pindoba, Pirauás, Tangil, Gereba, Caramatuba, entre muitas outras similares.<br />
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Jornalecos<br />
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Nascido em Quebrangulo (AL) a 27 de outubro de 1892 e tendo vivido até os sete anos na vila de Buíque, no vizinho estado de Pernambuco, já em 1899 a criança Graciliano Ramos aportava em Viçosa – “cidadezinha do país das Alagoas / terra de tanta coisa ruim / terra de tanta coisa boa”, no exato dizer do falecido folclorista Théo Brandão. <br />
<br />
Sebastião Ramos, pai do romancista, intalou-se no comércio local com uma loja de tecidos, miudezas e ferragens situada na parte térrea do principal sobrado da praça Apolinário Rebelo – àquela época, praça do Comércio.<br />
<br />
De início, a família fixou residência numa casa próxima à antiga cadeia, na rua do Joazeiro (atual Frederico Maia), mudando-se posteriormente para a rua da Matriz, quando então Graciliano se fez amigo dos filhos do farmacêutico Mota Lima – um dos quais, Pedro da Mota Lima, tornar-se-ia um dos grandes jornalistas brasileiros, e faria brilhante carreira nos jornais cariocas. <br />
<br />
Em Infância,Graciliano relembra sem muitas saudades esses tempos: "Aos nove anos, eu era quase analfabeto. E achava-me inferior aos Mota Lima, nossos vizinhos, muito inferior, construído de maneira diversa. Esses garotos, felizes, para mim eram perfeitos: andavam limpos, riam alto, frequentavam escola decente e possuíam máquinas que rodavam na calçada como trens. Eu vestia roupas ordinárias, usava tamancos, enlameava-me no quintal, engenhando bonecos de barro...”.<br />
<br />
Por esse tempo, o futuro romancista freqüentava a escola primária de dona Maria do O, onde percebeu com rapidez a diferença de tratamento que as professoras primárias dispensavam aos filhos dos coronéis e aos filhos dos destituídos de poder e prestígio na comunidade. E, não poucas vezes, suas mãos receberam o áspero e indesejado afago da palmatória, método didático muito apreciado no início do século. “O lugar de estudo era isso. Os alunos se imobilizavam nos bancos: cinco horas de suplício, uma crucificação... Não há prisão pior que uma escola primária do interior”. (Infância)<br />
<br />
Aos domingos, o futuro ateu e militante comunista ajudava desajeitadamente ao padre Loureiro, durante a celebração da missa. E no tempo que lhe sobrava, o menino lia sofregamente romances de terceira e quarta qualidade...<br />
<br />
Em 1904, sofrendo bem mais as influências literárias que geográficas do seu professor de Geografia – a exótica figura do poeta Mário Venâncio – Graciliano, ao lado de seu primo Cícero Ramos, fundaria um periódico intitulado O Dilúculo, com tiragem quinzenal de duzentos exemplares e divulgação restrita à província viçosense.<br />
<br />
No número de estréia do jornaleco, o pseudônimo Ramos Oliveira (R.O.) assinava as primeiras linhas que mestre Graça fez publicar. Artigo fraco, miúdo, chinfrim, como o próprio autor mais tarde o definiria. Mas perdoável para uma criança de onze anos, criada entre “dois currais, o chiqueiro das cabras, meninos e cachorros numerosos soltos no pátio, cobras em quantidade”, tabefes paternos, cascudos maternos, indiferença e desprezo dos familiares. E, sobretudo, artigo já revelador de uma simpatia compreensiva e de uma sensibilidade aguçada para com o sofrimento e a miséria dos oprimidos terrenos, sensibilidade esta que se converteria na viga mestra e sustentadora de uma de suas futuras obras-primas – Vidas Secas (1938).<br />
<br />
O escrito intitulava-se “O Pequeno Pedinte” e, posteriormente, no autobiográfico Infância, Graciliano se eximiria de parte dos pecados acaso cometidos em sua infância literária, atribuindo-os ao já citado poeta e professor Mário Venâncio:<br />
<br />
"O Pequeno Mendigo (sic) e várias artes minhas lançadas no Dilúculo saíram com tantos arrebiques e interpolações, que do original pouco se salvou. Envergonhava-me lendo esses excessos do nosso professor: toda a gente compreenderia o embuste".<br />
<br />
Segue-se o meloso artigo, datado de 24 de junho de 1904, e que sequer nos permite imaginar o escritor substantivo em que R. O. se converteria.<br />
<br />
O PEQUENO PEDINTE<br />
<br />
"Tinha oito anos!<br />
"A pobrezinha da criança sem pai nem mãe, que vagava pelas ruas da cidade pedindo esmolas aos transeuntes caridosos, tinha oito anos.<br />
"Oh! Não ter um seio de mãe para afogar o pranto que existe no seu coração!<br />
"Pobre pequeno mendigo!<br />
"Quantas noites não passara dormindo pelas calçadas exposto ao frio e à chuva, sem o abrigo do teto. <br />
"Quantas vergonhas não passara quando, ao estender a pequenina mão, só recebia a indiferença e o motejo!<br />
"Oh! Encontram-se muitos corações brutos e insensíveis!<br />
"É domingo.<br />
"O pequeno está à porta da igreja, pedindo, com o coração amargurado, que lhe dêem uma esmola pelo amor de Deus.<br />
"Diversos indivíduos demoram-se para depositar uma pequena moeda na mão que se Ihes está estendida.<br />
"Terminada a missa, volta quase alegre, porque sabe que naquele dia não passará fome.<br />
"Depois vêm os dias, os meses, os anos, cresce e paga a vida, enfim, sem tragar outro pão a não ser o negro pão amassado com o fel da caridade fingida".<br />
<br />
Em toda a sua futura obra, creio que Graciliano não chegou a usar tantos adjetivos pomposos e tantas interjeições dispensáveis como neste escrito inicial.<br />
<br />
Pouco tempo depois, inconsolável com um amor impossível e com uma amada inatingível, o poeta Mário Venâncio cometeria o suicídio - poucos dias antes do 16 de fevereiro de 1906, data em que o segundo e último número do segundo e último jornal que Graciliano fundou na província - Echo Viçosense - ia a público.<br />
<br />
Tiveram vida efêmera as tentativas jornalísticas de mestre Graça na terrinha. Mas a previsão do suicida Mário Venâncio se confirmaria: Graciliano Ramos seria romancista. Mas – acrescente-se – de um estilo oposto ao do ídolo de Venâncio, o escritor Coelho Neto. À verborragia de Coelho Neto, mestre Graça haveria de contrapor sua prosa enxuta e substantiva, nordestina e universal; ao palavreado adiposo de Coelho Neto, Graciliano responderia com sua linguagem esquelética, falando sempre “com as mesmas vinte palavras”, no exato dizer do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto.<br />
<br />
E a cidadezinha de Viçosa, na Zona da Mata alagoana, ficaria retida ainda por um bom tempo na memória graciliânica. Tanto que lhe forneceu o anti-herói Paulo Honório e algumas outras figuras humanas que povoariam as páginas de São Bernardo, três décadas mais tarde.<br />
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Rua da Matriz, 25: casa onde morou Graciliano Ramos. <br />
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Louvação<br />
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Foi o poema que segue, escrito por mim para (e lido pelo autor durante) o programa que a Rádio França internacional, sediada em Paris, dedicou a Teotônio Vilela uma semana antes do seu falecimento, a 20 de novembro de 1983. Intitulado “Breve Poema em Louvor do Pássaro Teotônio”, o tributo segmenta-se em: <br />
<br />
1- DO POETA PARA O POVO<br />
<br />
Eu hoje quero, à noite, conversar<br />
com um pássaro conterrâneo que conheço,<br />
dizer-lhe dos meus medos brasileiros<br />
ante as aves de rapina que espreitam<br />
este solo e este povo defendidos<br />
por armas que Ihes miram os próprios peitos.<br />
<br />
Eu hoje quero, à noite, abraçar<br />
um pássaro conterrâneo que admiro,<br />
um pássaro que não cante em gaiolas e florestas,<br />
que canta no Senado e nas prisões, que trina<br />
em greves, comícios, protestos, passeatas, procissões,<br />
e quando canta este uirapuru urbano<br />
os pássaros menores fecham o bico e abrem os tímpanos<br />
para sorverem, em largos goles, o som mavioso<br />
que exalam sua voz e sua palavra.<br />
<br />
Eu hoje quero, à noite, cantar junto<br />
a um pássaro conterrâneo que cultivo,<br />
até que a noite cesse e o dia surja<br />
trazendo sol para os olhos, pão para as bocas<br />
e afago para os lombos dos viventes;<br />
cantar ao lado dele porque belo é cantar junto<br />
quando duas são as bocas e o canto se faz único;<br />
cantar ao lado dele para dizer-lhe<br />
quão belo em seu canto é o vocábulo pátria<br />
- vestido de coração e despido de basbaquice -,<br />
como contar-lhe de meus sonhos brasileiros<br />
que um dia – creio – hão de ganhar<br />
carne, sangue e concreto.<br />
<br />
Eu hoje quero, à noite, simplesmente<br />
Agradecer em nome do seu povo<br />
a um pássaro conterrâneo que conheço<br />
e que se intitula: Teotônio.<br />
<br />
II – DO POETA PARA O PÁSSARO<br />
<br />
Agora que a noite já vai alta<br />
e que o povo deste solo sonha em sono,<br />
agora que só bêbados, prostitutas,<br />
policiais e sonâmbulos se locomovem<br />
pelos bares e boates do país,<br />
agora que estamos frente a frente<br />
e que tudo mais é só silêncio,<br />
<br />
agora eu agradeço para sempre<br />
a ti, que<br />
com o tempo aprendeste o verbo povo,<br />
substantivo maior de nossas vidas;<br />
agora eu aperto as mãos trêmulas<br />
de ti, que<br />
com o câncer ensinaste a todos nós<br />
o quanto de poesia encerra a morte;<br />
<br />
agora eu miro os serenos olhos<br />
daquele que<br />
de Deus - em quem não creio – <br />
herdou a voz, o prefixo e a grandeza;<br />
<br />
agora que tu dormes calmamente <br />
e a manhã, tímida, já se anuncia,<br />
como um pai (chorando) ao filho<br />
eu te confesso:<br />
<br />
doce será aos filhos desta pátria<br />
soltar teu nome preso nas gargantas,<br />
doce será aos herdeiros deste tempo<br />
reter na memória teu espírito guerreiro,<br />
doce será dizer-se Teotônio,<br />
como dizer-se liberdade<br />
aurora<br />
Brasil<br />
Justiça<br />
vôo.<br />
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O pífano da zabumba, preservação no tempo das gaitas e flautas cambembes e caetés. <br />
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Manoel Francisco<br />
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O fundador da povoação do Riacho do Meio (atual Viçosa). <br />
<br />
Em 1790, por ordem do ouvidor José de Mendonça de Matos Moreira, estabeleceu residência no sítio Riacho do Meio, com a finalidade de aí experimentar a cultura do algodão.<br />
<br />
Chegando ao local, fez um roçado no vale em que hoje se encontra a praça Apolinário Rebelo (antiga praça do Comércio) e, logo depois, erigiu uma capela de madeira no ponto em que atualmente existe a igrejinha de Nossa Senhora do Rosário.<br />
<br />
Com o passar do tempo, várias casas foram sendo construídas ao lado esquerdo da igrejinha, todas elas de madeira. De diversos pontos do município, sobretudo do Sabalangá e da Mata Escura, começaram a afluir moradores para o Riacho do Meio. Esses moradores eram descendentes, não apenas dos paulistas, mas ainda dos negros quilombolas e dos índios que tinham vindo com Domingos Jorge Velho, o responsável pela expedição que desbaratou os quilombos de Palmares, em 1694. Elementos estranhos, vindos de outros municípios, principalmente Marechal Deodoro e Santa Luzia do Norte, ajudaram para o povoamento do Riacho do Meio, bem como portugueses perseguidos durante a guerra da Independência, os quais originaram as famílias Vilela, Vital dos Santos, Vasconcelos Teixeira e Loureiro.<br />
<br />
Em 1880, noventa anos após a fundação, o Riacho do Meio possuía, além da praça Apolinário Rebelo, as ruas da Lama e do Joazeiro (atual Frederico Maia), a do Gurganema, a do Rosário, a da Palha, a da Matriz, a do Cochicho e a atual Vigário Loureiro (então Rua do Beco) ainda em formação. Depois da rua do Beco havia vários casebres de palha até o meio de uma várzea, onde se erguia uma frondosa canafístula, que, posteriormente, deu nome à rua que aí se formou. Onde era a "Canafístula", existem hoje a Padre Elói, a Praça Izidro Vasconcelos e parte da Mota Lima. A atual Clodoaldo da Fonseca, nos fins do século passado, não passava de uma avenida de mulungus, cortada pelo riacho do Meio. Durante muitos anos, foi conhecida por rua do Calçamento, devido a um calçamento de pedras brutas que aí existiu. Da atual avenida Firmino Maia não existia sequer notícia. Contava então o município com cerca de 25.000 habitantes, 2.000 dos quais constituindo a população escrava.<br />
<br />
Em 1890, cem anos após sua fundação, o povoamento praticamente duplicaria em extensão, devendo-se creditar tal crescimento à chegada da via férrea em Viçosa, o que provocou a repentina multiplicação dos descaroçadores de algodão e dos engenhos de açúcar - os dois produtos basilares da economia municipal.<br />
<br />
Manoel Francisco - o fundador do Riacho do Meio, atual Viçosa - faleceu, já octogenário, em 1839, numa situação de extrema pobreza, situação esta idêntica à da grande maioria de seus descendentes e conterrâneos de hoje.<br />
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Usina Boa Sorte, boa sorte <br />
só no nome: ontem açúcar,<br />
hoje escombros. <br />
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Nostalgia<br />
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Ou melancolia misturada à saudade dos tempos que não tornam mais e, contudo, persistem íntegros e inarredáveis em nossa memória. <br />
<br />
Tempos em que a “lógica popular” se impunha quando do batismo de uma rua. Em que as ruas e praças possuíam o nome de árvores, de flores, de sentimentos puros ou mesquinhos porém autênticos, de prédios ou fatos marcantes, de detalhes pungentes ou pitorescos que, por merecimento, guardavam-se através dos anos na lembrança de seus habitantes. Tempos em que os logradouros rejeitavam os nomes pomposos de figurões de mérito duvidoso e que nada ou pouco tinham a ver com a existência da cidade e a melhoria das condições de vida de seu povo.<br />
<br />
Viçosa de ontem: Rua do Pão Sem Miolo (denominação devida à existência nesse local de uma cajazeira com o tronco carcomido pelo cupim – tronco sem miolo), Rua dos Cochichos (porque sempre foi abrigo de intrigas e mexericos), Rua da Matriz (igreja do padroeiro no local), Rua da Linha (cortada ao meio, desde dezembro de 1891 – chegada Great Western em Viçosa – pela via férrea), Rua dos Três Toes (por três tostões as prostitutas aí se entregavam generosamente ao amor), Rua do Beco (por ser exageradamente estreita), Rua do Passarinho (aí ocorria o comércio de pássaros), rua do Brejo, Rua da Palha, Rua do Joazeiro, Rua do Gurganema, Rua da Bela Rosa etc.<br />
<br />
Peço à prosa uma pausa pois que pretendo perder-me um pouco nas paragens da poesia. E que o leitor, por prazer ou por favor, seja-me companheiro neste meu (poema) ITINERÁRIO:<br />
<br />
Nasci na Rua do Beco,<br />
caí na Rua da Lama,<br />
colhi-me na Rua do Cravo,<br />
flagrei-me na Rua do Banho,<br />
banhei-me na Rua da Bica,<br />
mendiguei na dos Três Toes,<br />
fofoquei na dos Cochichos,<br />
atirei na das Pedrinhas,<br />
xinguei todos do Palhiço,<br />
apanhei na do Cacete,<br />
comi na Pão Sem Miolo,<br />
segui a Rua da Linha,<br />
cheguei à Estrada Nova,<br />
deitei na do Joazeiro,<br />
cobri-me com a Bela Rosa,<br />
dormi na Rua do Brejo<br />
e sonhei este poema<br />
na Rua do Passarinho, <br />
que voou bem de mansinho<br />
pra ruas não batizadas,<br />
onde a poesia, impotente,<br />
faz do silêncio a palavra.<br />
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Great Western, hoje R.F.F.S.A.: ontem passageiros, <br />
hoje trens de carga. <br />
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Octávio Brandão<br />
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Nasceu em Viçosa no ano de 1896. <br />
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Viveu em Alagoas e Pernambuco até o ano de 1919, onde colaborou com os jornais do interior e das capitais publicando comentários políticos e incontáveis sonetos, além de empreender sucessivas incursões pelos municípios de seu estado natal estudando-lhes a flora, a fauna, os aspectos geológicos e mineralógicos, bem como as relações sociais. Coligiu seus numerosos apontamentos num volume maçudo e um tanto caótico sob o título “Canais e Lagoas”, publicado em 1919.<br />
<br />
Foi, ao lado de Oscar Cordeiro e Monteiro Lobato, um dos grandes pioneiros do petróleo brasileiro, tendo sofrido sucessivas perseguições e ameaças de morte por parte de indivíduos a serviço dos trustes estrangeiros.<br />
<br />
Sob a influência de Antonio Bernardo Canellas – fundador em Viçosa do jornal Tribuna do Povo (1917) – fez-se anarquista até 1922, ano em que, já morando no Rio de Janeiro e exercendo a profissão de farmacêutico, converteu-se ao comunismo, tornou-se membro do recém-fundado Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, a partir de 1925, fundador e diretor do jornal A Classe Operária. Seu artigo “Agrarismo e Industrialismo: ensaio marxista-leninista sobre a revolta de São Paulo e guerra de classes no Brasil”, datado de 1926, teve grande influência na formação teórica dos militantes do PCB até o final da década de 30.<br />
<br />
Autor dos livros “Canais e Lagoas” (1919), “O Caminho” (1950), “O Niilista Machado de Assis” (1958) e “combates e Batalhas (1978), em 1966, quando completou setenta anos, foi-lhe dedicada uma emissão especial pela Rádio Moscou, anunciando-se na ocasião que Lênin recebera e lera os seus trabalhos iniciais.<br />
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Tendo vivido por quinze anos na União Soviética e nos leste europeu, este batalhador incansável das causas populares retornou ao Brasil com a queda de Getúlio Vargas em 1946. Aqui viveu quase sempre de forma clandestina, tendo por inúmeras vezes sofrido prisão e perseguição política, até seu falecimento no Rio de Janeiro, em estado de quase absoluta miséria, em março de 1980.<br />
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Octavio Brandão (em foto de 1921, com a esposa Laura): ótimo militante, bom companheiro, mau sonetista. <br />
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Paraíba<br />
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É, em extensão, o maior rio de Alagoas depois do São Francisco e do Mundaú. Da origem até a foz possui 30 léguas de curso. <br />
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Nascendo na serra do Gigante, município de Bom Conselho (PE), atravessa o estado de Alagoas do oeste para o leste, banhando os municípios de Quebrangulo, Paulo Jacinto, Viçosa, Cajueiro, Capela, Atalaia e Pilar, desaguando meia légua ao sul da sede deste último município, na lagoa Manguaba.<br />
<br />
Seu ponto máximo de concentração das águas dá-se quando atravessa a serra dos Dois Irmãos, formando então uma bela cachoeira com alguns metros de altura – provável lugar onde se deu o assassinato de Zumbi - , exatamente na divisa entre os municípios de Viçosa e Cajueiro.<br />
<br />
Segundo alguns autores, o vocábulo Paraíba origina-se de para – água e hyba – árvore, sendo a tradução integral “árvore d´água”. Outros autores afirmam que Paraíba é o mesmo que para – ahyba, cuja tradução é: rio ruim ou impraticável.<br />
<br />
A segunda versão parecer ser a mais acertada, levando-se em conta o fato de que os índios não costumavam fazer denominações gratuitas, e sim baseadas em alguma propriedade ou algum fato concreto. No Paraíba – segundo Alfredo Brandão – o que mais lhes deve ter chamado a atenção foi o fato de o rio possuir seu leito muito pedregoso e de difícil navegação.<br />
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Rio Paraíba: um pouco de água num leito de pedras. <br />
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Quilombo<br />
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Folguedo natalino alusivo à guerra dos Palmares, muito comum em Viçosa até 1930. Ao contrário do pastoril, da taieira, do reisado e do guerreiro, ainda hoje comumento encenados nas datas festivas do município, o quilombo encontra-se praticamente banido do folclore viçosense. <br />
<br />
Encontramos uma minuciosa descrição deste torneio popular às páginas 96-98 do livro Viçosa de Alagoas, de autoria do sempre citado Alfredo Brandão. Transcrevemos integralmente a descrição:<br />
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“Era no dia do orago que se realizava o torneio do quilombo: ao amanhecer, em um canto da praça, via-se organizado um reduto de paliçada, poeticamente enfestonado de palmas de palmeiras, de bananeiras e de diversas árvores virentes e ramalhosas que durante a noite haviam sido transplantadas. Dos galhos pendiam bandeiras, flores e cachos de frutas. No centro da paliçada erguiam-se dois tronos tecidos de ramos e folhas; o da direita estava vazio, mas o da esquerda achava-se ocupado pelo rei, o qual trajava gibão e calções brancos e manto azul bordado, tendo na cabeça uma coroa dourada e na cinta uma longa espada. Em torno as negras, vestidas de algodão azul, dançavam ao som de adufos, mulungus, pandeiros e ganzás, cantando a seguinte copla: Folga negro / Branco não vem cá / Se vier / O diabo há de levar.<br />
<br />
“Depois estrugiam gritos guerreiros, os instrumentos redobravam de furor; ouviam-se sons de buzina e os negros dispersavam-se para vender o saque da noite. Esse saque era representado por bois, cavalos, galinhas e outros animais domésticos, que haviam sido cautelosamente transportados de diversas casas da vila para o quilombo. A vendagem era feita aos próprios donos, os quais, em regra geral, davam aos vendedores um tostão ou duzentos réis. Por volta das dez horas, o rei, à frente dos negros, ia buscar a rainha, uma menina vestida de branco, a qual, no meio de muitas zumbaias, músicas e flores, era conduzida para o trono vazio. As festas, as danças, os cantos e os gritos guerreiros continuavam até o meio-dia, quando apareciam os primeiros espias dos caboclos (indígenas), os quais, apenas trajando tangas e cocar de penas e palhas, vinham armados de arcos e flechas. Apareciam cautelosos, procurando conhecer as posições dos inimigos através da folhagem. <br />
<br />
“Os negros em grande alarido, preparavam-se para o combate.<br />
<br />
“Logo depois surgiam todos os caboclos, tendo à frente o seu rei, o qual usava espada e manto vermelho. Marchavam cantando e dançando o toré, dança selvagem acompanhada pela música de rudes e monótonos instrumentos, formados de gomos de taquaras e taquaris rachados, e de folhas enroladas de palmeira. A luta se travava na praça, e depois de muitas refregas, de retiradas simuladas e assaltos, o rei dos caboclos acabava subjugando o rei dos negros e apossando-se da rainha. <br />
<br />
“Nesse momento os sinos repicavam, as girândolas estrugiam em frente à Matriz e no meio das vaias e gritaria da garotada, os negros, batidos pelos caboclos, recuavam para o centro do quilombo, o qual era cercado e destruído. Terminava a festa com a vendagem dos negros e a entrega da rainha a um dos maiorais da vila, que para “fazer figura” tinha de recompensar fartamente os vencedores”. <br />
<br />
O quilombo é, portanto, um torneio popular no qual as três raças formadoras do povo brasileiro participam de formas diversas: os negros, como em Palmares, resistindo bravamente aos inimigos e ganhando como prêmio a humilhação e a derrota; os índios, a encontrarem na vitória sobre os negros a sua própria derrota e desmoralização, vendo-se “forçados” a entregarem os louros da vitória – a cobiçada rainha – aos brancos maiorais da vila; e os brancos, financiadores da brincadeira, sem que necessitassem suar a camisa ou despender energias, recebendo ao final do quilombo as prendas duramente conquistadas por seus escravos indígenas – como todos os “bons” opressores, aliás.<br />
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Riacho do Meio<br />
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Denominação primitiva do atual município de Viçosa (AL). <br />
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Tal denominação deriva da existência de um riacho que atravessa o centro da cidade e que se situa entre dois outros – o riacho Gurungumba e o riacho Limoeiro. Daí o nome Riacho do Meio.<br />
<br />
Duas lendas narram a gênese da referida povoação.<br />
<br />
A primeira, menos divulgada, relata que na margem do riacho Gurungumba, no Sabalangá, existia há muitos anos um preto velho caçador, e na margem do riacho do Limoeiro existia outro caçador, também preto e velho. Sendo companheiros de caçada, tinham sempre como ponto de encontro o riacho que passa no centro, à igual distância dos outros dois, o qual teve a denominação de Riacho do Meio, nome que se estendeu mais tarde ao arraial que se fundou em suas margens.<br />
<br />
A segunda lenda, mais conhecida, refere que todos os anos, pelo natal, um padre saía de Atalaia para dizer a missa do galo na Passagem (povoação próxima à cidade de Quebrangulo). Certa feita, havendo chovido torrencialmente durante o dia, o padre, atingindo a margem de um riacho que se situava à igual distância de outros dois (Gurungumba e Limoeiro), encontrou-o de tal maneira cheio que foi impossível atravessá-lo.<br />
<br />
Sem esperança de prosseguir viagem, o padre procurou o oiteiro mais próximo, ergueu uma cruz e, quando a noite já ia em meio, celebrou a missa de natal. Essa cruz acabou por atrair romeiros, aos quais se devem as primeiras habitações do lugar, que tomou o nome de Riacho do Meio. <br />
<br />
Riacho do Meio é o título do soneto – aliás bastante ilustrativo – do farmacêutico e poeta José Aragão: <br />
<br />
“Tu que banhaste, outrora, os índios natos,<br />
E deste viço aos matagais altivos,<br />
Tu que fizeste um padre abrir os matos<br />
Para plantar a cruz entre os nativos;<br />
<br />
“Tu que frisado de mágicos formatos<br />
Foste o marco de povos primitivos,<br />
Cenário onde a Assembléia em lindos atos<br />
Desenrolou-se aos surtos mais festivos;<br />
<br />
“Meu pobre riacho! Agora vais à míngua,<br />
Velho, mirrado, a te escorrer dormente,<br />
Levando tantas queixas desta gente.<br />
<br />
“Eu quisera entender essa tua língua<br />
Para dizer-te, a sós, meu velho veio,<br />
O que te faz assim, Riacho do Meio”.<br />
<br />
Em outubro de 1831 a denominação foi mudada para Vila Nova de Assembléia. Riacho do Meio passou a ser designação para um modesto volume de águas fétidas e poluídas que corta o centro da cidade até desembocar no Rio Paraíba, provocando incômodas enchentes nos invernos mais rigorosos.<br />
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Igrejinha do Rosário: marco inicial<br />
da povoação<br />
do Riacho do Meio. <br />
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Sabalangá<br />
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Uma das duas povoações mais antigas do município. A outra é a Mata Escura. <br />
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Denominado primitivamente de Dambrabanga, o Sabalangá é hoje a mais habitada região suburbana de Viçosa, separando-se do centro da cidade pelos arruados dos Paus Brancos e do Espírito Santo.<br />
<br />
Outrora foi abrigo dos negros chefiados por Ganga Zumba e Zumbi, a exemplo dos mocambos de Osenga e Andalaquituche, todos situados nos antigos limites do município. O vocábulo Sabalangá é composto de duas partes: sala ou zala, que significa casa ou ajuntamento de casas, e banga, nome de uma serra onde os negros se tinham alojado no último período da Guerra dos Palmares.<br />
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Zala – banga. Talvez por isso muitos de seus atuais habitantes pronunciam Salabangá, ao invés de Sabalangá.<br />
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Sabalangá: <br />
por aqui<br />
passou Zumbi. <br />
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Théo Brandão<br />
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O maior expoente da chamada “Escola Folclórica de Viçosa” (1907-1981). Médico e poeta, publicou Folclore de Alagoas, Folguedos Natalinos, A Chegança e Reisado Alagoano. <br />
<br />
Os outros três expoentes da referida Escola foram José Maria de Melo (Enigmas Populares e Os Canoés), José Pimentel de Amorim (Medicina Popular em Alagoas) e José Aloísio Brandão Vilela (O Coco de Alagos).<br />
<br />
A designação “Escola Folclórica de Viçosa” deve-se ao folclorista Manuel Diegues Júnior, como reconhecimento ao trabalho sério e continuado exercido pelos quatro folcloristas, no que se referia ao estudo e divulgação das mais diferentes modalidades de manifestações populares.<br />
<br />
A exemplo de José Pimentel (J. Paraíba), utilizavam-se sempre de pseudônimos nas publicações que efetuavam em jornais viçosenses. José Maria de Melo era Jorge Miral. José Aloísio disfarçava-se de Osório de Olivares ao escrever artigos sobre folclore e de Franco Lino quando se dedicava ao exercício da crítica literária. E Théo Brandão assinava seus poemas de cunho modernista – e que acusam marcante influência de Jorge de Lima – como João Guadalajara.<br />
<br />
De sua autoria é o poema VIÇOSA:<br />
<br />
“Viçosa<br />
Cidadezinha do país das Alagoas<br />
Riacho do Meio, Vila da Assembléia...<br />
Um padre ia dizer missa na Passagem,<br />
A Passagem estava cheia<br />
E se disse missa ali mesmo<br />
Na beira do riacho,<br />
Riacho do Meio,<br />
Meio de minha terra,<br />
Viçosa!<br />
Tu tiveste um princípio<br />
Igualzinho ao princípio do Brasil<br />
Com teu padre<br />
E tua cruz de madeira.<br />
Até nisto tu és tão brasileira<br />
Viçosa do país das Alagoas,<br />
Terra de tanta coisa ruim,<br />
Terra de tanta coisa boa!<br />
E o teu rio sinuoso e cheio de pedra<br />
Como a Vida;<br />
E os Dois Irmãos<br />
Olhando Inhamunhá na água branca do rio...<br />
E o teu “Quadro”<br />
Que não é quadrado mas é um trapézio,<br />
“Quadro”, que guarda todas as reminiscências<br />
Da minha vida de criança.<br />
Dia de “festa” tinha cavalinhos, tinha tilburis,<br />
Negras velhas vendendo manuês e malcasados<br />
Em tabuleiros alumiados por candeias de querosene.<br />
- Ah! Os bolos da Joana Doceira!<br />
E a banda de “pifes”<br />
Tocava num coreto no meio da praça.<br />
Tinha leilão<br />
E o Chico Doninha gritava: Quanto me dão!<br />
As prendas na mesa.<br />
O Reisado dançando na porta da igreja.<br />
- Eta, secretário da sala!<br />
Os quilombos<br />
- Folga negro, branco não vem cá.<br />
As Cavalhadas<br />
- Peixe, pirão d´água.<br />
A procissão.<br />
O cordão branco das filhas de Maria <br />
Descendo a ladeira da Matriz,<br />
“Quadro” bonito do Brasil nacional...<br />
Viçosa, cidadezinha do país das Alagoas,<br />
Terra de tanta coisa ruim,<br />
Terra de tanta coisa boa!<br />
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O folclorista José Aloísio B. Vilela brincando cavalhada e bancando Ricarte de Normandia (foto tirada por Théo Brandão em 1928). <br />
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UAI!<br />
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Interjeição denotativa de surpresa e espanto, sentimentos estes que me invadiram quando vim a saber ser viçosense o historiador Manoel Maurício de Albuquerque. <br />
<br />
Nascido na terra de Graça Leite e Octávio Brandão a 1o. de dezembro de 1927, ainda cedo Manoel Maurício (Maneco para os alunos, Nezinho para os familiares) migrou para o Rio de Janeiro, então capital da República, onde veio a formar-se pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.<br />
<br />
A partir de 1950 exerceu o magistério de forma ininterrupta, lecionando na PUC, UFRJ, Cândido Mendes, Gama Filho, Santa Úrsula e no Instituto Rio Branco, tendo ao longo de sua vida transmitido de forma crítica de questionadora a História brasileira a cerca de 65.000 alunos. Com o advento do golpe militar de 1964 sofreu sucessivas perseguições, até ser compulsoriamente aposentado em 1968, aos 40 anos de idade, sob a alegação de que aliciava alunos com propósitos subversivos, doutrinando-os pela cartilha marxista. <br />
<br />
Para sobreviver, viu-se obrigado a lecionar em colégios do 2o. grau e cursinhos de vestibular. Nem com isso o regime se contentou. Perseguiu-o, prendeu-o e torturou-o por duas vezes, em 72 e 73. As torturas e a prisão acarretaram-lhe sérios problemas cardíacos, que viriam a vitimá-lo alguns anos mais tarde.<br />
<br />
Na segunda metade de década de 70 dedicou-se ao teatro e ao cinema. Foi assessor técnico dos filmes “Getúlio Vargas, Imagens de um Mito” e “Brasil, cinema e História”, ambos da cineasta Ana Carolina, e orientou diversos trabalhos teatrais, entre eles “A Ópera do Malandro” de Chico Buarque, “Campeões do Mundo” de Dias Gomes e “Rasga Coração” de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha.<br />
<br />
Em fevereiro de 1981, já reintegrado à UFRJ, publicou pela editora Graal um volume com cerca de 800 páginas, intitulado “Pequena História da Formação Social Brasileira”. Nas palavras do próprio autor, “o grande personagem deste livro é o povo brasileiro, e as suas manifestações constituem a matéria-prima sobre a qual procurei exercer uma atividade transformadora para convertê-la em um produto científico”. A obra teve excelente acolhida, tanto por parte da crítica (com lógica exclusão dos críticos a serviço da direita e dos historiadores ultra-acadêmicos que se empenham em preservar a fictícia História dos homens sem classes e interesses antagônicos) quanto por parte do público. O conhecido antropólogo Darci Ribeiro afirmou ser “A Pequena História da Formação Social Brasileira” “um dos livros mais importantes que se fez neste país nos últimos anos”.<br />
<br />
Menos de um mês depois,a 17 der março, falecia Manuel Maurício, vitimado por um enfarte quando se encontrava numa livraria do centro do Rio de Janeiro. O poeta de cordel Raimundo Santa Helena dedicou-lhe o poema “Adeus, Manoel Maurício” e o Arquivo Geral do Rio inaugurou, em maio do mesmo ano, a Sala de Leitura Manoel Maurício de Albuquerque, com boa parte do acervo deixado por Maneco, um dos mais cativantes e irreverentes mestres (na ampla acepção do vocábulo) que o Rio já possuiu, a crer na unânime opinião de alguns colegas de ofício (Décio Freitas, Eulália Lahmeyer Lobo, Chico Alencar, José Luiz Werneck, etc.) e de incontáveis alunos que converteram seu sepultamento num comovente ato apoteótico.<br />
<br />
Em Alagoas o nome de Manoel Maurício permanece no mais rigoroso esquecimento, como se dispuséssemos de bons e competentes historiadores cá na província, quando é sabido que os nossos historiadores (se assim os podemos denominar) não passam – quase sempre – de maus e tendenciosos ficcionistas, mesmo quando tratam de temas e fatos de relevante e indiscutível significação histórica. Santo de casa não faz milagre, bem sabemos. Que dizer de um santo que não escondia sua devoção por Marx e Althusser?<br />
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Prof. Manoel Maurício: a postura irreverente e questionadora na transmissão do fato histórico. <br />
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Violeiro<br />
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Não poderíamos escrever este vocábulo sem que fizéssemos menção ao grande cantador de viola Manoel Nenen – considerado pelo folclorista José Aloísio B. Vilela o maior cantador do Nordeste. Afirmação um tanto exagerada, mas não inteiramente absurda, pois que Nenen era cantador e dos melhores que existiram na região nordestina deste país, a ponto de merecer vários e entusiasmados artigos que o dicionarista Aurélio Buarque de Holando publicou em jornais cariocas. <br />
<br />
Poeta analfabeto, viçosense de nascimento, lavrador de profissão, cantava apenas nas horas de folga. Era muito comum, na primeira metade deste século, encontrá-lo com um companheiro na prática do desafio no Engenho Boa Sorte, de propriedade do “coronel” Elias, pai do folclorista José Aloísio, do senador Teotônio Vilela e do cardeal D. Avelar Brandão Vilela.<br />
<br />
Nestas ocasiões, o repentista vangloriava-se:<br />
<br />
“Pra cantar mais do que eu canto<br />
Nenhum poeta nasceu.<br />
Se nasceu, não nasceu vivo;<br />
Se nasceu vivo, morreu;<br />
Se existe ainda está muito oculto<br />
Que ainda não apareceu”.<br />
<br />
E acrescentava:<br />
<br />
“Eu sou bom na cantoria,<br />
Eu sou bom em toda parte,<br />
Bom no verso, bom na rima,<br />
Bom na vida, bom na arte,<br />
Bom na goela, bom na fala,<br />
Bom no punhal, bom na bala,<br />
Bom até no bacamarte”.<br />
<br />
Enquanto afinava a viola e temperava a garganta para a cantoria, Manoel Nenen assim se apresentava à platéia atenta:<br />
<br />
“Seu doto eu pra cantar<br />
Não faço triste figura,<br />
Abro a boca, estendo o verso,<br />
Tenho rima com fartura,<br />
Meu pensamento é um veio,<br />
Parece com um rio cheio<br />
Correndo em toda largura.<br />
<br />
“Sou eu o Manoel Nenen<br />
O campeão do repente<br />
Que quando dispara um verso<br />
Tem quatro ou cinco no dente<br />
E nunca perde uma rima<br />
Nem que a viola arrebente.<br />
<br />
“Eu me chamo Manoel<br />
Fuloriano Ferreira,<br />
Papagaio falador,<br />
Guriatã cantadeira,<br />
Rosa de todo jardim,<br />
Água de toda ribeira”. <br />
<br />
E justificava o seu analfabetismo com a seguinte estrofe, arrancando aplausos da platéia num rasgo de falsa modéstia:<br />
<br />
“Sou cantador atrasado<br />
E meus erros ninguém note,<br />
Eu só canto porque Deus<br />
Foi quem me deu este dote,<br />
Mas só conheço o O<br />
Devido a boca de um pote”.<br />
<br />
Já velho, doente e paralítico, era comum vê-lo tropeçar num verso e pedir ajuda ao “baiano” da viola para o vazio de uma inspiração que fugira. Nestas ocasiões, sentenciava inconsolável para os espectadores: “É melhor mastigar brasa que mastigar um repente”. Mesmo assim prevenia ao seu desafiante: <br />
<br />
“Colega tenha cuidado<br />
Do meu cantar tome nota,<br />
Sou um pé de roseira branca<br />
Quanto mais velho mais bota,<br />
O meu tanque de repentes <br />
Cantador algum esgota”.<br />
<br />
Depois, deixava-se abater pelo desânimo e confessava aos ouvintes:<br />
<br />
“Eu ainda estou cantando<br />
Mas sei que não canto bem<br />
Porque minha cantoria<br />
Já não agrada a ninguém,<br />
Estou na situação<br />
De quem já teve e não tem.<br />
<br />
“Nas artes da cantoria<br />
Fui mestre de toda escola,<br />
Mas hoje velho e cansado<br />
Me falta lira na viola,<br />
Eu vou armando o repente<br />
E a ponta da língua enrola.<br />
<br />
“Já fui aqui na Viçosa<br />
Assombro dos cantadores,<br />
Agradei a todo mundo,<br />
A coronéis e doutores,<br />
Mas hoje estou desse jeito,<br />
Peço perdão aos senhores”.<br />
<br />
Manoel Nenen morreu beirando os 100 anos, em 1980, num asilo de velhos, em Maceió. Orgulhoso, há muitos anos recusava-se a versejar e a manejar sua viola, evitando repentes disparatados e versos de pé-quebrado.<br />
<br />
Deixou-nos esta estrofe como despedida:<br />
<br />
“Adeus, adeus minha gente,<br />
Está finda a cantoria,<br />
A todos muito obrigado<br />
Pela sua fidalguia,<br />
Já está chegando a hora,<br />
Meu povo eu já vou embora,<br />
Adeus, até outro dia”. <br />
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Xistose<br />
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O mesmo que esquistossomose. <br />
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É a patologia mais disseminada na Zona da Mata alagoana, seguida de perto pela doença de chagas. Pesquisas realizadas no início da década de 70 apontaram Viçosa como o maior foco de esquistossomose do mundo – recorde este bem mais merecedor de preocupação que de orgulho.<br />
<br />
A doença deve o nome ao causador – o verme Schistosoma, provavelmente originário do Egito, tendo sido sua presença detectada até mesmo nas múmias dos faraós.<br />
<br />
O verme se aloja preferencialmente em caramujos de água doce – muito freqüentes nas águas estagnadas ou semi-estanques do Paraíba, durante o verão e em seus riachos contribuintes. A espécie de caramujo mais comumente encontrada na região é a simpática e pouco pronunciável Biomphalaria glabatra.<br />
<br />
Só secundariamente é que o Schistosoma se abriga no organismo humano, provocando-lhe distúrbios hepáticos e intestinais e, vezes muitas, presenteando-lhe com a morte.<br />
<br />
O folclorista e médico viçosense José Pimentel de Amorim, de tanto vasculhar a vida do helminto, acabou – pioneiramente – por descobrir seu hábito polígamo. O verme possui queda especial pela fauna humana, o que não chega a nos garantir completa fidelidade. Pode, também, ser encontrado nos corpos de gatos-do-mato, ratos, raposas e bichos afins.<br />
<br />
Trata-se – a esquistossomose – de uma patologia extremamente recomendável para o nosso melhor inimigo.<br />
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Raízes e meizinhas na feira de Viçosa: para apressar o parto ou para deter a xistose. <br />
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Zé do Cavaquinho<br />
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Boêmio-maior viçosense (1911-1981). <br />
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Autor do chorinho Escorrego do Urubu e das marchinhas Lagartixa e Jacaré Com Tempero; proprietário do bar-boteco Trovador Berrante, endereço boêmio do senador Teotônio Vilela até 1972, quando o menestrel das Alagoas abandonou de forma definitiva seu convívio com as bebidas alcoólicas; pai de quatorze/quinze filhos, todos eles exímios tocadores de cavaquinho e violão; protagonista de dezenas de histórias e estórias, todas elas reveladoras de seu espírito boêmio e irreverente.<br />
<br />
Na década de 20, convidado para uma buchada na cidade de Palmeira dos índios, sertão alagoano, para lá migrou com intenção de voltar no dia seguinte. Gostou tanto da buchada e da amizade que travou com o glosador Chico Nunes, que lá permaneceu por quase oito anos.<br />
<br />
Quando retornou a Viçosa, os amigos de copo argüíram-lhe acerca do motivo de sua longa ausência:<br />
<br />
- Que peste você andou fazendo todo esse tempo em Palmeira, ô Zé?<br />
<br />
O boêmio alisava mansamente o ventre, punha seu olhar melancólico sobre os companheiros e após libertar um magistral arroto, concluía:<br />
<br />
- Buchada mais da pesada, meninos... buchada mais da pesada...<br />
<br />
Certa feita, pleiteando um empréstimo no Banco do Brasil, viu-se argüido pelo gerente acerca de suas ocupações:<br />
<br />
- Seu Zé, de que o senhor vive? <br />
<br />
E Cavaquinho não titubeou:<br />
<br />
- Vivo de olhares e sorrisos.<br />
<br />
O gerente, dotado de espírito bem mais prático que poético, negou-lhe prontamente o empréstimo.<br />
<br />
Outra vez, beneficiando-se duma carona, viajou até Aracaju para cobrar uma certa quantia que lhe deviam. Lá chegando, encontrou-se de chofre com seu devedor, boêmio como ele, e entraram a beber e a tocar por oito dias seguidos.<br />
<br />
De volta a Viçosa, seus amigos de copo reuniram-se no Trovador Berrante para comemorar, com música e aguardente, o seu retorno. Lá pelas três da madrugada, o Zé interrompeu bruscamente a farra.<br />
<br />
- Pára, pára, pára com essa zoada.<br />
- Mas Zé, o que é que deu na sua cabeça?<br />
- Na minha cabeça, nada: no meu bolso, deu-se uma desgraça. Pois não é que eu fui até Aracaju para “espremer” um devedor e – lembrei-me agora – passei com ele oito dias, bebi, farreei, toquei e não cobrei a peste da dívida!<br />
<br />
A turma fez um ar de tristeza e desolação. O Zé exaltou-se:<br />
<br />
- Volta, volta, volta com essa zoada.<br />
E a serenata prolongou-se até às seis da matina.<br />
<br />
Conta-se que, certa ocasião, estando Zé do Cavaquinho responsável pelo acompanhamento musical de uma procissão religiosa, o boêmio entrou a tomar umas e outras no Trovador e, chegando a hora, a cabeça do Zé estava mais para bêbada que para lúcida.<br />
<br />
E ele não teve dúvida. Ao invés de tocar fúnebres e monótonos hinos sacros, castigou em seu cavaquinho a “Jardineira”. E os fiéis não se fizeram de rogado, acompanhando o boêmio na cantoria:<br />
<br />
“Ô jardineira, por que estás tão triste,<br />
Mas o que foi que te aconteceu?<br />
Foi a camélia que caiu do galho,<br />
Deu dois suspiros e depois morreu...”<br />
<br />
E adeus procissão, senhor Vigário.<br />
<br />
Inúmeras são as histórias que se contam a seu respeito – algumas, reais; outras, produtos da imaginação de seus admiradores. O fato é que Zé do Cavaquinho, boêmio dos mais autênticos e respeitáveis, jamais se importou em dissociar a fantasia da realidade, ou, em outras palavras, a vida sonhada da vida vivida.<br />
<br />
Legou-nos três máximas dignas de reflexão:<br />
<br />
- Vida é negócio para ser vivido e gozado, nunca filosofado;<br />
- Beber, só com método. Sem método, até água de pote faz mal;<br />
- Se beber, morre. Se não beber, morre. Então vamos morrer bebendo, gentada.<br />
<br />
VOLTAR AO TOPO<br />
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ampliar a imagem<br />
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Bar <br />
Trovador Berrante: certeira morada do espírito boêmio de Zé do Cavaquinho.Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-1142689633821276992006-03-18T10:42:00.001-03:002010-01-05T11:12:43.394-02:00Viçosa de Alagoas (Alfredo Brandão)Viçosa de Alagoas<br />
O município e a Cidade<br />
Alfredo Brandão<br />
<br />
(http://www.vicosadealagoas.com.br)<br />
<br />
<br />
...:: abaixo, você pode acessar os trechos de sua preferência ::.. <br />
<br />
<br />
Prefácio, Aldo Rebelo<br />
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<br />
Duas palavras, <br />
Alfredo Brandão <br />
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Capítulo VIII <br />
Inhamunhá <br />
Lenda da Serra Dois Irmãos<br />
<br />
<br />
<br />
Capítulo I <br />
As origens da Viçosa<br />
<br />
Capítulo IX<br />
pathologia e hygiene <br />
<br />
Capítulo II <br />
A povoação <br />
do Riacho do Meio<br />
<br />
Capítulo X <br />
Flora <br />
<br />
Capítulo III <br />
A villa da Assembléa<br />
<br />
Capítulo XI <br />
Fauna <br />
<br />
Capítulo IV <br />
A villa em 1880<br />
<br />
Capítulo XII <br />
Constituição dos terrenos <br />
<br />
Capítulo V <br />
As egrejas, os cemiterios <br />
e as missões<br />
<br />
Capítulo XIII <br />
Descripção política <br />
<br />
Capítulo VI <br />
Ultimos annos da villa <br />
e primeiros tempos da cidade<br />
<br />
Capítulo XIV <br />
A vida no engenho <br />
<br />
Capítulo VII <br />
Descripção physica<br />
<br />
Capítulo XV <br />
Vestígios de raças <br />
prehistoricas na Viçosa <br />
<br />
<br />
DOCUMENTOS <br />
N.1 N.2 N.3 N.4 N.5 N.6 <br />
<br />
<br />
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<br />
..:: Prefácio ::..<br />
<br />
<br />
Para além dos 90 anos <br />
de Viçosa de Alagoas <br />
<br />
Ao publicar Viçosa de Alagoas, em 1914, a partir do universo de um pequeno município alagoano, Alfredo Brandão antecipou caminhos e visões de precursor da historiografia contemporânea. <br />
Gilberto Freyre viu no livro passagens dignas de referências para Casa Grande & Senzala, quem sabe homenageando na obra do alagoano a presença do conceito de formação social que marca o trabalho de gigante do escritor pernambucano.<br />
<br />
Distribuídos em capítulos que podem ser lidos de forma independente, os temas do escrito de Alfredo Brandão abordam a geografia, a economia, a história social, história dos costumes, história da cultura, história política, a arqueologia, a fauna, a flora, formando um painel abrangente do surgimento e evolução do núcleo rural e urbano de uma área da Zona da Mata nordestina entre meados do século XVII até o início do século XX.<br />
<br />
Provavelmente encantou Gilberto Freyre a descrição do mestiço de Alfredo Brandão:<br />
<br />
“Sobre o ponto de vista ethnico, ha uma grande mistura oriunda do cruzamento das tres raças que se fundiram – a branca, a preta e a cabocla. Encarado no seu conjuncto o que fere logo a attenção do observador é a mestiçagem, isto é, o producto do caldeamento dos tres elementos heterogeneos. Esse producto tem no cabra o seu mais perfeito representante”.<br />
<br />
A visão da dança do côco revela os dotes de escritor de Alfredo Brandão:<br />
<br />
“Sôa o ganzá e as palmas estrugem.<br />
Aligeros e frementes os pares rodopiam no meio do circulo, cantando e voluteando num forte sapatear.<br />
Vão chegando mais convivas – moços e moças; a roda dos pares augmenta, augmentam as vozes e o côco cada vez se torna mais animado.<br />
Os rumores da dança, ecoando lá fora, vão repercutir ao longe pelas varzeas e pelas montanhas, enchendo a noite immensa de alaridos festivaes.<br />
O côco cessou. As vozes dos dançadores esmoreceram, calou-se o ganzá, silenciaram as palmas.<br />
Agora a lua vae apparecendo aos poucos por detraz da matta.<br />
Os convivas abandonam o copiar onde as candeias bruxoleam, e invadem o terreiro varrido e alvejante.<br />
É chegada a vez dos poetas, dos cantadores de colcheia”.<br />
<br />
A nova edição preserva a grafia original e acrescenta, além desta introdução, uma breve biografia do autor. A publicação é também uma homenagem aos velhos viçosenses que legaram o patrimônio material e espiritual do município, motivo de orgulho e carinho de seus filhos. Viçosenses de hoje, Sidney Wanderley, Denis Portela de Melo, Teotonio Vilela Filho, Flaubert Torres, Apolinário Rebelo, incentivaram a republicação do trabalho de Alfredo Brandão. Amigas de Viçosa, as jornalistas paulistas Rita Polli e Sandra Di Croce Patrício, a goiana Cristiana Lobo, o economista goiano Murilo Lobo, também estimularam a reedição destas memórias da Princesa das Matas. <br />
<br />
Em Viçosa nasceram Teotônio Vilela e seu irmão Cardeal Primaz do Brasil Avelar Brandão Vilela. Ali viveu e inspirou-se para escrever S. Bernardo o escritor Graciliano Ramos. É de Viçosa o primeiro tradutor brasileiro do Manifesto Comunista, o militante Octavio Brandão, aliás, sobrinho do autor desta obra. Viçosa criou poetas populares da estirpe de Manoel Nenen e Zé do Cavaquinho; criou também a Escola Folclórica com Théo Brandão, José Aloísio Vilela, José Pimentel e José Maria de Melo. Em Viçosa tombou o líder guerreiro Zumbi dos Palmares, em lugar hoje identificado, às margens do rio Paraíba, próximo à serra dos Dois Irmãos. <br />
<br />
Viçosa de Alagoas é saudade, reminiscência, mas é também luta de idéias, choque de pensamento para preservar valores, hábitos que dão a todos e a cada um o direito de ser o que é. Ser viçosense, alagoano, nordestino, é uma forma de ser brasileiro. E ser brasileiro é a nossa condição de integrantes da família comum da humanidade.<br />
<br />
Aldo Rebelo<br />
Brasília, fevereiro de 2005.<br />
<br />
<br />
<br />
VOLTAR AO INÍCIO <br />
<br />
<br />
..:: DUAS PALAVRAS ::.. <br />
<br />
Sobre a história da Viçosa, apenas existia uma ligeira notícia publicada no Indicador Geral do Estado de Alagoas.<br />
<br />
Desejando desfazer as trevas que envolviam o passado do meu torrão natal, procurei colligir alguns dados, e um dos primeiros resultados das minhas investigações, foi o de chegar à convicção de que as terras que actualmente constituem o município da Viçosa, formaram a parte principal do grandioso scenario onde se desenrolou o drama sanguinolento dos Palmares.<br />
<br />
Quando tratava de determinar os pontos das antigas situações dos negros quilombolas, tive de voltar a attenção para os vestígios de raças muito mais antigas, vestígios encontrados nas "chãs de cacos", cuja descoberta communiquei ao Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, na memória lida na sessão de 12 de julho de 1910.<br />
Sob o titulo As origens da Viçosa e os últimos combates dos Palmares,<br />
apresentei no anno seguinte, à mesma agremiação, uma outra memória, a qual, agora mais ampliada, constitue o primeiro capitulo desta obra. Nos demais capítulos da parte histórica, fiz um apanhado dos factos que se destacaram no período que se extendeu desde a fundação do povoado até a elevação da villa à categoria de cidade e à creação da comarca.<br />
<br />
Occupando-me da terra, procurei fazer-lhe a descripção physica e política, insistindo sobre as suas riquezas naturaes, sobre o commercio, sobre a agricultura e sobre o clima, do qual salientei as moléstias mais communs, as causas da morbosidade e as medidas hygienicas mais necessárias.<br />
<br />
Da vida do engenho, tão pouco estudada pelos nossos folk-loristas – cuja attenção se tem voltado mais particularmente para as zonas do sertão - delineei alguns quadros que evoquei das reminiscências da minha infância, quase toda escoada na solidão dessas mattas.<br />
<br />
Tal é a obra que ora apresento, sem outra pretensão a não ser a de prestar um insignificante serviço à minha terra natal.<br />
<br />
Recife – 1914<br />
<br />
Alfredo Brandão<br />
<br />
<br />
<br />
VOLTAR AO INÍCIO <br />
<br />
<br />
..:: CAPITULO I ::.. <br />
<br />
..:: As Origens de Viçosa ::..<br />
<br />
<br />
É grave erro deixar em apagado o livro do passado: se o presente condemna por incompetente a tentativa da pesquiza, há de o futuro indultar o arrojo e nesta esperança assenta a recompensa. <br />
<br />
Dr. Dias Cabral<br />
<br />
A região do valle do Parahyba, comprehendida entre a cidade de Atalaia e a povoação da Passagem, era deshabitada e coberta de espessa matta.<br />
<br />
Uma estrada tortuosa, que ora marginava o rio, seguindo bem perto das suas barrancas, ora se distanciava, internando-se pelo coração da floresta, dirigia-se para o sertão, ligando entre si os dois pontos povoados.<br />
<br />
A tradição, que conservou estes detalhes, refere que, todos os annos, pelo natal, um padre saía de Atalaia para dizer a missa do gallo na passagem.<br />
<br />
Uma vez, tendo chovido torrencialmente durante o dia, o padre, ao chegar á margem de um riacho que fica a egual distancia entre outros dois, encontrou-o de tal maneira cheio que o não poude atravessar. Perdendo a esperança de continuar a viagem, procurou o oiteiro próximo, ergueu uma cruz, e quando a noite já ia em meio, celebrou a missa do natal.<br />
<br />
Essa cruz, bem depressa, attraiu romeiros, as quaes foram devidas as primeiras habitações do novo logar, que tomou o nome de Riacho do Meio.<br />
<br />
Eis ahi a tradição na sua poética e nativa simplicidade.<br />
<br />
Colombo, atravessando mares desconhecidos, leva a cruz de Chisto e implanta-a na terra fecunda e mysteriosa da América. <br />
<br />
Cabral, impellido pelo acaso, conduz as suas galéras até as terras brazileiras e no meio da natureza virgem, sobre um altar de pedra, ao pé da santa cruz, um velho monge celebra o santa sacrifício da missa.<br />
<br />
O meu querido torrão natal, pequenino pedaço deste formoso e vasto Brazil, também teve a cruz a paranymphar-lhe o primeiro despertar de creança e a nymbar-lhe a aureola da fé e da esperança nessa noite radiosa em que elle nasceu para o mundo e para a civilização.<br />
<br />
Deveria ser bello o quadro: as mattas farfalhando nos pennachos das suas palmeiras; as águas marulhosas do Parahyba rolando a sua espuma de prata; o escorço das montanhas esfumando-se ao longe no horizonte e nessa solidão importante e magestosa, o sacerdote, sob o pallio immenso do céo azul e constellado, elevando a hóstia branca e immaculada no sacrifício da missa commemorativa ao nascimento do Homem Deus...<br />
<br />
O historiador imparcial, ao querer pronunciar-se sobre os factos do passado, deve, não somente, separar as lendas e tradições da ganga de phantasia com que as envolveu o tempo, mas ainda premunir-se de uma documentação farta que lhe proporcione os meios de aquilatar a verdade.<br />
<br />
Se, porém, a singela narrativa da origem da Viçosa não póde ser documentada, no entanto, nada me autoriza a negal-a e apenas faço notar que se o local onde hoje se acha a cidade era deshabitado, diversos pontos do seu município não o eram, distinguindo-se entre outros o Sabalangá e a Matta Escura. <br />
<br />
Como uma primeira prova, lembro existir uma outra tradição que revela a origem da Viçosa do seguinte modo: na margem do riacho Gurungumba, no Sabalangá, existia há muitos annos um preto velho caçador, e na margem do riacho Limoeiro existia um outro. Ambos companheiros de caçadas, marcavam como ponto de encontro o riacho que passa no centro, á egual distancia dos outros dois, o qual teve a denominação de Riacho do Meio, nome que mais tarde se extendeu ao arraial que se fundou em suas margens.<br />
<br />
Como quer que seja, o facto que fica indiscutível, é a existência de moradores na zona occupada hoje pelo município da Viçosa e nas immediações da séde da cidade, moradores que, conforme procurarei demonstrar, já deveriam ahi existir desde o tempo dos Palmares.<br />
<br />
Antes de tudo, porém, vou lançar um rápido olhar sobre os aborigenes que nos tempos da descoberta tinham as suas tabas disseminadas nessa parte do território de Alagoas.<br />
<br />
Sobre as raças prehistoricas, cujos vestígios foram por mim assignalados no município, em 1910, reproduzirei mais adiante a memória que então apresentei ao Instituto Archeologico de Alagoas. Nessa memória emitti a opinião que o homem das “chãs de cacos” (que talvez fosse contemporâneo do homem dos sambaquis e do da Lagoa Santa) já deveria possuir um certo gráo de adiantamento, visto ter deixado gravado em rochedos os caracteres de uma escripta rudimentar.<br />
<br />
Quando Duarte Coelho tomou conta da capitania de Pernambuco, as terras alagoanas, que faziam parte integrante dessa capitania, eram povoadas por três raças de índios – a dos Tupis orientaes, a dos Tapuias e a dos Caribas.<br />
<br />
Como representantes dos primeiros existiam os Tabajaras, os Potyguaras e os Tupinambás, cujas tribus mais importantes era a dos Umans e a dos Vouvês, ou melhor Voubrés.<br />
<br />
Da segunda raça notavam-se a tribu dos Mariquitos, a dos Chucurús, que foi depois aldeiada em Palmeira dos Índios, e as dos Chocós, Carapotós, Romaris e Pipians que, em cabildas soltas e vagabundas, se encontravam dispersas pelos sertões, achando-se algumas, no tempo da descoberta, já cruzadas com os Caribas.<br />
<br />
Desta ultima raça as tribus que mais se distinguiam eram a dos Caetés e a dos Cariris.<br />
<br />
Cumpre-me dizer que quase todos os autores, que se têm occupado dessas duas tribus, classificam os Caetés entre os Tupis, e os Cariris, ora entre os Tapuias, ora, conforme Martius, entre os Gucks.<br />
<br />
Pretendendo tratar mais detalhadamente deste assumpto numa outra obra, que sob o titulo de Alagoas prehistorica e ethnographica tenho actualmente em elaboração, por emquanto quero falar somente dos Caetés, os quaes, para este meu estudo sobre a Viçosa, offerecem um particular interesse.<br />
<br />
O erro espalhado entre os ethnologos antigos de que, dos aborigenes, os que não eram Tupis eram Tapuias, foi, sem duvida, motivo para não serem os Caetés comprehendidos entre os Caribas.<br />
<br />
No emtanto a simples denominação Caeté (Caaeté), pelo radical ca, estabelece, logo á primeira vista, um certo gráo de affinidade ou parentesco com os Caribas, e como bem faz notar o dr. Paul Ehrenreich, o mero nome da tribu, quando é realmente indigeno, já aponta o caminho seguro da classificação. Além disso é preciso notar-se o facto relatado por todos os chronistas—que os Caetés viviam em continuas guerras com as demais tribus circumvizinhas—o que dá perfeitamente a entender que elles constituíam um povo alienígena, em tudo differente dos Tupis, aos quaes haviam expellido das mattas e do littoral, da mesma maneira que estes haviam expellido os Tapuias, que deveriam ter sido os primitivos donos do local. <br />
<br />
Parecerá extranho que eu extenda o habitat dos Caetés até as mattas, quando a maioria dos autores o consideram adstricto ao littoral.<br />
<br />
Mesmo, porém, que não existissem provas, como existem, (1) o simples raciocínio levar-me-ia a dar ao domínio dos Caetés uma expansão mais vasta do que a simples orla marítima. Com effeito, o sentimento de amor e de apego que elles mostravam á sua terra, conforme se deduz do ódio inveterado que consagravam aos invasores, não teria sido tão forte, se elles não passassem de simples pescadores, se não fossem os donos, os guardas dessas vastas florestas que, agasalhando no seu mysterioso recôndito as suas tabas e as suas ocaras se extendiam de norte a sul, segundo nos relata um chronista antigo, numa distancia de mais de quarenta léguas.<br />
<br />
Em toda essa zona paradisíaca, coberta de arvores seculares entrançadas de cipoal, atravéz das quaes os raios do sol mal podiam penetrar, nessas gargantas profundas travessadas de ribeiros que se despenhavam com fragor, no meio desse immenso “pindorama”, (2) para usar da denominação bucólica e primitiva dos aborigenes, dominava pois, altiva e bellicosa, a tribu dos Caetés, esse povo tão malsinado pelos conquistadores, mas, que, no seu orgulho, preferiu o anniquilamento quasi completo ao servilismo.<br />
<br />
Conhecendo a riqueza e o valor das terras que habitavam e vendo-as o objectivo de todos os olhares, presentindo que por todos os lados tramavam a sua conquista e a sua destruição era natural que os Caetés, trasuando ódio, voltassem contra aquelles que os cercavam toda a sua ferocidade, ferocidade que aliás não passava de patriotismo – represália aos seus direitos violados, meio de agir em defesa da terra bendita onde haviam nascido, onde repousavam os maiores, onde haviam aprendido a soffrer e a amar.<br />
<br />
A lucta pela posse da terra foi tremenda: - os Caetés, por todos os lados, tiveram de enfrentar inimigos terríveis: ao sul, pelo S. Francisco, havia os Tupinambás, pelo littoral eram os europeus que chegavam nas suas caravéllas, ao norte encontravam-se os Tabajaras com os Potyguaras e a oeste surgiam em avalanches, não somente a tribu dos Cariris, mas, ainda, todos os representantes tapuios que acossados pela sêcca, desciam dos altos sertões em demanda da matta.<br />
<br />
Sendo os Caetés divididos em muitas sub-tribus, procurei saber qual o ramo que havia habitado a Viçosa e cheguei a conclusão que tinha sido o dos Caambembes, ou mais simplesmente Cambembes, índios que escaparam ao estudo dos investigadores e de cuja existência tive noticia por meio de reminiscências vagas, disseminadas ainda hoje entre os habitantes do local.(3)<br />
<br />
A toponymia aborigene, se não é rica, como em outros pontos do Estado (e isto talvez devido á influencia dos negros palmarinos), é no emtanto sufficiente para provar a passagem dos Cambembes.<br />
<br />
Já não falando do vocábulo Parahyba, que póde muito bem ter sido transportado posteriormente do norte ou do sul, onde existem rios com a mesma denominação, encontram-se os nomes Parangaba, Pindoba, Pirauás, Tangy, Gereba, Camaratuba, Toré e muitos outros que não podem negar a sua origem indígena.<br />
<br />
No domínio da botânica e da zoologia os vocábulos vão ao infinito.<br />
<br />
Attendendo-se agora a que o dialecto dos Tupis tinha muitos pontos de contacto com o dos Caribas, e que a língua geral não era mais do que a reunião dos principaes dialectos indígenas do Brazil, não se extranhará o facto de palavras pertencentes ao vocabulário daquelles índios, pertencerem também ao destes.<br />
<br />
A Viçosa, em virtude das suas excellentes condições e da sua disposição topographica deveria ter sido o ponto onde se desenvolveram porfiadas luctas, entre os aborigenas alagoanos.<br />
<br />
O estudo do município revela que nos seus limites occidentaes, passa a linha divisória entre a zona da matta e a zona do sertão. A primeira caracteriza-se, como o seu nome o diz, pela quantidade de mattas que se extendem em suas várzeas e cabeços de montanhas, pela extrema uberdade dos seus terrenos cortados de rios e regatos, pela amenidade do seu clima e pela regularidade das estações. A zona do sertão é, ao contrario, caracterizada pela seccura dos terrenos, pela raridade das chuvas e pelo menor desenvolvimento da vegetação. No verão as arvores ficam despidas de folhagem e o verde desapparece dos campos. Nessa zona dominam as sêccas, as quaes são tanto mais pronunciadas, quanto mais os terrenos são internados para o centro.<br />
<br />
Actualmente, quando as sêccas de vastam os sertões, uma corrente migratória, deslocada não somente das catingas de Alagoas, mas ainda das de Pernambuco, Parahyba, Rio Grande do Norte e até Ceará, batida pela miséria e pela fome, desce dessas regiões desoladas pelo sol inclemente e causticante. A Viçosa é então a porta de entrada para a nova terra da pro missão. Logo dos seus humbraes começa o fim das privações. Nas fazendas, nos engenhos, nos sítios e nas habitações, há sempre alimento para os famintos e trabalho que mais tarde lhes garanta os meios de subsistência. <br />
<br />
Essa corrente migratória que se estabelece hoje, é bem provável, ou antes é natural, que se estabelecesse também entre os selvagens, nos tempos anteriores á descoberta do Brazil, e d’ahi se póde concluir que a posse da terra pelos Caetés, só era assegurada mediante combates sanguinolentos. <br />
<br />
Após a matança do primeiro bispo do Brazil e dos seus companheiros, os portuguezes alliados aos Tabajaras, e tendo á frente de suas cohortes Jeronymo de Alburquerque, decretaram guerra de morte aos Caetés, os quaes depois de se baterem com desespero, caíram esmagados deante da força numérica. <br />
<br />
Os vencedores, na sua vingança, mostraram-se mais selvagens do que os próprios índios. O incêndio das tabas, a trucidação, o erro em braza na face, tudo foi posto em pratica por aquelles que se diziam civilizados. <br />
<br />
Os poucos índios que escaparam á chacina, fugiram espavoridos para o sertão e, dessa época em deante, viveram uma vida miserável de vagabundos, enfraquecidos, sem pátria, sem terra e sem abrigo.<br />
<br />
As mattas então ficaram despovoadas, com o seu vasto seio aberto ás ambições das diversas raças que lhe giravam em torno.<br />
<br />
<br />
Dos engenhos da capitania, negros escravos fugindo ao látego dos senhores, enbrenharam-se nessas mesmas florestas, onde já não havia as hordas bravias dos destemidos e desgraçados Caetés.<br />
<br />
Se estes não houvessem desapparecido, jamais a raça africana teria estabelecido nos seus domínios o quilombo que, começando por um simples valhacouto, transformou-se pouco a pouco, nesse formidável agrupamento que sob o nome de republica dos Palmares, se tornou notável, não só pela tenacidade e heroísmo com que os seus representantes se bateram pela liberdade, como ainda pelo fim trágico dos seus derradeiros defensores.<br />
<br />
A maioria dos nossos historiadores circumscreve o domínio do quilombo á serra da Barriga e as suas immediações, entretanto, pode-se hoje provar que a zona occupada pelos negros abrangia os valles do Parahyba e do Mundahú, desde as cabeceiras desses rios até poucas léguas de distancia das lagoas, e extendo-se para o norte, ao longo do cordão de “mattas bravas”, ia morrer muito alem dos actuaes limites com o Estado de Pernambuco.<br />
<br />
Os pontos, porém, onde os mocambos mais se condensavam, eram justamente aquelles em que as mattas se tornavam mais férteis, mais ricas em palmeiras e em caças e que, por sua espessura, poderiam offerecer mais abrigo aos negros e mais difficuldade ás estradas.<br />
<br />
Esses logares eram os occupados hoje pelos municípios de União e Viçosa, e mui principalmente por este ultimo, o qual foi o berço e o tumulo da republica dos Palmares, o primeiro refugio e o ultimo reducto dos desgraçados quilombolas.<br />
<br />
Sabe-se pelo relatório (4) que sobre o districto das Alagoas, o assessor Johannes van Walbeeck e o director Henrique de Moucheron, apresentaram, em Outubro de 1643, ao “Supremo Conselho”, que o governo hollandez mantinha uma guarnição na povoação de Nossa Senhora da Conceição, (5) na margem meridional da lagoa do sul, guarnição que conservava em respeito os negros palmarinos.<br />
<br />
Tendo, porém, esses negros afugentado os moradores da parte septentrional da mesma lagoa, o director do districto resolveu exterminal-os, e parece que desse fim estava encarregada a expedição commandada pelo capitão Blaer, da qual existe uma descripção minuciosa num importante documento (6) traduzido do hollandez pelo illustrado escriptor pernambucano,dr.Alfredo de Carvalho.<br />
<br />
Essa expedição, que partiu do logar Salgados, (7) ao sul de Alagoas, no dia 26 de Fevereiro de 1645, e que foi uma das mais antigas que se aventuraram pelos Palmares, (8) penetrou, conforme se deprehende da leitura do Diário da viagem, até as terras da Viçosa.<br />
<br />
Tratando de uma cachoeira do rio S. Miguel, há no velho documento um importante tópico que transcrevo textualmente:<br />
<br />
“Esta cachoeira não é tão elevada quanto a do Parahiba que tem bem quatro vezes a sua altura; estivemos acima desta cachoeira do Parahiba, mas não junto a ella, neste lugar descansamos um pouco e enviamos um negro que trazíamos comnosco com alguns índios, a bater o matto, os quaes trouxeram-nos seis grandes porcos do matto e um pequeno, mortos a flexa, depois proseguimos na marcha e acampamos junto a margem sul do rio S. Miguel.<br />
<br />
A 14 depois de havermos subido por algum tempo esse rio, passamos para a margem norte e uma milha adiante galgamos um elevado monte, de bem meia milha de altura, de cima do qual subimos ainda um outro monte, porem não tão alto; caminhando quasi sempre com rumo norte ou nordeste cerca de uma milha alem chegamos a um rio arenoso e secco, cheio de penhascos; marchando mais duas milhas passamos perto do lado occidental de uma cachoeira, não muito íngreme, mas presentemente sem água, no rio que afflue para o Parahiba; no dito rio acampamos chuvendo durante a noite”.<br />
<br />
Desse ponto até o momento em que a expedição, marchando pelo leito secco de um rio, desembocca no Parahyba, o Diario da viagem torna-se um pouco confuso, mais como quer que seja, as cachoeiras citadas servem de ponto de reparo, e quem possua algum conhecimento da topographia da Viçosa e dos municípios circumvizinhos, orienta-se perfeitamente: a cachoeira do Parahyba, a que elle allude, só póde ser a da serra Dois Irmãos, nos limites da Viçosa com a Capella, pois essa cachoeira é o único salto d’agua importante do Parahyba; o rio affluente, que então se achava secco, deve ser o Riachão, o qual, ao passar pelas altas montanhas da Pindobinha, forma uma quéda no logar onde actualmente existe o engenho Cachoeira, e vae depois desaguar na margem direita do Parahyba, um pouco acima da Viçosa.<br />
<br />
Segue-se, portanto, que os hollandezes estiveram bem pertinho do ponto onde hoje é a cidade.<br />
<br />
Tendo ahi passado uma noite, continuaram no dia seguinte a sua viagem, rio acima, andando sobre os penhascos. Depois de algumas milhas chegaram a um outro rio que vindo do norte despeja no Parahyba. Tomaram então esse novo affluente, que supponnho ser o Cassamba, (9) e subindo o seu curso avistaram do norte um alto monte, que me parece ser a serra dos Olhos d’agua do Monteiro. <br />
<br />
Deixando o curso do Cassamba, elles galgaram o monte, e tomando o rumo leste, começaram, dentro em breve, a encontrar vestígios dos quilombolas, taes como: armadilhas para caça, bananeiras, cannaviaes e mais outras plantações.<br />
<br />
Cortando caminho, talvez para não serem presentidos, chegaram ao velho Palmares, que então se achava abandonado por ser situado num ponto muito insalubre.<br />
<br />
O logar onde existiu esse velho Palmares eu não posso precisar exactamente, mas não deve ficar muito distante dos pontos onde hoje se acham os engenhos Bananal, Floresta e Matta Limpa. Esses sítios, se já não são insalubres, sendo raros os casos de impaludismo, apresentam todas as probabilidades de ter sido outr’ora doentios, pois então, cobertos de densas mattas, os seus riachos deveriam formar vastos brejos de águas estagnadas e pútridas.<br />
<br />
Uma outra prova de ter sido nessas immediações a localisação do primeiro núcleo dos Palmares, encontra-se na denominação Bananal, dada ao engenho citado acima, denominação que foi devida ao facto de terem os primeiros moradores encontrado ahi grandes plantações de bananeiras, perdidas no mattagal. Em differentes pontos da Viçosa foram encontradas essas plantações e particularmente na serra do Bananal, na margem direita do Parahyba.<br />
<br />
Atravessando ainda muitos mocambos abandonados, e seguindo para o nordeste, depois de algumas milhas encontraram um bonito rio cheio de penhascos chamado Cabelero, affluente do rio Mundoú. Esta palavra Cabelero é uma corruptela da castelhana Caballero, com que antigamente talvez designassem o ribeiro Mundahú-Mirim, que tem as suas nascentes nas faldas da serra do Cavalleiro.<br />
<br />
Das margens desse ribeiro, que corre em grande parte no município da União, elles deram uma volta para o sul e, attingindo novamente as terras da Viçosa, devastaram uns mocambos que ficavam á margem do rio Japondá, o qual julgo ser o Riacho Jundiá, affluente do Parahybinha.<br />
<br />
Marchando mais um dia e seguindo o rumo leste, chegaram á porta occidental do novo Palmares, o qual foi incendiado. <br />
<br />
Esse Palmares, que os hollandezes suppunham ter anniquilado e que ficava na serra da Barriga, foi pouco a pouco reconstituindo-se e mais tarde, em 1675, com a denominação de Cerca Real do Macaco, apparece como capital do quilombo. (10)<br />
<br />
Um manuscripto de autor desconhecido, existente na Torre do Tombo, e do qual foi offerecida uma copia (11) á Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, pelo conselheiro Drummond, nos dá uma succinta descripção dessa praça forte:<br />
<br />
“Habita (o rei) na sua Cidade Real, que chamão Macaco, nome sortido da morte que naquelle lugar se deu a hum animal destes; esta é a metrópole entre as mais Cidades e Povoações; está fortificada toda em cerca de pau a pique, com treneiras abertas para offenderem a seu salvo os combatentes, pela porta de fora toda se semea de estrepes de ferro, e de foios tão cavilosos que perigara nelles a maior vigilância; occupa esta Cidade dilatado espaço; forma-se de mais de mil e quinhentas casas; há entre elles Ministros de Justiça para as execuções necessárias, e todos os arremedos de qualquer Republica se achão entre elles. Esta é a principal cidade dos Palmares.<br />
<br />
...reconhecem todos obedientes a um que se chama o Ganga Zumba que quer dizer Senhor Grande; a este tem por seu rei e senhor, todos os mais assim naturaes dos Palmares, como vindos de fóra; tem palácio, casas de sua família, é assistido de Guardas e Officiaes que costumão ter as casas reaes; é tratado com todos os respeitos de Rei, e com todas as cerimônias de Senhor; os que chegam a sua presença põem logo o Giolho no chão e battem as palmas das mãos, signal do seu reconhecimento e protestação da sua excellencia: fallão-lhe por magestade, obedece-se-lhe por admiração”.<br />
<br />
Governados pelos potentados cabos de Ganga Zumba, existiam numa vasta extensão muitos mocambos, dos quaes os mais importantes eram o do Zumbi, dezeseis léguas a noroeste de Porto Calvo, o de Acotirene, os das Tabocas, o de Subupira, o de Dambrabanga, o de Andalaquituche e o de Osenga.<br />
<br />
Desses mocambos, os três últimos, como vou procurar demonstrar, ficavam em terras da Viçosa.<br />
<br />
O de Osenga estava situado entre os ribeiros Parahybinha e Jundiá, quasi no sitio em que mais tarde foi creado o aldeiamente do Limoeiro. Esta minha affirmativa é baseada, não somente no facto de ficar tal sitio justamente seis léguas a oeste do ponto onde foi o mocambo do Macaco, mas ainda, em ter existido ahi um antigo logarejo por nome Perdidos, povoado de negros livres.<br />
<br />
O mocambo de Andalaquituche, irmão do Zumbi, que demorava 25 leguas ao noroeste da villa de Santa Maria Magdalena da Lagôa do Sul, tem todas as probabilidades de ter sido situado na serra do Cafuchy.<br />
<br />
A palavra Andalaquituche parece estar alterada no manuscripto: deveria ser Zalaquituche, que se decompõe em duas partes: Zala–vocabulo da língua Kibund ou língua da Angola, que significa residência, casa ou agrupamento de casas e Quituche ou Cafuche—nome próprio que deveria ser o do chefe do mocambo. Accresce ainda que a serra do Cafuchy acha-se ao noroeste da cidade de Alagoas, na distancia mais ou menos de 25 leguas, distancia que também concorda com a do manuscripto. (12)<br />
<br />
Agora sobre o mocambo de Dambrabanga: há muito que me havia impressionado a existência dos nomes africanos Sabalangá, Gurungumba e Quizanga, o primeiro dado a um povoado da Viçosa, no caminho da serra Dois Irmãos e os últimos a dois regatos próximos do mesmo povoado.<br />
<br />
Sabendo que o Sabalangá era habitado por negros livres desde os tempos mais remotos da Viçosa e que numa egrejita desse povoado existe uma pequena imagem de S. José, ultima relíquia da egreja primitiva que ahi existira desde um tempo que os próprios moradores mais antigos não poderam precisar, conclui que tal logar tinha sido um mocambo dos Palmares.<br />
<br />
Na memória que, em 25 de Abril de 1911, apresentei ao Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, aventurei a hypothese de que a palavra Sabalangá poderia muito bem vir de Zamba-gona, nome de um dos chefes palmarinos morto na terceira expedição enviada pelo capitão Carrilho do arraial Bom Jesus da Cruz, arraial que tinha sido fundado no logar onde fôra o mocambo de Subupira.<br />
<br />
Um estudo mais detido do assumpto veiu, porém, orientar-me sobre a verdadeira etymologia da palavra.<br />
<br />
Antes de tudo é preciso notar que Sabalangá antigamente era chamado Salabangá, e que tal denominação ainda hoje é usada por muita gente.<br />
<br />
A palavra portanto é composta de duas partes: sala ou zala e banga.<br />
<br />
Zala, como fiz ver há pouco, significa residência, casa ou agrupamento de casas e banga, como voltarei a tratar mais adeante, era o nome de uma serra onde os negros se tinham alojado no ultimo período da guerra.<br />
<br />
Também, para este mocambo, achei concordância na posição geographca: Sabalangá, fica mais ou menos quatorze léguas ao sul da União, distancia que é a mesma assignalada pelo manuscripto entre Macaco e Dambrabanga.<br />
<br />
Creio portanto que não poderá haver repugnância em indentificar-se o antigo mocambo com o actual povoado, sendo a ligeira discordância que se encontra no nome, levada a titulo de erro de copistas, ou talvez mesmo ás modificações morphologicas que o tempo imprime ás palavras. (13)<br />
<br />
Parece-me também que o pequeno Palmares que Barleus colloca nas selvas do rio Gungohuy, rio que, segundo o mesmo autor, despeja no Parahyba a 20 milhas da lagoa, deve ser o mesmo mocambo.<br />
<br />
O dr. Nina Rodrigues, no seu importante trabalho, A Troya Negra, acha que o pequeno Palmares era a cidade de Subupira de que fala o manuscripto do conselheiro Drummond, pois a ella quadra a descripção de Barleus.<br />
<br />
Realmente há muita semelhança, mas o illustrado mestre esqueceu-se de que o mocambo de Subupira, que “occupava o vão de perto de uma légua de cumprido”, era banhado pelo rio Cachingi e que outro era o nome do rio que regava as selvas do pequeno Palmares.<br />
<br />
Demorando a cidade de Subupira seis léguas ao sul do Macaco, é mais natural que ella ficasse situada nas immediaçoes da serra Jussara, nas cabeceiras do rio Satuba, o qual deveria ser o tal do rio Cachingi dos negros.(14)<br />
<br />
O rio Gungohuy, de Barleus, é provável que seja o riacho Gurungumba que, passando no Sabalangá, desemboca no Parahyba.<br />
<br />
Habitantes antigos da Viçosa, guardavam uma velha tradição de que os últimos combates dos Palmares se realisaram na serra do Bananal, nome que servia para designar não somente o actual prolongamento da serra Dois Irmãos, como também esta ultima.<br />
<br />
A meu vêr tudo isso é muito possível: a historia, controversa em muitos pontos com relação a esses factos, dá no emtanto a comprehender que o chefe Zumbi, sobrinho do Ganga Zumba, não se quiz render nem concordar com a paz que, mediante certas condições humilhantes, lhe offerecia o governador da capitania, D. Pedro de Almeida.<br />
<br />
Reunindo os negros livres que haviam nascido nos Palmares, o Zumbi, altivo e rancoroso, como se deprehende dos documentos publicados no numero 7 da Revista do Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, pelo dr. Dias Cabral, incutiu no animo dos seus sequazes que deveriam matar á peçonha o rei Ganga Zumba, que se havia submettido; e desprezando as insinuações do seu tio Gona Zona, continuou por sua conta a resistência aos brancos.<br />
<br />
Batido no seu mocambo pelo sargento-mór Manoel Lopes, internou-se cada vez mais para o sertão com os seus cabos de guerra, havendo todas as probabilidades de não se ter mais refugiado no mocambo do Macaco, na serra da Barriga, o qual tinha sido abandonado pelos negros após o sitio emprehendido pelo capitão Carrilho.<br />
<br />
É claro que depois desse sitio, os quilombolas só poderiam recuar para os lados da Viçosa, onde deveriam ficar encurralados, porque algumas léguas alem do Parahyba cessavam as mattas e começavam as zonas agrestes da catinga, onde já circulavam os colonos e os índios Chucurús, que tinham seus aldeiamentos entre Quebrangulo e Palmeira.<br />
<br />
Um pouco ao sul os terrenos eram percorridos e vigiados pelos reforços e postos avançados do povoado S. Miguel, cujos habitantes já possuíam estabelecimentos agricolas pelos campos do Arrosal de Inhauns, posteriormente município de Anadia; e para os lados de Atalaia havia o arraial dos paulistas, que servia de quartel-general aos brancos. (15)<br />
<br />
Não é pois de admirar que o Zumbi se tivesse refugiado a principio no Sabalangá e mais tarde na serra que lhe fica próxima – a serra Dois Irmãos – a qual, por causa dos seus desfiladeiros, seus penhascos abruptos e suas gargantas profundas, por uma das quaes se precipita o Parahyba, poderia offerecer todas as condições de estratégia e resistência.<br />
<br />
Isto ainda parece mais provável porquanto da consulta n. 101 do Conselho Ultramarino, se deduz que os negros no ultimo período da guerra, se tinham refugiado no oiteiro, ou antes, na serra do Banga.<br />
<br />
Em carta de 5 de Setembro de 1692, o governador da Capitania de Pernambuco, dizia ao rei de Portugal, que o mestre de campo Domingos Jorge Velho, “ficava com a sua gente no coração dos Palmares fazendo cruel guerra aos negros com os quaes tinha tido alguns recontros bem succedidos do que se poderia esperar quo no verão fossem os negros desalojados do oiteiro do Banga.”<br />
<br />
Da similitude da palavra Banga com Sabalangá e da proximidade deste povoado com a serra Dois Irmãos, pode-se concluir ser esta a mesma serra ou oiteiro a que allude a consulta.<br />
<br />
Como argumentos de valor, é preciso notar que ahi têm sido encontrados diversos vestígios de antigas situações e antigas luctas. <br />
<br />
Consta-me que em um dos cabeços da serra Dois Irmãos, existe uma pequena lagôa cercada de palmeiras dispostas de tal maneira que parecem ter sido plantadas.<br />
<br />
Há alguns annos, caçadores, que se aventuraram pelas escarpas da serra, encontraram muitas ossadas humanas, bastante antigas, disseminadas pelas encostas e pelos ângulos dos rochedos. Um montão dessas ossadas, que se achava nas anfractuosidades de um lageado, produziu, sobretudo, mais impressão, não somente por causa da quantidade, como também por ficar o dito lageado ao pé de um penhasco talhado a pique, desse lado, e dominado por uma chã, o que fazia suppôr terem sido as pessoas, cujos restos alli se achavam, precipitadas do alto.<br />
<br />
Um velho caboclo narrou a uma pessoa do meu conhecimento, que, estando a pescar de mergulho num poço do Parahyba, ao pé da serra, viu que do lado da escarpa, por baixo d’água, se abria um sumidouro, espécie de corredor enladeirado que parecia vir do alto. Affirmava ainda que percebera nas paredes uns letreiros que não entendera e que, depois de se aventurar umas três braças pelo tal corredor, retrocedera com medo de não haver alli algum encantamento.<br />
<br />
A prova dessas affirmativas está ainda dependente de explorações á serra Dois Irmãos, porém o que desde já convem notar é que as duas primeiras parecem estar de accordo com o que diz Rocha Pitta – de que no alto da serra dos Palmares existia uma lagôa e de que o Zumbi, com os seus últimos cabos de guerra, ao ver-se perdido, atirou-se do alto de um penhasco no abysmo que se abria aos seus pés.<br />
<br />
Sobre a existência do sumidouro eu vou transcrever aqui a consulta do Conselho Ultramarino de 18 de Agosto de 1996:<br />
<br />
“O governador de Pernambuco Caetano de Mello e Castro, em carta de 13 de Março desde anno, dá conta a Vossa Magestade a noticia de se haver conseguido a morte do Zumbi ao qual descobrira hum mulato de seu maior valimento que os moradores do Rio de S. Francisco aprisionarão, e remettendo-se lhe topara com uma das tropas que dedicara aquelles districtos, que acertou ser de Paulistas em que hia por Cabo o Capitão André Furtado de Mendonça e temendo-se o Mulato de ser punido por seus graves crimes, offerecera que segurando-se-lhe a vida em nome delle governador se obrigava a entregar o dito Zumby e acceitando-se-lhe a offerta desempenhara a palavra guiando a tropa ao Mocambo do Negro que tinha já lançado fora a pouca família que o acompanhava, ficando somente com vinte negros dos quaes mandara quatorze para os pontos das emboscadas que esta gente usa no seu modo de guerra e hindo com os mais que lhe restavão a se occultar no somidouro que artificiosamente havia fabricado, achando tomada a passagem pelejara valorosamente ou desesperadamente matando hum homem, ferindo alguns e não querendo render-se nem os companheiros fora preciso matal-os apanhando só hum vivo que enviando-se-lhe a cabeça do Zumby determinara se pozesse em um páo no logar mais publico, daquella praça a satisfazer os offendidos justamente queixosos, e atemorisar os negros que supresticiosamente julgavão este immortal, pelo que se entende que nesta empresa se acabara de todo com os Palmares, que estimaria elle governador que em tudo se experimentassem sucessos felizes para que Vossa Magestade se satisfaça do zelo com que procura desempenhar as obrigações de leal vassallo.”(16)<br />
<br />
Como se vê, este importante documento fazendo allusão a um sumidouro, vem também, de um certo modo, corroborar a minha affirmativa, de que OS ULTIMOS COMBATES DOS PALMARES SE REALISARAM NA SERRA DOIS IRMÃOS.<br />
<br />
Com a morte do Zumbi o quilombo acabou-se definitivamente.<br />
<br />
Os negros sobreviventes foram deportados para outras capitanias, onde recomeçaram a sua miserável existência de escravidão.<br />
<br />
Alguns, no emtanto, conseguiram escapar pela fuga, e outros mais tímidos, que durante a luta haviam desertado para as fileiras dos paulistas, foram perdoados e continuaram a viver livremente nos mesmos locaes, sob a vigilância dos brancos.<br />
<br />
Desse ultimo facto explica-se a supervivencia de alguns mocambos que mais tarde se transformaram em pequenas povoações, tal como aconteceu, entre outras, a Sabalangá, Matta Escura e Barra do Cassamba.<br />
<br />
Pela leitura de um documento de 1708 (17) vê-se, logo á primeira vista, que as terras que constituíram o municipio de Viçosa, fizeram parte das sesmarias dos capitães do terço dos paulistas. (18)<br />
<br />
O povoamento dessas terras pelos brancos foi, porém, se fazendo mui lentamente. A recordação do quilombo tornou-se durante muitos annos o espantalho dos colonos pacíficos.<br />
<br />
Somente nos fins do século 18 depois da missa de natal de que fala a tradição, é que, como se verá no capitulo seguinte, foi começada a fundação do Riacho do Meio.<br />
<br />
Onde foi Palmares, actualmente, se erguem cidades, villas, povoações e engenhos.<br />
<br />
Em vez do som das buzinas guerreiras, ouve-se agora o silvo possante da locomotiva.<br />
<br />
No emtanto, sobre os alcantis das serras, nas mattas que escaparam ás derrubadas, as palmeiras, “como indianos cocares”, no dizer do poeta dos escravos, ainda hoje ao descair da tarde, gemem ao vento a mesma canção dolente e magoada. <br />
<br />
As flores rosadas da sapucaia, como uma alfombra de pétalas, terão coberto, talvez, a ossada insepulta do vencido.<br />
<br />
Agora o lavrador ao cavar a terra, nem sequer suspeita que ella foi ensopada em sangue e lagrimas. <br />
<br />
Já nada mais relembra a agonia da raça desgraçada que, muito cedo ainda, havia sonhado com os albores da redempção.<br />
<br />
(1) A etymologia da palavra Caeté já dá a entender que a tribu deste nome habitava as mattas. Caeté compõe-se de caa-matto e eté–muito, grande.<br />
<br />
(2) Segundo o general Couto de Magalhões a palavra “pindorama” com que os índios designavam todo o Brazil, significa região das palmeiras.<br />
<br />
(3) O vocábulo cambembe serve hoje na Viçosa, para designar o povo baixo do campo. Tal designação é recebida quasi como uma affronta, vendo-se portanto que ella pertenceu a uma raça que se degradou. Segundo penso, a palavra cambembe é uma corruptela de caamemby, vocábulo indígena que se decompõe em caa-matto e memby—flauta, gaita ou buzina. Literalmente a tradução será: matto de gaitas, de buzinas ou de flautas. Desta etymologia deprehendo que os Cambembes deveriam ser um povo amigo da musica. É bem possível que haja alguma identidade desses índios com os bardos dos Caetés, os quaes conforme relata Ferdinand Diniz, acompanhavam os guerreiros nas pelejas, incitando-os com seus cantos. Ainda hoje entre os caboclos descendentes dos Cambembes, encontram-se exímios tocadores de pífano.<br />
<br />
(4) Esse relatório acha-se publicado no numero 33 da Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano.<br />
<br />
(5) A povoação de Nossa Senhora da Conceição era a actual cidade de Alagoas.<br />
<br />
(6) Diário da viagem do capitão João Blaer aos Palmares em 1645 - Publicado no numero 56 da Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano.<br />
<br />
(7) Salgados era o nome do sitio onde se achava o engenho novo de Gabriel Soares. Ficava por conseguinte no ponto onde hoje é a cidade do Pilar.<br />
<br />
(8) Conforme assevera Gaspar Barleus, um anno antes havia seguido para os Palmares uma expedição sob as ordens de Ródolpho Baro.<br />
<br />
(9) Na sua Historia do Brasil o sr. Rocha Pombo, em nota, dá um resumo do Diário da viagem do capitão Blaer aos Palmares. Ao chegar no ponto em que os hollandezes deixando o Parahyba subiram o curso de um affluente vindo do norte, elle colloca entre parenthesis o nome Parahybinha com um ponto de interrogação.<br />
<br />
Devo dizer que a primeira vez que procurei interpretar o itinerario da expedição hollandeza, também pensei que o tal affluente podesse ser o Parahybinha mas abandonei logo tal idéa ao lembrar-me que o Diário fazia allusão á cachoeira do Parahyba, a qual, ficando muito acima da foz do Parahybinha, não poderia ser citada se os expedicionários tivessem seguido o curso deste ultimo rio.<br />
<br />
(10) A Cerca Real do Macaco ficava no ponto onde se acha hoje a cidade da União, nas faldas da serra da Barriga, á margem do rio Mundahú. O local conservou o nome de Macaco até o anno de 1831, quando a povoação ahi existente foi elevada a categoria de villa, com a denominação de Villa Nova da Imperatriz.<br />
<br />
Era esse mesmo mocambo do Macaco que o historiador Gaspar Barleus na sua obra Rervn per Octennivm In Brasília, denominava grande Palmares e dizia ficar na serra do Behe.<br />
<br />
(11) Esse documento vem publicado no tomo 47 da Revista do Instituto Histórico Geographico e Ethmologico do Brazil.<br />
<br />
(12) O dr. João Severiano na sua memória – Origem de alguns nomes patronomicos da província das Alagoas – diz que a palavra Cafuchy vem do tupi – caa, matto e fuchy, feio.<br />
<br />
A existência do vocábulo cafuche na língua Kibund, o nome do mocambo assignalado pelo manuscripto e ainda mais o facto de ter verificado num documento antigo (veja-se o documento n.1) que a serra Cafuchy figura com o nome de Caxefe, nome que mais parece uma alteração de Cafuche, induziram-me a dar ao vocábulo uma origem africana.<br />
<br />
(13) As alterações dos nomes africanos são muito communs nas narrativas dos successos dos Palmares. Esse mesmo nome Dambrabanga, na memória do sr. Pedro Paulino, é denominado Zambabionga e Dambrubanga. <br />
<br />
Nas consultas do Conselho Ultramarino e nas Ordens Reaes, o nome Zumbi é alterado em Zambi, Dam e Zombé. O mesmo se dá com Gangazumba, que ora é escripto Gangassuma, ora Garizumba.<br />
<br />
(14) Acho que o exacto local onde foi Subupira, poderá ser determinado mediante a exploração das zonas comprehendidas entre os ribeiros Parahybinha e Satuba.<br />
<br />
Esse importante mocambo, segunda cidade dos Palmares, onde assistia o Zona ou Gona, irmão do rei, era, conforme assevera o manuscripto, todo fortificado de madeira e pedras, pelo que é natural que ainda existam as suas ruínas.<br />
<br />
(15) Acarta regia de 17 de Agosto de 1695, determinava que os paulistas continuassem a fazer assistência no oiteiro do Campa. Esse oiteiro é onde hoje se acha a cidade de Atalaia, antigo Arraial do Palmar.<br />
<br />
(16) Baseando-se nesta consulta, o sr. Mario Berhing, numa excellente memória publicada em Setembro de 1906 na revista Kosmos, diz não passar de lenda o suicídio do Zumbi.<br />
<br />
Não sendo o meu propósito historiar a guerra dos Palmares, e sim demonstrar quaes foram os logares do actual município da Viçosa que serviram de scenario a essas luctas, não faz parte do meu programma a elucidação de tal ponto.<br />
<br />
No emtanto, como acho que esse facto faz honra á historia de Alagoas, á historia de Pernambuco, á historia do Brazil, enfim á historia do universo, não me posso furtar a manifestar a minha opinião: o documento acima, bem como outros que fazem parte das mesmas consultas do Conselho Ultramarino e das Ordens Reaes dando a entender que o Zumbi morreu em combate, não negam o facto do seu suicídio. “Porque é, pergunta o sr. Rocha Pombo, que Zumbi não poderia ter se lançado do rochedo, cahido moribundo e até morto á vista e a alcance do capitão Mendonça a provocar a gana sagrada deste heróe que então cortou-lhe a cabeça?”<br />
<br />
Realmente, o simples facto de terem degolado o Zumbi, não é prova que deponha contra o acto heróico desse negro admirável.<br />
<br />
O que, porém, se deve dizer em bem do restabelecimento da verdade, o que resalta da leitura desses documentos, ao contrario do que disse Rocha Pitta e do que têm repetido quasi todos os historiadores dos Palmares, é que a ultima phase da guerra não teve tanta importância, não se revestiu desse apparato bellico que se lhe quer emprestar.<br />
<br />
O autor da Historia da América Portugueza, reúne em uma só expedição factos que se passaram em differentes períodos da guerra. Pessoas que figuraram nas primeiras entradas, tal como o alcaide-mór de Porto Calvo, Christovam Lins (o neto) que no termino do quilombo já deveria ter morrido, ou pelo menos achar-se em extrema velhice, elle Rocha Pitta, dá como um dos chefes do assedio final. Os ataques a diversos mocambos, emprehendidos pelo sargento-mór Manoel Lopes, e pelo capitão Fernão Carrilho, são levados em conta da expedição dos paulistas, a qual, como mui facilmente se pode hoje demonstrar por um simples cotejo das Ordens Reaes e das consultas do Conselho Ultramarino não passaram de simples assaltos aos últimos reductos dos negros, que já se achavam enfraquecidos.<br />
<br />
O dr. Nina Rodrigues que, no meu modo de pensar, foi quem teve o maior alcance de vista sobre a historia dos Palmares, não conseguiu, no emtanto, desfazer a confusão que paira sobre os relatos dos ultimos combates e isto, talvez, porque não tivesse á mão os documentos que acabo de citar.<br />
<br />
Na sua historia do Brazil, o sr. Rocha Pombo, lamentando com Varnhagen, que a ultima phase da guerra não tivesse o seu chronista, deixa-se também levar pelas affirmativas de Rocha Pitta e, entre outras cousas, acceita como um facto real essa phantastica batalha terminal, em que se empenharam sete mil homens sob o commando do mestre de campo Domingos Jorge Velho.<br />
<br />
(17) Veja-se o documento n. 1.<br />
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(18) Em escripturas antigas as terras que ficavam nas adjacências da margem esquerda do Parahyba, eram conhecidas com o nome de “léguas dos paulistas.”<br />
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VOLTAR AO INÍCIO <br />
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..:: CAPITULO II ::..<br />
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A povoação do Riacho do Meio<br />
Em 1790, um agricultor de Alagoas, chamado Manoel Francisco, por determinação do ouvidor José de Mendonça de Mattos Moreira, foi estabelecer residencia no sitio Riacho do Meio, com o fim de experimentar ahi a cultura do algodão.<br />
<br />
Esse Manoel Francisco, que talvez fosse um dos romeiros da cruz, derribou as florestas das cercanias, fez um roçado no valle, mais ou menos no mesmo local onde hoje se acha a praça do Commercio, e logo depois erigiu uma capella de madeira no ponto em que actualmente existe a egrejinha de Nossa Senhora do Rosario. (19)<br />
<br />
Ao lado esquerdo da egreja começaram pouco a pouco a se alinhar as casas, as quaes, como aquella, tambem eram construidas de madeira.<br />
<br />
Homem activo e trabalhador, o fundador da Viçosa continuou com o plantio do algodão e extendeu os seus roçados para os lados do norte, até muito alem do "Cento e Vinte", legando o seu nome a uma ladeira que fica entre Fazenda Velha e Limoeirinho, no antigo caminho do Barro Branco. (20)<br />
<br />
Conforme relatou-me um octogenario, Manoel Francisco morreu em 1839, na Matta Escura, em extrema pobreza.<br />
<br />
Desbravadas as mattas, começou o nucleo a desenvolver-se e em breve as casas se multiplicaram. De diversos pontos do municipio, e principalmente do Sabalangá e da Matta Escura, começaram a affluir moradores para Riacho do Meio.<br />
<br />
Esses moradores eram representados pelos descendentes, não somente dos paulistas mas ainda dos negros quilombolas e dos indios que tinham vindo com o mestre de campo Domingues Jorge Velho.<br />
<br />
Um grupo desses indios foi aldeiado no municipio de Viçosa, conforme se deprehende do seguinte topico do relatorio apresentado em 16 de Março de 1870, pelo então presidente da provincia de Alagoas, dr. Jose Bento da Cunha Figueiredo Junior:<br />
<br />
"O aldeiamento de Limoeiro é no termo de Assembléa, tres leguas abaixo da povoação de Corrente em Pernambuco. Tem uma população de 111 almas com 51 fogos e o rendimento regular de 60$ a 100$.<br />
<br />
Esta aldeia como as de Urucú e Santo Amaro (21) presume-se fundada nos fins do seculo 17 por occasião de exterminar-se a celebre republica dos Palmares quando se destribuiam terras aos indios e soldados que ajudaram a destruição dos quilombos; sendo essas concessões confirmadas pelo Alvará de 4 de Agosto de 1687 e cartas regias de 28 de Janeiro de 1688 e 28 de Setembro de 1699."<br />
<br />
Elementos extranhos, vindos de outros municipios, e principalmente de Alagoas e de Santa Luzia do Norte, iam contribuindo para o povoamento do Riacho do Meio.<br />
<br />
Os Cambembes, que após a guerra aos Caetés haviam fugido para o sertão, foram pouco a pouco voltando, depois da extincção do quilombo, e, unindo-se com os outros indios mansos, mais tarde vieram a constituir a classe proletaria que trabalhava assalariada nos roçados de algodão e nas engenhocas dos proprietarios das terras. (22)<br />
<br />
Em principios do seculo passado o povoado já estava constituido, porém, era de tal maneira diminuto que não chamou a attenção dos poucos chronistas que então se occuparam da comarca das Alagoas. <br />
<br />
O mais antigo testemunho escripto da existencia do local, nessa época, encontrei num auto de impedimento, onde o portuguez Boaventura José de Souza, declarava habitar no Riacho do Meio desde o anno de 1809.<br />
<br />
Outros documentos, mais ou menos datados desse tempo, nenhuma allusão fazem ao nascente povoado.<br />
<br />
Na carta (23) Noticias brazilicas, escripta por Amador Verissimo de Aleteia, em 1802, encontram-se referencias a outros pontos de Alagoas, mas não ao Riacho do Meio:<br />
<br />
"Desaguam n'ella (lagoa do sul) tres rios consideraveis, de que o maior é o Parahyba, que tem as suas vertentes um pouco abaixo da serra do Tapicurá, vindo passar pela do Bananal e junto a sua margem fica a povoação da Conceição. (24) Na margem septentrional d'este rio, distante seis leguas da cabeça da comarca, está situada a villla da Atalaia. Haverá nesta de mil e duzentos a mil e quatrocentos fogos."<br />
<br />
É claro que a povoação do Riacho do Meio era ainda, nesse tempo, tão pouco desenvolvida que não merecia as honras de ser mencionada, porque do contrario, o autor da referida carta, nos seus detalhes geographicos, cital-a-ia como o nucleo mais proximo do ponto em que o Parahyba atravessa a serra.<br />
<br />
É preciso notar, porém, que esse documento não deve inspirar muita confiança, por que parece não ter o seu auctor relatado o que viu, e sim o que ouviu dizer por alto, não se tornando preciso nos detalhes, pois, já não falando em Tapicurá, nome que elle dá à serra donde nasce o Parahyba, e que bem pode ser o primitivo da serra do Gigante, vae collocar a serra Dois Irmãos entre os rios Mundahú e Satuba.<br />
<br />
O alvará de 1813, que estabeleceu os limites da villa de Garanhuns, a qual confinava pela parte do sul com a villa de Atalaia, na serra do Cavalleiro, ainda não traz a menor referencia ao Riacho do Meio, e da mesma maneira este nome passa em branco nos documentos relativos a emancipação de Alagoas.<br />
<br />
No livro do tombo do archivo parochial, num relatorio apresentado pelo padre Allemanha, ao visitador da freguezia, Lourenço Correia de Sá, em Fevereiro de 1847, consta que o patrimonio de terras do Senhor Bom Jesus do Bom Fim, foi doado em Setembro de 1818, por João da Silva Cardozo, e sua mulher Thereza Maria Fiuza. (25)<br />
<br />
Esses doadores possuiam diversas propriedades e entre outras a dos Paus Brancos, conforme se deprehende de uma escriptura de terras copiadas na folha 147 do "Livro de Notas" do 2º tabellião da villla da Assembléa. (26)<br />
<br />
Parece-me que João da Silva Cardozo era descendende de Manoel da Silveira Cardozo, um dos cabos de guerra do capitão Fernão Carrilho na expedição dos Palmares. A minha supposição sobre tal descendencia é apenas baseada na similitude dos nomes.<br />
<br />
Por occasião do mata marinheiro, das guerras da independencia, muitos portuguezes, perseguidos, foram se refugiar no Riacho do Meio, onde acharam seguro asylo. (27)<br />
<br />
Em 1820, já se encontravam muitos sitios pelas cercanias da povoação e a agricultura, desenvolvendo-se cada vez mais, não se limitava somente ao plantio do algodão, mas se extendia tambem ao da canna de assucar. A fundação de algumas engenhocas de raspaduras parecia prenunciar para a terra o que ella é hoje realmente - uma zona essencialmente assucareira.<br />
<br />
O trafego dos negros estava então em plena actividade, e portanto é muito natural que o Riacho do Meio não fizesse excepção aos demais logares do Brasil. Os propietários que dispunham de algum recurso, não mediam esforços para a compra de escravos, chegando a dar por um negro moço, até a quantia de um conto de reis, conforme se verifica em escripturas antigas.<br />
<br />
Mais ou menos nessa mesma epoca, foi creado um juizado de paz na povoação, a qual era termo da villa de Atalaia.<br />
<br />
Dos juizes de paz, os unicos nomes que pude encontrar, foram os de Manoel Rolemberg de Albuquerque, o qual tinha por escrivão Francisco Fernandes Tosta, e o de Manoel Gomes - um licenciado portuguez que residia na Matta Escura.(28)<br />
<br />
Naquelles tempos de doce convivio patriarchal, era um costume reunirem-se os habitantes do Riacho do Meio nas calçadas de madeira das suas portas (29) e em deleitavel palestra, ao descair da tarde, discutirem o estado da lavoura e as noticias que, de quando em vez, chegavam da capital da recente provincia das Alagoas.<br />
<br />
Então diziam que formavam uma assembléa.<br />
<br />
De fóra, dos sitios, os que vinham fazer compras ou vender cereaes, tambem tomavam parte na assembléa. D'ahi a mudança do nome de Riacho do Meio para o de Nova Assembléa. (30)<br />
<br />
Esta denominação, que foi anterior à creação da villa, não matou o nome antigo, pela dificuldade que o povo da raça encontrava em pronunciar a ultima palavra.<br />
<br />
As causas immediatas que decidiram a creação da villa são facilmente determinadas. Figuram como principaes o grande desenvolvimento do povoado; a multiplicação de fazendas, sitios e engenhocas; a fiscalisação das rendas provinciaes e geraes; as repetidas reclamações dos habitantes do logar e, mais do que tudo, a nescessidade que sentia o governo de organisar a divisão administrativa da provincia, em um periodo, que se poderia chamar de formação, pois eram relativamente recentes não só a independencia de Alagoas, mas ainda a independencia do Brazil.<br />
<br />
Os conselhos Geraes, pelo artigo 80 do seu regulamento, tinham por principal objecto "propor, discutir e deliberar sobre os negocios mais interessantes das suas provincias, formando projectos peculiares e accommodados às suas localidades e urgencias, "portanto não é de admirar que, em suas sessões, se cogitasse da elevação a villa de muitos povoados que, durante os tempos coloniaes, eram descurados pelos governadores da capitania.<br />
<br />
A proposta para a creação da Villa Nova da Assembléa, foi apresentada em uma das sessões do periodo legislativo de 1º de Dezembro de 1830 a 5 de Fevereiro de 1831, do 2º Conselho, o qual foi installado pelo visconde da Praia Grande, na cidade de Alagoas. (31) Esse Conselho celebrou 33 sessões e teve como presidente o sargento-mór Miguel Velloso da Silveira Nobrega e Vasconcellos.<br />
<br />
Somente a 13 de Outubro do mesmo anno de 1831, é que a povoação do Riacho do Meio, juntamente com a da Imperatriz, foi elevada a categoria de villa, pelo decreto imperial que a desligou da de Atalaia.<br />
<br />
Como esse decreto representa um importante documento para a historia da Viçosa, vou transcrevel-o aqui textualmente:<br />
<br />
"Decreto de 13 de Outubro de 1831. Crêa as villas da Imperatriz e Assembléa.<br />
<br />
A regencia, em nome do Imperador, o Senhor Dom Pedro Segundo, ha por bem Sancionar, e Mandar que se execute a seguinte Resolução da Assembléa Geral Legislativa, tomada sobre outra do Conselho Geral da Provincia das Alagoas.<br />
<br />
Art. 1º Ficão creadas duas villas desmembradas da villa de Atalaia, uma ao norte e pela margem do rio Mundahú, no lugar da Camaratuba; sua capital a povoação do Macaco; seu territorio comprehendido nas povoações do – Macaco - Lage do Canhôto – Juçara - Cabeça de Porco - Murici e Branquinha, sua denominação Villa Nova da Imperatriz. - Outra ao norte do rio Parahyba e no lugar Riacho do Meio; sua capital a povoação do mesmo nome; seu territorio o comprehendido nas povoações Riacho do Meio - Lourenço - Passage – Quebrangula - Cassamba e Limoeiro - comprehendendo os juizes de paz das capellas filiaes das mencionadaas povoações, sua denominação - Villa Nova da Assembléa.<br />
<br />
Art. 2º A Cruz de S. Miguel ao Oeste divide as duas villas novamente creadas, e o termo da villa de Atalaia chegará até onde principiam as quebradas das Serras dos Dous Irmãos e Bananal, em cujo principio das quebradas é a sua divisão, e separação do termo da Villa Nova de Assembléa.<br />
<br />
José Lino Coutinho, do Conselho do mesmo imperador, Ministro e secretario do Estado dos negocios do Imperio etc. Palacio do Rio de Janeiro em 13 de outubro de 1831, 10 da Independencia e do Imperio. Francisco de Lima e Silva, José da Costa Carvalho, João Braulio Muniz, José Lino Coutinho."<br />
<br />
Na época do decreto, governava a provincia o seu 5º presidente, Manoel Lobo de Miranda Henriques.<br />
<br />
A installação foi feita solemnemente pelo ouvidor Manoel Messias de Leão, (32) no dia 16 de Fevereiro de 1833, assumindo na mesma data as funcções de juiz ordinario o capitão Manoel de Farias Cabral, o qual teve como escrivão Rolemberg de Albuquerque. <br />
<br />
Perdem-se no negrume dos tempos passados os nomes do primeiro presidente e dos primeiros veriadores da Camara Municipal.<br />
<br />
(19) Este detalhe foi fornecido ao padre Eloy Brandão pelo coronel Apollinario Rabello.<br />
<br />
(20) Tal ladeira é assignalada com o nome de Manoel Francisco numa escriptura de venda de terras, feita pelo coronel Manoel de Farias Cabral ao capitão Pedro José da Cruz Brandão. Os descendentes do fundador da Viçosa ainda devem existir, ou nesse municipio ou em outros pontos. Em 1868, vivia ainda um seu filho, o alferes da Guarda Nacional, Antonio Pereira de Moraes, vulgo Antonio Boi, o qual foi proprietario da casa que mais tarde pertenceu ao vigario Loureiro, na esquina da praça do Commercio com a Rua Nova. <br />
<br />
(21) No que diz respeito a Santo Amaro, creio haver um ligeiro engano por parte do dr. José Bento, pois tal aldeiamento em logar de ser creado em fins do seculo 17, já existia em 1643. No já citado relatorio dos hollandezes Johannes van Walbelck e Henrique de Moucheron, ha a seguinte menção sobre o aldeiamento de Santo Amaro: "A vista do engenho de Cloeten fica a aldeia Mondai que se compõe de dez ou doze familias de indios e foi transferida para ahi de S. Antonio junto ao Parahyba (aliás Santo Amaro). Convindo muito que para tranquillidade e segurança dos moradores das Alagoas contra os negros dos Palmares, Santo Amaro fosse de novo habitado por indios (pois Santo Amaro fica justamente na passagem) tiveram elles ordem de retirar-se de Mondai e estabelecer alli a sua aldeia.<br />
<br />
(22) Até bem poucos annos existia ainda na Viçosa um caboclo macrobio que dizia ter morado nas grotas do "Cento e Vinte", perto da cidade, e que conhecera o local onde esta se acha, coberto de mattas. Accrescentava que muitas vezes, com um seu visinho chamado Thomaz Bezerra, alli caçara pacas e porcos.<br />
<br />
(23) Esse documento vem publicado no numero 13 do volume II da Revista do Instituto Archeologico e Geographico Alagoano.<br />
<br />
(24) A povoação da Conceição é a actual villa da Capella ou Parahyba.<br />
<br />
(25) Veja-se o documento nº 4.<br />
<br />
(26) Em tal escriptura consta que as terras dos Paus Brancos tinham sido compradas a Antonio da Rocha, a sua mulher e a sua cunhada Franscisca Maria, que as haviam herdado de João da Silva Cardozo. É bem possivel que este tambem possuisse terras para os lados Barro Branco, porque o nome do mesmo herdeiro, Antonio da Rocha, figura em escripturas de vendas de terras, nessa propriedade, a Pedro José da Cruz Brandão.<br />
<br />
(27) Entre esses portuguezes havia o alferes Manoel da Silva Loureiro que, vindo de Anadia, estabeleceu residencia no sitio Pedras de Fogo, e Jose Martins Ferreira que sendo acolhido no sitio Gurungumba, de um seu compatriota, Raymundo Jose da Silva, casou-se com uma filha deste e mais tarde fundou o engenho Boa Sorte. Manoel da Silva Loureiro foi o tronco da familia Loureiro, e Jose Martins Ferreira foi o das familias Villela, Victal dos Santos e Vasconcellos Teixeira.<br />
<br />
(28) Esse Manoel Gomes, foi o tronco da familia Rabello. Era avô do coronel Apollinario Rabello, do coronel Epaminondas Gracindo e do tenente coronel Firmino Maia.<br />
<br />
(29) Ainda hoje existe esse costume o qual é peculiar a todos os logares pequenos do centro. As calçadas de madeira já desappareceram. Em 1882, numa velha casa que existia em frente à cadeia, via-se ainda um passeio formado por dois enormes pranchões, restos sem duvida das arvores seculares que constituiam as florestas primitivas da Viçosa.<br />
<br />
(30) Depois da independencia do Brazil, tendo sido installada a Assembléa Legislativa Geral e falando-se muito na creação de uma Assembléa Legislativa Provincial, que substituisse os Conselhos Geraes da provincia, não é de admirar que a palavra assembléa estivesse na ordem do dia e servisse para designar todos os comicios, mesmo os mais innocentes e alheios à politica. O nome que figurava na proposta da creação da villa era o de "Nova Assembléa". O decreto imperial, porém, alterou-o para "Villa Nova da Assembléa”.<br />
<br />
(31) O dr. Olympio Galvão, na sua memoria publicada nos numeros 13 e 14 da Revista do Instituto Archeologico e Geographico Alagoano traz interessantes notas sobre os Conselhos Geraes. Infelizmente o illustrado autor não cogita da proposta da creação da villa da Assembléa, ficando em silencio na historia não só os nomes dos proponentes, como tambem o numero da sessão em que a dita proposta foi apresentada.<br />
<br />
(32) Manoel Messias de Leão foi o ultimo ouvidor da provincia. Mais tarde elle occupou o logar de juiz de direito da comarca de Alagoas.<br />
<br />
<br />
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VOLTAR AO INÍCIO <br />
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..:: CAPITULO III ::.. <br />
<br />
A villa da Assembléa<br />
<br />
DESDE 1833 ATÉ 1879<br />
<br />
A villa da Assembléa, como todas as outras villas da província, pertencia à comarca de Alagoas, a qual, então, era a única em toda a extensão do território alagoano.<br />
<br />
Para facilitar a administração judiciária, já se tinha tratado da creação de novas comarcas, tendo sido apresentado ao 2º Conselho uma proposta que não teve a approvação do governo imperial.<br />
<br />
Somente com a reunião extraordinária do Conselho, para dar execução ao código do processo criminal, a 29 do Abril de 1833, foi que ficou resolvida a divisão da província em quatro comarcas.<br />
<br />
A villa da Assembléa passou então, com a do Pilar, a fazer parte da comarca de Atalaia.<br />
<br />
A freguezia, sob a invocação do Senhor Bom Jesus do Bomfim, foi creada pela resolução provincial n. 8 de 10 Abril de 1835. (33)<br />
<br />
Conforme declarou o sr. Vigário Francisco Manoel da Silva, em seu relatório apresentado ao dr. Deão Francisco Joaquim de Farias, (34) o primeiro vigário da freguezia da Assembléa foi o sexagenário padre Manoel Joaquim da Costa, o qual parochiou como vigário encommendado até 1837.<br />
<br />
Consultando um auto de impedimento do archivo da Diocese de Alagoas, verifiquei que o mesmo padre, em 1828, já era capellão da capella do Senhor Bom Jesus do Bomfim.<br />
<br />
De 1837 a Dezembro de 1848, esteve à testa da freguezia o vigário collado José Antunes Allemanha, também sexagenário. Em Janeiro do anno seguinte veiu parochiar o vigário de Ipioca, Jacintho de Messias Feijó, o qual foi substituído em Agosto do mesmo anno pelo coadjutor José Teixeira de Mello. Em Janeiro de 1850, voltou a ser vigário o padre Manoel Joaquim da Costa, que se conservou nesse logar até Setembro. Desse mez até 29 de Outubro, parochiou o padre Francisco de Araújo, sendo nessa época substituído pelo padre Francisco Manoel da Silva o qual, durante um longo período de 36 annos, foi pastor solicito do rebanho que lhe havia sido confiado. Em Setembro de 1886, por morte do referido vigário, passou a parochiar a freguezia o coadjutor Francisco de Borja Barros Loureiro, o qual foi também um parocho zeloso até quando morreu, em Julho de 1902.<br />
<br />
Depois da creação da villa não foram immediatamente sanadas todas as difficuldades, visto como, dois annos mais tarde ainda não existia uma aula primaria. Tal facto, porém, não passou despercebido pela autoridade competentemente, e tanto assim que na “falla” (35) dirigida ao Conselho Geral, em sua ultima sessão de 1º de Dezembro de 1833, o presidente da provincia, Figueiredo de Camargo, lembrava que deveria ser creada uma cadeira de primeiras letras na Villa Nova da Assembléa.<br />
<br />
Da mesma “falla” deprehende-se que nessa época ainda não havia cadeia na Viçosa. Parece que os criminosos eram enviados para Maceió e Penedo.<br />
<br />
O actual edifício da cadeia, foi construído em virtude das leis provinciaes de 15 de Maio de 1835, de 9 de Março de 1836 e de 9 de Julho de 1839. O contractante, Manoel de Farias Cabral, obrigou-se a edificar um prédio de pedra e cal até o respaldo, com 55 palmos de frente, 40 de fundo e 32 de altura. (36)<br />
<br />
Pela lei provincial n. 9 de 10 de Abril de 1835, foi creada uma cadeira de instrucção primaria para o sexo masculino. (37)<br />
<br />
Em 1833, já existiam o logar de juiz de orphãos e ausentes, então desempenhado por João Tenório de Albuquerque e o de tabellião de notas, exercido por Manoel Rolemberg de Albuquerque.<br />
<br />
A collectoria de rendas geraes foi creada em 10 de Outubro de 1834, e a agencia de rendas provinciaes em 17 de Fevereiro de 1840, por deliberação da thesouraria provincial.<br />
Parece que o primeiro collector foi Felippe José Cavalcanti, o qual tinha por escrivão Manoel dos Santos Silva. (38)<br />
<br />
Dos agentes de rendas mais antigos, apenas pude encontrar, em escripturas de vendas de escravos, o nome de José Rabelllo Pereira Torres, o qual occupava esse logar em Dezembro de 1849.<br />
<br />
Milliet de Saint–Adolphe, no seu Diccionario Geographico, Histórico e Descriptivo do Império do Brazil, edição de 1845, que diz que uma lei provincial, de Maio de 1843, supprimiu a Villa Nova da Assembléa, incorporando suas terras novamente à villa de Atalaia.<br />
<br />
A tradição oral não relata esse facto e a tal respeito nada encontrei assignalado, nem na Compilação das Leis da Província das Alagoas, nem em outro documento de qualquer natureza.<br />
<br />
No entanto acho possibilidade no que diz Milliet, não somente por ter tal suppressão se realisado quasi contemporaneamente à época em que elle escrevia o seu diccionario, como também porque no antigo livro de notas do 2º tabellião da villa da Assembléa, (39) há um facto que bem interpretado parece dar razão ao escriptor francez: pelo exame do referido livro verifica-se que nas folhas 68 e 69 existe um traslado de uma carta de liberdade de escravo, com a data de 25 de Janeiro de 1843, assignado na villa da Assembléa.<br />
<br />
Na folha 70, porém, o primeiro documento, que traz a data de 13 de Agosto de 1844, é assignado na villa de Atalaia, seguindo-se outros assignados na mesma villa até a folha 77, onde vem o último, com a data de 28 de Junho de 1845. Da folha 79 por diante, as escripturas de vendas de terra e de escravos, passam novamente a ser assignadas na villa da Assembléa, tendo o primeiro documento a data de 22 de Julho de 1845.<br />
<br />
De tudo isto se conclue, não somente que Milliet tem razão (40) como também que a villa foi restaurada numa data que se acha comprehendida entre 28 de Junho de 1845 e 22 de Julho do mesmo anno.<br />
<br />
Somente com a suppressão da villa é que se pode explicar a permanência do cartório em Atalaia, durante o período de pouco mais de dois annos.<br />
<br />
De 1844 a 1845, a província das Alagoas atravessou uma quadra calamitosa e sombria.<br />
<br />
O banditismo solto e desenfreado, campeava de norte a sul, envermelhecendo o torrão alagoano com o sangue de centenas de victimas.<br />
<br />
Sobre esse estado anormal assim se exprimiu o então presidente da província, dr. Antonio Manoel de Campos Mello, na “falla” com que abriu a primeira sessão ordinária da 6ª legislatura, em 15 de Março de 1846:<br />
<br />
“Não há quem não sabia, senhores, qual era o estado da Província quando em Novembro próximo passado tomei conta da sua administração.<br />
<br />
A população inteira estava todo armada.<br />
<br />
Grupos de criminosos existiam encastellados face a face com a autoridade publica, que os temia, e alguns, nos mesmos logares em que já uma vez tinham batido e repellido as forças do Governo. Vários proprietários tinham-se encastellado em seos engenhos mandando pelos seus valentões fazer a ronda das estradas e lugares circumvizinhos, pelo terror, como diziam, de serem assassinados”.<br />
<br />
As luctas partidárias entre lisos e cabelludos, haviam-se extendido por toda província, mesmo nos seus mais longínquos municípios, e em cada cidade, em cada villa, em cada povoação, espíritos exaltados promoviam toda sorte de desatinos, atiçando assim os ódios e provocando sangrentas represálias.<br />
<br />
O salteador Vicente de Paula, que já se tornara celebre na guerra da cabanada, e que então era o terror das mattas de Jacuipe, saindo do seu reducto, extendeu as suas depredações por diversos pontos da província.<br />
<br />
Tendo, alliado com alguns políticos, assaltado Maceió, viu-se obrigado a recuar após um combate de 8 horas, e dirigindo-se para o centro, a frente dos seus 800 bandidos, apoderou-se da villa de Atalaia, a qual foi entregue ao saque e ao incêndio.<br />
<br />
Depois de um grande tiroteio com as forças do general Seara, o bandido foi dispersado com toda a sua gente e seguiu precipitadamente para os sertões de Pernambuco, commettendo os maiores horrorres e violências na sua passagem. (41)<br />
<br />
Na villa da Assembléa, não deixaram de repercutir esses factos que conflagravam a província, e muitos dos seus habitantes, sentindo-se sem garantias, internavam-se pelos pontos mais recônditos do município.<br />
<br />
Quando a população começava a tranquillizar-se, a ordem publica foi novamente alterada pelos actos de selvageria commettidos pelos irmãos Moraes.<br />
<br />
Tendo sido assassinado por motivos políticos o vigário da Palmeira, José Caetano de Moraes, os seus filhos procuraram vingal-o. (42)<br />
<br />
As represálias feitas no começo poderiam, de um certo modo, ser desculpáveis, e o historiador, depois de esquadrinhar as causas, talvez que se inclinasse a attenuar o crime dos filhos que num momento de desespero e desvario, levantaram o grito implacável da vingança contra os assassinos do pae, mas a extensão que elles deram a essa vingança, ferindo cega e barbaramente indivíduos innocentes e alheios às lutas partidárias, privou-os por completo da absolvição da posteridade.<br />
<br />
Depois de commetterem atrocidades sem nome no município da Palmeira, os dois irmãos, José e Manoel de Moraes, commandando uma horda de ferozes bandidos, desenrolaram por diversos pontos da província as suas scenas de pilhagem e barbaria. (43)<br />
<br />
O município da Viçosa também foi theatro dessas scenas, pois os bandidos, invadindo o sitio Recanto assassinaram o proprietário Pessoa Cavalcanti e diversos dos seus famulos.<br />
<br />
Ainda hoje, na Viçosa e nos municípios circumvizinhos, as narrativas das façanhas dos irmãos Moraes são relembradas com horror.<br />
<br />
Essas narrativas transmittidas de paes a filhos, talvez com um pouco de exagero, nos dão, no emtanto, uma idéa dos actos de vandalismo que nessas épocas calamitosas se realisaram no interior de Alagoas.<br />
<br />
O engenho mais antigo da Viçosa é o Bananal, fundado em 1836 pela família Carneiro da Cunha.<br />
<br />
Mais tarde, em 1840, o portuguez José Martins Ferreira construiu o Boa Sorte, e pelo anno de 1846 foi fundado o Barro Branco por Pedro José da Cruz Brandão. (44)<br />
<br />
Devem datar do mesmo tempo os engenhos Paredões e Bom Jesus, construídos o primeiro por Manoel de Farias Cabral e o segundo pelo tenente João Tenório. (45)<br />
<br />
Logo depois o plantio da canna tomou rápido incremento, as mattas foram sendo desbravadas cada vez mais e os engenhos multiplicaram-se de tal forma que, pelo anno de 1852 já existiam mais de vinte, produzindo todos juntos umas trinta mil arrobas de assucar. (46)<br />
<br />
A villa, que já contava em todo município uma população de perto de dez mil habitantes, sendo oitocentos escravos, ia aos poucos progredindo. As plantações de mandioca, de milho e de feijão eram sufficientes para o abastecimento da população e o algodão, então já cultivado em larga escala, começava a constituir uma outra fonte de riqueza.<br />
<br />
Os meios de transportes eram precários, devido ás péssimas estradas transformadas em verdadeiros lodaçaes e pântanos perigosos, durante as estações invernosas. O que, porém, mais difficultava o transito, eram os desfiladeiros da Serra Dois Irmãos, os quaes, em tempos de chuva, quase que interceptavam toda communicação entre Viçosa e Maceió.<br />
<br />
Devido, porém, a reiterados pedidos da Câmara Municipal da Assembléa, o governo provincial resolveu-se a mandar fazer um calçamento na serra, o qual muito facilitou o commercio com a capital.<br />
<br />
Os fins de 1855 e os princípios de 1856, assignalam uma época trágica na historia de Alagoas.<br />
<br />
A dor, o lucto, o pranto, a viuvez e a orphandade espalharam-se por todos os lados, ante as vinte mil sepulturas cavadas pelo cholera-morbus no curto espaço de seis mezes.<br />
<br />
Da <<falla>> do então presidente da província, o dr. Antonio Coelho de Sá e Albuquerque, por occasião da abertura da Assembléa Legislativa em 1856, destaco os seguintes tópicos referentes a terrível epidemia:<br />
<br />
<<foi (18)="" 19="" 23="" 24="" 40="" a="" abertamente="" achavam-se="" acima.="" anadia="" ao="" apenas="" apparecendo="" appareceu="" arriscados.="" as="" aterradoras.="" até="" barra="" benigno="" birret="" cada="" caminhava="" caracter="" caso="" cento.="" centro="" chegavam="" cholera-morbus,="" cholera="" cidade,="" cidade="" cinco="" collocados="" com="" combate="" começou="" comissão="" communicação="" comprehendidos="" correio="" cursos="" cururipe,="" da="" das="" de="" defeza="" desde="" desdobrando-se="" dezembro="" dia="" dias.="" dito="" do="" dos="" e="" em="" entretanto="" então="" epidemia="" era="" extendeu-se="" extendia-se="" extensamente="" extensão.="" fabrica="" fazendo="" fins="" francisco="" grande,="" grassava="" h.="" havia="" implacável="" instante="" intactos="" invadio="" invasão.="" jaraguá="" já="" leguas="" limitada="" linha="" litoral="" logares="" maior,="" mais="" marcha="" margens="" matta="" medico="" mesmo="" mesmos="" mez,="" miguel,="" mortalidade="" mundahú.="" mundahú="" municipal="" na="" naquella="" nenhum="" nesses="" no="" norte,="" norte="" nos="" noticia="" notícias="" novembro="" num="" não="" o="" observado="" operário="" os="" palmeira="" papacaça.="" para="" parecia="" pelas="" pelos="" penedo.="" penedo="" pernambuco,="" pessoa="" piassabussú.="" piassabussú="" piranhas,="" por="" poucas="" poupando="" povoados="" povoação="" prevenir="" primeiro="" primeiros="" pronunciada="" província.="" proximidade="" públicos="" quase="" que="" quebrangulo="" recebi="" receios="" recursos="" regulando="" rio,="" rio="" rios="" s.="" seguia="" socorros="" sua="" sul="" sérios="" tempo="" território="" tive="" tocava="" toda="" tristissima="" um="" uma="" urgente="" vegetal,="" victimas="" vindo="" zona="" índios.="" óleo="" …corria="" …em="">><br />
<br />
Na Villa da Assembléa, o cholera appareceu no dia 6 de Janeiro de 18456, e a primeira pessoa atacada foi a mulher do escrivão Manoel de Freitas.<br />
<br />
Quasi que nenhumas medidas Hygienicas foram tomadas, não só porque o governo provincial, a braços com o flagello por todos os lados, poucos recursos enviou, como também porque o povo aterrorisado e desanimado, não vendo na epidemia mais do que um castigo do céo, apenas procurava os meios de debellar o mal, nas rezas, nas procissões e nos terços.<br />
<br />
Esse estado de depressão nervosa, essa certeza que todos tinham de ser feridos pelo flagello, muito concorreu, augmentando a receptividade mórbida de cada um, para que o cholera, na Viçosa assumisse um caracter verdadeiramente pavoroso. Junte-se a tudo isto a ausência de médicos e a ignorância dos princípios os mais comezinhos de hygiene e prophylaxia.<br />
<br />
No dia 7 appareceram outros casos, no dia 8 o numero augmentou assustadoramente e finalmente no dia 20 a epidemia já se achava açoitando palmo a palmo, todo o município.<br />
<br />
A séde da villa ficou deserta, e as casas silenciosas e fechadas só se abriam para dar passagem a enterros. Um ar de tristeza, de desolação e de desespero pairava por toda a parte.<br />
<br />
Não havendo cemitério, pois enterramentos faziam-se anteriormente na matriz, os mortos eram conduzidos para uma egreja em construcção, que ficava perto do Rosário. Como porém, o recinto ficasse muito cedo abarrotado de cadáveres, foi construído, ás pressas, um cemitério de palliçada nos fins da rua do Joazeiro, no mesmo logar onde mais tarde foi edificada a capella de S. Francisco de Assis.<br />
<br />
O cholera tinha assumido a fórma fulminante.<br />
<br />
Pessoas de inteira saúde pela manhã, eram cadáveres á tarde.<br />
<br />
Em muitas fazendas e engenhos o pessoal era atacado simultaneamente, e não havendo gente suficiente para transportar os cadáveres para a villa, eram cavadas sepulturas nas encruzilhadas e nas beiras dos caminhos.<br />
<br />
Em Abril a epidemia começou a declinar e os casos foram pouco a pouco rareando até os princípios de Setembro, quando se extinguiram de todo.<br />
<br />
Em 1862, portanto 6 annos mais tarde, o cholera tornou a apparecer em Alagoas, vindo dessa outra vez de Pernambuco. Essa epidemia, conhecida pela designação de 2º cholera, também causou algumas devastações em diversos pontos da Viçosa, mas felizmente foi de pouca duração.<br />
<br />
A villa que, pela lei n. 203 de 3 de Março de 1854, ficara pertencendo á comarca da Imperatriz, perdeu a freguezia de Quebrangulo, a qual foi desmembrada pela lei provincial n. 301 de 13 de Junho de 1856.<br />
<br />
A Imperatriz ficou sendo cabeça de comarca até que a lei provincial n. 518, de 30 de Abril de 1872, veiu fazer a desannexão, reunindo novamente a villa da Assembléa, á comarca de Atalaia.<br />
<br />
Depois das epidemias do cholera, houve uma phase de calma e de silencio, durante a qual não appareceram factos dignos de ser historiados. A tradição oral e os jornaes da época que se publicavam em Maceió, nada dizem.<br />
<br />
Nos relatórios dos presidentes da província apenas apparecem, de quando em vez, algumas reclamações da Câmara Municipal, para construcção de pontes sobre o Riacho do Meio e sobre o Parahyba, na barra do Cassamba. (47)<br />
<br />
Dessa modorra a Viçosa veiu sair em fins de 1873, com a agitação e motins do populacho conhecidos pela revolução dos qubra-kilos a qual partindo das províncias do Rio Grande do Norte e Pernambuco, extendeu-se por muitos municípios de Alagoas, trazendo alarmantes as pessoas ordeiras.<br />
<br />
Esses motins tiveram como origem a execução da lei n. 1157 de 26 de Junho de 1862, lei que adoptava para o Brazil o systema métrico decimal.<br />
<br />
Indivíduos mal intencionados, na sua maioria criminosos e turbulentos, procuravam convencer ás pessoas ignorantes a não acceitarem o novo systema, e perturbando a ordem, e implantando o desrespeito ás autoridades, locaes, prevaleciam-se do estado anormal por elles creado, para se entregarem ao roubo e ao saque.<br />
<br />
Esses factos extenderam-se pelos municípios de Traipu, Paulo Affonso, Pilar e Imperatriz.<br />
<br />
Neste ultimo termo, formaram-se diversos coutos de criminosos, principalmente nas immediações do povoado Mundahu – Mirim, donde partiram emissários que, vindos confabular nas feiras da Assembléa com pessoas desclassificadas, preparavam os amigos para um assalto á villa.<br />
<br />
Vendo a imminencia do perigo e comprehendendo que a força policial era impotente para repelir os desordeiros, alguns negociantes concitaram o povo á defesa e á reacção.<br />
<br />
Ao mesmo tempo, o presidente da província enviou uma força policial para Mandahu-Mirim, a qual effectuou a prisão de diversos criminosos e de um chefe dos quebra-kilos, um tal Thomaz de Brejo Grande. Nessa diligencia também tomou parte o então delegado da Assembléa, tenente coronel Firmino Maia.<br />
<br />
Devido a essas medidas, os sediciosos se acalmaram e a tranqüilidade foi restabelecida no município.<br />
<br />
Pela escassez de documentos, não me foi possível organisar a relação completa dos presidentes da Câmara Municipal, desde a instalação da villa. (48)<br />
<br />
A datar de 1856, occuparam successivamente a presidência os seguintes senhores: capitão José Fructuoso, capitão Ignacio de Moura, coronel Apollinario Rabello Pereira Torres, major Epaminondas Hypolyto Gracindo, capitão Theotonio Torquato Brandão, vigário Francisco de Borja Barros Loureiro e coronel Theotonio Santa Cruz de Oliveira. (49)<br />
<br />
Procedendo-se o recenseamento em 1872, encontrou-se 22.705 habitantes para todo o município, sendo 21.592 cidadãos livres e 1.113 escravos. Nesse mesmo anno existiam 1.981 votantes qualificados.<br />
<br />
A Guarda Nacional da villa constava de um commando Superior (50) abrangendo o município de Quebrangulo creado pelo decreto n. 3766 de 2 de Janeiro de 1867, do 8º Batalhão de Infantaria, creado pelo decreto n. 992 de 14 de Junho de 1852 e do 1º Corpo de Cavallaria creado com 4 companhias pelo decreto n. 3768 de 2 de Janeiro de 1867.<br />
<br />
A agricultura cada vez mais florescente contava então 40 engenhos de fabricar assucar. (51)<br />
<br />
A sêcca de 1877, que flagellou o norte do Brazil, também extendeu os seus horrores pela província das Alagoas, e mui especialmente pelos municípios do sertão.<br />
<br />
A Viçosa - terreno fertilíssimo coberto em grande parte de mattas e sulcado de rios e regatos que mantêm uma eterna frescura nos seus valles e varzeados – poderia perfeitamente arrostar a escassez das chuvas e, como nas outras sêccas, receber e amparar as avalanches de famintos que os sertões despejavam continuamente no seu município. Desta vez, porém, foi tal a plethora de immigrantes que a fome extendeu as suas garras sobre a terra onde nunca haviam faltados os cereaes.<br />
<br />
Por todas as estradas entravam levas e levas de sertanejos andrajosos, sortidos, miseráveis e famintos. Os engenhos, as fazendas e os sítios transbordavam, e em breve a séde da villa ficou também repleta dessa esquálida multidão de desgraçados que acampavam pelas margens do Parahyba em palhoços de folhas e dahisaía a mendigar.<br />
<br />
A alma caridosa do povo assembleense procurava attenuar taes soffrimentos, mas era tão grande a onda dos miseráveis, que não foi possível evitar-se o espectaculo horrível de seres humanos morrerem á fome.<br />
<br />
Os gêneros haviam encarecidos extraordinariamente e o governo provincial, que distribuira em larga escala socorros a outros municípios, quasi nenhum auxilio prestou á Assembleá, limitando-se apenas a enviar algumas saccas de farinha.<br />
<br />
Augmentando o numero dos retirantes, a situação foi se tornando cada vez mais difficil.<br />
<br />
Os assaltos á propriedade, feitos á mão armada, os roubos e os assassinatos, repetiam-se com freqüência de modo que se tornava perigoso transitar pelas estradas.<br />
<br />
Coutos de bandidos e salteadores iam-se formando em diversos logares, angmentando a augustia da população.<br />
<br />
O ponto do município que então se tornou mais temivel, foi o povoado Bom Socego (antithese do nome) onde os desalmados e os indivíduos mal procedidos, explorando a miséria incitavam contra o direito dos cidadãos pacifico e trabalhadores.<br />
<br />
Diante do latrocínio desenfreado manifestou-se, porém, a reacção por parte dos proprietários que vigiavam as suas fazendas e procuravam evitar as incursões nocturnas. Dahi se originaram muitos conflictos.<br />
<br />
Durante esses tempos calamitosos, a villa da Assembléa esteve continuamente alarmada com as ameaças de invasão do celebre bandido Cabo Preto, o qual infestava os municípios circumvizinhos do sertão com seu bando de salteadores e ladrões de estrada. (52)<br />
<br />
Felizmente no anno seguinte as estações se normalisaram, desapparecendo completamente a sêcca e o seu cortejo sinistro de fome e de miséria.<br />
<br />
Com a organisação do gabinete Sinimbú, em Janeiro de 1878, subiu o partido liberal.<br />
<br />
Tal noticia foi recebida na Assembléa, pelos adeptos do partido que acabava de galgar o poder, com festas, foguetes e passeatas.<br />
<br />
Os conservadores tomaram taes manifestações como um acinte, porém, conseguiram dominar a sua indignação.<br />
<br />
Chegou a época das eleições municipaes e os ânimos que já se achavam excitados, prepararam-se para a lucta. Havia corrido a noticia de que os liberaes não concederiam, como era de direito, o terço aos conservadores e que iriam fazer as eleições á força de bacamarte.<br />
<br />
Realmente na ante véspera, á noite, grupos de capangas penetraram na villa e foram aquartelados numa casa pertencente a importante chefe liberal.<br />
<br />
Os conservadores alarmaram-se e procuraram os meios de reagir. Durante o dia seguinte propalaram-se os mais desencontrados boatos. Como quer que seja, tanto do lado dos conservadores como do dos liberaes, eram expedidos emissários para os engenhos de modo que, ao escurecer desse mesmo dia, a villa foi invadida por centenas de homens armados.<br />
<br />
A noite se passou na espectativa dos acontecimentos.<br />
<br />
Na cidade, repleta de mais de mil cangaceiros, davam-se de quando em vez pequenos conflictos que eram logo abafados pelos chefes.<br />
<br />
O dia das eleições surgiu cheio de presagios.<br />
<br />
Por volta das dez horas, os collegios eleitoraes, que funccionavam na matriz, na capella de S. Francisco e na casa da Câmara, já se achavam cercados pelos liberaes. Mais tarde chegaram os conservadores e o conflicto tornou-se imminente necessário alguns dos chefes de um e outro partido, aconselharem a prudência e a calma aos mais exaltados.<br />
<br />
Felizmente puderam chegar a um accordo, de modo que a maioria concedeu o terço á minoria e liberaes e conservadores, congraçados, depuzeram as armas.<br />
<br />
Numa noite do anno de 1879, mais ou menos as 8 horas, um tal fuão Gouveia, com o fim de raptar uma senhorita, invadiu a villa, á frente de mais de cincoenta cavalleiros armados.<br />
<br />
Os habitantes pacatos encerram-se nas suas casas e a guarda policial, representada apenas por seis praças, não ousou enfrentar os assaltantes.<br />
<br />
Estes, depois de terem effectuado o rapto, iam a retirar-se, favorecidos pela escuridão da noite, quando se encontraram na praça do Commercio com um troço de cavalleiros que chegava. Não reconhecendo nestes alguns dos seus companheiros retardatários, fizeram fogo, travando-se na confusão um ligeiro tiroteio do qual saíram um morto e muitos feridos.<br />
<br />
(33) “Resolução numero 8 de 10 de Abril de 1835. (Sanccionada pelo presidente José Joaquim Machado de Oliveira).<br />
Art. 1.º Ficam creadas freguezias as capellas de Santa Maria Magdalena na villa da Imperatriz e do Senhor do Bomfim na villa da Assembléa.<br />
Art. 2.º Os termos dessas freguezias serão os actualmente marcados para as câmaras municipaes respectivas.<br />
Art. 3.º Ficam revogados todas as leis e disposições em contrario.<br />
Desta Secretaria do Governo foi publicada a presente resolução em 1º de Julho de 1835.<br />
Francisco Manoel Martins Ramos”.<br />
<br />
(34) Ver documento numero 5.<br />
<br />
(35) Publicada no numero 14 da Revista do Instituto Archeologico Alagoano.<br />
<br />
(36) Consulte-se o Quadro Demonstrativo dos Prédios Provinciaes em 1857 e a Compilação das Leis da Província das Alagoas.<br />
<br />
(37) O primeiro professor, ou um dos primeiros, foi João Baptista de Souza, que exerceu o magistério durante uma longa serie de annos. A cadeira de instrucção primaria para o sexo feminino, foi creada pela lei n. 2 de 6 de Julho de 1839.<br />
<br />
(38) Em 1845 era collector o major Luiz Lucas Correia de Araújo e escrivão da collectoria Francisco Carneiro da Cunha Tiririca. O mesmo major Araújo ainda exercia o cargo em 1851.<br />
<br />
(39) Esse livro, que ainda existe no cartório do 2.º tabellião da Viçosa, foi aberto, conforme se pode ver no documento n. 2, no dia 16 de Fevereiro de 1833, isto é, no mesmo dia da installação da villa.<br />
<br />
(40) É pena que Milliet de Saint-Adolphe tenha dedicado tão poucas linhas á villa da Assembléa. É bem verdade que a sua obra se acha eivada de erros geographicos e históricos, mas, como quer que seja, não deixa de ter o seu mérito e trazer um forte contingente para a historia e para a geographia do Brazil, sendo as suas falhas facilmente reparáveis.<br />
<br />
(41) Um velho preto, que falleceu há bem pouco tempo na Viçosa e que foi testemunha ocular do saque de Atalaia, referiu-me esse facto mais ou menos do seguinte modo: a fazenda do meu senhor ficava bem perto de Atalaia. Na véspera, ao anoitecer, chegou a noticia de que Vicente de Paula se approximava. O meu senhor fugiu precipitadamente com toda família e internou-se no matto. Nós, os negros, que nada tínhamos a perder, ficamos, curiosos por vêr em que paravam as cousas. A noite passou-se sem novidade, mas quando o sol nasceu nós vimos a ladeira da frente ficar coalhada de gente e immediatamente a casa grande foi cercada.<br />
<br />
Vicente de Paula, depois de varejal-a e certificar-se que estava vazia, ahi se aboletou e mandou abater os bois para dar almoço á cabroeira.<br />
<br />
Tendo se adiantado para o copiar, pude bem observal-o: era um typo acaboclado, de estatura regular, grosso, fornido e mal encarado. Tinha uma voz forte e imperiosa, mas quando falava, os seus olhos, que pareciam faiscar, não se fixavam na gente. Trajava calças e camisa de riscado e usava um chapéo de ouricory acabanado. Segurava com a mão direita um bacamarte bocca de sino e tinha na cinta um estoque e uma garrucha com cartucheira. Acompanhava-o uma rapariga, bonita e morena, a qual, atinando com os bahús da mulher de meu senhor, mandou arrebentar as fechaduras e apossou-se dos longos e pesados cordões de ouro.<br />
<br />
A cabroeira, depois de almoçar á farta, levantou acampamento e marchou para Atalaia. Eu e os meus companheiros seguimos também, á distancia. Vicente de Paula, ainda bem não entrava na villa e já mandava fazer fogo. Da rua da matriz responderam um pouco, mas d’ahi a instantes só se via gente correr e a villa quasi que ficou deserta. A canalha então entrou sem resistência, matando a couce d’armas as poucas pessoas que encontrava.<br />
<br />
Lembro-me que bem perto de mim passaram duas pobres moças tremulas de medo. Quando procuravam entrar numa casa, cuja porta se abrira, caíram atravessadas de balas. Os bandidos adiantaram-se e vendo que um dos cadáveres tinha uns ricos argolões de ouro arrancaram-lh’os brutamente, rasgando as orelhas.<br />
<br />
Vicente de Paula á medida que saqueava as casas ia mandando incendial-as. A coisa parecia estar a findar quando chegou a força de linha. Travou-se o combate e eu fiquei entre dois fogos, mas felizmente pude fugir e internar-me no matto. No outro dia contaram-me que Vicente de Paula havia sido derrotado.<br />
<br />
Até aqui a narrativa do preto sobre esse celebre salteador que em Alagoas tomou parte nas revoluções da cabanada e dos lisos e cabelludos. Parece que mais tarde, esse caudilho se envolveu na revolução praieira, em Pernambuco.<br />
<br />
O presidente dessa então província, Honório Hermeto Carneiro Leão, pensou em alliar Vicente de Paula e sua gente ás forças do governo, para dar combate aos rebeldes, porém, depois que soube dos horrores que elle commetteu na povoação de Capoeiras, onde roubou gado e escravos em grande quantidade, prescindiu de tal auxilio e mandou-o prender pelo major Victor de Albuquerque Mello. A prisão do bandido não foi tão fácil como dá a entender o presidente de Pernambuco em seu relatório.<br />
<br />
Houve necessidade de lançar-se mão de um certo ardil: o major Victor, apresentando-se nas mattas de Jacuipe a Vicente de Paula, declarou-lhe que viera do Rio incumbido por Sua Magestade o Imperador, de lhe a patente de General das Mattas, o posto com que o agraciava o monarcha em admiração á sua bravura. O caudilho acreditou e um dia em que, fardado, passeava com o seu novo amigo, foi por este preso, e bem algemado conduzido para o Recife, donde seguiu para o presídio de Fernando de Noronha.<br />
<br />
Consta que, em viagem, vestiram-lhe um collete de couro cru molhado e o expuzeram assim ao sol; a medida que o couro seccava, o bandido extorcia-se victima das mais cruciantes dores, chegando mesmo a ter diversas hemoptises.<br />
<br />
(42) Segundo o dr. Espindola, o vigário da Palmeira fôra assassinado em viagem para Maceió, pelo escolta que o conduzia preso, commandada pelo major Cobra.<br />
<br />
Contaram-me, porém, que o referido vigário tinha sido morto ao sair da egreja, onde celebrara missa, em Taquary Velho, logarejo que fica entre Palmeira dos Índios e Bom Conselho.<br />
<br />
Mostraram-me naquelle logar, o ponto onde o vigário rolou sem vida. Um camponez das immediações asseverou-me que ainda hoje se encontram como vestígios do combate que então ahi se travou, muitas balas perdidas pelos campos.<br />
<br />
Há annos conheci uma senhora sexagenária, que me disse ser parenta dos Moraes e que assim me relatou a historia desses caudilhos: o vigário tinha terminado a missa e ia se retirar, quando a egreja foi cercada e invadida por indivíduos armados de bacamartes. Um dos chefes intimou o padre, sob pena de morte, a fazer com que os filhos, que nesse momento marchavam em demanda de Taquary Velho, dispersassem a sua tropa. Um portador, despachado as pressas, deu sciencia aos Moraes da situação em que se achava o vigário, e quaes as condições exigidas para a salvação delle.<br />
<br />
Os dois irmãos depuzeram immediatamente as armas e offereceram a paz em troca da vida do pae.<br />
<br />
Quando os inimigos deste souberam que o bando dos Moraes havia sido dissolvido, evacuaram a egreja e simulando uma retirada foram se occultar no matto próximo. No momento em que o vigário, já tranqüilizado, se dirigia para uma pequena casa onde se achava hospedado, recebeu uma descarga a queima-roupa, caindo instantaneamente morto.<br />
<br />
Os filhos então não tiveram mais contemplações e, reunindo os seus apaniguados, juraram não deixar vivo um só dos que tivessem tomado parte no assassinato do pae. E quási que assim o fizeram: nesse mesmo dia, em Taquary Velho, travou-se um verdadeiro combate e muitos dos culpados, á tarde, pagaram com a vida a negra traição da manhã.<br />
<br />
Vencedores, os irmãos Moraes proseguiram na sua obra de destruição e vingança. Os inimigos aterrorisados mandaram propor um accordo: abririam uma subscripção para arranjar meios com que elles podessem sair da província, dar-lhes-iam cavallos e bois e não mais os perseguiriam. Os irmãos acceitaram a proposta e depondo novamente as armas, emprehenderam a retirada.<br />
<br />
Uma noite, porém, dormiam, acampados ao pé de uma arvore, quando foram despertados em suas rêdes, debaixo de um grande tiroteio. Achavam-se cercados pelos mesmos que haviam pedido a paz. Mais uma vez a traição.<br />
<br />
A defesa foi impossível. O José e muitos outros, baleados nas primeiras descargas, caíram mortos. O Manoel com o resto dos companheiros, encontrou a salvação na fuga.<br />
<br />
Conhecedores do terreno, internaram-se no matto e foram muito adiante, no cotovello da estrada fazer uma emboscada aos seus adversários, de modo que, ao amanhecer, quando estes passavam, rindo e commentando a victoria da refrega da noite, foram surprehendidos com o ataque á bala, salvando-se alguns apenas devido á velocidade dos cavallos, que dispararam a correr doidamente aos primeiros estampidos.<br />
<br />
Desse dia em deante o Manoel de Moraes transformou-se numa fera sedenta de sangue, e completamente perdido, fora da lei, só tinha um fim no mundo: matar. Perseguido por todos os lados fugiu para as bandas de Sergipe e um dia, encurralado numa espessa matta, quando morto a fome procurava com os poucos companheiros que lhe restavam, assar um pedaço de cascavel para comer, foi surprehendido pela força do governo. Um caboclo, que serviria de guia, apontou-lhe o bacamarte. Moraes ergueu-se ainda, abriu a camisa, apresentou o peito e exclamou: - atira, porque já não é um homem a quem tens diante de ti, é um cadáver. O caboclo acertou a pontaria e aquelle que tinha deito tantas mortes pagou com a vida os seus crimes.<br />
<br />
Foi um bandido, mas se no seu caminho não encontrasse, a cada passo, a perfídia e a deslealdade, talvez que tivesse sido um homem de bem.<br />
<br />
(43) Entre Palmeira dos Índios e Quebrangulo, os Moraes assaltaram uma fazenda, cujo dono tinha compactuado com os seus adversários.<br />
<br />
Mataram-no friamente a punhaladas, na presença das próprias filhas e depois ordenaram a estas que trouxeram água e toalhas. As moças, em pranto, obedeceram, e ainda tiveram de segurar a bacia emquanto elles lavavam as mãos tintas de sangue.<br />
<br />
<br />
De outra vez, ao entardecer de um dia de inverno, um mendigo aleijado, que se amparava numas muletas, pediu pousada numa casa, perto do povoado Lourenço. Á noite, estando toda a família na sala, elle quis ouvir a opinião sobre os Moraes. Uma filha do dono da casa declarou que, no seu modo de ver, era justo o que elles faziam, pois vingavam a morte do pae. A avó dessa moça encolerisou-se ouvindo-a e apostrophou os irmãos de salteadores e vis assassinos. Em seguida, volvendo o olhar para o céo pediu a Deus a força para elles. Nesse momento o mendigo atirou as muletas para um lado, perdeu o ar de doente, avançou para a velha, prendeu-a pelos cabellos e exclamou: eu sou um dos Moraes, vaes morrer. E antes que ella pudesse exhalar um só grito, embebeu-lhe na garganta a lamina do punhal.<br />
<br />
Depois, atirando uma bolsa de ouro aos pés da moça, abriu a porta a sumiu-se na escuridão da noite, deixando toda a familir espavorida e paralysada pelo terror.<br />
<br />
(44) Pedro José da Cruz Brandão foi na Viçosa o tronco da família Brandão.<br />
<br />
(45) O tenente João Tenório foi um dos troncos da família Tenório, da Viçosa, e era avô do desembargador Espiridião Tenório.<br />
<br />
(46) Os engenhos existentes em 1859 eram os seguintes: Boa Sorte, de José Martins Ferreira; Barro Branco, de Pedro José da Cruz Brandão; Brejo, de Luiz Lucas Correia de Araújo; Boa Hora, de Germana Maria Barbosa; Bom Socego, de Affonso de Albuquerque Mello; Balsamo, de Antonio Romualdo de Souza; Serra, de Manoel Bezerra de Vasconcellos; Bananal, de Quintiliano Victal dos Santos; Cassamba, de João de Hollanda Cavalcanti; Gereba de Manoel Marrques Padilha; Toré, de Joaquim José de Araújo; Meio, de José de Hollanda Cavalcanti; Caçamba, de Luiz Florentino da Lyra; Timbó, de José Raymundo dos Santos; Conceição, de Manoel de Moura Cavalcanti; Cabeça de Boi, de Francisco Rijo de Moraes; Poço Redondo, de Maria de Araújo; Três Paus, de Joaquim Pereira Ávila; Riachão, de Anacleto Gonçalves, Riachão, dos herdeiros de Agostinho Teixeira; Cambuí, de Vicente Ferreira Rodas; Polvo, de José Alves do Bom Fim; Santo Antonio, de Bellarmino de Hollanda Cavalcanti; Caçamba, de Manoel Fernandes de Aguiar; Baixa Funda, de Pedro José da Cruz Brandão; Olhos d’água, de João Lopes Delgado; Riachão, de Philippe José da Costa; Riachão, de José Alves de Barros; Paredões, de Manoel de Farias Cabral; Carangueijo, de João da Costa Albuquerque e Bom Successo, de Antonio de Barros Souza.<br />
<br />
(47) Até a presente data a ponte da barra do Cassamba, que é uma verdadeira necessidade, não foi construída.<br />
<br />
(48) É possível que antes de 1856, a presidência da Câmara Municipal da Assembléa, fosse accupada por algumas das pessoas então mais em evidência, taes como major Lucas Correia de Araújo, Manoel Rabello Brazil e Manoel de Farias Cabral.<br />
<br />
(49) Em 1875, o Conselho Municipal era composto dos seguintes vereadores, capitão Theotonio Torquato Brandão, alferes Antonio Giquiri, Antonio da Graça, Vieira da Lira, Nathan Rodrigues de Vasconcellos e capitão Frederico Rabello Maia.<br />
<br />
Entre as autoridades locaes desse mesmo tempo notavam-se as seguintes: adjunto do promotor – Manoel Gracindo Rabello; 1º tabellião e escrivão de orphãos – Christovão José de Aragão Cabral; 2º tabellião e escrivão do jury – José Maximo de Barros; delegado de policia – Caetano Donato Brandão; agente de rendas provinciaes – Jeronymo José Teixeira.<br />
<br />
(50) Esse Commando Superior foi supprimido mais tarde, vindo somente a ser restabelecido com a creação da comarca, em 1893.<br />
<br />
(51) Os 40 engenhos então existentes eram movidos uns a água e outros a animaes. Os primeiros que montaram machina a vapor foram o S. Francisco, de D. Maria da Gloria Brenand, em 1889, e o Matta Verde, do coronel José Aprígio Vilella, em 1890.<br />
<br />
(52) Sobre o Cabo Preto, a simplicidade popular creou uma serie de lendas. Affirmavam que esse chefe de quadrilha possuía no corpo uma hóstia consagradora e que por tal motivo se tornava invulnerável ás balas e ficava invisível quando perseguido de perto. Taes propriedades, porém, desappareciam quando elle se achava dentro d’agua, pois então ficava com o corpo aberto, isto é, deixava de ser intangível. Uma escolta que andava em sua procura, lembrou-se de fazer uma tocaia na margem de um ribeiro, e no momento em que elle, muito desprecatado, atravessava a corrente, deu-lhe uma descarga de bacamarte, conseguindo assim acabar-lhe com a existência.<br />
<br />
<br />
VOLTAR AO INÍCIO <br />
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<br />
..:: CAPITULO IV ::.. <br />
<br />
A villa em 1880<br />
Aspectos, Lendas e Usanças<br />
<br />
A Viçosa em 1880, não seria talvez a terça parte do que é hoje realmente.<br />
<br />
Já existiam a praça do Commercio, a rua da Matriz, a do Joazeiro, a da Gurganema, a da Lama, a do Rosário, a da Palha, e a Treze de Maio, então conhecida pelo nome de rua do Cochicho.<br />
<br />
A rua Nova estava em formação. Chamava-se simplesmente Beco: depois das casas do vigário Loureiro e Francisco Moura, seguiam-se de um lado um muro e do outro um pau-a-pique. Para diante eram casebres de palha até o meio da várzea, onde se erguia uma frondosa canna-fistula.<br />
<br />
Todo o valle, comprehendendo hoje a área cheia de viellas e ruas em formação, desde o mercado até a estação da estrada de ferro, era então talvez mais poético, com o seu campo, seus verdores, seus perfumes e suas flores matizadas.<br />
<br />
A actual rua do Calçamento era uma avenida de mulungús, cortada pelo riacho do Meio, que então deslisava as suas aguas límpidas e cantantes entre balsedos de malmequeres.<br />
<br />
Um pouco alem ficavam as casas do engenho Fortaleza, com os seus cercados, seus curraes e seu longo pomar.<br />
<br />
A rua do Joazeiro, feia e tortuosa, extendia-se até o cemiterio velho, não apresentando um só prédio que revelasse o menor gosto.<br />
<br />
A rua do Gurganema era também constituída de casebres, opprimidos entre a base do morro e a barranca do Parahyba. O nome Gurganema (53) vem de um sitio que existia na velha cidade de Alagoas. Foi o padre Manoel da Costa (vulgo Mané Molle), primeiro vigário da Viçosa, quem deu tal denominação, pois esta rua, como o sitio seu homonymo, era séde de batuques.<br />
<br />
O povo nesse tempo tinha costumes mais primitivos.<br />
<br />
A villa da Assembléa, distando vinte léguas de Maceió e sem a fácil communicação da estrada de ferro, vivia a vida dos logarejos do sertão, sonhando é verdade, com o dia em que o grito rouquenho da locomotiva, levasse ás suas plagas a nova alviçareira do advento do progresso.<br />
<br />
O movimento commercial era diminuto.<br />
<br />
Sobre os balcões, nas horas calmosas, os negociantes dormitavam.<br />
<br />
Silencio nas casas, silencio nas ruas. <br />
<br />
O sol em pino caía a prumo, escaldando e rebrilhando.<br />
<br />
Pelas calçadas seccavam favas e grãos de carrapato.<br />
<br />
O rebanho do sr. vigário pastava mansamente no relvado que crescia no oitão da alva egreja do Rosário, e dentre a espessa galharia das arvores que ficavam ao pé da matriz, vinham, de quando em vez, pipilos de aves assustadas.<br />
<br />
A’s vezes um ruído metallico de chocalhos e cascaveis, com tropel de cavallos e estalos de chicote, rompia o silencio do meio dia e almocreves com as suas cargas recobertas de encerado verde, passavam em demanda do Pilar ou de Maceió. Outras vezes eram tangerinos que vinham de cima, dos altos sertões, conduzindo boiadas e accordando os écos adormecidos com as suas toadas melancólicas e saudosas. Chegava a hora bemdita do jantar e quasi todas as lojas se fechavam. Em algumas ficavam os moleques, de braços cruzados, rijos e perfilados para annunciar aos senhores a chegada de algum freguez.<br />
<br />
Quando a tarde refrescava e o sobrado do coronel Santa Cruz extendia a sua grande sombra protectora pela praça do Commercio, nas portas das lojas reuniam-se grupos para o jôgo do gamão e para a deliciosa palestra. Em regra geral o grupo dos conservadores não se misturava ao grupo dos liberaes e entre uns e outros discutia-se política, desejando os que estavam de baixo a quéda dos que estavam de cima. <br />
<br />
Creanças, em robe de chambre e calçadas de tamancos, brincavam pelo verde gramado.<br />
<br />
O alvo rebanho do sr. vigário, tangido pelo moleque, marchava a passos tardios para o aprisco. <br />
<br />
Os coqueiros do velho Graça arfavam, agitados mollemente pela viração da tarde.<br />
<br />
Sumia-se o sol no acccaso e uma paz doce e santa caía sobre a villa.<br />
<br />
Do alto da matriz rolavam vagarosas e solennes as nove badaladas da ave-maria.<br />
<br />
Paravam as conversas; cada um se erguia descoberto e a prece do angelus perpassava por todos os lábios, cheia de fé e uncção.<br />
<br />
Descia a noite mansamente.<br />
<br />
O alto que fica para os lados do poente e em cujo cume se acha hoje o cemiterio, era coberto por um capoeirão quasi matta.<br />
<br />
Na quebrada e parallelo ao riacho, havia um caminho que ligava a Gurganema ao Joazeiro. Tal caminho era largo e sombrio, marginado de vassourinhas e ariticuns. Constituía uma espécie de passeio publico, onde os habitantes costumavam desfructar a frescura da tarde até que a lua cheia começasse a pratear a casaria da villa.<br />
<br />
Bem no meio havia uma cajazeira secular, que elevava sua fronde desgrenhada acima das outras arvores. Coeva dos tempos primitivos, ella vira talvez, indifferentemente, chegar o primeiro habitante e edificar a sua cabana perto do espumoso Parahyba.<br />
<br />
Gerações se succederam, muitos sóes illuminaram aquelles campos, muitos outonos amarelleceram a sua folhagem e por ultimo, já velha, cheia de lianas e parasitas, com o tronco carcomido pelos annos, servia de assumpto para lendas. Então constava que, há muito tempo, um negro, perto do seu caule, encontrara a morte nas garras de uma onça. Mais tarde ella fôra testemunha de um crime mysterioso, pois uma ossada tinha sido encontrada nas suas immediações. Diziam que á meia noite, pela sua galharia deslisavam vultos phantasticos, que ella rugia aos arrancos do vendaval e que pela estrada deserta apparecia, numa carreira doida e vertiginosa, um espectro sem cabeça.<br />
<br />
Quando anoitecia, se não fazia luar, tornava-se difficil o transito na Viçosa, porque ainda não havia illuminação.<br />
<br />
O noctívago era guiado atravez das ruas pelas luzes das casas commerciaes, mas depois das oito horas as trevas se tornavam completas. <br />
<br />
A hora do recolher era annunciada pelo terço dos soldados: do edifício da cadeia, que também servia de quartel, partia um côro de vozes num bemdito á Immaculada Conceição.<br />
<br />
Essas vozes de homens rudes, assim em côro, quebrando o silencio da noite e pairando sobre o ambiente como um queixume, como um soluço que se elevava da terra ao céo, tinham alguma coisa de melancólico que se infiltrava docemente, vagamente, nas almas simples d’aquella simples gente.<br />
<br />
E depois quando as vozes esmoreciam tremulas, na imploração final de misericórdia, em cada lar cada habitante de pé e em attitude contrita, fazia o mesmo pedido ao Senhor Deus das Alturas.<br />
<br />
Todas as casas se fechavam e o silencio caía sobre a villa. Somente com as lufadas do vento ouvia-se, a instantes, o mugir soturno do Parahyba, que se arrastava vagarosamente pelo seu leito pedregoso.<br />
<br />
Nos dias festivos, logo de manhã cêdo, os sinos repicavam alegremente. Esses sinos eram dois. O som do primeiro era grave, cheio e magestoso; o som do segundo era agudo, vibrante e sonoro.<br />
<br />
Era o primeiro que chamava os fieis para a missa, num tanger compassado e solenne que rolando sobre a casaria da villa, ia se perder ao longe pelos morros azues.<br />
<br />
Era o segundo que annunciava trêfego, numa catadupa de notas alegres, que as águas baptismaes caíam sobre a tenra cabeça de um recém-nascido.<br />
<br />
Era o primeiro que nas horas melancólicas do crepúsculo, quando a tarde agonizava, gemia, arrastadas e contritas, as badaladas do angelus.<br />
<br />
Era o segundo que em notas crystallinas, pelas noites de festa, quando o pateo da igreja illuminado com lanternas multicôres regorgitava de povo, derramava em ondas, com o espoucar das girandolas, o tom alacre de vida e mocidade.<br />
<br />
Eram os dois que num duetto cantante, num repicar risonho, annunciavam que os laços do hymeneu prendiam docemente a um joven par.<br />
<br />
Eram os dois juntos, como que abraçados num triste dobrar, num mesmo soluço, num fúnebre lamento, que levavam por toda a villa a notícia tristonha da morte de um parochiano.<br />
<br />
Eram elles pois, que alegres ou tristes assignalavam do alto do campanário que um lar se envolvia de galas ou se cobria de lucto, que as suas portas se abriam para dar passagem ao amor ou á morte - a um cortejo nupcial ou a um entêrro.<br />
<br />
Ao lado direito da egreja do Rosário viam-se uma ruínas, ou para ser mais claro, um montão de pedras negras onde as urtigas e outras héras bravias cresciam viçosamente.<br />
<br />
Esses escombros eram os restos de uma egreja que se não chegara a concluir por falta de espórtulas.<br />
<br />
Della o que mais perdurou foi o cruzeiro da frente, erecto quasi no meio da praça. Pintado de verde e enlaçado de fitas, sobre uma tôsca peanha, por muitos annos se divisou o seu perfil sereno e augusto, como o anjo protector da villa, como uma relíquia do passado que trazia ás gerações presentes um attestado da fé e piedade das gerações d’outr’ora.<br />
<br />
Um dia esse velho cruzeiro, minado em sua base, carcomido pelo cupim e pelos aguaceiros das invernias, não poude por mais tempo se suster e uma rajada de vento lançou-o por terra.<br />
<br />
Nenhuma alma caridosa tratou de reerguel-o e o seu lenho apodrecido foi servir de varal a uma cerca.<br />
<br />
Então, contava a lenda, uma grande sêcca se extendeu por todo o município.<br />
<br />
As plantações definhavam, os rios estorricavam e a criação morria de sêde e fome.<br />
<br />
Fizeram procissão, transladaram imagens, mas o céo conservou-se surdo. Nem uma gotta d’agua se desprendia do alto.<br />
<br />
Numa noite, á mesma hora, duas creanças uma do Joazeiro e outra da Gurganema, sonharam que se reerguessem o cruzeiro a sêcca desappareceria.<br />
<br />
O povo cotizou-se, mandou um carpira para as mattas do Brejo e um bello domingo, reunido em procissão, com musica, flores, bemditos e foguetes, fez na villa a entrada triumphante do santo emblema.<br />
<br />
Mal o prestito chegou na praça as nuvens rasgaram-se e a chuva, caindo em bátegas, inundou os campos; encheu os rios e semeou depois a fartura e o bem estar pela população devastada.<br />
<br />
A Viçosa possuía antigamente certos usos que felizmente têm desapparecido.<br />
<br />
No dia de finados rendia-se preito aos mortos com um terço cantado na capella do cemitério, das oito para as nove horas da noite.<br />
<br />
Lúgubre essa cerimônia que presenciei na minha infância e que me causou tal impressão que ainda hoje não consegui esquecel-a!<br />
<br />
Lúgubre essa nave de egreja illuminada apenas por quatro círios trêmulos!<br />
<br />
Pelas paredes negras e sujas, cheias de inscripções, a luz vasquejante parecia projectar sombras extranhas. O chão de terra solta e revolvida de pouco parecia fugir aos pés; no ambiente pairava um bafio de morte e gelidez e rompendo o silencio pesado, de quando em quando, rolava uma prece arrastada e chorosa:<br />
<br />
<br />
Repouso eterno<br />
Lhes dae Senhor<br />
E a luz perpetua<br />
Do resplandor.<br />
<br />
Lá fóra, na escuridão da noite erma, um sino rouco lançava aos ares uns dobres lentos tristes e funerários.<br />
<br />
Parochiava a freguezia, nesse tempo, o reverendo vigário Francisco Manoel da Silva.<br />
<br />
Esse sacerdote tornou-se celebre, no pequenino meio em que viveu, pela pratica de um dos mais bellos preceitos do Martyr da Cruz - a caridade.<br />
<br />
Coração bondoso, sempre disposto a praticar o bem, conquistou dos seus parochianos o nome de “pae da pobreza”.<br />
<br />
A sua phrase, “deixa estar, deixa estar” caracterisava o seu desprendimento: uns noivos batiam á sua porta para se casar, mas o padrinho adiantando-se pedia ao seu vigário que fizesse o casamento de graça.<br />
<br />
- Mas tu não sabes, homem, que os vigários também precisam viver e que...<br />
<br />
- Perfeitamente, seu vigário, mas nós somos pobres e pedimos a Vossa Reverendíssima esta esmola.<br />
<br />
- Pois deixa estar, deixa estar, leva os noivos para a matriz que já os irei casar.<br />
<br />
Mais tarde era um baptisado, depois um enterro e tudo ia de graça, no “deixa estar”...<br />
<br />
Como na villa não houvesse medico, elle, tanto quanto lhe permittiam as leituras do vademecum homeopathico, ia remediando as necessidades.<br />
<br />
Narravam que logo nos primeiros tempos da sua chegada á villa, os habitantes desta não freqüentavam a egreja. Uma manhã em que, sem ter ouvintes, elle celebrava a missa, passou um rebanho em frente á matriz e uma ovelha, destacando-se, penetrou na nave e ahi se conservou, como que numa attitude genuflexa, até o fim da ceremonia. O povo considerou esse facto um milagre e d’ahi por diante a egreja começou a ser concorrida.<br />
<br />
Certa vez, quando se realisavam eleições, os conservadores e os liberaes se achavam muito exaltados, de modo que se receiava um serio conflicto. Estavam todos na egreja, fazendo a apuração e no momento mais perigoso o vigário entrou, paramentado, empunhando a imagem de Christo. Dirigindo-se então aos chefes conservadores e liberaes, tanto pediu, canto rogou que afinal de contas elles chegaram a um accordo e as eleições terminaram calmamente.<br />
<br />
O sentimento foi geral, por occasião da sua morte, e o seu enterro transformou-se numa verdadeira procissão, extendendo-se a onda humana desde a sua casa, que ficava perto da ponte sobre o riacho, até a matriz, onde foi sepultado.<br />
<br />
A credulidade popular ainda assignala mais outro milagre: os gansos, que elle criava, acompanharam o préstito funerário, entraram na egreja e cercaram o cadáver, como se também lhe quizessem render uma ultima homenagem.<br />
<br />
Das festas religiosas, a mais importante era a do padroeiro - o Senhor Bom Jesus do Bonfim. Essa festa celebrava-se com pomposas novenas, missas cantadas, procissões, musica, foguetaria e torneios populares, entre os quaes sobresaíam as cavalhadas e o quilombo.<br />
<br />
Cada noite de festa era confiada a um grupo de novenarios ou noiteiros, que faziam todo o possível para que a sua novena ultrapassasse a de todos os outros. Quando alguns desses noiteiros não se interessavam e a festa corria fria, o povo amarrava, no mastro erguido na frente da egreja, um Mané do Rosário - especie de judas, como os da semana santa - e se esse acinte não despertava o brio nos donos da noite, quando a novena se acabava, a garotada no meio de apupos e de grande algazarra, arrastava o Mané do Rosário pelas ruas principaes e afinal o rasgava, redobrando as vaias e atirando foguetes sem bombas.<br />
<br />
Felizmente, porém, o Mané do Rosário era muito raro, e a não ser nos annos de penúria e de sêcca, as festas do Bom Jesus sempre corriam muito animadas.<br />
<br />
O torneio popular conhecido pelo nome de quilombo, é uma festa que tende a se acabar, não somente na Viçosa, mas ainda nos outros logares do centro. <br />
<br />
Entretanto é uma festa puramente alagoana que relembra um dos factos mais importantes da nossa historia - a guerra dos Palmares - e que deveria ser conservada, não só pelo amor á tradição como também porque tal gênero de diversão não deixa de ter o seu attractivo, sendo mesmo superior ás antiquadas e estafantes cavalhadas.<br />
<br />
Era no dia do orago que se realisava o torneio do quilombo: ao amanhecer, em um canto da praça, via-se organisado um reducto de paliçada, poeticamente enfestonado de palmas de palmeira, de bananeiras e de diversas arvores virentes e ramalhosas que durante a noite haviam sido transplantadas. Dos galhos pendiam bandeiras, flores e cachos de fructas. No centro da paliçada erguiam-se dois thronos tecidos de ramos e folhas; o da direita estava vazio, mas o da esquerda achava-se occupado pelo rei, o que trajava gibão e calções brancos e manto azul bordado, tendo na cabeça uma corôa dourada e na cinta uma longa espada. Em torno os negros, vestidos de algodão azul, dançavam ao som de adufos, mulungús, pandeiros e ganzás, cantando a instantes a seguinte copla:<br />
<br />
Folga negro<br />
Branco não vem cá<br />
Se vier<br />
O diabo há de levá<br />
<br />
Depois estrugiam gritos guerreiros, os instrumentos redobravam de furor; ouviam-se sons de buzina e os negros dispersavam-se para vender o saque da noite. Esse saque era representado por bois, cavallos, carneiros, gallinhas e outros animaes domésticos, que haviam sido cautelosamente transportados de diversas casas da villa para o quilombo. A vendagem era feita aos próprios donos os quaes, em regra geral, davam aos vendedores um tostão ou 200 réis. Por volta das 10 horas, o rei, á frente dos negros, ia buscar a rainha, uma menina vestida de branco, a qual, no meio de muitas zumbaias, musicas e flores era conduzida para o throno vazio. As festas, as danças, os cantos e os gritos guerreiros continuavam até o meio dia, quando appareciam os primeiros espias dos caboclos, os quaes, apenas trajando tangas e cocar de pennas e palhas, vinham armados de arcos e flechas. Appareciam cautelosos, procurando conhecer as posições do inimigo atravez da folhagem.<br />
<br />
Os negros em grande alarido, preparavam-se para o combate.<br />
<br />
Logo depois surgiam todos os caboclos, tendo a frente o seu rei, o qual usava espada e manto vermelho. Marchavam cantando e dançando o toré, dança selvagem acompanhada pela musica de rudes e monótonos instrumentos, formados de gommos de taquáras e taquarys rachados, e de folhas enroladas de palmeira. A lucta se travava na praça, em frente ao quilombo, e depois de muitas refregas, de retiradas simuladas e assaltos, o rei dos caboclos acabava subjugando o rei dos negros e apossando-se da rainha.<br />
<br />
Nesse momento os sinos repicavam, as girândolas estrugiam em frente á matriz e no meios das vaias e gritaria da garotada, os negros, batidos pelos caboclos, recuavam para o centro do quilombo, o qual era cercado e destruído. Terminava a festa com a vendagem dos negros e a entrega da rainha a um dos maioraes da villa. Que para fazer figura tinha de recompensar fartamente os vencedores.<br />
O mysterio das águas profundas sempre impressionou a imaginação phantastica do vulgo.<br />
<br />
Por traz da cidade, no coração de uma rocha que fica cercada pela corrente do Parahyba, existe um poço cavado pela acção lenta das águas, as quaes ahi se precipitam num pequeno salto de um metro de altura.<br />
<br />
Esse tanque natural de águas quêdas e escuras, tem a denominação de Cortume porque, há muitos annos, um velho portuguez quiz aproveital-o para tal fim, num tempo de verão em que o rio havia seccado.<br />
<br />
Aconteceu, porém, que no mesmo dia em que depositou os couros no poço, este se encheu d’agua como por encanto, e d’ahi por diante nunca mais apresentou o seu fundo a descoberto.<br />
<br />
No centro, affirma a lenda, abre-se ás vezes um grande perau, no qual existe um pilão de ouro com uma imagem de Nossa Senhora também de ouro.<br />
<br />
Lavadeiras, que em dias de domingo ensaboavam roupa, tinham visto, na hora em que os sinos da matriz annunciavam a elevação da hóstia, as águas escuras ficarem transparentes e no fundo do poço illuminado por uma extranha claridade, apparecer a deslumbrante visão.<br />
<br />
(53) Conforme lembra o dr. João Severiano, a palavra Gurganema pode ser uma corruptela do vocábulo tupi curupanema e originar-se de carurú - sapo e nema - podre.<br />
<br />
<br />
VOLTAR AO INÍCIO <br />
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<br />
..:: CAPITULO V ::.. <br />
<br />
Ás egrejas, os cemitérios e as missões<br />
A tradição affirma que no logar onde foi celebrada a primeira missa de natal e onde o celebrante erigiu uma cruz tosca de ramos verdes, se construiu depois uma ermida de palha.<br />
<br />
O ponto onde ficava essa ermida, não se acha bem determinado: alguns pensam ser no próprio local onde hoje se ergue a matriz; um antigo morador da Viçosa affirmava, porém, ser um pouco mais acima - nas proximidades do antigo matadouro, por traz da rua da Palha. Ainda uma terceira versão diz ter sido no logar onde está situada a capellinha de N. S. do Rosário, isto é, no mesmo ponto onde Manoel Francisco edificou a sua egreja.<br />
<br />
Sobre a matriz o que se sabe de positivo é o seguinte: no próprio local onde esta hoje se acha, foi, em princípios do século passado, construída de madeira a capella do Senhor Bom Jesus do Bom Fim, sob a iniciativa do padre Manoel Caetano.<br />
<br />
Esse digno sacerdote muito se esforçou pela fundação da nova egreja, já procurando donativos, já estimulando os fieis para auxiliarem a construcção. Esperava pois, por tão justos motivos, ser nomeado vigário. Não tendo, porém, tal facto se realisado, visto como a creação da freguezia foi adiada, elle ficou muito desgostoso e acabrunhado, vindo mais tarde a ficar soffrendo das faculdades mentaes. <br />
<br />
Em 1818, quando João da Silva Cardozo e sua mulher Thereza Maria Fiúza, doaram o patrimônio do Bom Jesus do Bom Fim, já existia tal capella, como se prova com o seguinte trecho do auto de doação referente aos limites do terreno:<br />
<br />
... “principiando da parte de cima pegando da barra do Riacho do Meio, pela beira do rio Parahyba abaixo até topar no porto das Barreleiras, que é da parte do Nascente e para a parte do Norte ao caminho do Cento e Vinte aonde se acha uma lage de pedra que servio de marco, ficando a capella que se erige no meio pouco mais ou menos, para a titulo d’este Patrimônio se erigir a mencionada capella a dito Senhor Bom Jesus do Bom Fim”. (54)<br />
<br />
Conforme se deprenhende da leitura do testamento do portuguez Raymundo José da Silva, testamento translado para a folha nº 11 do antigo livro de notas do 2º tabellião da villa da Assembléa, em 1834, já se cogitava da reconstrucção da capella. Essa reconstrucção, no emtanto, não foi levada a effeito porque tendo sido creada a freguezia, o povo pensou em fazer uma egreja nova para matriz, na praça do Commercio, junto a egreja do Rosario. Convidou-se um frade capuchinho para missionar e conseguiu-se lançar os alicerces do novo templo. Acontecendo, porém que logo no começo as espórtulas vieram a faltar, visto a população nesse tempo ser pequena e pobre, as obras foram paralysadas e abandonadas de todo.<br />
<br />
A velha capella do Senhor Bom Jesus do Bom Fim continuou, pois, como matriz, até no anno de 1851, quando o vigário Francisco Manoel da Silva a demoliu e com os escassos meios de que dispunha, aproveitando o antigo material, construiu, no mesmo ponto, uma egreja completamente nova.<br />
<br />
Pouco sólida, pois tinha sido feita de pedra e barro, conseguiu no emtanto, com muitos concertos, manter-se de pé durante muitos annos. Em 1900, estando prestes a desabar, foi reconstruída pelo vigário Francisco de Borja Barros Loureiro que, apliando-a, fez dois corredores lateraes, novo altar-mór e novo côro. Ao mesmo tempo deu-lhe um certo gosto esthetico transformando a fachada e construindo na parte mediana uma torre que, como uma bella pyramide branca, eleva-se a muitos metros de altura e avista-se de muito longe.<br />
<br />
Nessa reforma foi gasta, até Fevereiro de 1901, a importância de treze contos setecentos e três mil e setecentos reis, (55) sendo uma parte desta quantia representada pelas espórtulas e a outra despendida pelo próprio vigário Loureiro, que fazia questão de dotar a Viçosa com um templo que estivesse de accordo com o seu desenvolvimento.<br />
<br />
Para a população actual do município, a matriz já não está em relação, sendo preciso um novo accréscimo.<br />
<br />
Entre as imagens notam-se a do Senhor Bom Jesus do Bom Fim, padroeiro da freguezia doada em 1855, por Manoel Bezerra dos Santos, e da Divina Pastora, doada pelo commandante superior Manoel de Farias Cabral, mais ou menos no mesmo tempo e a de Nossa Senhora da Soledade, doada por D. Rita Maria das Flores Brandão. Não pude saber quem doou a bella imagem de Nosso Senhor dos Passos; a de Nossa Senhora da Conceição, a de S. Sebastião e a do S. Coração de Jesus, foram adquiridas pelo povo, em tempos mais recentes.<br />
<br />
Nos demais pertences da egreja distinguem-se o bello alampadario, que foi mandado vir do Porto em 1852, pelo capitão José Martins Ferreira e a ambula do sacrário, toda de prata, doada pelo tenente-coronel Theotonio Santa cruz de Oliveira. <br />
<br />
O segundo templo da Viçosa é representado pela pequenita egreja de N. Senhora do Rosário (56) e o terceiro é o de N. Senhora da Conceição, mui recentemente construído na rua da Lama.<br />
<br />
Antigamente existiu uma capella de S. Francisco de Assis, no fim da rua do Joazeiro, no logar onde foi cemitério publico, e outra muito pequena, sob a invocação de Santa Apollonia, no fim da rua do Gurganema.<br />
<br />
No município encontram-se ainda as capellas de N. Senhora da Conceição no engenho Barro Branco, a de S. Sebastião no antigo povoado Limoeiro, a do Bom Jesus no engenho Bananal, a da Divina Pastora na povoação da Pindoba, a de S. José no Sabalangá, a do engenho Riacho Secco, a da Chã Preta, a da Pindobinha e mais outras.<br />
<br />
Dessas capellas a mais importante é a de N. Senhora da Conceição, no engenho Barro Branco, construída em 1863, pelo capitão Pedro José da Cruz Brandão. Feita de pedra e cal, ella apresenta uma linda fachada de elegante e correcto gosto architectonico e um corredor de três arcadas. Possue um côro e todos os paramentos necessarios para a celebração da missa e das outras cerimônias religiosas. Apesar das suas pequenas dimensões pode, pelo seu lado esthetico, collocar-se entre as primeiras capellas do Estado. Serve também de sarcophago de família, pois além dos túmulos do seu fundador, o capitão Pedro José da Cruz Brandão e sua mulher D. Rita Maria das Flores Brandão, encerra também os túmulos do coronel Theotonio Torquato Brandão, de sua mulher D. Francisca de Barros Loureiro Brandão e mais outros de pessoas da família Brandão.<br />
<br />
Depois da capella do Barro Branco, salienta-se ainda a capella do Limoeiro, não pela sua construcção, pois não passa de uma egrejita sem importancia, mas pelo seu valor histórico, pois há 40 annos, celebravam-se pomposas festas de S. Sebastião, para as quaes concorria quasi toda a população da Viçosa.<br />
<br />
Essa egreja possue um patrimônio de terras doado em 1833, pelo padre João de Carvalho Alvarenga. (57)<br />
<br />
Primitivamente não havia cemitérios na Viçosa.<br />
<br />
Os mortos eram enterrados na matriz, no Rosário e no circuito formado pelos alicerces da egreja em construcção, a que me referi há pouco. <br />
<br />
Com o augmento da população, comprehendeu-se a inconveniência dos enterramentos no perímetro da villa e a deficiência dos logares reservados para taes fins. <br />
<br />
Essa deficiência tornou-se absoluta em 1856, por occasião da primeira epidemia do cholera, de modo que, como já disse em capitulo anterior, construiu-se ás pressas um cemitério cercado de paliçada, nos confins da rua do Joazeiro. (58)<br />
<br />
A epidemia trouxe um ensinamento para o povo pois, nesse mesmo anno de 1856, foi organisada uma commissão para angariar donativos e meios pecuniários com que se podesse construir um cemitério.<br />
<br />
Essa commissão, de cujos membros apenas pude saber os nomes do escrivão Manoel Rebello Brasil e do dr. Francisco Seraphico de Assis Carvalho, promotor publico da Imperatriz e Assembléa, começou a sua obra de caridade e conseguiu dentro em breve ampliar o cemitério dos cholericos e substituir a paliçada por paredes construídas de pedra e barro.<br />
<br />
Nesse mesmo tempo, sob a iniciativa de José Martins Ferreira, que concorreu com um conto de reis, erigiu-se na parte anterior do cemitério a pequena capella de S. Francisco de Assis a qual o mesmo José Martins, mais tarde, doou uma imagem do orago e um sino. (59)<br />
<br />
A capella e o cemitério, sob serem mal construídos, tinham ficado incompletos, pelo que entraram poucos annos depois, a arruinar-se.<br />
<br />
Ao governo provincial competia satisfazer esta necessidade da florescente villa, a qual, por intermédio da sua Câmara Municipal, não se esquecia de fazer reclamações conforme poderá ter a prova quem se der ao trabalho de ler as “fallas” dos presidentes da província á Assembléa Legislativa, por occasião da sua abertura.<br />
<br />
Os anos escoaram-se, a população cresceu e o governo não enviou o auxilio requerido.<br />
<br />
Em 1890, o vigário Loureiro convidou um capuchinho, frei Cassiano de Camachio, do convento da Penha no Recife, para missionar na Viçosa e construir um novo cemitério.<br />
<br />
Com a noticia das missões começou o povo a affluir não só dos diversos pontos do município, mas de todos os logares circumvizinhos.<br />
<br />
O local que se achou próprio para edificar se a mansão dos mortos, foi o cume do monte que fica por traz da cidade, para os lados do poente.<br />
<br />
O bondoso frei Cassiano, ao iniciar os sermões, iniciou também os trabalhos, aproveitando a bôa vontade do povo no transporte dos materiaes necessários para as obras.<br />
<br />
Nesses dias a villa, contemplada de um dos montes que a circumdam, apresentava um espectaculo encantador.<br />
<br />
Recordo-me que uma tarde eu e meu pae nos dirigíamos para a Viçosa.<br />
<br />
Quando chegamos no alto da Ladeira Vermelha, ponto culminante, onde toda a villa se descortina, paramos extasiados, como se tivéssemos deante de nós algum cosmorama oriental: uma compacta multidão movediça, enchendo a praça e as ruas, formava um longo cordão que subindo o monte pelo lado da cadeia, ia até o cume onde se estava construindo o cemitério. O sol poente, batendo em cheio nesse formigueiro humano, fazia resaltar as variegadas côres dos trajes e dava a todo conjuncto, visto assim de longe, um aspecto quasi phantastico. Atravez das ruas mal podia-se marchar, tal era a quantidade de gente que fervilhava, conduzindo pedras, cal, barro e areia para o cemitério. Nesse mistér empregavam-se não só os homens validos, como também os velhos, as mulheres e as creanças, cada um na quantidade de suas forças. Toda a vasta planície que extende do logar onde hoje é a estação da estrada de ferro até as immediações do engenho Brejo, era como um vasto acampamento cheio de barracas, de choupanas, de ranchos e de redes armadas pela galharia das arvores. ,<br />
<br />
Quando a noite extendia o seu manto sobre a terra, depois do sermão, aquelle immenso bivaque illuminava-se ás chammas de innumeras fogueiras e um balbuciar de prece, confuso e enorme, evolava-se para o céo, vagarosamente, como um longo queixume, nas azas frias da briza nocturna.<br />
<br />
Frei Cassiano effectuou um sem numero de casamentos, os quaes, visto a matriz não comportar o povo, realisavam-se no meio da praça, onde os nubentes eram dispostos em circulo.<br />
<br />
O numero dos chrismados elevou-se a 50 mil.<br />
<br />
Em pouco mais de um mez o cemitério foi construído, á custa das esmolas e do trabalho do povo.<br />
<br />
Esse novo cemitério, pela sua collocação no alto do morro, foi accusado de ser o causador das febres que de quando em vez reinam na Viçosa. Algumas pessoas eram da opinão que as águas da enxurrada acarretavam para a cidade materias em decomposição.<br />
<br />
Esta supposição é infundada e não tem razão de ser. Tal facto só se poderia dar se os cadáveres fossem depositados muito na flor da terra. Ora, os enterramentos fazendo-se na Viçosa, como em toda a parte, com os sete palmos de profundidade nas covas, e sendo o terreno filtrável, não pode absolutamente haver tal perigo.<br />
<br />
As febres acham-se ligadas a outras causas sobre as quaes farei algumas considerações no capitulo reservado ao estudo do clima, da pathologia e da hygiene.<br />
<br />
Collocado no ponto culminante do morro que domina a cidade, e desta separada em grande distancia por capoeiras que crescem nas encostas, o cemitério, batido por todos os ventos, de modo algum exerce influencia perniciosa sobre a salubridade do logar. Alguma censura que lhe possa caber, diz apenas respeito á distancia e á difficuldade do transporte dos cadáveres, atravez de uma ladeira extraordinariamente íngreme.<br />
<br />
Não quero concluir o presente capitulo sem fazer um pequenino appelllo aos meus patrícios: o ponto onde existiu o antigo cemitério de S. Francisco de Assis, acha-se hoje quasi ao abandono. Os muros da parte posterior desabaram em alguns lanços; hervias bravias crescem sobre as sepulturas e não raras vezes, talvez, os animaes irão profanar com as suas patas aquelle logar sagrado onde repousam os últimos despojos de duas gerações, entre as quaes muitos dos actuaes habitantes contarão talvez, um avô, um pae ou uma mãe querida. Por que esta indifferença pelos que se foram?<br />
<br />
Porque que não se reúnem todos, sem discrepância de classe, ricos e pobres, cada um na medida das suas forças, e não procuram reerguer os muros arruinados, reedifficar a capella de S. Francisco ou construir qualquer outro monumento que perpetue a memória dos seus maiores?<br />
<br />
A realisação dessa obra de piedade filial, de caridade pelas cinzas dos que alli jazem, no mesmo nada em que o sopro devastador da morte transforma os seres, a realisação dessa obra, repito, é uma necessidade, é uma divida que todo o bom viçosense deve procurar pagar quanto antes.<br />
<br />
(54) Ver documento nº 4.<br />
<br />
(55) Segundo uma nota encontrada no archivo particular do vigario Loureiro, eram estas as despezas até Fevereiro de 1901:<br />
<br />
Diversas despesas até fevereiro de 1898................1:319$580<br />
Serviço da capella-mór e altar...................................1:725$230<br />
Um corredor, arco-mór...............................................3:017$090<br />
Sacristia, armários..................................................... 985$000<br />
2º corredor e torre.......................................................6:164$800<br />
Calçada........................................................................492$000<br />
----------------<br />
13:703$700<br />
Receita até Fevereiro de 1901................................... 10:977$400<br />
----------------<br />
2:726$300<br />
<br />
(56) Essa egreja foi por muitos annos zelada pelo tabellião Chistovam de Aragão Cabral e sua mulher D. Senhorinha de Aragão Cabral, os quaes se acham ahi sepultados.<br />
<br />
(57) Ver documento nº 3.<br />
<br />
(58) A rua do Joazeiro era então separada da casaria de palhoças que se denominou rua da Lama , por um tracto de terreno encapoeirado, onde se edificou o cemitério dos cholericos.<br />
<br />
(59) Ver documento nº 5.<br />
<br />
<br />
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..:: CAPITULO VI ::.. <br />
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Ultimos annos da villa <br />
e primeiros tempos da cidade <br />
De 1881 a 1888, pouco houve na villa da Assembléa que se possa assignalar.<br />
<br />
Em 1885 o partido conservador succedeu no poder ao partido liberal.<br />
<br />
Como sempre acontece nessas mutuações políticas, houve substituições em alguns cargos públicos e nas autoridades locaes, porém tudo isto foi feito calmamente, sem axaltação de ânimos.<br />
<br />
Durante esse período, a Viçosa teve sucessivamente como juizes municipaes os bacharéis Manoel Menezes, E. Alvim, Rego Mello e Carlos Marinho Pires Nabuco.<br />
<br />
Exerceram o magistério publico os professores Tertuliano Lins; J. Monteiro, João Francisco da Rocha Rijo, F. Ramiro e João Manoel Simplicio.<br />
<br />
A Lei de 13 de Maio de 1888, que aboliu a escravidão no Brazil, foi uma surpresa dolorosa para os proprietarios de escravos, mas a mocidade, que em todos os tempos e em todas as partes foi sempre uma classe apologista das grandes idéas, fez uma passeata, havendo muitos discursos e muitos foguetes.<br />
<br />
Passou-se mais um anno de calma e pasmaceira.<br />
<br />
As idéas republicanas, propagadas pelo verbo de Silva Jardim, fervilhavam no Brazil. <br />
<br />
Em Maceió já se iam formando clubs republicanos e uma folha diária – o Gutenberg - á abraçára francamente a nova causa, pregando das suas columnas o advento da nova éra.<br />
<br />
No Rio, o gabinete João Alfredo, atacado por todos os lados, caía aos golpes cerrados dos seus adversários.<br />
<br />
Elevava-se então o ministério Ouro Preto e aquelles que galgavam o poder, cheios de ufania e esperanças, mal pensavam que iam apenas accender os círios funerários da monarchia, que se esboroava aos poucos e começava a agonisar.<br />
<br />
Todas essas nuvens procellosas que pairavam sob o céo da Pátria Brazileira, ameaçando uma próxima borrasca, os ventos não as impelliam até á villa da Assembléa.<br />
<br />
Perdida no meio das suas mattas, perseguida pela rotina e pela distancia, mal lhe chegavam os écos amortecidos do que ia pelo mundo. <br />
<br />
Todas as suas aspirações se voltavam para a construcção de uma via-ferrea.<br />
<br />
Numa tarde de verão, quente e luminosa, surgiu pelos lados do Brejo um grupo de homens com apparelhos extranhos, medindo, alinhando e tirando uma picada atravéz dos capoeirões.<br />
<br />
Eram os engenheiros da estrada de ferro que chegavam com as suas explorações.<br />
<br />
D’ahi por diante ninguém mais julgou utopia tal desideratum. <br />
<br />
Chegou o dia 15 de Novembro e a nova alviçareira da proclamação da Republica, rompeu as distancias e disseminou-se, num marulhar de notas festivas, por todos os ambitos do Brazil.<br />
<br />
Com as novas instituições dissolveram-se os antigos partidos liberal e conservador e foram feitas nomeações de cargos municipaes, sendo o primeiro intendente Manoel Gracindo Rebello, o qual foi substituído pelo coronel Apollinario Rebello Pereira Torres, que tinha sido eleito logo depois da reunião da constituinte. Este intendente foi por sua vez substituído pelo capitão Alípio Coelho de Barros Lima. Todos três fizeram alguma cousa pelo melhoramento material da villa, a qual, nessa época, por causa da estrada de ferro cujos trabalhos já estavam muito adiantados, começou a desenvolver-se fortemente.<br />
<br />
De todos os pontos do Estados vinham commerciantes se estabelecer na villa; houve uma verdadeira febre de construcção, as ruas augmentavam de extensão, surgiram outras, de modo que, ainda mesmo antes da inauguração da via-ferrea, a Assembléa quasi que já tinha duplicado. Para isto também concorreu o preço do assucar, que teve uma alta bem animadora após um longo interregno de desvalorisação.<br />
<br />
A aura de progresso que se fazia sentir na villa, extendeu-se por todo o município. Os engenhos multiplicaram-se passando o seu numero de 70, sendo muitos movidos por machinas a vapor.<br />
<br />
O algodão, que depois do assucar constituía o mais poderoso elemento da riqueza do município, teve também uma animação no seu preço.<br />
<br />
Tão risonha, tão futurosa, tão fértil, tão productiva se mostrava a villa da Assembléa, que o então governador do Estado, coronel Pedro Paulino da Fonseca, pelo decreto n. 46 de 25 de Novembro de 1890, lhe mudou a denominação para Villa Viçosa.<br />
<br />
No recenseamento que se procedeu nesse anno, o município accusava uma população de perto de 28 mil almas.<br />
<br />
O verdadeiro progresso da Viçosa, pode-se dizer, data do anno de 1891 com a inauguração da via-ferrea a qual se realisou na tarde do dia 24 de Dezembro, entre acclamações festivas e delirantes do povo.<br />
<br />
O vigario Loureiro e o abastado commerciante coronel Manoel Joaquim de Siqueira Sá, offereceram um baile ao crescido numero de pessoas de Maceió que tinha ido assistir a inauguração. Entre essas pessoas notavam-se o governador do Estado, os secretários e o chefe de policia.<br />
<br />
A villa regorgitava em festa. Campônios com os seus trajes domingueiros, ahi haviam accorrido não somente pela missa lendária do natal, como também pela novidade da chegada do vapor. <br />
<br />
Notas alegres, cânticos, risos e sons de musicas rolavam em turbilhões pela amplidão da noite serena, azul e constellada.<br />
<br />
Em 1892 governava o Estado o general Gabino Bezouro, então major do corpo de engenheiros.<br />
<br />
Esse benemérito alagoano que assignalou a sua administração pelo progresso, pela manutenção da ordem e dos princípios de justiça, também se impôz á gratidão da Viçosa, pois foi durante o seu governo que ella passou a categoria da cidade.<br />
<br />
Na 2ª sessão ordinária da 1ª legislatura do Congresso alagoano, realisada no dia 29 de Abril de 1892, presidindo a Câmara o sr. José de Barros, foi pelo deputado Correia Paes, 1º secretario, apresentado o projecto n. 7, que elevava á cidade, com o nome de Assembléa, a Villa Viçosa.<br />
<br />
Em sessão do dia seguinte o deputado Cronegando apresentou uma emenda ao projecto, em virtude da qual seria conservada a denominação de Viçosa. Approvada essa emenda, o projecto n. 7 foi convertido em lei no dia 14 de Maio.<br />
<br />
O decreto que a sanccionou acha-se assim exarado:<br />
<br />
“Gabino, Bezouro, Governador do Estado de Alagôas.<br />
<br />
Faço saber que o Congresso d’este Estado decreta e eu sancciono a resolução seguinte:<br />
<br />
Artigo 1º - É elevada á cathegoria de cidade de Traipú a villa do mesmo nome.<br />
<br />
Artigo 2º - É igualmente elevada á cathegoria de cidade a villa Viçosa.<br />
<br />
Artigo 3º - Revogam-se as leis e disposições em contrario.<br />
<br />
Palácio do Governador de Alagoas em 16 de Maio de 1892, 4º da Republica - Gabino Bezouro”.<br />
<br />
A installação da cidade foi realisada festiva e solennemente no dia 5 de Junho do mesmo anno, achando-se presente ao acto, na sala das sessões da intendência municipal, o governador do Estado, o qual, em companhia dos seus secretários e de diversas outras autoridades estaduaes e federaes, tinha ido especialmente á Viçosa.<br />
<br />
Restava agora á nova cidade tornar-se município judiciário independente do de Atalaia, facto esse que se realisou um anno mais tarde, por lei do Congresso Legislativo e decreto do governador, de 12 de Julho de 1893.<br />
<br />
Creada a comarca foram, em seguida, nomeados juiz de direito e promotor os bacharéis Luiz de Castro Barróca e Alípio Minervino da Silva.<br />
<br />
A inauguração do novo município judiciário e a posse do dr. Barróca, tiveram logar no dia 21 do mesmo mez perante o Conselho Municipal, cujo presidente, o coronel Apollinario Rabello, saudou o novo juiz.<br />
<br />
Por decreto nº 1461 do vice-presidente da Republica, foi, também no dia 12, creado na florescente cidade um commando superior da guarda nacional, composto do 14 regimento de cavallaria com 4 esquadrões, do 5º batalhão de artilharia de posição com 4 baterias, do 52 e do 53 batalhão de infantaria do serviço de reserva com quatro companhias cada um. No mesmo decreto foram nomeados: coronel comandante superior o tenente coronel Theotonio Torquato Brandão e commandantes dos batalhões os tenentes coroneis Manoel Joaquim de Siqueira Sá, Francisco Mauricio Pereira, Francisco de Hollanda Cavalcante, Antonio Corrêa da Silva Bom Fim e José Alves Paes do Bom Fim.<br />
<br />
Nessa mesma epoca o jornalismo era representado pelo hebdomadario Viçosense, o qual teve uma vida ephemera porém proveitosa.<br />
<br />
Termino aqui estas ligeiras notas historicas.<br />
<br />
Hoje, decorridos vinte annos, muitos outros factos já se desenrolaram, mas como todos elles pertencem ao dominio da actualidade, deixo a sua apreciação a historiadores futuros. <br />
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..:: CAPITULO VII ::.. <br />
<br />
Descripção physica<br />
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POSIÇÃO ASTRONOMICA. - A séde do município da Viçosa acha-se situada a 9º 20’ 2’’ de latitude S, e a 6º 51’2” de longitude E. do Rio de Janeiro.<br />
<br />
LIMITES - O município limita-se ao N. e ao N. E. com o da União pela serra do Cafuchy e por uma linha que passa pela estrada do Queimado; a E. com o município da Parahyba (Capella) por uma linha que se dirige pelas quebradas da serra Dois Irmãos; a S. E. ainda com o município da Parahyba pela serra Bananal; ao S. com o município de Anadia pelo riacho Parangaba, no povoado Pindoba; a S. O. por uma linha que parte das origens do mesmo riacho Parangaba, na base da serra Boa Vista, até um alto que fica no arraial “Rua Nova,” no município de Anadia; a O. com o município de Victoria (Quebrangulo) por uma linha que vae de “Rua Nova” ao povoado Lourenço; a N. O. com Quebrangulo por uma linha que, partindo do povoado Lourenço, passa pela estrada da Matta Limpa; e com o Estado de Pernambuco, no município de Correntes, por uma linha que passa pela estrada do Jundiá, sóbe o Mundahuzinho até a nascença e se dirige para a serra do Cavalleiro. (60)<br />
<br />
DISTANCIAS - A cidade da Viçosa dista da capital do Estado 108 kilometros ou 19 leguas mais ou menos; da cidade de Atalaia 7 leguas da de Quebrangulo 8, da de Anadia 10 e da de União 12.<br />
<br />
DIMENSÕES - A maior dimensão da Viçosa é de 49 Kilometros, mais ou menos 8 leguas, e pode ser representada pela diagonal traçada de N. O. a S.E., partindo da estrada do Jundiá, na fronteira de Pernambuco e terminando na serra do Bananal, tendo passado pela séde do município. A distancia d’esta para os diversos pontos de reparo dos limites é a seguinte: para a serra Dois Irmãos (pendores) 2 leguas; para a povoação da Pindoba 3 leguas, para a do Lourenço 4 leguas, para a serra do Cafuchy 4 leguas, para o Queimado 4 leguas, para a nascente do Parangaba 3 leguas e para o arraial “Rua Nova” 4 leguas.<br />
<br />
POTAMOGRAPHIA - Exceptuando o riacho Mundahú–Mirim ou Mundahusinho, que vae desaguar no Mundahú, todos os ribeiros da Viçosa são tributários do rio PARAHYBA, o qual, depois do S. Francisco, é, em extensão, o maior de Alagoas, pois, desde a origem até a foz, conta 30 leguas de curso.<br />
<br />
O Parahyba tem a sua nascente na serra do Gigante, (61) no município de Bom Conselho, no Estado de Pernambuco. Entre os diversos regatos que nascem da base dessa serra, figura o Riacho Sêcco, o qual impropriamente é considerado como origem do Parahyba, quando não passa de um simples affluente.<br />
<br />
O Parahyba atravessando o Estado de Alagoas de O. para L. banha os municípios de Quebrangulo, Viçosa, Parahyba (Capella), Atalaia, Pilar e deságua meia légua ao S. da séde deste ultimo município, por dois braços, na lagôa Manguaba, sendo navegável por pequenas cannoas, conforme assegura o dr. Thomaz Espindola, apenas até Terra Nova, a meia légua da sua foz.<br />
<br />
Muito pedregoso em diversos pontos de seu leito, elle corre, até a serra Dois Irmãos, num ligeiro declive que prova perfeitamente a elevação dos terrenos para o centro. Durante as grandes sêccas, as suas águas diminuem extraordinariamente de volume, deixando a descoberto o seu enorme esqueleto de rochas. Nos verões muito fortes, a sua corrente ficando cortada, apenas se encontra água nos poços profundos.<br />
<br />
As enchentes começam depois das primeiras chuvas, ordinariamente de Março a Abril. O verdadeiro tempo das cheias, porém, é no rigor do inverno, de Maio a julho, quando todos os regatos seus tributários têm transbordado. Então o Parahyba torna-se verdeiramente magestoso: as suas águas mugidoras, rolando de encontro aos penhascos, formam ao longo da correnteza, numa extensão de léguas, uma serie de pequeninos saltos espumosos, interrompidos apenas nos remansos do rio, nas partes profundas e embarrancadas. Nessas occasiões as suas passagens tornam-se perigosas, sendo o transporte muitas vezes obstado durante um ou dois dias, visto não haver pontes, mesmo nos logares onde as estradas mais transitadas têm fatalmente de cruzar o rio, taes como na passagem da Barra do Cassamba e na da estrada do sul, um pouco acima da rua Gurganema.<br />
<br />
Antes de chegar na Viçosa, o Parahyba desvia-se para a direita, por causa do morro do cemitério, e correndo opprimido entre a sua base e o começo da elevação do alto da Balança, vae espraiar-se perto da cidade, a qual fica na margem esquerda.<br />
<br />
Ao atravessar a serra Dois Irmãos, o Parahyba, principalmente no inverno, apresenta um aspecto bello e selvagem. A sua corrente, agora muito constrangida num estreito espaço, rola rápida, lambendo o sopé dos morros adustos num curto planno inclinado, até precipitar-se verticalmente num abysmo, formando uma linda cachoeira de alguns metros de altura. Essa cachoeira, que pode ser apreciada ligeiramente do trem da Viçosa, na passagem da serra, já fica no município da Capella.<br />
<br />
O dr. Moreira Pinto, na sua Chorographia do Brazil, propõe para o Parahyba de Alagoas a desiguação de Parahyba do Meio. Acho essa idéa muito plausível, pois assim se evita confusão com o norte e com o do sul.<br />
<br />
Segundo von Martius, o vocábulo parahyba origina-se de para, água e hyba, arvore.<br />
<br />
Portanto a traducção integral seria arvore d’agua. Realmente existe nas nossas mattas uma arvore com a denominação de parahyba - é a Simaruba versicolor de Saint-Hilaire, leguminosa de lenho muito leve que é empregada na confecção de jangadas, visto fluctuar n’agua com muita facilidade.<br />
<br />
Não é plausível, porém, que a arvore tenha dado o nome ao rio, mas antes que este o tenha concedido a arvore. Milliet diz significar “água clara,” porém o dr.Theodoro Sampaio affirma que Parahyba é o mesmo que Para-ahyba, devendo ser a traducção: rio ruim ou impraticável. Esta versão parece mais correcta, porque os índios não faziam as suas denominações arbitrariamente, mas sim baseados em alguma propriedade, em algum facto. No Parahyba o que lhes feriu immediatamente a attenção, foi ter o rio o seu leito muito cheio de pedras e ser de difficil navegação. (62)<br />
<br />
Os affluentes da margem direita, no município da Viçosa, são os seguintes:<br />
<br />
Lages - Pequeno regato que atravessa a fazenda do mesmo nome e que deságua quasi em frente do engenho Veados. <br />
<br />
Riachão - É o mais importante dos affluentes da margem direita; nasce na propriedade Olhos d’Agua do Jatobá, no município de Anadia, e depois de receber muitos córregos, entre os quaes o Pan Amarello, o Água Fria, o Boa Vista, o Riachãosinho, o Olhos d’Agua, o Pedras de Fogo, o Tatû e o Caborge, vae desemboccar um pouco acima da cidade da Viçosa.<br />
<br />
Sabalangá - Nasce além de engenho S. Pedro, passa perto do engenho S. Francisco e desenbocca em frente ao povoado do mesmo nome.<br />
<br />
Travessada - Passa na propriedade Quinta da Serra (Poço Feio) e forma um salto antes de chegar no Parahyba.<br />
<br />
Os affluentes da margem esquerda são:<br />
<br />
Cavaco - Regato estreito de margens embarrancadas; nas estações invernosas torna-se profundo e torrentoso.<br />
<br />
Taguara - Córrego sem importância.<br />
<br />
Genipapo - Pequeno riacho que secca no começo do verão.<br />
<br />
Veados - Este regato banha o engenho Bananal, o engenho Aquidaban e desenbocca perto do engenho Veados. Um pouco acima da sua desemboccadura no Parahyba, encontram-se um monumento prehistorico e uma lagea com inscripções. (63)<br />
<br />
Cassamba – É o maior dos aflluentes que deságuam no Parahyba, em terras de Viçosa; nasce entre a serra dos Bois e a do Cavalleiro, no município de Quebrangulo, corre de N. O. a L. e depois de um percurso de 10 a 12 leguas, desembocca junto ao povoado Barra do Cassamba. Tanto no município de Viçosa como no de Quebrangulo, este importante ribeiro, bastante volumoso no inverno, move diversos engenhos de assucar e fertiliza os terrenos, servindo as suas águas para irrigação dos cannaviaes durante as estações caniculares. Entre os diversos regatos seus tributários distingue-se o Gravatá, que para elle afflue no engenho Baixa Funda.<br />
<br />
Limoeiro - Desembocca no povoado do mesmo nome, a pouco mais de meia légua acima da cidade. Tem suas nascenças no engenho Barro Branco, onde é formado pelos regatos Jaqueira, Belê, Banheiro e Caborge, os quaes se reúnem perto do engenho ao regato Zabumba, que vem do engenho Bom Jesus. Em seguida a essa juncção, começa o seu curso com o nome de Palmeiral e depois de banhar toda a propriedade do Barro Branco, onde recebe ainda os córregos Roncador e Raposa, vae tomar o nome de Pobre, após a desemboccadura do Limoeirinho, no engenho Dourada. Atravessa o engenho Firmeza e d’ahi toma então o nome de Limoeiro, até a sua foz.<br />
<br />
Riacho do Meio - Nasce nas grotas do “Cento e vinte,”margina a estrada do Barro Branco, penetra na cidade, pelas immediações da estação da estrada de ferro, atravessa varias ruas, passa por traz da praça do Commercio, no sopé do morro do cemitério, e desembocca no Parahyba, por traz do começo da rua da Gurganema.<br />
<br />
Gurungumba - Banha o engenho Boa Sorte, recebe os riachos Cabiló, Cafundó e Quizanga, cruza a via férrea e vae desaguar no Parahyba.<br />
<br />
Além desses affluentes existem outros ribeiros e riachos tributários do Parahyba que, apesar de banharem terras da Viçosa, vão, comtudo ter a sua foz em outros municípios.<br />
<br />
Os mais importantes são os seguintes: <br />
<br />
Parahybinha - Nasce nas fraldas da serra do Cavalleiro, atravessa o município, atravessa o município de N. O. a N. E., banha diversos engenhos e vae desaguar, depois de um curso de 7 leguas, mais ou menos, no município da Capella, em frente ao povoado Telha. Entre os seus tributários notam-se o Jundiá, o Jundiahy, o Riacho Secco, o Pau Ferro, o Balsamo e o Riachão.<br />
<br />
Este ultimo nasce no engenho Recanto, banha o engenho Barro Branco, ao qual serve de limite, percorre terras dos engenhos Ingazeira e Matta Verde, recebe os regatos do mesmo nome e os riachos Madeira, Grotão e Brejinho. Em seguida penetra na propriedade Paredões, move o engenho do mesmo nome e forma uma pequena cachoeira. É nesse ribeiro, aquem da cachoeira, que se encontram diversos rochedos com inscripções. Saindo dos Paredões o Riachão banha a propriedade Pedro Nunes, onde recebe o regato Pimentas, em frente a um pequenino salto, atravessa o engenho Humaytá e despeja no Parahybinha, no povoado Riachão do Cipó, no município da Capella.<br />
<br />
Parangaba - Nasce a O. da montanha Boa Vista, corre a principio de N. a S., em seguida toma o rumo S. E., passa pelo meio da povoação da Pindoba, servindo alli de limites entre Anadia e Viçosa, dirigi-se para os lados da serra do Bananal e, depois de um curso de 82 kilometros, vae desaguar no Parahyba, muito embaixo, no município de Atalaia, no sitio Roncador.<br />
<br />
OROGRAPHIA - Todo o município da Viçosa é excessivamente montanhoso, podendo-se mesmo dizer que elle representa, orographicamente falando, as expansões de duas grandes serras: a serra da Palmeira a serra do Cavalleiro, as quaes vieram se fundir, vieram ter o seu maximo traço de união na serra Dois Irmãos e no seu prolongamento – a serra do Bananal.<br />
<br />
Quem, de uma das chapadas dos montes da Viçosa, lançar um olhar investigador, terá, ao primeiro golpe de vista, a asserção do quanto avanço. Da chã da Fazenda Velha, por exemplo, a idéa que tem o observador é a de achar-se no centro de uma vasta serra constituída por uma infinidade de montanhas separadas, uma das outras por valles estreitissimos, antes grotões profundos que serpeiam entre encostas abruptas, como sulcos cavados no terreno por alguma remota e poderosa convulsão geológica, que lhe determinou o actual aspecto physico.<br />
<br />
Esses próprios valles já se encontram em uma grande elevação, pois a cidade da Viçosa, no ponto onde se acha a estação da via-ferrea, apresenta uma altitude de 212 metros acima do nível do mar.<br />
<br />
Os terrenos, á medida que se marcha para o centro - para o N. e para o O. - vão subindo gradativamente, pois o Parahyba, que já vem com a sua inclinação mais ou menos accentuada, tem que fazer o seu caminho, atravez do município, numa correnteza mais ou menos rápida, opprimido entre encostas até o desfiladeiro da serra, onde, como já disse, após o planno inclinado se precipita para formar um salto.<br />
<br />
O município da Viçosa, pois, no meu modo de pensar, constitui uma parte do primeiro degrau desse vastíssimo planalto central do Brazil que, se prolongando pelos sertões de Pernambuco, se dirige para O., pelas cabeceiras dos rios de Piauhy, até o centro de Goyaz.<br />
<br />
Para facilitar o estudo orographico da Viçosa, vou fazer considerações –primeiro sobre as serras propriamente ditas e depois sobre as montanhas que mais se distinguem pelas suas altitudes.<br />
<br />
Serra do Cavalleiro – Esta serra, que serve de limite ao município, vem do Estado de Pernambuco e chegando em Alagoas se expande para N. O. e N. E., indo na primeira direcção para Quebrangulo formar as ramificações que têm o nome de Guaribas, Cassambinha e Bois. No município da Viçosa as suas ramificações penetram já muito suavisadas, merecendo antes o nome de montanhas, as quaes se vão ligar á serra do Cafuchy.<br />
<br />
Segundo relata o dr. Manoel da Costa Honorato, no seu Diccionário Topographico, Estatístico e Histórico da Província de Pernambuco, a serra do Cavalleiro que até o século antepassado conservava o nome de serra da Mãe d’Agua, mudou o segundo nome pelo primeiro, porque os habitantes desse tempo dizião que nas noites de luar viam um cavalleiro no cume. <br />
<br />
“Sobre esta serra, accrescenta ainda o mesmo autor, há um espaço de tresentas braças quadradas sem um só arbusto. Nota-se ainda ahi um subterrâneo com entrada franca, semelhante a uma porta, cuja profundida é um abysmo insondável”.<br />
<br />
No que diz respeito ao espaço despido de vegetação, creio tratar-se da célebre lagoa da serra do Cassambinha, sobre a qual a phantasia popular creou uma lenda de encantamento; quanto ao subterrâneo é provável que seja a gruta da serra Gulandy, que deve distar poucas léguas da serra do Cavalleiro, nos limites de Alagoas com Pernambuco, no município, porém, de Bom Conselho. (64)<br />
<br />
Serra Dois Irmãos - É a mais importante da Viçosa e também uma das mais importantes do Estado. Correndo a principio a L., toma depois o rumo S. E. e com o nome de serra do Bananal, entra no município da Parahyba e vai ramificar-se por meio de montanhas com a serra da Tamearana, no município de Anadia.<br />
<br />
Os seus cabeços, escalvados uns e cobertos de mattas outros, lhe dão um aspecto característico, formando um longo cordão que limita e fecha o horisonte. Os mais importantes são os Dois Irmãos, que dão o nome á serra e que ficam de um e d’outro lado do Parahyba. O da margem direita é formado, na sua face voltada para o rio, por uma grande rocha de constituição granítica, quasi cortada a pique, apresentando um desfiladeiro tremendo. O da margem esquerda é menos elevado e sobre as suas abas, cobertas de espessa vegetação, passava a antiga estrada de rodagem.<br />
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Na estreita garganta cavada no sopé dos morros pelo Parahyba, e marginando este, sobre um aterro construído em fórma de caes, passa a via-ferrea.<br />
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Além desses dois cabeços, notam-se ainda o serro dos Meunços, o do Retiro e muitos outros que, como um bando de sentinellas perfiladas, erguem na serenidade do espaço as suas frontes aniladas e vão, como que fugitivamente, perder-se ao longe nuns recortes esfumados.<br />
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Serra do Cafuchy - Corre ao N. do município e dirigindo-se para a União e Muricy vae-se ramificar em terras desses municípios com a serra da Jussara e da Barriga. Dahi o cordão de serra toma o rumo S., penetra no município da Parahyba, onde recebe o nome de serra do Tronco, e vae finalmente, fundir-se com as ramificações da serra Dois Irmãos. <br />
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Serra dos Olhos d’Agua do Monteiro - Fica a O. e corre entre Lourenço e Bananal.<br />
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É uma ramificação da Serra Grande, a qual fica no município de Quebrangulo; dirigindo-se para o N. O. vae se ligar com os espigões das serras do Cassambinha e Guaribas.<br />
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Para o lado do S., depois de se atravessar o Parahyba, encontra-se uma successão de montanhas que se prolonga até os confins do município, no povoado Pindoba, onde o valle do Parangaba se alarga até encontrar os primeiros pendores da serra Tamearana.<br />
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As mais importantes dessas montanhas são as seguintes:<br />
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Alto da Balança - Começam os seus pendores logo na margem direita do Parahyba, fórma um plateau de pouca altitude e marginando o rio se dirige para S. E. onde se vae ligar com as primeiras elevações da serra do Bananal.<br />
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Montanha da Pindobinha - Tem uma grande altitude; da sua chã o olhar descortina uma vista enorme. Ramifica-se para diversos lados formando montanhas menores.<br />
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Chã do Tangy - É uma continuação da precedente. No seu alto existe um pequeno povoado.<br />
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Montanha da Pindoba - É limitada ao S. pelo valle do Parangaba, que a serpeia. Offerece muitas chãs de grandes altitudes. Liga-se com a montanha da Bôa-Vista e muitas outras.<br />
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Montanha da Gereba - Em suas abas fica o engenho do mesmo nome. Dirigindo-se para S. O. vae-se ligar á serra da Matta Verde e a do Lunga, as quaes não são mais do que ramificações da serra da Palmeira. A’ Gereba ligam-se outras montanhas de menor importância, taes como Cachoeira Grande e Chã de Cacos. Esta ultima deve o seu nome á grande quantidade de fragmentos de louça grosseira que nella existe, fragmentos que assignalam uma estação prehistorica. Tendo visitado as outras chãs de cacos da margem esquerda do Parahyba, ainda não me foi possível examinar esta, que aliás não deixa de ter a sua importância. <br />
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As montanhas da parte central da Viçosa são as seguintes:<br />
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Cento e Vinte - Começa no engenho Brejo, nas immediações da cidade, limita os horizontes desta e, correndo para os lados do N., vae-se continuar com o alto da Fazenda Velha, tendo antes enviado muitos prolongamentos para a direita e para a esquerda.<br />
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Fazenda Velha - É um escalão da precedente e forma o divisor das águas entre o Riachão e o Limoeiro. Tem uma grande altitude. Do seu ponto culminante, no logar denominado Cafezeiros, no caminho do engenho Matta Verde, desfructa-se um golpe de vista admirável: todo o município se desenrola, se desdobra ao olhar, numa ondulação de montanhas, num zig-zaguear de cumes e de cabeços que dão á paizagem uma perspectiva variada e phantastica de cosmorama oriental. Para os lados do N. E., o observador tem deante de si uma vastidão de terrenos, talvez numa extensão de 15 leguas, a prolongar-se num horizonte que se azula e que se confunde muito ao longe com o espaço.<br />
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O alto da Fazenda Velha segue o rumo N., dá uma ramificação que vae formar o alto da Boa Vista, para os lados da Matta Verde e dos Paredões, e depois, com os nomes de Chã da Ingazeira, Santa Thereza e Sapucaia, passa successivamente pelos engenhos Ingazeira, Barro Branco e Bom Jesus, indo perder-se e confundir-se a N. O. com as montanhas da Chã Preta e do Bom Socego.<br />
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Montanhas do Riachão - Sob esse nome eu designo todo o grupo de montanhas que, correndo entre o Riachão o Parahybinha, passa pelos engenhos Recanto, Limoeiro e Marinheira.<br />
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Montanhas do Cassamba - Representam as montanhas que, seguindo ao longo da margem esquerda do rio do mesmo nome, passam pelos engenhos Baixa Funda e Bonito, indo ramificar-se com as primeiras elevações da serra do Cavalleiro.<br />
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ALTITUDES - As altitudes das serras e montanhas da Viçosa, que eu saiba, ainda não foram tomadas scientificamente. Sabendo-se porém, que a cidade, na sua parte baixa, fica a 212 metros acima do nível do mar, é fácil, por comparação, avaliar-se, mais ou menos, a altitude de algumas das accidentações do município.<br />
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Na Serra Dois Irmãos devem, com toda certeza, ficar os pontos culminantes, pois ella se avista de uma distancia inacreditável. <br />
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(60) Segundo me informaram recentemente, são estes os actuaes limites do Estado de Alagoas com o de Pernambuco, na zona alagoana correspondente aos municípios de Unão e Viçosa.<br />
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“De Caruaruzinho de Padre Macário, segue para o Mundahú, no logar denominado Cachoeira da Escada, e d’ali por uma linha de terra que divide a propriedade Fortaleza com a do Capitão João Mello, até chegar no Riacho Mundahuzinho e subirá por este até suas nascenças; ahi procurando o cume da serra deixa as águas dos riachos Correntes para Pernambuco e as dos riachos Caçamba e seus affluentes para Alagoas, procurando sempre o cume da serra até a serra do Cavalleiro”.<br />
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Estes limites são os actuaes, porém não sei se serão os reaes, visto haver litígio entre as fronteiras alagoanas e pernambucanas, não somente ahi nesse ponto como também em outros.<br />
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(61) Essa serra parece ser de natureza vulcânica, pois, segundo affirmam moradores das suas fraldas, de quando em vez se ouvem partir das suas profundidades rumôres surdos como de trovões ao longe.<br />
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(62) Sobre a origem do vocábulo Parahyba o sr. Wenceslau de Almeida publicou uma interessante memória no Jornal de Alagoas, em 1911.<br />
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(63) Veja-se o capitulo Vestigios de raças prehistoricas na Viçosa.<br />
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(64) Sobre a lagoa encantada, contava-se o seguinte: ficava no alto da serra do Cassambinha, no seio de uma espessa floresta. Diversos caçadores já tinham estado nas suas margens. Era pequena, porém de uma profundidade extraordinária; de um lado, numa escarpa da serra, havia um escoadouro mysterioso com um grande canno de ferro meio soterrado. Esse escoadouro se communicava, no sopé, com a origem do riacho Cassambinha. Nos dias claros de sol, viam-se no fundo da lagoa cincoenta fôrmas cheias de ouro em pó. A historia desse thesouro era trágica: pouco depois do domínio batavo, cinco hollandezes, que haviam ficado no Brazil, descobriram nas vizinhanças um filão de ouro e exploravam-no com proveito, depositando o resultado dos seus trabalhos no fundo da lagoa, cujo segredo do escoamento não lhes era desconhecido. As autoridades da Capitania, tendo sciencia do facto, mandaram um destacamento arrecadar o thesouro. Os hollandezes sendo presos, recusaram se declarar o logar onde o tinham escondido, pelo que foram assassinados e os seus cadáveres atirados na lagoa. Desde então, sobre esta, começou a pesar o encantamento. Indivíduos gananciosos que iam em sua procura não a encontravam jamais. Outros referiam que, nas noites de trovoadas, os moradores do valle viam, á luz dos relâmpagos, os espectros dos assassinados correrem no alto da serra, abraçados ás fôrmas de ouro.<br />
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Agora uma nota sobre a gruta do Gulandy: em 1902, tendo terminado o meu curso medico, eu me achava clinicando em Bom Conselho (Papacaça), quando ouvi falar nessa curiosidade que existia no município.<br />
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Nesse mesmo tempo havia na cidade um grêmio literário e uma noite, em sessão, propuz que fosse nomeada uma commissão para visitar a gruta e, do que podesse observar, apresentar um relatório. A idéa foi bem acolhida, porém como retirei-me logo depois de Bom Conselho, não sei se a expedição foi realisada. <br />
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Em viagem, descançando em uma casa nas abas da serra, veiu á baila a historia da gruta: contaram-me então que ella era mal assombrada, pois no seu interior já tinham sido vistos uma grande cobra de ouro e um negro colossal, com um bacamarte engatilhado prestes a disparar.<br />
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Montando a cavallo e continuando a viagem, duas horas depois eu avistava, a uma certa distancia do caminho, numa encosta da serra perfeitamente accessível, a entrada do subterrâneo, em fórma de arcada, tendo, segundo parecia, assim do longe, apenas 2 metros de altura. Chovia a cântaros e o bagageiro que me acompanhava, impressionado pelas narrativas dos meus visionários hospedeiros, declarou-me, ao ver que desejava visitar a gruta, que nem por todo o dinheiro do mundo se avizinharia daquelle logar maldicto.<br />
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Como nesse tempo não me dedicava aos estudos da prehistoria e da nossa ethnographia, não insisti e perdi, portanto, uma boa occasião de ver de perto essa curiosidade natural, onde forçosamente deverão ser encontrados vestígios do homem primitivo.<br />
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..:: CAPITULO VIII ::.. <br />
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Inhamunhá<br />
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(LENDA DA SERRA DOS IRMÃOS)<br />
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_ Perguntaes se é o rio que ruge; não: este rumor convulso que passa <br />
como um soluço immenso, pela vastidão da noite erma, é o pranto que se desata, é a dor que se extravasa, rola e cae em catadupas de lagrimas. São os Dois Irmãos que choram - aquelles que como nós já foram humannos, já amaram, já soffreram e talvez ainda soffram, pois foi a dor que os transformou em pedras, que os tornou immoveis, na mesma desolação, no mesmo horror!...<br />
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E o velho caboclo, de pé, no copiar da cabana illuminada pela luz fumerenta pela luz fumarenta da candeia, extendeu o braço e apontou-me ao longe os dois serros que sob aquelle céo pesado de inverno, se erguiam negros e colossaes, com os seus cabeços sombrios envoltos num turbante de neblinas.<br />
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Depois começou assim a singular narrativa:<br />
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_ Pirauê e Pirauá. Nasceram do mesmo seio da mãe fecunda, banharam-se nas mesmas águas, cresceram nos mesmos campos e sob a mesma amplidão do espaço azul, á noite, quando as estrellas brilhavam, sonharam os mesmos sonhos de gloria, os mesmos sonhos de conquista e amor.<br />
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Mais tarde senhores da taba, mburubichás da tribu, dividiram entre si o poder.<br />
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Chefes pelo nascimento, chefes pela bravura, levaram as suas hordas guerreiras até os sertões longínquos e depois, descendo o rio, foram vencer outras tribus nas margens das lagoas azuladas bem perto do vasto mar.<br />
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Um dia os dois irmãos descançavam á sombra da gamellleira que o nome deu ao povoado que alli vedes.<br />
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Da taba ergueram-se fortes rumores, o grito da pocema estrugiu pelos ares, ouviu-se o chocalhar do maracá sagrado e levado pelo ronco som da inúbia, a voz de guerra repercutiu de quebrada em quebrada.<br />
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Com a rapidez do relâmpago os dois irmãos correram para tribu. <br />
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Bem no meio da ocara, entre os guerreiros ameaçadores, uma pequenina yara, uma virgem meiga e branca, semelhante ao jasmim, estava chorosa e tremula implorando compaixão.<br />
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Quem era? De onde tinha vindo?<br />
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Seria uma emanação do divino Tupan? Seria um raio de luz de Jacy - a mãe formosa das noites serenas?<br />
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Não se sabe.<br />
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Pirauê adiantou-se terrível, fitou os seus guerreiros e com voz de trovão ameaçou:<br />
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_ Quem lhe tocar, morrerá.<br />
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Mas quando o seu olhar protector caiu sobre a pequenina yara, viu Pirauá que já se havia adiantado e que silenciosamente, com o tacape em punho, defendia a extrangeira.<br />
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Inhamunhá foi desde então a rainha da taba.<br />
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Boa, doce e carinhosa, era como uma irradiação do sol que a todos alegrava.<br />
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Nas noites alvas, quem a visse atravez dos campos passear vagarosa sob a doçura da lua, imaginal-a-ia um sonho do céo, uma doce visão, um encantamento do luar.<br />
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Era como uma nuvem rolada das “Montanhas Azues”.<br />
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A sua voz tinha a dolencia do gorgeio das aves - lembrava o gemer da jurity quando o sol se vae pôr.<br />
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Correram os tempos.<br />
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Pirauê e Pirauá andavam tristes. Já não tinham o mesmo ardor nas caçadas das onças bravias e na dança guerreira do toré ficavam frios e scismarentos com o olhar perdido no céu da tarde ensangüentado e roxo. <br />
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Pressagios começaram então a pairar sobre a tribu - uma vez, em pleno dia, na hora do sol em pino, o sagrado maracá, sem ser tangido, começou a soar.<br />
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O pagé que velava á noite pela segurança da taba, tivera uma triste visão: Jacy, a lua, já tinha descambado por traz da montanha; tudo era escuridão, apenas se avistava ao longe, nas chãs, os clarões fugitivos das coivaras de outras tabas. Havia silencio nos campos e o rio rolava soturnamente as suas águas. De repente, no fundo do Valle, da outra banda do Parahyba, appareceu uma tocha vermelha que se elevando nos ares começou numa dança doida a rodopiar sobre a ocára. Era o fogo corredor, o mensageiro da morte e da desgraça. No mesmo estante o noitibó passou gemendo e o pagé então começou a chorar silenciosamente porque advinhou que males infindos iam chegar.<br />
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Uma vez...a noite vinha caindo e no alto das imbiribas as cigarras cantavam saudosamente. Era pelo verão e no céu muito azul as estrellas principiavam a luzir.<br />
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Pirauê que andava vagando á toa se encontrou com Pirauá. Fitaram-se os dois com tristeza e depois de um curto silencio o primeiro interrogou:<br />
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_ Dize-me, irmão, amas Inhamunhá?<br />
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_ Sim, respondeu o outro, amo-a como a palmeira ama á serra, como a catadupa ama os penhascos, como Jacy ama os valles, como o sol ama ao céu... Que dizes a isto, também a amas?<br />
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_ Também. A flecha que te feriu já havia despedaçado meu coração: não viste o furacão que retorce as florestas nas noites de vendaval? Não ouviste o rugir da procella nas horas em que Tupan irritado faz ribombar o trovão? Não viste a torrente que transborda e que devasta as arvores da matta? O meu amor é assim; como o furacão, como a procella, como a torrente transbordada... Olha, irmão, um de nós deverá desapparecer do mundo antes que Jacy venha de novo illuminar estes campos.<br />
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_ Seja, mas quem decidirá o nosso destino?<br />
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_ Inhamunhá. Aquelle que for preferido viverá, o outro, ao contrario, dar-se-á á morte por suas próprias mãos.<br />
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E os dois irmãos, vagarosamente, de fronte baixa, dirigiram-se para a taba.<br />
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Havia silencio na ocára, mas Inhamunhá velava ainda.<br />
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_ Yara, vem desejamos falar-te.<br />
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Inhamunhá ergueu-se da rede de algodão e acompanhou-os ao rio, que mais manso ainda reflectia a claridade das estrellas.<br />
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_ Ouve, yara, começou o mais velho, tu vaes agora decidir de nossa sorte: escolhe entre Pirauê e Pirauá aquelle que deverá ser o teu senhor.<br />
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E havia tal tristeza nas palavras de Pirauê que á Inhamunhá os olhos se annuviaram de lagrimas.<br />
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Houve um curto silencio e logo depois a pequenina yara murmurou:<br />
_ Quando Inhamunhá, perdida no seio das mattas, ia ser immolada pelos guerreiros, não foram os dois irmãos que a salvaram? Não foram os dois que lhe acolheram na taba, lhe trouxeram o favo do uruçu e cobriram a sua rede com as folhas cheirosas do mangericão? Por que desejaes que eu faça a escolha, se esta escolha vem trazer a morte? O lírio só poderá exhalar o perfume e não a desgraça. A sensitiva batida pela rajada, murcha mas não atira espinhos...Alli dorme o rio profundo, alli dormirá também Inhamunhá para que a discórdia não venha jamais separar aquelles que saíram do mesmo seio.<br />
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E a linda yara, num movimento brusco, atirou-se ao rio cujas águas se abriram para engulir o seu corpo pequenino e branco.<br />
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Os dois irmãos exhalaram um grito de desespero que reboou lastimosamente ao longe pelos algares sombrios da matta...<br />
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E foi tal a dor que, espavoridos e mudos, se transformaram em pedras.<br />
<br />
Eis ahi pois a sua historia... Agora, se alongardes o olhar, alguma coisa vos chamará a attenção, bem no meio do rio: - é ella, é a visão meiga e doce das noites de invernada, é a pállida Inhamunhá...<br />
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E fosse um vislumbre do meu olhar, fosse uma impressão da singella narrativa do velho caboclo, a cachoeira do Parahyba, rolando entre os dois serros, appareceu-me como uma imagem de mulher, alva, muito alva, aos raios amortecidos do luar!...<br />
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A presente lenda foi publicada há 14 annos na Tribuna Popular de Penedo, sob o pseudonymo que eu então usava, de Álvaro de Bali.<br />
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..:: CAPITULO IX ::.. <br />
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Clima, pathologia e hygiene<br />
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A Viçosa, como todo o Estado de Alagoas, pela sua posição geographica, pertence á categoria dos climas quentes.<br />
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A humanidade que se manifesta em maior proporção no littoral do Estado, vae diminuindo sensivelmente a medida que se marcha para o centro.<br />
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No município da Viçosa o calor e a humidade atmospherica, estão em relação com as estações. Durante o verão o ar é relativamente sêcco, porém com as chuvas do inverno o meio ambiente contem uma certa quantidade de vapor d’aua. Esta regra geral soffre, no emtanto, uma excepção para o ponto onde se acha a cidade, a qual pela sua approximação do Parahyba, pela vizinhança de logares embrejados e pela disposição topographica do local, todo cercado de altas montanhas que impedem a acção dos ventos, conserva um certo gráo de humidade, mesmo no verão.<br />
<br />
Devido ainda a essa disposição topogaphica, a cidade é, talvez, o ponto do município onde nas estações calmosas as altas thermometricas durante o dia são mais pronunciadas, chegando ás vezes a attingir a máxima de 29º e 30º á sombra.<br />
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As noites são muito supportáveis e a queda da temperatura, que se faz sentir logo depois do sol posto, chega ao seu mínimo pela madrugada, descendo o thermometro cinco a seis gráos.<br />
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Na estação invernosa, com as grandes chuvas, a temperatura diurna desce até 22º, continuando á noite esse movimento de descensão, sendo muito raro, porém, chegar a menos de 20º.<br />
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Fora da cidade, nos engenhos bem localisados, nas chãs das montanhas, o clima é admirável.<br />
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Mesmo nos grandes verões os dias ahi são frescos e amenisados por uma constante viração. A humanidade atmospherica é quasi nulla no verão, e durante o inverno é muito suavisada pelas deslocações do ar, deslocações do ar, deslocações sempre brandas, pois os tufões e as grandes ventanias são desconhecidos no município, com também são desconhecidas as mutações bruscas da temperatura. As noites são agradabilissimas.<br />
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Durante o inverno, e nos dois primeiros mezes que o seguem, há pelas manhãs, uma ligeira cerração e pela madrugada apparece um pouco de orvalho nas plantas, porém no verão as manhãs são límpidas e transparentes.<br />
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As estações manifestam-se perfeitamente delimitadas em estação das chuvas, ou do inverno, e em estação do verão, ou do sol.<br />
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As primeiras chuvas apparecem quasi sempre em Março - são aguaceiros alternados com dias de sol brilhante. Em Maio essas chuvas augmentam, e tornam-se torrenciaes e quasi continuas em Junho e Julho, apresentando então todo o município um aspecto desolado com os seus caminhos intransitaveis e suas mattas gottejantes. Em Agosto a chuva vae se tornando rara de modo que em Setembro, entrando a primavera, começam os dias risonhos e luminosos de sol fecundante.<br />
<br />
O verão, ás vezes é ressequido, havendo ausência de chuva durante seis ou sete mezes.<br />
<br />
Noutros annos, porém, essa estação é entremeada de aguaceiros que levantam as plantas mirradas pela grande soalheira. Esses aguaceiros são sempre acompanhados de trovões e relâmpagos que illuminam as noites, e na maioria dos casos vêm precedidos de fortes calmarias. Duram em regra geral três a cinco dias e costumam apparecer nos mezes de Dezembro e Janeiro.<br />
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Os raios são muito raros. Que eu saiba, nunca em Viçosa houve pessoa alguma fulminada pela faísca elétrica.<br />
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O granizo ou chuva de pedra ainda é mais raro.<br />
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As condições dos terrenos que tanto concorrem para modificar o clima, condições representadas, ora pela impermeabilidade, ora pelo excesso de matérias putresciveis, apenas entram na Viçosa, como se verá mais adiante, a titulo de pequenos factores.<br />
<br />
Os grandes pântannos e os grandes lençóes d’agua estagnada á flor da terra, não existem em ponto algum do município, fazendo abstração dos brejos e pequenos logares alagadiços nas nascenças dos ribeiros e regatos, no pé das montanhas e nas margens de alguns riachos.<br />
<br />
A pathologia da Viçosa nada apresenta que destaque o seu quadro nosologico das demais localidades de Alagoas.<br />
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Não se notando sensível differença no seu clima, é claro que as manifestações mórbidas terão a mesma característica e idênticas modalidades ás de todo o Estado. <br />
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Como a maioria das cidades e villas do interior, também pagou o seu tributo ás epidemias (a febre amarella exceptuada) que dizimaram a capital.<br />
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Já falei do cholera e das devastações causadas por elle em 1856 (primeiro cholera), e em 1862 (segundo cholera), tendo apenas a observar agora que a epidemia seguiu a marcha commumente observada – extendendo-se rio abaixo, ao contrario do que se deu no S. Francisco onde elle seguiu rio acima. Vindo de Quebrangulo, para onde tinha sido trasportado das margens do S. Francisco, elle foi, acompanhando a corrente do Parahyba, devastar os povoados ribeirinhos deste rio até encontrar os outros logares já dizimados.<br />
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A variola tem apparecido differentes vezes, indo sempre da capital, mas, apesar de grande parte da população a char-se ainda imbuída desses velhos e prejudiciaes preconceitos contra a vaccina, ainda assim não se póde dizer que tenha havido grande mortalidade.<br />
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A tuberculose pulmonar - a grande assassina - que leva a devastação e o lucto ao seio dos grandes núcleos povoados, não tem apresentado coefficiente notável na Viçosa, sendo a sua porcentagem, relativamente á densidade da população, pouco elevada. Isto pode ser explicado de um lado pelo clima, o qual parece ser refractario, em certos limites, ao desenvolvimento de tal moléstia, e doutro lado pelas grandes precauções que o povo toma para evitar o mal. As outas moléstias do apparelho broncho pulmonar apparecem de quando em vez durante os invernos. As pneumonias, as pleurisias, ambas confundidas sob o nome de pleuriz, não são raras nessas estações. Mais communs são o catarrhão e as affecções grippaes, que surgem muitas vezes quasi epidemicamente, não se revestindo, porém, de gravidade na maioria dos casos.<br />
<br />
As boubas com o seu cortejo de gommas e cravos, eram muito communs durante o tempo da escravidão, nas senzalas e nos agrupamentos de negros.<br />
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O sarampo, a varicella, a escarlatina e a coqueluche manifestam-se ás vezes, ou sob a fórma de epidemias ou então esporadicamente, causando algumas victimas, principalmente a primeira, entre as crenças.<br />
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Os rheumatismos, as cardiopathias, as hepatites, as congestões, as moléstias syphiliticas, as moléstias mentaes e nervosas, nada offerecem de particular.<br />
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A morphéa é raríssima.<br />
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O beribéri, tão commum em diversos pontos do Brazil, é um affecção desconhecida na Viçosa. (65)<br />
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Há duas entidades mórbidas - o impaludismo e a hypohemia intertropical - que pela sua freqüência no município precisam algumas considerações mais detidas.<br />
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A ultima, não obstante ser menos importante do que a primeira, constitue, no emtanto, uma grave moléstia. Ataca especialmente as classes pobres dos campos, os trabalhadores alugados, os rendeiros e os lavradores.<br />
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Tal moléstia, conhecida vulgarmente pelo nome de opilação, é na Viçosa denominada amarellidão, visto os seus portadores apresentarem uma grande descoloração dos tegumentos. <br />
<br />
Esses doentes são apathicos e mal humorados, não se devendo irrital-os, porque sob o domínio da cholera brusca, podem commetter os maiores desatinos. Semelhante irritabilidade a que estão sujeitos os opilados, é um dos symptomas da moléstia, da mesma maneira que a perversão do gosto a qual arrasta, principalmente as crenças, a comerem terra, carvão e outras substancias impróprias á alimentação.<br />
<br />
É de muita utilidade que este ultimo facto seja divulgado, porque é commum baterem desapiedadamente nas crenças que comem terra, sem comprehenderem que ellas, como simples doentes, em logar de castigo precisam de tratamento.<br />
<br />
A freqüência da hypohemia intertropical, tanto na Viçosa como em diversas outras localidades centraes de Alagoas, além da principal, causa representada pelo ankilostomo duodenal, tem ainda outras causas predisponentes que podem, de um certo modo, ser evitadas. As principaes acham-se representadas pela deficiência, pela má qualidade da alimentação e pelas habitações insalubres, as quaes, em regra geral, são construídas em logares humidos e mal ventilados, á beira dos brejos e dos pântannos.<br />
<br />
A alimentação dos nossos homens campezinos consta de carne xarque, conhecida vulgarmente por ceará, na maioria dos casos de má qualidade, por bacalhau nas mesmas condições, por farinha de mandioca mui grosseiramente fabricada, por milho e por feijão ou favas.<br />
<br />
É preciso fazer uma observação: todos esses alimentos não entram numa ração quotidiana: muitas vezes falta a carne ou o bacalhau e o feijão é comido somente com farinha ou com milho cozido. Noutras occasiões, porém, é o feijão que não pode ser adquirido pela sua extrema carestia, e nesse caso a ceará é usada com o simples pirão d’agua ou com a farinha sêcca.<br />
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A carne fresca de vacca é um luxo a que o trabalhador, com o seu miserável salário, só mui raramente se dá.<br />
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O assucar, apesar de Viçosa ser uma zona assucareira, só entra na alimentação do campônio durante a época das moagens, pois então todos os empregados do engenho têm o melaço de graça e á farta. No inverno torna-se um alimento de luxo.<br />
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Agora sobre a habitação: como já disse, esta é construída quasi dentro dos brejos. Tal facto se explica pela lei do menor esforço, pela incúria, pela preguiça de transportar a água para um ponto mais distante. <br />
<br />
O caboclo primitivo, selvagem como a própria natureza que o cercava, era forte e sadio porque se alimentava da caça fresca e tenra que o seu arco possante abatia e porque, em vez de respirar o ar mephitico dos paúes, respirava a briza perfumada e pura das chapadas e das chãs virentes, onde construía a sua cabana que lhe resguardava das intenperies, e que lhe servia de trincheira e ponto de observação das tribus inimigas.<br />
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O caboclo moderno, em contacto com civilisação, alimenta-se de conservas deterioradas que lhe vêm de climas extranhos e habita nos charcos, como o batrachio, envenenando-se com as emanações que se escapam dos pântannos.<br />
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Sem a menor noção dos cuidados hygienicos, sem a idea do conforto, as suas palhoças mal lhe abrigam dos aguaceiros do inverno e dos rigores do sol.<br />
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Dorme sobre esteiras no chão humido, e bebe a água lodosa e esverdeada apanhada no brejo, onde lava a roupa suja, ou na cacimba cavada junto ao monturo.<br />
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Dessas infracções á hygiene, resulta encontrar-se no meio de um clima delicioso uma raça estiolada, sem sangue, sem coragem, lânguida, bisonha, enfim com todos os caracteres da degeneração physica e da decadencia vital.<br />
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As creanças, que já nascem opiladas, vão se desenvolvendo naquelle meio infecto, entre a estrumeira das cabras e o chafurdal dos porcos.<br />
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Como se vê, é pois no grupo dos miseráveis que a hypohemia causa devastações, e talvez não seja exagero affirmar-se que, no interior de Alagoas e Pernambuco, tal moléstia é tão freqüente entre as classes pobres do campo, como a tuberculose entre as classes desprotegidas da fortuna nas grandes cidades; mas emquanto a debellação desta ultima entidade mórbida ainda constitue um problema a resolver, a da primeira se reduz a educar o povo nos princípios comezinhos da hygiene, e impor-lhe um certo numero de medidas prophylaticas, medidas que podem perfeitamente ser executadas com um simples auxilio da sociedade e com um pouco de boa vontade dos poderes públicos. (66)<br />
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A outra moléstia que, de quando em vez, flagella a Viçosa é o impaludismo, nas suas fórmas intermittentes, remittentes e biliosas, revestindo-se não raras vezes do caracter pernicioso. Tal moléstia, conhecida vulgarmente pela simples denominação de febres, apparece geralmente no começo do inverno e, facto digno de nota, emquanto a hypohemia faz as suas victimas fora da cidade, é principalmente no circuito desta onde o impaludismo se manifesta com maior intensidade e onde os seus casos apresentam maior gravidade, pelo que é fácil concluir-se que o foco mais importante deve se encontrar ahi mesmo localisado.<br />
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O que logo à primeira vista chama a attenção de quem queira investigar as causas, é o facto de ser a cidade atravessada em toda a extensão, de norte a sul, pelo córrego Riacho do Meio, o qual se transforma em receptáculo de despejos e de toda sorte de immundices. É o principal foco de infecção pelas emanações mephiticas que se escapam do seu leito, sede de fermentações e de decomposições orgânicas. Em certos annos, no rigor do verão, o riacho secca, ficando no emtanto, ao longo do seu curso, differentes poças d’agua corrompida. Durante o inverno transborda um pouco e deixa pela vazante as margens impregnadas de matérias deletérias.<br />
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Entre os focos secundários figuram as margens do Parahyba e os charcos que se formam na várzea da estrada de ferro, desde a rua da Lama até às immediações do engenho Brejo. O perigo offerecido pelo Parahyba só se manifesta após as grandes cheias. É de pouca importância, visto o rio correr entre barrancas no ponto em que, como na rua da Gurgarema, o seu leito é dominado pelos quintaes.<br />
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Agora vou dizer duas palavras sobre a água: esta é má, ou antes é péssima, porém tal qualidade em vez de ser nativa, originaria da fonte, é muito ao contrario creada pelos próprios habitantes, pela contaminação do precioso elemento.<br />
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O fornecimento da cidade é feito pelo Riacho do Meio, pelos poços ou cacimbas e pelo Parahyba. <br />
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Antigamente o Riacho do Meio, tendo as suas margens cobertas de capoeiras, conservava as suas águas puras e crystallinas até bem perto da cidade, no engenho Fortaleza, onde havia uma pequena bica. Mais tarde, para facilitar a communicação com os engenhos, foi construída uma estrada ao longo do riacho, e de então por deante as águas ficaram detestáveis. <br />
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A água das cacimbas também é má e a do Parahyba ainda é peor porque não é potável. <br />
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Dois melhoramentos representados, um pela canalisação fechada do Riacho do Meio, na parte que atravessa a cidade, outro pela construcção de chafarizes nas praças, constituem duas altas medidas de real valor hygienico, as quaes devem ser postas quanto antes em execução para o bom saneamento da Viçosa. <br />
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Creio que esses dois melhoramentos não acarretarão grandes despesas para os cofres públicos, e ainda mesmo que seja preciso algum sacrifício, tudo pode ser justificado, visto tratar-se da saúde e do bem-estar de população. <br />
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Para abastecer os chafarizes deverá ser aproveitada a água do próprio Riacho do Meio, não no ponto onde ella é apanhada actualmente, mas nas nascenças do regato, as quaes ficam a menos de meia légua, nas grotas do “Cento e Vinte”. Ahi deverá ser construído um açude donde a agua seja canalisada para os depositos da cidade.<br />
A captação também pode ser feita no regato Cafundó, a pouca distancia do engenho Brejo. A água desse regato, que vem de uma espessa matta e que se despenha num pequenino salto, quasi em sua nascença, é potável, pura e crystallina.<br />
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(65) O professor Jeanselme, no seu trabalho sobre o beribéri, diz que essa affecção é muito commum na América “nas zonas onde se cultiva a canna de assucar”. A affirmativa do illustre professor da Faculdade de Medicina de Paris, neste ponto, ressente-se de exactidão, pois felizmente o beribéri não existe na Viçosa e tão pouco nas outras zonas assucareiras do interior de Alagoas e Pernambuco.<br />
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(66) Sobre a freqüência da hypohemia intertropical no interior de Alagoas e Pernambuco, publiquei um artigo, em julho de 1913, na Medicina Militar, revista que se publica no Rio de Janeiro.<br />
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..:: CAPITULO X ::.. <br />
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FLORA<br />
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Talvez devido á variabilidade na constituição dos terrenos, a Viçosa apresenta duas zonas florestaes que se differenciam pela qualidade e desenvolvimento das espécies botânicas. <br />
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Ambas são separadas uma da outra pelo rio Parahyba.<br />
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A da margem direita toma o nome de zona do agreste, e a da margem esquerda o de zona da matta.<br />
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O agreste, como se chama vulgarmente, muito parecido com a catinga, é antes uma transição entre esta e a matta. A vegetação vae insensivelmente se modificando até apresentar todos os caracteres da flora sertaneja.<br />
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Duas espécies vegetaes da família das palmeiras caracterisam as duas zonas: no agreste domina a aricuri ou ouricury (cocos schizophylla de Mart.) e na matta a pindoba (palma Attalea Pindoba).<br />
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Os terrenos da primeira zona são mais sêccos. Parece que a terra ahi é mais pobre em humos e substancias orgânicas, havendo um predomínio das matérias silicosas. As chuvas são mais raras e este facto é um corollario obrigado da deficiência da vegetação.<br />
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Entre as espécies encontram-se o velame dos campos, o moleque duro, a uva do matto, o mandacaru e muitas outras que, apesar de não serem communs, apparecem no emtanto na segunda zona.<br />
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Muitas arvores do agreste perdem as suas folhas no verão. A desfolhada, porém, não é tão completa como na catinga, pois ao lado das plantas que ficam inteiramente nuas, encontram-se outras que conservam a sua verde e virente folhagem.<br />
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Como, porém esta zona é pouco importante na Viçosa, e pode-se mesmo dizer que ahi apenas começa a se esboçar, indo tomar maior incremento nos municípios de Anadia, Palmeira e Victoria, onde se continua com a catinga, vou demorar-me em fazer algumas considerações somente sobre a zona da matta, a qual, dando a physionomia própria do município, amenisa, enriquece e fertilisa-lhe o clima.<br />
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Aqui nós temos de tratar das mattas propriamente ditas e das capoeiras.<br />
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Antes de tudo é preciso dizer que as altitudes, com certeza pelo facto de não serem muito pronunciadas, não têm nenhuma influencia sobre a vegetação. Esta é a mesma tanto nas chãs como nos valles, havendo alguma differença apenas nas várzeas embrejadas.<br />
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As mattas da Viçosa são restos da floresta primitiva dos Palmares, a qual, segundo o manuscripto do conselheiro Drummond, extendendo-se pela parte superior do Rio S. Francisco, ia fazer termo sobre o cabo de Santo Agostinho “correndo quasi norte a sul do mesmo modo que corre a costa do mar”.<br />
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Actualmente ellas se acham reduzidas talvez a menos da quinta parte do que eram nesse tempo, e muito longe de formarem uma continuidade, apresentam-se sob a fórma de reboleiras mais ou menos extensas, separadas umas das outras, nas mesmas propriedades ou em propriedades differentes, por capoeiras, cercados ou terrenos cultivados. Algumas estão um pouco devastadas pelos cortes de lenha, outras, porém, ainda ostentam todo o esplendor e magestade florestaes, grimpando sobre as montanhas ou alongando-se pelas gargantas profundas dos valles, a formar abobadas espessas de ramagem e macissos emmaranhados de verdura, onde garbosamente se erguem, em toda pujança de seiva, espécies gigantescas e preciosas, entrelaçadas de bromeliáceas, lianas e parasitas, que se atufam, se enroscam, se entorçalam e em guirlandas e grinaldas encantadoras rendilham as comas altas e sobranceiras.<br />
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Uma primavera eterna domina nessas mattas que pomposamente parecem, de quando em vez, mudar de roupagem na variação das suas flores. Ás vezes é o amarello do pau d’arco - no “tempo das arvores de ouro;” ás vezes é o lilaz do mau-vizinho, das orchidéas e dos maracujás, é o branco dos camarás e dos mororós, o róseo das sapucaias e finalmente o vermelho sangue, o vermelho berrante das cannafistulas e mulungús. (67)<br />
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A Viçosa é um dos municípios onde não tem havido, relativamente, grandes devastações nas mattas, e isto por uma causa muito simples; os engenhos de fabricar assucar, para se manterem, precisam possuir a matta donde tirem madeira para as construcções e lenha para cozer o caldo da canna. Um engenho sem florestas é uma propriedade sem valor, ainda mesmo que os terrenos sejam férteis. <br />
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Desse facto resulta que cada senhor de engenho se esforça o mais que é possível para manter as suas propriedades cobertas, e da somma desses esforços parciaes todo o município tende a lucrar, pois, estando assegurada a conservação das mattas, a terra não se tornará estéril, e conseguintemente sempre fértil, terá o seu progresso e o seu futuro garantidos.<br />
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As mattas mais importantes são as da margem esquerda do Parahyba, nos engenhos Boa Sorte, Matta Verde, Barro Branco, Bom Jesus, Recanto, Riacho Secco, Bananal, Baixa Funda, Floresta, Dourada, Brejo e Limoeirinho.<br />
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De todos estes o que tem mais terrenos cobertos é o Boa Sorte, cujas florestas se desdobrando pelo alto da Boa Vista e Duas Barras, marginam o Riachão, extendem-se pela Baixa dos Côcos e vão prolongar-se até os pendores da Serra Dois Irmãos.<br />
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Na margem direita também são encontradas algumas mattas, nas quebradas da serra e nos engenhos Bananal, Esperança, Cachoeira e Gereba.<br />
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As capoeiras (68) dividem-se em capoeirões e capoeiras ralas. As primeiras, representadas por terrenos abandonados a si durante um espaço de quinze a vinte annos, são quasi mattas e já contém muitas arvores desenvolvidas de copa esgalhada e espessa. As segundas, que constituem a maior parte dos terrenos, são os campos onde quasi todos os annos fazem roçados. Ahi a vegetação, em regra geral, não passa de arbustos, sub-arbustos e plantas herbáceas. Dominam as famílias das labiadas, das synanthereas, das malváceas, das gramíneas, das crucíferas e muitas outras plantas vivazes e annuaes. <br />
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Para methodisar o estudo da flora viçosense, vou considerar as plantas de conformidade com as suas applicações.<br />
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MADEIRAS - Há uma grande variedade de madeiras para marcenaria e construcções, taes como sejam a sucupira (bowidichia majore), a sapucaia (spondias lecythis de Mart. ou lecythis ollaria), o pau d’arco ou ipê (bigonia tecoma), o vinhático ou amarello (persea indica), o pitimijú ou putumijú (putumuju lecythidia) o pau-santo (guayco officinalis), a tatajuba (morus tinctoris), o louro, a massaranduba, a parahyba, a sapucarana e outras.<br />
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Todas essas arvores sendo muito conhecidas, não só em Alagoas como também em outros Estados do Brazil, eu aqui apenas quero insistir sobre duas espécies menos espalhadas em outras regiões do paiz: a primeira é o pininga, arvore muito alta de cerne duríssimo, empregada como madeira do chão na confecção dos esteios. O povo diz que o miolo do pininga enterrado, mesmo nos logares humidos, dura mais de cem annos. O amago dessa arvore tem uma côr escura de chocolate. Cortal-o com o machado ou como o serrote é sempre uma tarefa árdua, pois a madeira quasi que tem a consistência do ferro, e os instrumentos que não forem de boa tempera, arrebentam logo aos primeiros embates. Ignoro se essa arvore já foi classificada e se tem alguma denominação scientifica.<br />
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A segunda espécie é a imbiriba, a qual tem um vasto emprego na construcção das cercas, pela facilidade que há em lascal-a em longas ripas e excellentes estacas muito durativas. Da casca da imbiriba se extrahem imbiras que podem ser empregadas na cordoaria.<br />
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Além das madeiras de construcção, existe nas mattas e capoeirões da Viçosa uma grande quantidade de arvores que, sob o titulo de madeiras brancas, são aproveitadas somente nas edificações passageiras de pequena importância, tendo, porém, um vasto emprego como lenha, como combustível. Nessa classe deve-se mencionar o sabacuim, o qual sendo uma arvore de caule muito desenvolvido e de lenho muito molle, de um branco setineo, dá umas lindas taboas muito leves e frágeis que podem, no emtanto, pela sua elegância, ter um lato emprego na fabricação de pequenas caixas, substituíndo em certos limites o pinho europeu e o papelão.<br />
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Desse grande catalago eu destaco ainda o canzenze ou pau de fachear, o qual é uma leguminosa que queima facilmente, ainda mesmo quando o vegetal se acha verde.<br />
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PLANTAS FRUCTIFERAS - Existem duas classes: as que são cultivadas nos pomares e as que são indígenas no local e nascem espontaneamente pelas mattas e capoeiras.<br />
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Das primeiras são encontradas todas as que existem em Alagoas: a jaqueira, que abunda nas suas diversas variedades, a laranjeira, que se encontra em quantidade, a mangueira, que se desenvolve em arvores colossaes de fronde enorme, mas que só produz fructos nos annos de verão repuxado, a limeira da Pérsia, a limeira de umbigo, a laranja cravo, a fructa pão, o coqueiro da praia ou da Bahia, o abacate, a pitangueira, o limoeiro, o mamoeiro, o melão, a melancia, o ananaz, o abacaxi, o araçá, a pinha ou ata, a fructa do conde, a goiaba e a bananeira.<br />
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As duas, ultimas merecem uma especial menção pela abundancia com que se desenvolvem e pelos resultados que a industria pode auferir da sua cultura.<br />
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A goiabada, que actualmente constitue um dos ramos de riqueza do vizinho Estado de Pernambuco, pode-se dizer que ainda não foi explorada na Viçosa.<br />
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Outra fonte de riquezas de que ainda ninguém cuidou é a bananeira. (69) Existem no município muitas especies desta planta das quaes as mais importantes são: a banana prata (musa sapientum), a banana da terra ou banana comprida (musa paradisíaca), a anã (musa chinenses) a de S. Thomé (musa sapientum), a roxa (musa violácea), a maçã e a ouro que são variedades da banana prata.<br />
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Passando das plantas fructiferas cultivadas para as indígenas e silvestres, eu colloco em primeiro logar uma espécie que pela sua extraordinária abundancia, chama logo a attenção a um simples olhar: quero falar da palmeira pindoba, (palma attalea pindoba) conhecida vulgarmente pelo simples nome de palmeira, a qual, como já disse, constitue o característico da zona da matta.<br />
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Nas minhas viagens pelo sul da Republica, só me recordo de ter visto uma arvore assim tão social, dominando grandes extensões de terrenos – é o pinheiro do Paraná (araucária brasiliensis).<br />
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A palmeira é encontrada não somente nas mattas, mas ainda nos capoeirões, nas capoeiras, nas várzeas e nos cercados dos engenhos. Os proprietários de terrenos protegem-na contra as derrubadas, e o próprio povo, vendo nella uma amiga, evita o quanto é possível offender-lhe. Por occasião das brocas (70) para a construcção dos roçados, os camponezes suspendem os machados e as foices ante as palmeiras. Como a sua folhagem pode no futuro causar prejuizos á lavoura, elles fazem escadas de madeira, sobem até a copa e decotam as palmas, tendo o cuidado de não lesar os olhos ou renovos. Ás vezes, porém, o terreno onde vae se fazer o cannavial acha-se tão abastecido de palmeiras que é preciso derrubal-as. (71)<br />
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Pelos capoeirões e pelas mattas, ellas nascem e desenvolvem-se com uma facilidade extraordinária. Muitas são tão altas que dominam as mais elevadas arvores, taes como as sapucaias e imbiribas. O seu estipe cylindrico, de cor cinzenta esbranquiçada, ligeiramente rugoso, é revestido de uma camada muito dura e pouco espessa, a qual se continua com um cerne filamentoso de pouca resistência. O diâmetro do tronco, se não attinge as proporções de outras arvores, também não é dos menores, apresentando na media um metro de extensão. A copa é constituída por folhas em palmas ou plumas de três metros de comprimento, cada uma.<br />
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No aspecto physico, na altura e na cor da folhagem, a palmeira pindoba faz lembrar a linda palmeira real, mas emquanto as plumas desta são ligeiramente caídas, como as do coqueiro, as daquella são erectas altivamente, de modo que a arvore dá a idéa de um esguio jarro que se expande na parte superior. A real é mais elegante, mais delicada; a pindoba é mais magestosa, mais selvagem. Os cachos desta são grandes e possuem quasi metro e meio de altura, contendo cada um numerosos côcos os quaes têm mais ou menos as dimensões de um ovo de ganso. As partes utilisadas desses fructos são a poupa, que é muito saborosa e que produz um lindo azeite amarello, e a amêndoa, que também produz óleo.<br />
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Os retirantes, que nos annos de sêcca descem do sertão, encontram nos fructos e no palmito da palmeira um farto e substancioso alimento.<br />
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As palhas são utilisadas pelos homens da roça, não somente na cobertura das cabanas, mas ainda na sua industria rudimentar de esteiras, chapéos, cestas e vassouras. A resina, que ainda não foi explorada, pode se prestar aos mesmos fins que a gomma arábica.<br />
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Depois da attalea pindoba só se encontram na Viçosa três outras espécies de palmeiras: a aricury (cocos schizophylla de Mart.), a catolé (rhapis pyramidata) e a titara (euterpe sarmentosa).<br />
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As duas primeiras, um pouco raras, tem os fructos mais ou menos semelhantes, com uma polpa muito tenra e uma amêndoa (72) mais delicada. A aricury distingue-se da catolé porque emquanto esta ultima tem o tronco liso, a primeira apresenta-o rugoso, coberto de garras representadas pelos pecíolos antigos das palmas.<br />
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A titara é uma pequena planta espinhosa, quasi trepadeira, que produz uns fructos sem importância. A sua haste é empregada na confecção de urupemas e cestos.<br />
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Além das palmeiras, muitas outras arvores fructiferas se desenvolvem espontaneamente nas mattas da Viçosa. São as mais importantes: o trapiá, que dá um fructo de polpa saborosa, o jaracatiá (carica spinosa), o juazeiro (zizyphus juazeiro), a ingazeira, a cajazeira, a pitombeira, a sapucaia, o genipapeiro etc.<br />
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PLANTAS MEDICINAES - A flora medicamentosa viçosense é a mesma de toda Alagoas, (73), de modo que, não cabendo nos estreitos limites desta obra dar uma mais vasta expansão a tão importante assumpto, que requer um estudo especial, limito-me aqui apenas a assignalar algumas espécies que considero pouco conhecidas, ou porque não são communs noutros pontos, ou porque ainda não foram estudadas.<br />
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Da importante família das labiadas, que se desenvolve abundantemente pelas encostas, nos antigos roçados e pelas margens das estradas, enchendo os campos com os perfumes deliciosos das suas pequeninas flores dispostas em espigas ou em cymos encantadores, eu destaco o paracary ou meladinho dos campos (marsupiantes hyptoides), usado em tintura contra as mordeduras de cobras, e o sambacaitá. (74) Esta ultima planta, herbácea, também denominada alfazema de caboclo, tem a haste quadrangular, os ramos oppostos, as folhas pecioladas e as flores esbranquiçadas dispostas em espigas. Desenvolve-se tanto nos logares frescos e humidos, como nos pontos áridos, chegando muitas vezes a brotar nas anfractuosidades dos rochedos. As suas flores deseccadas e queimadas em brazeiros, desprendem um fumo espesso muito perfumado que faz lembrar vagamente o cheiro da alfazema. A infusão das folhas é empregada internamente nas flatulencias e digestões difficeis e o succo da planta verde, usado nos pensos das feridas, é seccativo e hemostatico.<br />
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Entre as plantas de propriedade anti-syphiliticas e anti-herpeticas, não falando na japecanga, no manacá, na sucupira, na caroba e no velame, por demais conhecidas, menciono a cabeça de negro e o cipó do guardião. Na secção Notas Medicas, do Gutenberg, assim me exprimi tratando dessa liana: “o cipó do guardião, que se encontra em grandes touceiras na profundidade das mattas, pode, em suas propriedades therapeuticas, rivalisar com o mercurio e com o iodureto de potassio, pois o seu uso produz uma acção efficaz sobre as dôres osteocopas dos syphiliticos, sobre o pseudo rheumatismo syphilitico, sobre as exostoses e até sobre os tumores gommosos. É preciso notar que esse medicamento em dose elevada, é um drastico muito energico que pode produzir serias pertubações em toda a economia.<br />
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As propriedades curativas do cipó do guardião, residem na seiva, a qual escorre abundantemente da planta quando se a golpeia. Parece que os seus principios immediatos se volatilisam pela exposição ao ar, devendo-se por tanto preferir, como fórma pharmaceutica, a alcoolatura, a qual é preparada com o vegetal ainda verde”.<br />
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As affecções blennorrhagicas encontram excellentes remedios na pitombeira, (75) no carrapicho de cavallo (em injecções urethraes feitas com a mucilagem das folhas ou das sementes) e no pega-pinto, o qual, pelas suas propriedades diureticas, é empregado também nas molestias que se acompanham de edemas e hydropisias. Ainda entre as diureticas assignalo o gravatá, a vassoura de botão (76) e o mussambê. (77)<br />
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No grupo das plantas purgativas salientam-se a bucha do cabacinho, a batata de purga e o gitó.<br />
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Das vermifugas destacam-se a lumbrigueira e o mocotó de porco, ambas da familia das labiadas.<br />
<br />
Como representantes das emolientes temos diversas especies de malvaceas e a mutamba, da qual tambem se prepara um tonico para o cabello.<br />
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Entre as plantas diaphoreticas e peitoraes temos a lingua de vacca, o cravo de defunto e o capim santo, cuja infusão é empregada nos catarrhos e resfriamentos.<br />
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Para as conjunctivites e outras ophtalmias temos a herva de Santa Maria (78) e o maracujá de estalo, das quaes se emprega a infusão em banhos.<br />
<br />
Nas perturbações catameniaes é empregada uma planta denominada piranha, e como calmante occupa um logar de destaque o cardo santo (79) (anemona mexicana).<br />
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Para terminar resta-me fazer menção de duas especies botanicas, as quaes, se bem que ainda não tenham um emprego bastante definido na therapeutica, no emtanto, parecem destinadas a occupar um logar saliente na pharmacopéa: quero falar da liamba e da Maria da Costa.<br />
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A primeira, cuja inflorescencia tem o nome de maconha, é fumada pelos caboclos e homens do campo, os quaes caem, logo depois das primeiras baforadas, em estado de embriaguez acompanhada de somno profundo e sonhos bizarros, ora tristes e acabrunhadores como cauchemars e pesadelos, ora alegres e vaporosos nos quaes o individuo tem a sensação de ser arrebatado para alguma mansão paradisiaca, risonha e agradavel.<br />
<br />
O instrumento usado para se fumar a maconha é um cachimbo de argilla com um longo canudo de bambú ou taquary, que atravessa, uma pequena cabaça cheia d’agua onde o jacto de fumo se resfria, antes de penetrar na bocca do fumador.<br />
<br />
Na minha these de doutoramento, tabagismo, defendida perante a Faculdade de Medicina da Bahia em 12 de Abril de 1902, digo o seguinte: “A liamba, que se cultiva nos sertões de Alagoas, apresenta muita analogia em seus caracteres botanicos e nas suas propriedades physiologicas com o cannabis sativa ou canhamo ordinario. Será a liamba uma variedade do canhamo? Nada podemos adiantar porque foi impossivel fazermos um estudo comparativo. Os autores botanicos do nosso conhecimento não a mencionam. Parece-nos, entretanto, que ella tem uma origem africana, visto ser conhecida tambem com o nome de fumo da Angola.”<br />
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A Maria da Costa, tambem chamada herva da Costa e grão de boi, é muito pouco conhecida entre os homens de sciencia. O professor Caminhoá, sem se demorar sobre os caracteres botanicos desse vegetal, apenas diz que nos sertões do Ceará elle passa como planta venenosa.<br />
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Pertence a familia das asclepiadaceas, é trepadeira e possue folhas carnudas de limbo inteiro. Suas pequeninas flores são roxas e os seus fructos, lanigeros e grandes, têm a casca avelludada. Toda a planta é leitosa e a sua raiz é um bolbo. Nessa raiz e no latex residem os principios activos. A acção physiologica da planta differe, segundo se emprega o bolbo ou o latex; o primeiro é um veneno nervino usado pelos homens do campo para matar cães, e o segundo, sem ser caustico, tem a propriedade de destruir os tecidos de neoformações benignas, taes como as verrugas.<br />
<br />
(67) Andaram os viajantes e chronistas antigos, com muita razão, a se maravilhar da flora brazileira. Martins, Humboldt e Fendinand Denis não poderam calar o seu espanto e o confessam naturalmente. O monge Cláudio d’Abbeville, Lery, Saint-Hilaire, Rocha Pitta e o padre Simão de Vasconcellos vão mais longe, porque imaginaram que o Paraíso Terreal deveria ter sido nas mattas do Brazil. No meu fraco modo de pensar (e não me chamem de bairrista que não o sou) acho que tal logar, se não era nas mattas de Alagoas não deveria dellas ficar muito distante. A quem achar que há enthusiasmo nas minhas palavras, eu convido para visitar as nossas florestas, num desses dias luminosos de primavera. Tenho viajado em muitas mattas brazileiras e em algumas da Argentina e do Paraguay—passei mezes inteiros nas florestas virgens de Matto Grosso, atravessei os Campos Geraes do Paraná, percorri o terreno das Missões, na parte contestada pelo Estado de Santa Catharina, visitei as mattas que, numa extensão de muitas léguas, cercam os magestosos saltos de Santa Maria do Iguassú, embrenhei-me nas florestas que corôam as montanhas do Rio de Janeiro, mas força é confessal-o, se em todas ellas encontrei bellezas admiráveis, pujança de vida e de seiva, em nenhuma encontrei a graça, a magia, a fascinação que envolvem e caracterisam as mattas da minha terra.<br />
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(68) Segundo o dr. Theodoro Sampaio, a palavra tupi capoeira é uma corruptela de cáa-poéra, matto extinto, matta cortada ou destruida; costuma-se confundir com capueira, roça extinta, roça abandonada e já invadida pelo matto.<br />
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(69) Diz Alexandre de Humboldt que a bananeira tem acompanhado o homem desde a infância da sua civilização e que em seus fructos repousa a subsistência de todos os habitantes dos trópicos. Citando este trecho do grande naturalista, Ferdinand Denis, um outro enthusiasta da bananeira, accrescenta que nas regiões equinoxiaes os olhares a procuram com um sentimento agradecido de admiração, nas margens humidas dos regatos onde ella desdobra as suas largas folhas setineas, junto as habitações do homem ao qual ella offerece alimento.<br />
<br />
(70) A palavra broca, no centro de Alagoas, significa derrubada de mattas ou capoeiras para fazer roçados.<br />
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(71) Não há nada mais triste, mais melancólico do que a derrubada de uma palmeira: dois machadeiros, de um e outro lado, começam a fazer-lhe entalhas de maneira que ella seja rolada completamente.<br />
<br />
Das feridas escorre uma ligeira seiva, rubra. É o sangue da arvore, e aquelles cavacos, também rubros, que caem esphacelados sob o gume dos instrumentos, são como a carne que se destaca.<br />
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Ouve-se a instantes, compassado e monótono, o ruído dos golpes.<br />
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Tudo o mais, em torno, silenciou. Até os pássaros se calaram. As outras arvores quêdas e como que horrorisadas, parecem na sua mudez, comtemplar uma grande dor ou um grande crime.<br />
<br />
Os machados continuam na faina destruidora: tan, tan, tan...<br />
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A cada golpe as palmas estremecem — dir-se-ia que toda arvore é atravessada por um frêmito; a sua copa, como que a fitar o céu numa attitude eloqüente, parece interrogar. _ Porque me matam?<br />
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Depois alguma cousa lhe rola de cima, gotta a gotta... São lagrimas!... a palmeira chora - deixa cair o orvalho que a noite depositara em seu seio pelo silencio da madrugada.<br />
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Mas a tarefa, attinge o fim, as duas entalhas então prestes a se encontrar. De repente a arvore range - é primeiro grito de dor...<br />
<br />
Então chega o momento supremo: a palmeira já não pode mais se equilibrar e meneia a fronde augusta.<br />
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Como ella é sublime ainda!...<br />
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Esse meneio altivo e rapido é como que a despedida ás outras arvores, o derradeiro adeus ás encostas, á fonte que lhe murmurava ao pé, ás pombas que lhe gemiam na copa, ás abelhas que lhe sugavam o mel. É como que um ultimo gesto de saudade ás brizas que lhe sacudiam as plumas, ás alvoradas que a enloiravam de luz, ás tardes que a banhavam nos frouxos raios do sol poente...<br />
<br />
Afinal descreve com a copa um grande arco no espaço e pesadamente, com estardalhaço profundo, cae desalentada no chão. O eco então repercute lastimosamente ao longe, no fundo da floresta, e a matta inteira atrôa, como que sacudida por um mesmo soluço, num grande espasmo de dor...<br />
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(72) A amendoa dos côcos, entre os matutos, é chamada coconha.<br />
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(73) Na Secção Notas Medicas mantida semanalmente no Gutenberg (de Maceió) em 1911, por mim e pelo dr. Manoel Brandão, escrevi alguns artigos sobre a flora medicamentosa alagoana. Esses artigos não foram mais do que alguns extractos de uma obra que tenho em elaboração.<br />
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(74) Sambacaitá é um vocabulo tupi, composto de caimbe – quina, aresta, espinho – caá - matto e ita - pedra. Na simples denominação os indios davam logo a entender que a planta tem a haste angulosa e que se desenvolve nas pedras.<br />
<br />
(75) A alcoolatura da casca da pitombeira, produz resultados beneficos e rapidos no rheumatismo blennorrhagico. Essa medicação, que segundo me affirmaram, é nova entre o povo, vale a pena ser estudada pela therapeutica, pois é sabido quanto o rheumatismo blennorrhagico, muitas vezes, é rebelde ao tratamento, não se deixando influenciar, como os outros rheumatismos, nem pelos salicylatos, nem pelo iodureto de potassio.<br />
<br />
(76) A vassoura de botão tambem é muito preconisada contra mordeduras de cobra.<br />
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(77) O vocabulo mussambê, a primeira vista, parece de origem africana. Sou porem da opinião que tal palavra é indigena, não Tupi, mas Cariri e vem de mussamb – dedos e êra – folha. Portanto a traducção literal da palavra será – dedos de folha.<br />
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Realmente as folhas da planta tendo o limbo bastante fendido, assemelham-se a mãos espalmadas com cinco dedos destendidos.<br />
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Agora algumas considerações botanicas e therapeuticas sobre essa especie que supponho ainda não ter sido estudada. Classifiquei-a entre as cruciferas e dei-lhe o nome de cruciferas alagoana. O seu habitat não se acha, no emtanto, como eu suppunha antigamente, somente limitado ao Estado de Alagoas, pois encontrei-a tambem no sul do Estado de Matto Grosso, nas alluviões das margens do rio Miranda, no meio de especies differentes das da flora do norte.<br />
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O mussambé é uma planta herbacea de folhas digitadas e oppostas, flores em cahos terminaes, brancas com quatro sepalas, quatro petalas, seis estames (dois atrophiados) e um pistillo. O fructo, que é uma capsula alongada como um filamento, tem pequenas sementes, menores que as da mostarda. As folhas e a haste são unctuosas e desprendem um cheiro agradavel. As sementes têm uma acção irritante. A tintura preparada com as folhas deve ser usada em pequena dose. Externamente essa mesma tintura, em fricções, dá resultado nas paralysias e polynevrites.<br />
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(78) A herva de Santa Maria, de que trato aqui, não deve ser confundida com o mastruço.<br />
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(79) O cardo santo contem nas suas folhas os principios activos do opio, e com especialidade a morphina, pelo que deve haver muita prudencia no seu emprego.<br />
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..:: CAPITULO XI ::.. <br />
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FAUNA<br />
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O reino animal, no município da Viçosa, está muito longe de egualar em opulência e variedade o reino vegetal.<br />
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A fauna é pobre e este facto se explica pela condensação da população em uma área relativamente pequena. Os povoados, as fazendas, os engenhos, os sítios e as habitações isoladas pelos campos, pelas orlas das mattas e pelo interior das próprias mattas, teriam naturalmente de afugentar a caça.<br />
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As maiores espécies já desappareceram de todo.<br />
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Antigamente as nossas serras eram povoadas de onças. Havia não somente a sussuarana (felix concolor), pequena onça vermelha, tímida, que só ataca os rebanhos, mas também a pintada, a que é conhecida pelo nome de tigre brazileiro (felix uncia). (80)<br />
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Hoje, porém, como representantes da raça felina, apenas são encontrados nas nossas mattas os jaguatiricas ou gatos do matto, entre os quaes se distinguem o gato vermelho e o gato maracajá (felix pardalis).<br />
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A anta (tapyrus americannos), que também já existiu, não se encontra mais e, como a onça, a sua passagem é assignalada pela designação de logares. (81)<br />
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Os animaes selvagens mais desenvolvidos são o guará (canis jubatus) e o guaxinim (82) (canis brasiliensis) os quaes abundam nas proximidades dos engenhos e juntamente com as raposas fazem grandes estragos nos cannaviaes.<br />
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Os pequenos veados, as pacas, as cutias, os porcos queixadas, os caetetús, os cuandús, ainda existem, embora raramente. São mais communs os coelhos, os preás, os tatus (o tatu peba e o tatu bola), o tamanduá mirim, o quati, a preguiça, o cassaco ou gambá e a raposa.<br />
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De peixes a fauna é ainda mais escassa.<br />
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O Parahyba e os seus tributários possuem um pequeno numero de espécies ichtyologicas, e essas mesmas são pouco desenvolvidas.<br />
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Apenas contam-se a traíra, o cará, o jundiá, o caborge, o sarapó, a piaba e o mussú.<br />
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Dos sáurios encontra-se algumas vezes o jacaré, nos brejos e nas partes embrenhadas do Parahyba.<br />
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Entre os crustáceos apparecem o pitu, o caranguejo e o aruá.<br />
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No domínio dos ophidios a natureza, infelizmente, foi demasiada pródiga, pois na Viçosa, como aliás em toda Alagoas, as cobras existem numa quantidade prodigiosa.(83)<br />
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No grupo das elaps ou cobras de coral, existem muitas variedades venenosas, e entre estas a cobra rainha, a qual é uma coral de um colorido menos vivo que as suas congêneres e que apresenta na cabeça diversas placas escamosas em fórma de corôa. (84)<br />
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A cascavel (crotalus horridus) é mais commum nas catingas e somente apparece nas mattas ou durante os grandes verões ou pelas grandes cheias do Parahyba, vindo então conduzida nos bancos de bannonezas ou água-pés - planta aquáticas que, como ilhas fluctuantes, o rio arrasta nas suas águas revoltas. (85)<br />
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Do gênero lachesis as mais conhecidas ou as mais abundantes na Viçosa, são as surucurús e as jararacussús.<br />
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Da primeira espécie são encontradas a lachesis mutus, (surucucú pico de jaca) e a lachesis rhombeata (surucucú malha de fogo). Ambas, muito venenosas, crescem extraordinariamente e apresentam na ponta da cauda um esporão formado de escamas córneas. Sobre a intrepidez dessas cobras, que constituem o terror das mattas, o povo tem creado as mais pavorosas lendas. (86)<br />
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As jararacas e as jararacussús (87), (as espécies mais communs são a lachesis alternatus e a lachesis lanceolatus) encontram-se nas mattas, nas beiras dos riachos e dos brejos, nos altos e nas vizinhanças das habitações. Menos venenosas do que a cascavel e a surucucu, são no emtanto muito peçonhentas, tendo o seu vírus propridades phlogogenas e hemorrhagicas, acompanhadas de phenomenos locaes intensas e esphacelo dos tecidos.<br />
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É preciso assignalar entre as lachesis a jararaca do rabo branco, cuja mordedura é tão venenosa que, segundo a expressão popular, quando não mata aleja.<br />
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Muitas outras variedades de cobras, taes como a giboia, a caninana, a jericoá, a papa ovo e a cobra verde, existem largamente distribuídas pelo município.<br />
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O mundo alado é o que mais se destingue, não só pela grande variedade de espécies de canto mavioso, como ainda pela notável quantidade de aves de linda e encantadora plumagem.<br />
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Dos passarinhos possuímos o sabiá, o bicudo, o canário da terra, o curió, o brejal, o papa capim, o cardeal ou gallo de campina, o arumará ou chopim, o xexéo, a guriatan e outros muitos que seria enfadonho enumerar.<br />
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As margens do Parahyba são ermas de aves aquáticas. Isto pode explicar-se ou pelo facto dessas margens serem descobertas, ou então porque sendo o rio um pouco torrentoso, o barulho das águas afugenta os bellos espécimens que ainda se encontram nos brejos silenciosos, nos logares alagadiços e nos açudes desertos.<br />
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Dessas aves aquáticas as mais communs são: o socó-boi, linda pernalta de pennas esverdeadas ou cinzentas, que se não rivaliza em tamanho com o tuyuyú dos rios de Matto Grosso ou com o jaburú das margens do S. Francisco é, no emtanto, muito desenvolvida; o carão, a jassanan, a sericoria, o pato mergulhão e o patury.<br />
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Das aves gallinaceas destacam-se a nambu, a pomba três côcos, a inhacupé e a jurity, que nas tardes de estio enche com a melodia do seu canto a solidão dos nossos valles.<br />
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Temos ainda as aracoans, aves grandes que cantam em côro pelas manhãs e ao entardecer, a acauan e as cardigueiras ou aves de arribação, que nos grandes verões descem das catingas em bandos tão grandes e tão compactos que projectam a sua sombra em longa extensão.<br />
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Relativamente a classe dos insectos há tanta variedade que quasi se poderia dizer ir o numero das espécies ao infinito.<br />
<br />
As encantadoras borboletas que doudejam no espaço, as libélulas de cores matizadas, os bezouros verdes e de ouro e azul, as abelhas douradas, os negros mangangás, as mariposas alvas, que fazem lembrar pedacitos de papel soltos ao vento, a linda e perigosa lucilia, que se afigura pairar no espaço como um botão de esmeralda, os maribondos amarellos, as tubibas, as uruçus, as jitahys, tudo se desenvolve e pullula em larga escala.<br />
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Um pequeno insecto que supponho ainda não ter sido estudado é o potó, o qual só tenho visto em Alagoas: affecta as dimensões de uma formiga, sendo porém mais esguio, tem uma côr vermelha escura e a cauda ou extremidade posterior voltada para cima. Essa cauda tem uma côr azul clara, que a destaca do resto do corpo. A particularidade desse insecto é secretar um liquido irritante que depositado sobre a pelle produz uma acção vesicante em breves momentos.<br />
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(80) A existência de onças em tempos antigos, no município da Viçosa, ainda é relembrada pelos nomes de locaes e pelas lendas. Na subida da serra Dois Irmãos, no lado viçosense, existe um ponto denominado Toca da Onça.<br />
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Como já disse noutro capitulo, ao pé de uma cajazeira que ficava bem perto da cidade, um negro, há muitos annos, tinha sido devorado por uma onça. As lendas sobre aventuras de caçadores em ataques a esses animaes, eram tão exageradas que perderam o credito, de modo que, actualmente, ainda é de uso chamar-se historias de onças aos relatos de façanhas mentirosas.<br />
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(81) Nas margens do Riachão, no engenho Ingazeira, existe um sitio denominado Paço d’Anta.<br />
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(82) O guaxinim ou como é mais direito se escrever, guará-xaim, é um bello animal bastante crescido de pello longo e cizento. Visto nas noites de luar passar atravez dos campos, o seu vulto affecta maiores proporções. A fêmea, quando está parida, torna-se um pouco agressiva. Os campônios timoratos e inexperientes ao encontrarem-se á noite, nos logares desertos, com algum guaxinim, dão as de villa Diogo e no dia seguinte propalam no engenho ter visto um lobishomem.<br />
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(83) Não temos feras que pertubem com os seus rugidos a calma das nossas mattas, porém temos cousa peor, temos as cobras que constituem uma ameaça perenne tanto para a vida do homem como para a dos animaes. É uma tristeza. Muitas vezes, no meio de um balsedo verdejante, pontilhado de malmequeres e tecido de caracoleiras de flores avelludadas, na margem de um regato que foge sussurrante atravez de nenuphares, enrosca-se a serpente traidora, sempre preparada para atirar o seu bote fatal. O que nos vale, porém, é que para grandes males há grandes remédios. Não raramente o esconderijo da cobra é a touceira de uma planta que encerra na seiva o antitóxico da peçonha. Existem em larga escala pelos campos, e todos os montanhezes conhecem, o meladinho ou S. Pedro Caá, a folha dura, a fava de cobra, a vassoura de botão e muitas outras plantas empregadas com êxito nas mordeduras de serpentes.<br />
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(84) A disposição e a extensão das listras muito contribuem para distinguir entre si as espécies: assim quando as listras transversaes occupam toda circumferencia do corpo e acham-se bastante approximadas umas das outras, a cobra não é venenosa. Para fazer, porém, esta distincção, é preciso muita pratica, porquanto existem serpentes que são excessivamente peçonhentas, tendo apenas as listras um pouco mais afastadas.<br />
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(85) Sob o titulo, As cobras e o seu veneno, escrevi dois artigos em Maio, de 1911, na secção Notas Medicas, do Gutenberg. O estudo das cobras em Alagoas merece a attenção dos naturalistas, pois supponho que nesse Estado existem algumas espécies ophidicas ainda não classificadas. Entre essas é preciso mencionar a que o povo denomina salamanta. Tal serpente, que nenhuma analogia offerece com o lagarto europeo chamado salamandra, não é conhecida no mundo scientifico, pelos menos com aquelle nome. Será uma variedade do gênero lachesis? Ignoro. O que posso asseverar é que ella, nos seus caracteres exteriores, muito se assemelha á giboia, chegando mesmo as duas cobras a ser confundidas pelos camponezes, sendo, porém, de notar, que emquanto a giboia é destituída de veneno, a primeira pode rivalisar com a crotalus na toxidez da peçonha. Affirma uma lenda popular que a salamanta quando morde alguma pessôa, ergue a cabeça para vêl-a cair morta. <br />
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(86) Os homens do campo dizem que a surucucú tem um uma ogeriza extraordinaria pelo fogo: se algum individuo atravessa á noite uma matta, levando um tição acceso ou uma lâmpada, a cobra atira-se a elle e derrubando a luz apaga-a com a ponta da cauda. Contam mais que, nos incêndios das mattas, ella lucta com as labaredas até morrer queimada. Dizem que, quando ella está irritada e deseja atirar o bote á distancia, fica erguida verticalmente sobre o esporão.<br />
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(87) As jararacussús e as outras cobras apparecem com mais freqüência no inverno e com especialidade no começo das chuvas. Quando o frio augmenta ellas tornam-se mais raras. Nos dias de sol que succedem ás grandes noites de chuva, todo o camponez experiente, que tem de atravessar a matta ou penetrar nas capoeiras fechadas, toma as suas precauções porque é quasi certeza encontrar cobras em abundancia, aquecendo-se pelos caminhos e pelas réstias de sol.<br />
<br />
As jararacussús durante o inverno procuram os logares sêccos e elevados. Pelo verão porém, ellas são encontradas com mais freqüência nas beiras dos brejos e nos recantos humidos cobertos de mufumbos ou paúeis.<br />
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Um outro facto relatado pelos matutos é que nos logares onde existe cobra sente-se o seu cheiro, o qual é semelhante ao do peixe cru ou ao das folhas do cabaceiro.<br />
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..:: CAPITULO XII ::.. <br />
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Constituição dos terrenos<br />
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O estudo da mineralogia e da geologia no município da Viçosa ainda está por fazer.<br />
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Sabe-se, no emtanto, que na Serra Dois Irmãos e no leito do Parahyba, dominam quasi que exclusivamente o diorito e outras rochas do typo granitóide.<br />
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Em diversos pontos são encontrados o quartzo hyalino e a pederneira.<br />
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Sob o nome de pedra de fígado é designada para os lados da margem direita do Parahyba, onde existe em abundancia, uma variedade de quartzo de cor avermelhada, tendo um aspecto da víscera donde tirou o nome.<br />
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As montanhas e as chãs são constituídas na sua totalidade pela argilla vermelha, conhecida pelo nome de barro vermelho. Nesses terrenos encontram-se pequenos traços de greda branca e roxa. A malacacheta amarella ahi se acha fartamente disseminada em pequeninas laminas ou escamas brilhantes. (88)<br />
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Os valles e as grotas são cobertos de uma crosta de terra escura, rica em húmus e matéria orgânica. Essa variedade de terreno é mais commum nos brejos, nos logares alagadiços e nas margens dos rios e regatos, parecendo ser formada pelas alluviões que as águas acarretam.<br />
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Em certas várzeas existe uma argilla de cor branca azulada ou esverdeada, muito empregada na cerâmica local e que pela lavagem deixa em deposito pequenos fragmentos de quartzo hyalino. <br />
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As rochas calcareas são encontradas a O. do município.<br />
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Há bem poucos annos o sr. Manoel Galvão, industrial que residia na Viçosa, tendo comprado um terreno para explorar a cal, no sitio Lunga, nos limites do município com Quebrangulo, descobriu uma importante mina de mármore. <br />
<br />
Em 1897, passando no Lunga, onde estavam montando machinismos para a serraria, percorri os trabalhos de excavações da mina e pude verificar quanto esta era vasta: havia em grandes blocos duas espécies de mármore - uma branca, lactescente, e outra de uma bella cor azul celeste. Notei, porem, que as pedras tinham uma grã muito grossa e que eram friáveis. Explicaram-me, depois, que o mármore assim quebradiço era apenas o da superfície do solo, sendo o da profundidade compacto e resistente.<br />
<br />
A exploração do mármore na Viçosa ia pois se tornar uma realidade quando, por motivos que ignoro, o sr. Manoel Galvão deixou a empreza, e ainda hoje, creio, os machinismos jazem lá abandonados.<br />
<br />
Diversas pessôas têm aventado a idéa de que no município existem minas de cobre. Tal presumpção é baseada apenas no facto de apresentaremas as areias das margens de alguns regatos uma côr castanha esverdeada, semelhante a do cobre azinhavrado.<br />
<br />
Tratando-se da constituição dos terrenos, é bom lembrar que na Viçosa já foi observado um ligeiro phenomeno sísmico. Esse facto se deu na noite de 1º de Fevereiro de 1901. Por volta das 10 horas sentiu-se a terra tremer e ouviu-se um surdo rumor subterranco. Por informações posteriores, soube que esse tremor foi mais accentuado ao longo da margem direita do Parahyba, parecendo vir dos lados do sul, do município de Anadia. Em Atalaia os pratos chocaram-se nas prateleiras e as portas giraram fortemente.<br />
<br />
Parece portanto que na constituição dos terrenos da Viçosa e dos municípios que lhe são circumvizinhos, entra qualquer cousa de natureza vulcânica.<br />
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Em nota ao capitulo 7º declarei que, segundo me informaram, na serra do Gigante, em Bom Conselho, na nascença do Parahyba, ouve-se, de quando em vez, rumores subterrannos.<br />
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Consta-me que a 12 leguas da Viçosa, bem perto de Limoeiro de Anadia, existe uma fenda no terreno por onde se escapam gazes sulfurosos.<br />
<br />
A esses phenomenos geológicos vem juntar-se a probabilidade da existência de um lago subterranno: há muitos annos, o capitão Pedro José da Cruz Brandão, procurando abrir uma via de communicação com o povoado Gamelleira, afim de facilitar o transporte do assucar para a cidade do Pilar, notou, ao atravessar uma grande matta perto do sítio Pimentas, que no meio da picada existia um fojo vertical, com o diâmetro de um palmo. Um trabalhador encarregado de obstruil-o, viu que as estacas introduzidas no buraco desappareciam immediatamente, ouvindo-se alguns segundos depois um rumor idêntico ao de corpos caídos n’agua. Tal facto foi observado mais tarde por diversas pessoas, mas, como ainda não se fez um exame scientifico, nada se pode adiantar de positivo sobre a existência do tal lago.<br />
<br />
(83) Após os aguaceiros das trovadas, a malacacheta, lavada pelas águas do enchurro e brilhando ao sol, parece ter sido depositada recentemente nos terrenos. Devido a esse facto os montanhezes dão-lhe o nome de esterco do trovão.<br />
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..:: CAPITULO XIII ::.. <br />
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Descripção política<br />
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POPULAÇÃO - Pelo recenseamento de 1890 o município accusou uma população de 30.000 habitantes, e pelo de 1900 a cifra elevou-se a 39.821.<br />
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Vê-se, portanto, que num decennio houve um augmento de perto de 10.000, e como já decorreram treze annos depois do ultimo recenseamento, acho que se pode hoje calcular em 53.000 o numero dos habitantes.<br />
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A população da cidade, também pelo ultimo recenseamento, era de 6.000 habitantes. Sem exagero presumo que actualmente ella anda próxima de 8.000. No perímetro urbano existem perto de 2.000 casas.<br />
<br />
ADMINISTRAÇÃO E JUSTIÇA - O município tem um Conselho Municipal de 12 membros, um intendente, um juiz de direito, um juiz substituto, um promotor publico, dois tabelliões, dois juizes districtaes, um commissariado de policia e três subcommissariados distribuídos pelos principaes povoados. Existem 7 secções eleitoraes com mil e cem eleitores. Possue uma Recebedoria Estadoal e uma Meza de Rendas Federaes. A renda da Intendência Municipal eleva-se a mais de quarenta contos e a da Recebedoria a trinta.<br />
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INSTRUCÇÃO - A instrucção é distribuída em todo o município por seis cadeiras de aula primaria. <br />
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Na cidade existem diversos collegios particulares de instrucção primaria e secundaria. A sociedade Instructora Viçosense mantem um curso de aula nocturna aos seus associados.<br />
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VIAS DE COMMUNICAÇÃO - A principal é representada pelo ramal da Great Western, antiga Alagoas Railway, ramal que partindo da linha principal na estação Lourenço de Alburquerque, liga a Viçosa a Maceió e ao Recife. Diariamente parte ás 6 da manhã um trem da estação da Viçosa para a capital, estando de volta ás 7 horas da noite. Nos mezes de safra também partem diariamente diversos trens de cargas ás 10 horas da manhã. A communicação directa com o Recife é feita quatro vezes por semana. <br />
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Actualmente o ramal ferro-viario da Viçosa está sendo prolongado para o sertão, até a cidade de Palmeira dos Índios.<br />
<br />
São quatro as principaes estradas communs do município, as quaes, segundo a sua direcção podem ser denominadas do norte, do sul, do occidente e do nascente. As mais transitadas são a do occidente e a do norte. A primeira é a estrada do sertão, a qual, seguindo pelo Descançador e Matta Escura vae, ás vezes marginando o Parahyba, bifurcar-se adeante em dois ramaes – um que segue para Quebrangulo e outro para Palmeira dos Índios. Essa estrada não apresenta desfiladeiros e o seu percurso só se torna diffícil no inverno, por causa das passagens do Parahyba, em nenhuma das quaes existe ponte. Durante o verão o rio é atravessado a vau, sem perigo algum. Diversos trechos do caminho, em logares como no Descançador, onde existiam lamaçaes durante a estação das chuvas, são calçados. O grande transito dessa estrada tende a diminuir com o prolongamento da via-ferrea para a Palmeira.<br />
<br />
A estrada do norte antigamente era péssima, por causa dos desfiladeiros do “Cento e Vinte” e da Fazenda Velha. Actualmente, porém, o seu percurso foi desviado das ladeiras e dirige-se, a principio pelos grotões do Riacho do Meio e depois pelas mattas dos Bahianos até o engenho Barro Branco, onde se bifurca. Apresenta muitos trechos calçados e com mais algum trabalho ficará convertida numa verdadeira estrada de rodagem. É muito transitada, pois estabelece communicação com a maior parte dos engenhos, com o município da União e com o Estado de Pernambuco. Não tem passagens perigosas de rios ou riachos e em grandes extensões é sombreada por mattas.<br />
<br />
A estrada do nascente ou estrada de baixo, era a que servia para estabelecer a communicação com a capital. Hoje, depois do caminho de ferro, quasi que se acha abandonada. Apresentava muitos lamaçaes, atoleiros e passagens perigosas, taes como a do riacho Itapicurú, na sua foz com o Parahyba, perto do povoado Gamelleira. Nos desfiladeiros da serra Dois Irmãos, o governo provincial tinha construído um calçamento.<br />
<br />
A estrada do sul faz a communicação com o município de Anadia. Atravessa o Parahyba nas immediações da cidade e tem mais algumas passagens de pouca importância, taes como as do Riachão, Parangaba e Camboim. É um pouco ladeirosa, principalmente depois do povoado Pindoba, quando começa a longa subida da serra Tamearana.<br />
<br />
Existem duas agencias do correio, uma na séde do município e outra na Pindoba. A primeira envia malas para a capital diariamente e para o centro do Estado duas vezes por semana.<br />
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Não existe telegrapho nacional, mas a cidade é servida pelo da via-ferrea.<br />
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TOPOGRAPHIA DA CIDADE - A situação topographica da cidade da Viçosa não é das melhores: pelo lado do norte corre a montanha do “Cento e Vinte” que se prolonga com as montanhas do Descançador. Pelo lado do nascente existe a montanha da Conceição, pelo lado do poente o alto do cemitério e pelo lado do sul o rio Parahyba, pouco depois do qual começam as primeiras elevações do alto da Balança.<br />
<br />
As montanhas da margem esquerda, approximando-se umas das outras, deixam entre si pequenos e estreitos valles. As ruas alongando-se por esses valles e grimpando pelos começos das elevações, são tortuosas e ladeirosas, de modo que a cidade, a par de um panorama anti-esthetico, sem graça e sem poesia, não apresenta todo o seu conjuncto num só relance, parecendo, portanto ser menor do que realmente é.<br />
<br />
A Viçosa, apesar de ser uma cidade muito commercial, de ser a séde de um dos municípios mais ricos do Estado, ainda tem muito a desejar. Á parte alguns sobrados, alguns chalets e algumas habitações confortáveis, o que domina na construcção é o casebre feio e triste, sem arte e sem gosto, disposto em viellas disformes, mal alinhadas, as quaes, ora terminam em funil, ora em largos ou praças mal feitas e sem a menor noção architectural.<br />
<br />
A cidade possue um theatro que tem a denominação de Theatro Carlos Gomes e um hospital de caridade cujo edifício de sólida construcção, foi feito com o producto de donativos e subscripções populares.<br />
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Existem seis associações: duas beneficentes - a Amor e Caridade e a de S. Vicente de Paula; uma literaria - a Instructora Viçosense, que possue uma bibliotheca, duas recreativas - a Hebe Viçosense e a Sociedade Dramática Pedro Silva; uma philarmonica – a Euterpe Viçosense; e finalmente uma loja maçônica - Mensageiros da fé.<br />
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O mercado, edificado nas proximidades da estação da estrada de ferro, é vasto e sólido. Ahi todos os sabbados se reúne uma grande feira, a qual antigamente era realisada na praça Deodoro.<br />
<br />
COMMERCIO – O principal commercio faz-se com as praças de Maceió e do Recife. Algumas casas têm relações com a Bahia e com o Rio. Os artigos importados são, na sua maioria, representados por fazendas, miudezas, ferragens, sêccos e molhados e objectos de quinquilharia. Os estabelecimentos comprehendendo esses diversos ramos de negocio sobem a cincoenta. Existem na cidade onze casas de consignações e commissões fazendo em grande escala o commercio de compras. A exportação é feita para as praças de Maceió e do Recife; consta de assucar, cereaes, algodão, coiros de boi, coiros de bode, etc.<br />
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Ultimamente, com o prolongamento da via-ferrea para Palmeira dos Índios, tem-se dito com freqüência que o movimento commercial da Viçosa irá decair. Acho que taes apprehensões são infundadas, pois a Viçosa não somente é um entreposto commercial, mas ainda um centro de consumo e um centro productor, talvez o mais importante do Estado. Admittindo-se, como é plausível, que o commercio de Quebrangulo, Palmeira dos Índios e Sant’Anna do Ipanema corra directamente para Maceió, a Viçosa ainda assim, ressentir-se-á muito pouco, porque a importação e a exportação d’aquellas localidades, entram apenas como uma pequena tara na balança do seu futuroso commercio. O município tem vida própria como attestam a densidade da sua população, a sua centena de engenhos e a sua grande cultura de algodão e cereaes, sendo todos esses elementos de riqueza sufficientes para garantir-lhe a hegemonia commercial sobre os demais municípios do Estado.<br />
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POVOAÇÕES - São as seguintes as povoações do município:<br />
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1ª - Annel - Acha-se situada a duas léguas da cidade, na margem do Parahyba. O seu desenvolvimento data de uns dez annos para cá. Tem uma feira muito concorrida aos domingos e possue oito casas de negocio.<br />
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Ahi existe uma capella de Nossa Senhora da Conceição com um patrimônio doado por Alexandre Massena. Segundo me informaram o nome annel é devido á grande volta que o rio descreve nesse local.<br />
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2ª - Pindoba – É uma povoação antiqüíssima, situada ao sul do município. Parte pertence á Viçosa e parte á Anadia, sendo a divisão feita pelo riacho Parangaba. Tem uma pequena capella sob a invocação da Divina Pastora e outra sob a de S. Sebastião.<br />
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3ª - Chã-preta - É um pequeno povoado que está agora se desenvolvendo e que parece ter um certo futuro. Acha-se situado numa grande altitude, a umas quatro léguas ao noroeste do município. Tem uma capella, uma cadeira de instrucção primaria, uma feira ao domingos e algumas casas de negocio.<br />
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4ª - Sabalangá – É talvez a povoação mais antiga da Viçosa. Fica entre a cidade e a serra Dois Irmãos. Foi um antigo mocambo dos palmares. Actualmente se acha em decadência. Possue uma pequena capella.<br />
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5ª - Matta Escura - Este núcleo, que se acha na margem esquerda do Parahyba, bem perto da cidade, parece também ter sido um mocambo dos palmares.<br />
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6ª - Bom Socêgo – Antigamente essa povoação tinha o nome de Tobias. Sempre viveu atrazado porque sempre foi reducto de criminosos. Actualmente, com o desenvolvimento da Chã-preta, que lhe fica perto, ella resentiu-se bastante e parece que tende a desapparecer.<br />
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7ª - Barra do Cassamba – Fica na confluência do rio Cassamba com o Parahyba. É um agrupamento de casas sem importância. O seu povoamento parece ser anterior ao da cidade.<br />
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8ª - Caldeirões - É um pequeno povoado onde há uma feira aos domingos. <br />
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9ª - Laranjeira – Fica ao nordeste, a umas três léguas da cidade. Começa a desenvolver-se e já tem uma capella.<br />
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10ª - Bonito – Povoado que já teve um commercio bastante crescido. Hoje está em declínio.<br />
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11ª - Queimado - Povoado estacionário na margem do Parahybinha.<br />
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12ª - Chã do Tangy - É um agrupamento de casas collocado no alto da montanha do mesmo nome. Tem uma capella e as suas cercanias constituem uma zona muito algodoeira. Como todas as chãs do município o Tangy gosa de um excellente clima.<br />
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13ª - Bananal - Fica no engenho do mesmo nome.<br />
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14ª - Limoeiro - Foi transformada em engenho e possue um numero limitado de casas. <br />
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Como se vê, as povoações da Viçosa não passam de pequenos núcleos, alguns com um desenvolvimento muito moroso, outos estacionários e a maior parte em franca decadência. Isto porém nada depõe contra as condições evolutivas do município, attendendo-se a que a vida quasi que se concentra exclusivamente na séde e nos engenhos.<br />
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AGRICULTURA - A agricultura é representada pelo plantio da canna de assucar, pelo do algodão, do milho, do feijão, da mandioca, da fava e da mamona.<br />
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Os terrenos, como já tive occasião de dizer por mais de uma vez no decorrer desta obra, são na totalidade de uma fertilidade admirável. Existem grotas, valles e chãs trabalhadas incessantemente há mais de um século, sem se exhaurirem. O agricultor da Viçosa não conhece o arado nem os adubos para os terrenos. O preparo destes para os roçados, consiste apenas na derrubada das mattas ou capoeiras, na queima e no encoivaramento.<br />
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A canna de assucar constitue o principal ramo de cultura. A espécie commumente empregada é a chamada Cayenne, a qual é muito rica em saccharose e desenvolve-se perfeitamente nos terrenos. Não é raro encontrarem-se touceiras que apresentam trinta a quarenta cannas, contando algumas três a quatro ordens ou pedaços do comprimento de um metro. O plantio é feito em Junho ou Julho, nos altos e nos montes, em Setembro ou Outubro nas várzeas frescas e embrejadas. Conforme a natureza do terreno, um cannavial pode dar até dez folhas, isto é, produzir successivamente dez safras. Commumente, porém, só se colhe nos três primeiros annos – a primeira folha ou canavial de planta, a segunda ou cannavial de sóca e a terceira ou cannavial de resóca. <br />
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Actualmente existem na Viçosa uns cento e vinte engenhos. Todos elles fabricam o assucar pelo systema primitivo, não havendo no município uma só usina. Como quer que seja, admittindo-se a media de 300 saccos para cada engenho e um preço de três mil réis por arroba, vê-se que uma safra de assucar em todo o município, nos annos regulares, pode render uma somma que se approxima mais ou menos de 600 contos de réis.<br />
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Entre os engenhos que safrejam mais de mil saccos por anno, notam-se o Boa Sorte, o Bananal, o Dourada, o Riacho Secco, o Matta Verde, o Limoeirinho e o Floresta. Os que possuem maiores machinismos são o Boa Sorte e o Bananal do coronel Manoel Fernandes. Entre os mais bem construídos destaca-se o Barro Branco, reformado em 1898 pelo seu proprietário, o coronel Theotonio Torquato Brandão, que nelle edificou uma bella e vasta casa de pilares. <br />
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O assucar fabricado nos engenhos da Viçosa é o assucar mascavo bruto. O seu preparo ainda é da mesma fórma que nos tempos coloniaes; exprimida a canna nas moendas, o caldo é aparado no parol e deste segue em bicas para o assentamento, o qual consta, em regra geral, de cinco tachas, onde vae se fazendo gradativamente o cozimento, a separação das impurezas e a apuração do mel. Este, tendo attingido o ponto, é transvasado para as bacias afim de ser batido até ficar semi-coagulado. Nessas condições é trasportado para as fôrmas, onde se dá definitivamente a solidificação. O ensaccamento faz-se uns quatro dias depois, quando o assucar já tendo nas fôrmas deixado escorrer para os tanques o mel que o infiltrava, se apresenta completamente sêcco.<br />
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O mel dos tanques, também chamado mel de furo ou mel cabaú, é empregado, ou no fabrico do retame - assucar de ínfima qualidade, ou, como é mais commum, no fabrico da aguardente.<br />
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Em alguns engenhos ainda há o uso de seccar-se o assucar ao sol, em balcões ou grandes taboleiros apropriados.<br />
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A cultura do algodoeiro, ou como é de uso dizer-se, a cultura do algodão, é, depois da canna de assucar, a mais espalhada no município.<br />
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As espécies geralmente empregadas são o algodão quebradinho e o algodão do Maranhão.<br />
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O ultimo é mais floconoso, mais rico em substancia filamentosa, porém o povo planta de preferência o quebradinho, não somente por que é mais pesado, visto a sua semente ser mais densa, como também porque o seu arbusto desenvolve-se com mais facilidade, resiste mais fortemente aos ardores do sol e pode passar de um anno para outro, de modo que, situando-se um roçado de quebradinho, pode-se fazer a colheita em duas ou mais safras, sendo apenas necessário decotar-se a planta no começo das chuvas e cuidar dos rebentos.<br />
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O milho e o feijão são também plantados em larga escala. Este ultimo constitue uma grande fonte de renda, pois em certos annos é vendido nas feiras de quatro a seis mil reis a cuia (dez litros). Para dar uma idéa da grande producção desses cereaes no município, basta dizer que, segundo uma nota estatística colhida de boa fonte, o mercado da Viçosa exportou, num desses últimos annos 60 mil saccos de milho e feijão.<br />
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Ao lado desses productos a mandióca occupa também um logar de destaque. Dessa planta são cultivadas differentes espécies, das quaes as mais importantes são a mandioca manipéba, a almeida, a lagoa e a macacheira ou mandioca mansa, que ao contrario das outras, pode ser comida assada ou cozida.<br />
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A fabricação da farinha também se acha subordinada aos princípios primitivos: usa-se ainda o caetetú instrumento antigo que consta de um cylindro de madeira cravejado de diversas serrilhas de ferro e que se move á força de braços humanos, por intermédio de uma grande roldana. Pulverisada a mandioca é então submettida á compressão, em prensas também primitivas, feitas toscamente de troncos de arvores. Separada a manipoeira ou succo da planta, a massa é espalhada num grande forno de barro onde em fogo lento é mexida até ficar completamente torrada. A farinha assim preparada é sempre grosseira. Toda ella é cossumida no município, variando o seu preço conforme a fartura ou carência.<br />
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A mamona ou carrapato, que se desenvolve em grande abundancia, é cultivada em pequena escala.<br />
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Os terrenos da Viçosa prestam-se ainda á cultura da batata, da maniçoba, do fumo, do café e do cacau, tornando-se apenas necessária a pratica de certos princípios indispensáveis para o desenvolvimento de taes productos. Noutro capitulo já tive occasião de falar nos grandes proventos que pode trazer ao município o plantio em larga escala da goiabeira e da bananeira.<br />
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INDUSTRIA PASTORIL - Nestes últimos annos tem sido muito explorada a “solta de garrotes” nos “reservos”. Tal gênero de negocio é muito lucrativo. <br />
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VOLTAR AO INÍCIO <br />
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..:: CAPITULO XIV ::.. <br />
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A vida no engenho<br />
(QUADROS E COSTUMES)<br />
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O engenho é um mundo a parte - um pequenino mundo quasi independente, com a sua vida quasi própria.<br />
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Visto de longe, o seu todo parece emmoldurado no verde escuro da matta.<br />
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No alto de uma suave collina eleva-se a casa grande - a residência do senhor de engenho; é uma casa vasta, branca e arejada, com três alpendres cercados de balaústres.<br />
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Ao fundo destaca-se o quintal - extensa área de terreno limitada por pau a pique e coberta de frondosas arvores fructiferas.<br />
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Ás vezes, entre os laranjaes floridos, vê-se alvejar uma egrejinha simples.<br />
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A casa do engenho fica um pouco além - ou no pendor da collina ou do outro lado do açude, no começo da várzea. É construída de tacaniças e pilares. O “bueiro” alto e esguio assignala-a em distancia.<br />
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Em torno extende-se a bagaceira branca.<br />
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Depois são os cercados e mais adeante os cannaviaes, espraiando-se pelos varzeados frescos, subindo os montes e cobrindo as chãs como um verde e ondulado manto.<br />
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Casitas rústicas apparecem - ora pelas margens das estradas arenosas, ora atufadas entre a folhagem basta das capoeiras altas.<br />
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Espelhando ao sol a sua faixa prateada, um pequeno regato vae a esgueirar-se entre balsedos de malmequeres, e além, pelos longes da paizagem, nas curvas do horizonte, as mattas se azulam, beijando a turqueza do céu numa perpectiva doce e vaporosa como a maciez de um sonho...<br />
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Duas figuras merecem um ligeiro bosquejo: o senhor de engenho e o trabalhador.<br />
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O senhor de engenho, em regra geral, é um homem honrado e laborioso, muito correcto nos seus negócios e que procura sempre se impôr pelo seu caracter. Guarda em si um pouco da nobreza e altivez do antigo colono, do qual, em virtude talvez do atavismo, conserva ainda um resto das antiquadas usanças, misturadas com uma boa dóse da simplicidade nativa do aborigene primitivo. É hospitaleiro a toda prova. O viajante que por noite de inverno for bater numa fazenda, mesmo em horas mortas, pode ter a certeza que as portas lhe serão abertas e que terá uma ceia e um leito para compensar as agruras da jornada.<br />
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Sobre o trabalhador é preciso fazer uma distincção entre o filho da matta e o filho da catinga.<br />
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Este ultimo é o representante da gente adventícia e fluctuante que nos annos de sêcca desce dos altos sertões, em levas maltrapilhas e famintas. Chegando na zona da matta vive miseravelmente, sem cuidar de se fixar na terra, sempre dominado pela nostalgia da pátria. Constroe o seu rancho do modo mais simples possível, com esteios e cumieiras de imbaúba. Com as primeiras rajadas do inverno a casa começa a desabar. Nesse tempo, justamente, chega a noticia de que já há verde no sertão. Arruma então a trouxa, e sem cogitar das dividas faz uma madrugada, e quasi fugido eil-o de novo com a mulher e os filhos de volta á terra natal.<br />
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Ao lado, porém, dessa gente sórdida, desconfiada, preguiçosa e mal agradecida, destacando-se em perfeito contraste, apparece o filho da matta – o verdadeiro trabalhador com o qual o senhor de engenho pode contar nas differentes épocas do anno. É pobre, mas usando-lhe a própria expressão, vive remediado.<br />
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Apesar de trabalhar alugado e prestar o seu concurso ao engenho, ainda dispõe de algum tempo para lavrar o seu roçado e plantar os cereaes mais necessários. Possue um cavallo, cria o seu porco e as suas galinhas e ainda tem uma cabra que lhe fornece o leite para alimentar as creanças. A sua casa já revela um pequeno conforto, embora rudimentar.<br />
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É coberta de palha, porém as paredes são de taipa. Em regra geral tem um copiar que representa a sala de visita, dois quartos e uma cosinha que também serve de sala de jantar. Como mobiliário possue bancos toscos de madeira, redes de algodão e esteiras de piripiri ou de palha de palmeira.<br />
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O vestuário dessa gente é typico: as mulheres usam saias de chita de vistosas cores, cabeção de morim e chale de quadros vivos. Nos dias de festa vestem um casaco da mesma fazenda que a saia, calçam uns tamancos de marroquim e se adereçam com collares de contas de vidro ou de massa. O traje do homem ainda é mais simples: consta de calça de algodão trançado, branco ou listrado, camisa de madrasto ou de algodãosinho, usada sempre por fóra das calças e chapéo grosseiro de palha de palmeira.<br />
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Como arma usa a faca de ponta e o cacete. A primeira sendo prohibida pela policia, não é trazida ostensivamente. Quando o matuto se approxima de algum logar povoado, ápea-se do cavallo, retira a faca da cinta e esconde-a na esteira da cangalha. O cacete é uma supervivencia das armas do antigo aborigene: é uma modificação do tacape. Feito de pau duríssimo, possue a extremidade inferior mais grossa do que a superior. Ás vezes é quinado e ás vezes é roliço, tendo sempre um tamanho menor do que as bengalas commumente usadas. É uma arma offensiva e defensiva, que seja dito de passagem, é muito mal manejada.<br />
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Sobre o ponto de vista ethinico, há uma grande mistura oriunda do cruzamento das três raças que se fundiram – a branca, a preta e a cabocla. Encarado no seu conjunto o que fere logo a attenção do observador é a mestiçagem, isto é, o producto do caldeamento dos três elementos heterogêneos. Esse producto tem no cabra o seu mais perfeito representante. Independente destas circumstancias, entre os trabalhadores também se encontram o branco, descendente do portuguez, o preto e o genuíno descendente do caboclo, no seu typo ethnico mais puro. A população fluctuante de que falei há pouco, é, na sua maioria, constituída desta ultima classe e concerva ainda todos os traços característicos da raça mongolóide.<br />
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Antes de 88, a senzala dos escravos alinhava-se um pouco além da casa grande.<br />
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Os negros, porém, eram em numero reduzido, de modo que para o plantio da canna o escravo constituía apenas um auxiliar.<br />
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O 13 de Maio foi uma surpreza para o senhor de engenho, que julgou tal acto um attentado a sua propriedade, um roubo feito á nação pelo governo. As idéas abolicionistas ainda não tinham entrado na Viçosa, mas, faça-se justiça, os seus engenhos jamais haviam presenciado as scenas vandálicas da escravidão, tão communs em outros logares. As novenas de açoutes, os bancos e as gargalheiras não medraram em minha terra. Si o negro tinha castigo era apenas como uma reprimenda ás suas malfeitorias, mas nunca esse castigo ultrapassava os sentimentos de humanidade.<br />
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A dor do escravo era mais devida a privação da liberdade do que aos maus tratos corporaes.<br />
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Com as primeiras chuvas do inverno a milhã aponta e as queimadas reverdecem.<br />
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Começam as “limpas” dos cannaviaes.<br />
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De manhã cedo o engenho accorda ruidoso e cheio de vida para a faina diária.<br />
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As neblinas da madrugada ainda envolvem o vasto palmeiral e já no terreiro da casa grande os trabalhadores recebem do senhor de engenho as determinações para o serviço.<br />
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Pouco depois o “eito” começa, em baixo, no aceiro do cannavial. <br />
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Agora todo o valle rumoreja.<br />
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Pelo ar frio, vibratilisado e garoento, rolam sons extranhos e diversos – tinidos metallicos, arrastar de enxadas, gritos, sons de gargalhadas e mugido de animaes. Ouve-se o estardalhaço de arvores que desabam, o crepitar de ramadas que se desprendem, o despalhar de cannas novas, ruído sêcco das foices, o som forte e monótono dos machados.<br />
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Longe, pelas ladeiras, começa o côro das aracoans e ao mesmo tempo, do “eito”, irrompe um outro côro, em cadencia triste e langorosa.<br />
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O sol atravessando a garoa vae-se erguendo sobre as arvores.<br />
<br />
A paizagem se illumina, desfaz-se a cerração e no meio da manhã azul e transparente, o engenho apparece, como que sorrindo á doce caricia da luz matinal.<br />
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Em Junho o inverno desencadeia-se forte e ululante.<br />
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As mattas, lacrimejando num continuo pranto, parecem estar de lucto, e as arvores batidas pelo vento e pelo aguaceiro, assemelham-se a espectros doidos, desolados, com a cabelleira solta a fustigar o espaço.<br />
<br />
Os regatos transbordados alagam as várzeas, cobrem o capinzal e apertados nas boccas das grotas, precipitam-se encachoeirados, fazendo retumbar ao longe o ruído das suas quédas.<br />
<br />
Enchem-se as estradas de camalhões e pelas ladeiras as águas barrentas da enxurrada rolam tumultuosamente, cavando fossos e valletas.<br />
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Todo o serviço no engenho está paralysado.<br />
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Os animaes fustigados pela chuva refugiam-se nas latadas dos curraes, e a fazenda erma, deserta de seres vivos, parece como que abandonada á fúria dos elementos.<br />
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As tardes são como uns longos crespusculos pesarosos, e quando a noite cae a soturnidade redobra, tétrica e pesada. Não se ouve nem um balido, nem um mugido. Somente a chuva estala em bátegas, e além, pelas várzeas longas, os vagalumes se accendem, em myriades, como cirios pallidos de alguma procissão phantastica e enorme<br />
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Em Setembro os cannaviaes das ladeiras, já sazonados, principiam a amarellecer.<br />
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Então começam os preparativos para as botadas (89) do engenho.<br />
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Limpam-se as machinas, concertam-se os tanques e as tachas, renovam-se os curraes e varrem-se as bagaceiras e os balcões.<br />
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Inicia-se o córte das cannas. <br />
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Agora, pelas estradas alvacentas, passa o bando alegre dos cambiteiros, (90) cantarolando trovas campezinas, quadras sentidas ou “emboladas alegres.”<br />
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A casa do engenho, com o largo portão escancarado, vae recebendo no seu vasto ventre as cargas recheadas.<br />
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Afinal os “picadeiros” abarrotam-se e a moagem vae começar.<br />
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Antes porém de ser esmagada a primeira canna, é celebrado um terço cantado ante a imagem de Christo, collocada em um altar improvisado na bocca das moendas. Esta cerimônia tem por fim evitar que durante os cinco ou seis mezes de moagem haja algum desastre a lamentar-se.<br />
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Terminado o terço a machina apita, as moendas movem-se, machucando a canna, e o caldo verde e espumoso começa a cair no cocho, aos gorgolões.<br />
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Pelo verão, ao “quebrar das barras” no esplendor das madrugadas, o céo desenrola as suas faixas de ouro e azul.<br />
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Rompe a alvorada a cavatina das aves e a matta em festa accorda cheia de cantos e perfumes.<br />
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A moagem está a findar e já pelos altos começam as derrubadas para o preparo dos roçados.<br />
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O calor amarelleceu os campos e resequiu as várzeas. O verde esmeraldino dos cannaviaes foi substituído pelas manchas negras das queimadas.<br />
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Ao meio dia, num céo muito azul, o sol rutila, candente, fulvo. Nem uma ligeira viração faz oscillar as arvores paralysadas e mudas sob o mormaço tropical. Os flabellos immoveis das palmeiras parecem faiscar ás reverberações da luz coruscante que jorra do alto.<br />
<br />
Dos montes e das rechãs, extendendo-se o olhar por sobre a vastidão dos campos, nessas horas caliginosas, tem-se a impressão de que a natureza dorme a sésta, embalada pelo canto monótono das cigarras.<br />
<br />
Ao cair da tarde, nos longes das montanhas, para o lado das queimadas, os horizontes se enfumaçam.<br />
<br />
O sol vae tombando no poente ensangüentado, vae o dia expirando.<br />
<br />
A luz moribunda vasqueja pelo espaço, côa-se pelas arvores, flammeja sobre o açude, derrama-se como um restello d’ouro sobre os escampados vastos e afinal desfallece, em laivos tristes, lentamente.<br />
<br />
Agora pelo accaso resvalam a esmo as manchas violaceas do crepusculo.<br />
<br />
Toadas soltas de capineiros rolam pelos ares, ora em notas agudas e vibrantes, ora em requebros languidos e vagarosos, como se viessem de longe, de muito longe, das profundas entranhas da matta. <br />
<br />
Á beira dos riachos, pelos carreiros e pelos limpos do cercado, os animaes soltos e livres do mourejar do dia, resfolegam amplamente, haurindo a grandes sorvos o ar da tarde.<br />
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Morre a ultima claridade do dia.<br />
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As trevas se adensam, palpitam no céo as primeiras estrellas e a noite, morna e placida, envolve docemente a casaria alvacenta do engenho.<br />
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Dorme a fazenda no banho calmo e prateado do luar.<br />
<br />
Nas longuras das varzeas perfumadas, pairam as sombras, silencio e a quietação da noite.<br />
<br />
Além, pelas quebradas das collinas, os canaviaes parecem um vasto lençol, e sobre o palmeiral ferido pela claridade da lua, as brizas sussurram, gemem baixinho, segredam magoas talvez...<br />
<br />
Alta e esguia, a chaminé do engenho projecta no espaço o seu perfil de gigante, e como uma sentinella sobre um acampamento adormecido, parece velar o somno da fazenda.<br />
<br />
Rompe agora o silencio o galope de um cavallo. Cães ladram pelas portas das choupanas, bate a cancella do cercado e alguem na estrada deserta passa veloz. Talvez algum feirante retardatario a quem a noite surprehendeu em meio da matta, talvez algum vagabundo que de engenho em engenho anda a cata de algum côco.<br />
<br />
O galope se distancia e perde-se ao longe. Volta o silencio.<br />
<br />
Cada vez mais bella, a claridade do luar cae sobre a fazenda como um sudario transparente, povôa de sonhos e mysterios a espessura das mattas, envolve as montanhas, derrama-se pelas baixadas, e beijando os nenuphares sombrios vae espalhar rodilhas de luz sobre a face fria dos açudes, onde dormem as grandes nymphéas brancas e pensativas.<br />
<br />
De quando em quando, numa dobra do caminho, no meio da matta ou num valle engargantado entre montanhas alpestres, num logar sempre esconso e solitario, apparece uma cruzinha negra e carcomida pelo lichen.<br />
<br />
Tão triste, tão desolada, parece communicar a toda paizagem o seu aspecto de pesar e nostalgia.<br />
<br />
Se o viajante ao sair do bosque procurar, na primeira choupana, conhecer o motivo d’aquelle signal de piedade erguido alli naquelle recanto deserto, contar-lhe-ão uma tragedia sombria, uma scena lancinante de sangue e dor: ao entardecer de um dia de verão, um pobre velho atravessava descuidoso a matta, quando um preto fugido o aggrediu a punhaladas; o velho rolou por terra, agonizando, e o negro, arrebatando-lhe os alforges, desappareceu numa curva do caminho.<br />
<br />
Outras vezes é um verdadeiro lance de bravura - é um valentão que cercado pela escolta da policia local, se bate desesperadamente, com furor, sucumbindo afinal depois de ter deixado o solo juncado de cadaveres.<br />
<br />
Não mui raro é um drama passional – um tal José Pajehú habitava no engenho proximo; era um sugeito de maus costumes, insultante e rixento, que viera de cima, dos sertões.<br />
<br />
Uma certa manhã, parando para beber cachaça na “venda” que ficava á beira do caminho, notou que a mulher do dono da casa era moça e bonita. Seduzil-a, conquistal-a e raptal-a foi obra de poucos dias. O marido ludibriado, que parecia ser fraco e pusillanime, jurou vingar-se. Os tempos correram e do sertão vieram noticias que a esposa infiel, abandonada pelo amante saciado, morrera de miseria. Pouco depois o Pajehú voltou, e compenetrado que seu rival o temia, passou insultuosamente diante da “venda” e demorou-se a conversar com os conhecidos. Mal porém tinha entrado na matta, quando um tiro partido de traz de uma arvore o prostou no chão, e immediatamente o vendeiro, ainda com o clavinote fumegante, pulou-lhe em cima, bebeu um pouco do sangue quente que lhe borbulhava da ferida, assistiu-lhe com mostras de prazer os movimentos convulsivos da agonia, e quando o viu exhalar o ultimo suspiro desembainhou uma faca de ponta e vociferando maldições cravou-a mais de vinte vezes no corpo inanimado. Em seguida escarrou-lhe no rosto e voltou calmamente para casa.<br />
<br />
Agora, no silencio do bosque, a cruz, solitaria e sombria, parece na sua mudez implorar uma prece ou uma phrase de perdão pelo assassinado.<br />
<br />
Os caminheiros piedosos descobrem-se deante della com respeito e atiram-lhe ramilhentes de folhas e flores. Muitas vezes ella adquire fóros de milagrosa: então lhe enchem os braços de offerendas votivas e romarias de camponios vão á noitinha acender-lhe velas e entoar-lhe bemditos.<br />
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Há festa na casa do trabalhador.<br />
<br />
No copiar da casa alegremente illuminado pelas candeias, o côco estua febril e animado.<br />
<br />
Dançam rapazes e raparigas - rapazes caboclos alegres e paraldores, raparigas morenas enfeitadas com jasmins d’agua e bogaris cheirosos.<br />
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Sôa o ganzá e as palmas estrugem.<br />
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Aligeros e frementes os pares rodopiam no meio do circulo, cantando e voluteando num forte sapatear.<br />
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Vão chegando mais convivas - moços e moças; a roda dos pares augmenta, augmentam as vozes e o côco cada vez se torna mais animado.<br />
<br />
Os rumores da dança, ecoando lá fóra, vão repercutir ao longe pelas varzeas e pelas montanhas, enchendo a noite immensa de alaridos festivaes.<br />
<br />
O côco cessou. As vozes dos dançadores esmoreceram, calou-se o ganzá, silenciaram as palmas.<br />
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Agora a lua vae apparecendo aos poucos por detraz da matta.<br />
<br />
Os convivas abandonam o copiar onde as candeias bruxoleam, e invadem o terreiro varrido e alvejante.<br />
<br />
É chegada a vez dos poetas, dos cantadores de colcheia.<br />
<br />
Vão travar-se os desafios.<br />
<br />
Afinam-se os instrumentos e as violas preludiam.<br />
<br />
As raparigas se approximam e forma-se um circulo em torno dos cantadores. Afinal tudo se cala e as quadras começam langorosas e sentidas:<br />
<br />
1º cantador:<br />
<br />
“Bonina branca cheirosa,<br />
Flôr que abre no verão;<br />
Choro quando não te vejo,<br />
Prenda do meu coração.”<br />
<br />
2º cantador:<br />
<br />
“Prenda do meu coração,<br />
Açucena desmaiada,<br />
Alecrim verde florido,<br />
Estrella da madrugada.”<br />
<br />
1º cantador:<br />
<br />
“Estrella da madrugada<br />
Brilha, brilha sem parar,<br />
A tua luz minha estrella<br />
É doce e me faz penar.”<br />
<br />
2º cantador:<br />
<br />
“É doce e me faz penar,<br />
Jurity do meu caminho,<br />
Jassanan da beira d’agua,<br />
Rosa branca sem espinho.”<br />
<br />
As quadras se succedem umas as outras, ora vagarosas, macias e repassadas de ternura, ora rolando em torrente como avalanches tumultuosas, cheias de arroubos selvagens.<br />
<br />
Nos intervallos só se ouve a musica das violas, rompendo o silencio nuns accordes doces, languidos e merencoreos, lembrando magoas soluçadas, queixumes, sonhos de mocidade e illusões, como saudades, como notas de amor soltas ao vento, esparsas ás brizas, derramadas no espaço, misturadas e dissolvidas na brancura nivea e crystallina do luar.<br />
<br />
A noite vae alteando e a lua sobe no céo. Surge a madrugada loira, mansamente, vagarosamente, branquejando o espaço, orvalhando os campos e toucando de roseo e azul os cumes da serra em distancia.<br />
<br />
Mais languidas as notas, mais cadenciados os cantos, quasi em surdina, esmorecem agora e vão perder-se de todo na cerração matinal, que em alva musselina começa a desdobrar-se sobre a fronde do palmeiral adormecido.<br />
<br />
(89) Em Alagoas denomina-se botada do engenho (que se pronuncia butada) o inicio da moagem. A peja é o termino dos trabalhos da safra. Diz-se - o engenho já botou, o engenho já pejou.<br />
<br />
(90) Cambiteiro é o carregador de cannas. A palavra origina-se de cambitos, ganchos de madeira collocados nas cangalhas e que servem para sustentar os feixes de cannas.<br />
<br />
<br />
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..:: CAPITULO XV ::.. <br />
<br />
Vestigios de raças prehistoricas na Viçosa<br />
<br />
MEMORIA APRESENTADA AO INSTITUTO ARCHEOLOGICO E GEOGRAPHICO ALAGOANO NA SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1910 (91)<br />
<br />
A noticia de que no municipio da Viçosa, tres leguas mais ou menos da séde da cidade, perto do sitio Cachoeira Grande, existia um logar denominado “Chã de Cacos”, despertou-me o desejo, já há muito acalentado, de fazer um estudo sobre as antiguidades de minha terra natal, para as quaes, que eu saiba, ainda não se voltou a attenção de nenhum investigador scientifico.<br />
<br />
Aproveitando uma dispensa do meu serviço, dirigi-me para a Viçosa e, começando as indagações, soube que em sitios mais perto, no engenho Paredões de propriedade do coronel José Aprigio Villela, existiam diversas “chãs” onde a quantidade de cacos era tão grande que, quando ahi faziam roçados, difficultava a lavragem do solo.<br />
<br />
Nas primeiras derrubadas os restos de louça foram encontrados em grandes fragmentos, achando-se também, ás vezes, enterrados em pouca profundidade, vasos em fórma de grandes potes de bocca larga e de paredes bastante espessas. Esses vasos, segundo me informaram, apenas continham uma pequena quantidade de terra.<br />
<br />
Em taes locaes tambem foram encontrados cachimbos de barro, de fórmas exquisitas e descommunaes.<br />
<br />
Todas essas preciosidades sendo estragadas pelos roçados que todos os annos se repetem nos mesmos terrenos (porque a experiencia demonstrou que as “chãs de cacos” são extraordinariamente ferteis) tendem a desapparecer em um futuro mais ou menos proximo, desapparecendo com ellas uma das fontes mais importantes para o estudo da nossa prehistoria.<br />
<br />
Deixando para posteriores observações as chãs do Cangote, do Urubú e da Boa Vista, muito ricas em destroços antigos, encaminhei-me para a que é especialmente conhecida pelo nome de “Chã de Cacos”.<br />
<br />
O monte, cuja chapada tem tal designação, fica á margem direita do Riachão, regato um pouco volumoso nas estações invernosas, o qual, banhando o municipio pelos lados do nordeste, vae lançar-se no Parahybinha.<br />
<br />
Esse monte tem mais ou menos a fórma de um cone truncado, sendo de facil acesso pelo lado do poente. Ao contornal-o, em um estreito valle entre a sua base e o Riachão, fui impressionado não só pela sua conformação especial, como tambem pelo facto de encontrar-se elle ligado por uma ponta de terreno, que me pareceu um aterro, a um outro monte que não pude explorar, visto achar-se coberto de capoeirões.<br />
<br />
A principio pensei que estava deante de um desses mounds construidos pelo homem primitivo e que são tão communs no Arkansas, no Ohio e no Mississipi, mas a simples reflexão sobre o papel e fins do mound demoveu-me da primeira idéa. Com effeito, taes monumentos, da mesma maneira que os teocalis dos aztecas e as chulpas das margens do Titicaca e do Umaio, no Peru, eram construidos não somente para servir de templos e tumulos, mas tambem de pontos estrategicos de observação e defesa.<br />
<br />
Ora, num terreno extremamente accidentado como o de Viçosa, onde os valles estreitos serpeiam como profundos fóssos num labyrintho de montes e collinas, não seria razoável admittir que as raças antigas se dessem ao trabalho de construir novos montes, quando qualquer chapada poderia offerecer todas as condições de segurança e defesa.<br />
<br />
Logo em meio da subida começaram a apparecer os fragmentos de louça, em quantidade crescente á medida que eu galgava o cume. Ahi então, atravez do algodoal que o cobria, os cacos appareciam aos montões, de modo que se poderia julgar que tinham sido accumulados por muitas gerações.<br />
<br />
Os fragmentos eram grossos, de tres a quatro centimetros de espessura, apresentando alguns o abahulamento peculiar ás partes de grandes vasos, pelo que imaginei tratar-se de restos de igaçabas.<br />
<br />
Toda louça representava o producto de uma ceramica rudimentar, não se notando o menor adorno que revelasse gosto esthetico. Era mal cozida, pois a parte voltada para cima achava-se gasta, manifestando a acção dissolvente das aguas da chuva. Alem disto se quebrava com facilidade e tinha uma cor negra de fumaça.<br />
<br />
A materia prima empregada na confecção, era uma argilla grosseira e mal trabalhada, pois a superficie de secção de um fragmento, apresentava-se aspera e pontilhada de pequeninos grãos de seixo branco. Em alguns pedaços, mais raros é verdade, notei que a parte concava era coberta de um verniz acinzentado, sem duvida destinado a tornar a louça impermeavel.<br />
<br />
Um facto essencial despertou-me attenção: todos os destroços que alli se achavam eram apenas os restos de utensilios domesticos, nada havendo que podesse revelar, pelo menos no exame superficial que fiz, ruinas de construcções.<br />
<br />
Á primeira vista julguei ser o povo que ahi tinha vivido pertencente a raças nomadas que habitavam em tendas, ou então representante de aborigenes que povoavam o territorio de Alagoas na época do descobrimento do Brazil, os quaes, como é sabido, construiam as suas habitações de ramos e folhas de arvores, que desappareciam com o tempo sem deixar vestigios.<br />
<br />
Não me sendo possivel emprehender excavações, ia dar por terminado o meu exame quando o guia se lembrou de mostrar-me uns “signaes” em rochedos á beira do Riachão, a pouca distancia do monte onde nos achavamos.<br />
<br />
O Riachão, quasi sêcco, deixava a descoberto, dois palmos acima do nivel d’agua, uma pedra granitica, quasi circular, que tinha pouco mais de um metro de diametro e que apresentava a superficie superior plana. Sobre essa pedra viam-se diversos signaes caracterizados, uns por pequenas depressões cujas bordas apresentavam a fórma de uma ellipse, e outros por simples traços ou riscos.<br />
<br />
As depressões tinham dez ou doze centimetros de extensão e quatro ou seis de largura, sendo muito lisas e polidas. Os traços tinham a extensão de vinte e sessenta centimetros, com oito milimetros de largura e oito de profundidade, distinguindo-se perfeitamente das fendas naturaes dos rochedos, as quaes, procurando os veios fracos da pedra, mui raramente seguem a direcção rectilinea. Esses traços, que pareciam gravados com a ponta de um instrumento de metal, eram parallelos uns, e dispostos em angulos e triangulos outros. Entre os dois primeiros riscos havia, na parte media, um apagado traço vertical. Os angulos eram agudos, sendo alguns oppostos.<br />
<br />
Atravessando-se o leito do Riachão, encontrava-se na outra margem uma serie de rochedos, os quaes tambem apresentavam signaes: num bloco informe collocado sobre a barranca, notavam-se vinte e dois riscos parallelos. Identicos traços existiam em pequenos cabeços que afloravam na superficiea do sólo.<br />
<br />
Duas pedras, porem, merecem uma menção especial: a primeira, que se encontrava num ponto mais afastado do ribeiro, era uma bella pedra plana, faceada, de constituição granitica, que affectava a fórma de um pranchão, com dois metros de comprimento para mais ou menos oitenta centimetros de largura.Essa pedra tinha uma certa inclinação, achando-se a extremidade inferor um pouco aprofundada no solo, de modo que o todo recordava, pela sua disposição, um desses carneiros tumulares tão communs nos cemiterios de S. João Baptista e S. Francisco Xavier, no Rio de Janeiro. Era cruzada, na sua parte media, por dois traços nitidamente gravados que, partindo dos angulos superiores, se dirigiam para os inferiores.<br />
<br />
A segunda pedra, tambem faceada, de forma ligeiramente pyramidal, com um metro mais ou menos de altura, implantada quasi verticalmente no sólo, alem de apresentar os mesmos angulos e riscos parallelos, offerecia a particularidade de entrar, quando percutida, em vibrações sonoras que se ouviam a alguns passos de diatancia.<br />
<br />
Um dos meus companheiros pensou que essas vibrações fossem devidas á vareta metalica do guarda chuva, com cuja ponta eu feria a pedra. Para sair de duvidas, tomei um pequeno seixo, percuti de novo e o mesmo phenomeno foi ouvido.<br />
<br />
Auscultando e percutindo ao mesmo tempo, notei que as ondas sonoras se propagavam por toda pedra e pareciam ter uma mais vasta repercussão na parte inferior, que se achava em contacto com o sólo. Esse facto fez-me pensar que a sonoridade poderia ser devida não a uma constituição especial da pedra, mas antes a sua disposição em cima de alguma cavidade.<br />
<br />
Sendo quasi noite e não podendo continuar com as observações, regressei com os meus companheiros, levando a convicção de achar-se alli um verdadeiro thesouro archeologico.<br />
<br />
É preciso notar que não era a primeira vez que eu contemplava na Viçosa identicos caracteres em rochedos, se bem que em outros tempos não os encarasse como objecto de estudo.<br />
<br />
No engenho Barro Branco, onde passei grande parte da minha infancia, constava-me que num lagêdo, á margem de um regato, existiam diversos riscos em linhas rectas. Nunca me foi possivel observal-os, porque no meu tempo, estando as aguas do regato represadas num açude, o lagêdo achava-se completamente coberto. Pude, porem, mais tarde, vêr riscos eguaes em um rochedo que ficava perto, á margem do riacho Zabumba, no engenhho Bom Jesus.<br />
<br />
Um pouco alem do açude do Barro Branco, começam as fraldas de um monte em cujo cimo, a Chã da Ingazeira, já foram encontrados diversos vasos grandes de argilla.<br />
<br />
Convem salientar aqui um facto importante: sempre que se encontram fragmentos de louça no alto dos montes, são tambem encontrados inscripções nos rochedos situados á margem dos regatos que lhes ficam perto.<br />
<br />
A coexistencia dessas duas especies de vestigios de raças antigas, tambem foi notada, segundo me informaram mui recentemente, no engenho Bananal e no sitio Olhos d’Agua do Jatobá. Nesta ultima propriedade, em cujas mattas se encontra uma gruta natural cheia de stalactites e stalagmites, (92) têm sido achadas muitas urnas de argilla cozida e muitas pedras cobertas de gravuras. Entre essas gravuras via-se o signo de Salomão, o qual, como se sabe, é representado por dois triangulos equilateros, entrelaçados e dispostos em fórma de estrella. Numa pedra contaram oitenta riscos.<br />
<br />
No caminhho que vae da Viçosa ao sitio Pedras de Fogo, encontra-se uma grande lagea onde se acham gravadas diversas cruzes, uma das quaes, muito bem feita, passa por milagrosa.<br />
<br />
Um pouco abaixo da egreja do Rosario, na cidade, existia, há muitos annos, uma pequena pedra com dois sulcos tambem em fórma de cruz. Para explicar tal curiosidade, dizia uma lenda que nesse ponto fôra assassinado um homem innocente, e que o sangue ahi caindo gravara o signal.<br />
<br />
No leito do Parahyba, nas proximidades do Poço das Almas, por traz da rua da Gurganema, existem num rochedo duas pequenas depressões polidas e muito semelhantes ás que descrevi acima. Recordo-me de tel-as visto em creança, e apessoa que m’as mostrou, explicou serem agulhas (?) feitas pelos flamengos para indicar thesouros nas proximidades.<br />
<br />
Em terras do sitio Veados, perto da desemboccadura ro riacho do mesmo nome no rio Parahyba, informaram-me existir um pequeno serrote formado de grandes pedras dispostas umas sobre outras. Nas proximidades dessa curiosidade, que requer um exame para se determinar se é de origem natural ou artificial, encontra-se uma lagea com muitas inscripções. O meu informante não me soube dizer se nas chãs da circumvizinhança existem fragmentos de louça.<br />
<br />
Os vestigios do homem primitivo são ainda assignalados no municipio da Viçosa pelos instrumentos de pedra polida que, de quando em vez, são encontrados no sólo, a pouca profundidade. Entre elles figuram machadinhos de dioritos e de silex, pistillos ou mãos de pilão e pequenas mós de seixo branco, em fórma de laranja, as quaes, mostrando na superficie um polimento perfeitamente artificial, distinguem-se das pedras naturalmente polidas pelo effeito da acção lenta das aguas dos rios ou ribeiros.<br />
<br />
São tambem dignos de nota os objectos de adorno: há tempos tive occasião de ver um lindo tembêtá de quartzo branco raiado de verde.<br />
<br />
Todos esses objectos são pelos roceiros denominados coriscos, e para elles representam esqueleto do raio, pois segundo a crença popular, a faisca electrica é uma lasca de pedra inflammada, que nas occasiões de trovoadas cae do seio das nuvens, e que enterrando-se no sólo, numa profundidade de duas braças, vem lentamente aflorar na superficie, cinco annos depois.<br />
<br />
Terminando a descripção de taes curiosidades, uma pergunta agora se impõe: que raça foi essa que tendo desapparecido na noite trevosa dos annos, deixou, no emtanto, talvez a sua historia, gravada em caracteres mysteriosos na superficie dos rochedos?<br />
<br />
Se se tratasse somente de fragmentos de louça, eu, não hesitaria um momento em attribuir a autoria dessa grosseira ceramica aos indigenas que habitavam o Brazil na epoca da descoberta ou que a precederam de perto; porém as inscripções nas pedras das margens dos ribeiros vieram afastar de mim esta hypothese.<br />
<br />
O homem que, armado de um instrumento de ferro ou de uma ponta de silex, gravou signaes num rochedo, é indubitável, tinha um fim, tinha um pensamento, havia gerado uma idéa, e desejando transmittil-a por meio de uma escripta, embora rudimentar, já se revelava um homem mais ou menos adiantado.<br />
<br />
É sabido que dos povos americanos apenas os aztécas, os yucatécas e os peruanos possuiam uma escripta – os primeiros por meio de symbolos, que offereciam uma certa analogia com os hieroglyphos egypcios, os segundos por um systema de caracteres, onde dominavam os pontos e as linhas rectas, e finalmente os ultimos pelos nós de cordas denominados quipos.<br />
<br />
Essas raças, porém, pelo menos nos tempos contemporaneos aos da conquista, nenhuma relação tinham com os aborigenes brazileiros, os quaes, errando pela vastidão das nossas selvas, representavam antes uma raça degenerada e embrutecida, que marchava para o anniquilamento, do que um povo novo onde começassem a desenvolver-se os germes do aperfeiçoamento moral.<br />
<br />
Pensei também na hypothese de terem os signaes a sua origem nos tempos historicos do Brazil. Neste caso poderiam ter sido feitos ou pelos quilombolas, ou pelos bandeirantes ou então pelos proprios habitantes da Viçosa.<br />
<br />
Os negros dos Palmares, como procuro demonstrar num trabalho que tenho em elaboração, (93) extendiam, é verdade, o seu dominio pelo municipio da Viçosa, e o mocambo de Osenga, situado cinco a seis leguas a oeste da serra da Barriga, deveria ficar nas immediações do Riachão, mas esses quilombolas, occupados na pilhagem das fazendas da capitania e na defesa das suas malócas, não deveriam dispôr de muito tempo para fazer inscripções em rochedos. Demais o seu desenvolvimento intelectual deveria ficar pouco além do dos aborigenes.<br />
<br />
Quanto aos bandeirantes não é provavel que se aventurassem, mesmo apesar de sua conhecida intrepidez, nessas mattas mal afamadas e perigosas, a principio por causa dos indomaveis Caetés, e mais tarde pelas correrias dos negros. Além disso os bandeirantes não costumavam estabelecer os seus roteiros por meio de gravuras em rochedos, as quaes, mais tarde, fariam apenas o papel de agulha em palheiro.<br />
<br />
Que os habitantes da Viçosa, já nos tempos historicos, não são os responsaveis pelos signaes em questão pode-se facilmente demonstrar: neste municipio, como aliás em todo Brazil, os limites das propriedades são assignalados por meio de marcos de pedra, alguns dos quaes, collocados nas demarcações judiciaes, têm inscripções, mas estas constam de algarismos indicando a época das medições e de letras do nosso alphabeto representando iniciaes dos nomes dos heréos.<br />
<br />
Eliminando todas estas hypotheses, só me resta agora ir procurar os autores das inscripções em povos que, nos tempos prehistoricos da America, muito antes que a raça tupi decesse dos altos platôs dos Andes, vieram implantar em nossas terras os germes de alguma civilização primitiva.<br />
<br />
Isto posto, o problema agora se apresenta sob um novo aspecto: qual foi dos povos antigos o que aqui se estabeleceu?<br />
<br />
Para chegar a solução, muito poderia auxiliar, dada a possibilidade dos caracteres dos rochedos da Viçosa representarem uma verdadeira escripta, a determinação do systema a que esta pode filiar.<br />
<br />
A repetição em diversos pontos de signaes affectando a fórma elliptica, fizeram-me, a principio, pensar na escripta hieroglyphica do Egypto, onde todos os factos são representados por meio de allegorias mysteriosas e de symbolos enigmaticos, e onde a ellipse, figurando a orbita da terra, e pela sua semelhança com a fórma oval poderia fazer pensar no ovo – o germem, o principio da vida. Se porém taes caracteres estivessem ligados á escripta hieroglyphica ou hieratica, todas as principaes figuras representando letras, sylabas ou fórmas ideographicas, haveriam forçosamente de se reproduzir. Os angulos e os triangulos, tão communs nos riscos em questão, tambem apparecem como caracteres entre os symbolos da escripta hieratica, mas a sua coexistencia não vem antes lembrar o systema grego ou o phenicio?<br />
<br />
Em favor deste ultimo milita o facto de encontrar-se com frequencia o tal signo de Salomão, o qual, pelo menos em sua designação, se relaciona com os tempos biblicos. Assim achar-se-ia uma prova para as theorias de Thoron, quanto ao estabelecimento de colonias phenicias nas terras brazileiras, durante o tempo de Hirão, rei da Syria, e de Salomão, rei de Judá, idéas, aliás, que tiveram a sua época entre o mundo dos sabios e que tambem foram abraçadas pelo nosso erudito conterraneo, o dr. Ladislau Netto, mesmo apesar das apocryphas inscripções de Pouso Alto, na Parahyba, com que quizeram mystifical-o.<br />
<br />
Um argumento, porém, affasta esta hypothese – é que a escripta phenicia desse tempo, como attestam as inscripções das pedras da fundação do templo de Jerusalem, representa um dos typos mais perfeitos da serie arameana, e por conseguinte não pode, absolutamente, ser confundida com os caracteres grosseiros das pedras da Viçosa.<br />
<br />
A querer fazer dos angulos e triangulos o fio de Ariadne que me sirva de guia neste labyrintho, eu seria levado até as inscripções cuneiformes dos antigos babylonios, nas quaes as fórmas angulosas, em linhas cruzadas substituindo as curvas, já representavam uma evolução da escripta.<br />
<br />
Mas não irei tão longe. Se bem que o dr. Homel sustente a theoria, improvavel, no meu modo de pensar, de que o systema cuneiforme representa a escripta mater entre todos os systemas, e que, sendo figurativo nos tempos remotissimos em que os summeres povoavam as margens do Euphrates, precedeu o proprio systema hieroglyphico e hieratico dos sacerdotes de Isis, acho mais racional admittir que todos os systemas de escripta foram precedidos de esboços simplificados, de tentativas e longo tactear na arte graphica de exprimir o pensamento.<br />
<br />
Assim, os riscos ou caracteres dos rochedos da Viçosa, podem-se filiar, talvez, não aos systemas de escripta dos povos historicamente conhecidos, mas a algum alphabeto embryonario de raças primitivas que precederam esses mesmos povos no vasto scenario do mundo.<br />
<br />
Como, porém, em taes caracteres existe alguma cousa de commum, alguma similitude com outros caracteres tambem gravados em pedras, em paizes distantes do nosso, creio que não será desarrazoado acceitar-se a idéa de ter havido alguma relação entre os primitivos autores de semelhantes vestigios.<br />
<br />
Segundo uma communicação feita no dia 3 de Junho de 1872 ao Instituto Anthropologico da Grã Bretanha, por mr. Holder, existem nos condados do sul da Irlanda diversas pedras denominadas pedras de Ogham, que apresentam signaes em linhas rectas dispostas aos grupos de quatro ao longo de uma linha principal. Os archeologos irlandezes considerando esses siganes uma verdadeira escripta, têm procurado dar-lhes uma interpretação.<br />
<br />
Note-se um facto interessante: a Irlanda, da mesma maneira que a Escocia, foi tambem dominada pelos caledonios, antigos descendentes ra raça ariana, proximos parentes dos celtas e como estes constructores de dolmens, destinados ou a tumulos ou a altares para o sacrificio dos seus ritos.<br />
<br />
Era o caso de perguntar se as pedras gravadas da Viçosa não seriam, como provavelmente devem ser as pedras de Ogham, verdadeiros monumentos druídicos.<br />
<br />
Um talentoso investigador das nossas antiguidades, o sr. Rgueira Costa, numa interessante memoria intitulada O Brazil Prehistorico, publicada no numero 45 da da Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano, fala-nos na existencia de dolmens no Brazil.<br />
<br />
Attendendo-se agora ao facto de que esses monumentos de pedra são encontrados desde os planaltos centraes da Asia até as costas occidentaes da Europa, regiões por onde passou a corrente emigratoria ra raça ariana – pode-se avaliar a importancia que a sua presença vem trazer á archeologia da nossa terra.<br />
<br />
Quem poderá provar que os arias, após a dispersão, não tenham vindo, tambem, até as nossas plagas, atravez de caminhos que hoje nos são desconhecidos, mas cuja existencia era então, nesses tempos immemoriaes, justificada pela disposição geographica e geologica do nosso planeta?<br />
<br />
Quem poderá provar que essas raças arianas, indo-européas ou japheticas – antepassados dos pelasgos n Grecia, dos estruscos na Italia, dos gallo-celtas na França, dos celtiberos na Hespanha e dos caledonios na Escocia – não foram tambem os antepassados de alguns povos antigos da America?<br />
<br />
Seja como for a maneira pela qual se encare o problema, de qualquer modo que se procure a sua solução, o que fica fóra de duvida, o que não pode ser contestado, é a existencia no Brazil, em tempos immemoriaes, de uma raça primitiva que accordava para a civilização, raça cujos vestigios ainda são encontrados em inscripções nos rochedos, em restos de ceramica, em utensilios de pedra, em sambaquis ou ostreiras, em dolmens, em menhirs, em cromlechs, em mounds e em ossadas carcomidas e gastas pela acção destruidora e fatal dos annos.<br />
<br />
Todas estas reliquias, que parecem implorar ás gerações actuaes um exame e um estudo que reconstituindo a sua historia venham arrancal-as da noite do esquecimento, existem em larga escala no nosso Estado, perdidas no emmaranhado das nossas mattas, ao longo das nossas praias, nas margens dos nossos rios, nos nossos sertões.<br />
<br />
Apresentando este meu despretencioso trabalho ao Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, esta sabia e util agremiação de gloriosas tradições, que há mais de quarenta annos, sempre solicita, se consagra á faina bemdita de salvar das ruinarias do tempo os despojos preciosos do passado, eu venho apenas apontar aos estudiosos o vasto e fecundo campo de investigações que se desenrola na minha terra natal.<br />
<br />
Nota Final – Uma das questões que mais têm apaixonado os sabios da Europa, é a que se relaciona com a origem e com as migrações dos arias. A obra de Salomão Reinach – A origem dos arias – recentemente traduzida para a nossa lingua, passando em revista uma longa serie de theorias, das quaes muitas se contradizem, em vez de trazer a luz augmenta as hypotheses. O que porém se conclue de muitos autores citados nessa obra, é que não foram os arias os constructores dos dolmens, dos menhirs e de todos esses monumentos megalithicos, tambem chamados druidicos. <br />
<br />
Como quer que seja, tal concepção em nada affecta as idéas que expendi na memoria acima.<br />
<br />
Na realidade, a questão cifra-se apenas na hypothese de admittir que um povo antigo, antepassado dos povos do velho continente, tambem foi o antepassado de algumas raças primitivas do Brazil, que um povo que na Europa e noutros logares deixou esses monumentos mysteriosos, como um vivo attestado da sua passagem, manteve estreitas relações com aquelle que na nossa terra deixou identicos monumentos.<br />
<br />
Note-se bem que não me occupo da origem dos povos americanos. Falo apenas de raças que para aqui emigraram em épocas primévas.<br />
<br />
Escreve Quatrefages que a migração da especie humana vem desde a aurora do actual periodo geologico e que nos tempos quaternarios já existia na Asia um centro de civilização relativa, englobando populações de raças differentes. (A. de Quatrefages – Introduction a l’etude des races humaines).<br />
<br />
Que as correntes oceanicas que trouxeram as galeras de Colombo e de Pedro Alvares Cabral ás plagas americanas foram as mesmas que também trouxeram as pirogas de homens primitivos, é hoje uma hypothese muito provavel. E que esses homens primitivos, fortuitamente aqui aportados, traziam os germens da sua cultura de origem, é uma outra hypothese ainda mais demonstravel.<br />
<br />
É verdade que essa cultura não ia além da do homem da idade neolithica, mas, como quer que seja, já representava os albôres da civilização.<br />
<br />
Desse povo que se extinguiu, ou que devido talvez ás novas condições mesologicas, ou ao affastamento do centro cultural, retrogradou até o ponto de chegar ao estado de decadencia do indigena contemporaneo da descoberta, o qual em materia de evolução estava muito abaixo do homem da idade da pedra, desse povo, repito, encontrei muitos outros vestigios de que apenas vou dar uma ligeira noticia.<br />
<br />
Visitando uma segunda vez as margens do Riachão, descobri, bem proximo das pedras acima descriptas, uma grande lagea com um enorme risco que a circumdava em toda extensão das suas bordas. No centro viam-se muitos outros riscos parallelos e cruzados de differentes modos.<br />
<br />
É bem possivel que aquella lagea fosse um logar sagrado destinado aos ritos, e assim as gravuras não passariam de symbolos representando idéas ou registrando factos, e por conseguinte ligados a uma escripta rudimentar.<br />
<br />
Um verdadeiro dolmem encontrei no engenho Matta Verde, numa gruta dominada pelo alto da Boa Vista. Consta de uma pedra plana superposta sobre tres pedras brutas. O que torna esse dolmem curioso é não somente o facto de se achar no meio do leito de um regato (não tendo portanto servido de tumulo) como tambem a anormalidade da disposição da pedra que serve de meza, a qual, em vez de estar a chato, se encontra de lado sobre as outras. Numa das extremidades superiores veem-se alguns riscos dispostos em angulos.<br />
<br />
No engenho Minas, á margem do riacho Jundiahy, existem rochedos com inscripções. Ahi parece haver um monumento megalithico. Um antigo proprietario desse engenho, julgando haver thesouros nas immediações das pedras de “signaes”, fez grandes excavações.<br />
<br />
No povoado Limoeiro, á margem do Parahyba, encontram-se muitos riscos numa pedra bruta.<br />
<br />
No sitio Sapucaia, no engenho Bom Jesus, existe um pequeno monumento prehistorico que, segundo a descripção que me fizeram, parece ser um cromlech – trata-se de um circulo formado de pedras brutas implantadas verticalmente no solo. Na vizinhança desse monumento foi encontrado um machado de pedra, o qual faz hoje parte da collecção que, em Abril de 1912, offereci ao Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, collecção a que dei o nome do meu fallecido irmão, padre Eloy Brandão, que foi 2o. secretario dessa agremiação.<br />
<br />
O monumento prehistorico da Viçosa, o mais importante que cheguei a ver, já não existe, pois foi demolido mui recentemente, quando se construia o prolongamento da via-ferrea que se destina a Palmeira dos Indios.<br />
<br />
Essa recordação do homem primitivo, a que me referi ligeiramente na “memoria”, por simples informações, e que ficava no sitio Veados, foi por mim visitada posteriormente, em principios de 1911, antes de terem começado o serviço de demolição. Dava a idéa de uma velha fortaleza, lembrando ao mesmo tempo um desses tumulis gaulezes, tão magistralmente descriptos pelo sabio Alexandre Bertrand. Era formada de grandes pedras ou lageas, regularmente talhadas, superpostas entre si e mui intimamente unidas. Apresentava tres faces: uma anterior e duas lateraes. O fundo encostava no morro. A face anterior poderia ter uns oito metros de comprimento para uns seis de altura. Não havia signal de portas. Nos dois lados dessa construcção cyclopica, viam-se ainda os vestigios de uma especie de cêrca ou fortificação, feita de pedras brutas dispostas perpendicularmente no chão, prolongando-se em grande distancia. No espaço limitado pela cerca, do lado direito, notei um grupo de pedras que parecia um dolmem, e perto deste uma pequena lagea coberta de riscos, dos quaes tirei uma copia. Tambem tirei uma grosseira planta de todo o monumento. Quando o destruiram, encontraram diversos amuletos de pedra verde, talvez nephrite ou jadeite. Graças á obsequiosidade de um amigo, possuo um desses amuletos, representado por um pequeno disco perfurado.<br />
<br />
De todos esses monumentos, bem como de outras “chãs de cacos”, que visitei posteriormente, e mui principalmente da chã da Fazenda Velha, darei uma minuciosa descripção na obra que, sob o titulo de Alagoas prehistorica e ethnographica, tenho actualmente em elaboração. <br />
<br />
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<br />
<br />
..:: Documento No 1 ::.. <br />
<br />
Dom Manoel Rolim de Moura, do conselho de sua magestade, governador e capitão general de Pernambuco e mais capitanias annexas etc. Faço saber a quem esta carta de doação de sesmaria virem—que Domingos Joam de Carvalho, capitão de infantaria do terço dos Palmares e Luiz Mendes da Silva, alfares do mesmo terço, e apresentaram a petição, cujo theor é o seguinte:<br />
<br />
Diz Domingos Joam Carvalho, capitão de infantaria dos Palmares, que sua magestade, que Deus guarde, foi servido fazer mercê a cada um dos capitães do terço dos paulistas, conquistadores da campanha dos Palmares de 3 leguas, aos alferes duas léguas em quadro, livres de fóro e de pensão alguma, mais que os dízimos a Deus, como consta das copias das ordens reaes juntas, começando as ditas pelas cabeceiras das datas do mestre de campo Domingos Jorge Velho e do capitão Domingos Joam de Carvalho, três léguas de terras em quadro, do riacho chamado Tamoatá pelo rumo de nordeste buscando o rio Mundahú pela testada do capitão Alexandre Jorge; da parte do norte buscando a serra do Caxefe para o sertão: da parte do sul servindo de testada as cabeceiras do capitão André Furtado, pelo rio Parahyba acima até encher as ditas três léguas de terra em quadro do dito capitão e o dito alferes as duas léguas pelo dito rio Parahyba mirim, assim de uma banda e outra, buscando a serra do Cavalleiro ate encher as duas ditas; por tanto pede a vossa senhoria seja servido conceder e dar as ditas datas na forma dedusida; e receberá mercé.<br />
<br />
(Pág. 78 do n. 2 do vol III da Revista do Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, de 1901).<br />
<br />
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<br />
<br />
..:: Documento No 2 ::.. <br />
<br />
Termo de abertura<br />
<br />
Há de servir este livro para notas do 2. Tabelião d’esta villa. Vai numerado e rubricado com o meu apelido de Cabral e no fim leva termo de encerramento.<br />
<br />
Villa nova de Assembléa, 16 de Fevereiro de 1833.<br />
<br />
Manoel de Farias Cabral<br />
Juiz ordinário<br />
<br />
(Extrahido do livro de notas do 2º tabellião da villa da Assembléa)<br />
<br />
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<br />
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..:: Documento No 3 ::.. <br />
<br />
Escritura de Patrimônio que fas o Reverendo João Carvalho de Alvarenga no lugar da Matta Escura de duzentas Braças de frente com cem de fundo.<br />
<br />
Saibam quantos este publico instrumento de Escritura de Patrimônio ou como em Direito melhor lugar haja que sendo no Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e trinta e três, aos dois dias do mez de Maio do dito anno nesta villa nova da Assembléa, comarca e Província das Alagoas, em meu Escritório sendo, ahi apareceu o Reverendo José Carvalho de Alvarenga e ahi apareceu parte presente (?) e doador e pelo dito doador morador nesta villa, pessoa que reconheço e dou fé, me foi dito em prezensa das testemunhas abaixo nomeadas e assinadas que elle doador era senhor e possuidor de hum sitio de terras denominado Matta Escura que doava como doado tinha duzentas braças de frente com cem de fundo para Patrimônio de huma igreja com o titulo de Sam Sebastião cuja doação pegava da pequena Hermida que lá Existe pelo rio Paraíba acima athe completar as duzentas braças que a de ser pouco mais ou menos ao Córgo (?) de José Rigenardo com terras do mesmo doador, tanto da parte de sima como da parte de baixo cuja doação fasia elle doador de sua livre vontade sem constrangimento de Pessoa alguma e para elle mesmo doador ser o procurador e seus desendentes e nada mais se continha em dita escritura sendo presentes como testemunhas Alexandre José de Aragão Cabral, José Ferreira do Valle, Manoel Salvador Torres que assignaram depois de ser esta por mim lida a todos e eu Christovam José de Aragão Cabral Tabelião que o escrevi.<br />
<br />
Seguem-se as assinaturas.<br />
<br />
(Extrahido da pagina n. 2 do mesmo livro de notas)<br />
<br />
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<br />
..:: Documento No 4 ::.. <br />
<br />
Illmo. e Rvmo. Snr. Visitador<br />
<br />
Diz o Vigário José Antunes d’Allemanha, administrador do Patrimônio da Capella do Senhor do Bom Fim, hoje Matriz desta freguezia do Riacho do Meio da villa de Assembléa, que elle precisa por certidão o theor da sentença que julgou canônico para patrimônio da mesma capella.<br />
<br />
Pede a V. S. Rvma... se digne mandar passar a certidão pedida.<br />
<br />
Vistos os autos do patrimônio da capella do Senhor Bom Jesus do Bomfim, hoje matriz da Freguezia do Riacho do Meio da villa de Assembléa, da comarca de Atalaia, da província de Alagoas e delles consta tanto do traslado da Escriptura publica a elles apença como dos ditos das testemunhas que no anno de mil oitocentos e dezoito, aos 18 dias do mez de Setembro do dito anno João da Silva Cardoso e sua mulher Thereza Maria Fiuza fizeram doação ao Senhor Bom Jesus do Bomfim de uma sorte de terras que possuíam neste lugar de Riacho do Meio, ora villa d’Assemblea que havião comprado a Manoel da Rocha do Nascimento, cuja parte extrema principiando da parte de cima pegando da barra do Riacho do Meio, pela beira do rio Parahyba a baixo até topar no porto das Barreleiras, que é da parte do Nascente e para a parte do Norte ao caminho do cento e vinte aonde se acha uma lage de pedra que servio de marco ficando a capella que se erige no meio pouco mais ou menos para a titulo deste Patrimônio se erigir a mencionada Capella a dito Senhor Bom Jesus do Bomfim, cujos duadores eram abastados de bens e fizeram esta duação livre e expontanea, que não prejudicava aos herdeiros por caber-lhes em terça que estava isenta de Hypotheca, Embargo, seqüestro, penhora, divida, fôro ou punição alguma e que desde o mencionado tempo até hoje não foi contestada esta Duação, pelo que julgo o patrimônio da Capella do Senhor Bom Jesus do Bomfim, hoje Matriz da Freguezia do Riacho do Meio Canônico e para isso interponho a minha autoridade ordinária e Decreto Jundicial: o Secretario da Visita dê a copia desta sentença definitiva ao Reverendo Vigário Administrador e pague elle as custas. Villa d’Assembléa treze de Fevereiro de mil oitocentos e quarenta e sete. O Visitador Lourenço Correia de Sá, e nada mais se continha em dita sentença que vae por mim fielmente extrahida dos próprios Autos a que me reporto. Villa de Assembléa, quatorze de Fevereiro de 1847.<br />
<br />
O Padre Joaquim Bellarmino de Miranda—Secretario da Visita.<br />
<br />
(Extrahido do Archivo Parochial.)<br />
<br />
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<br />
<br />
..:: Documento No 5 ::.. <br />
<br />
Exmo. E Rmo. Senhor<br />
<br />
Tenho a honra de responder a circular de V. Exc.ª Rm.ª<br />
<br />
1º que a invocação hé do Senhor Bom Jesus do Bom Fim, foi creada por lei nº 8 de 10 de Abril de 1835, foi desmembrada da Freguezia d’Atalaia, tem a extensão de 6 leguas do nascente ao poente, a saber dista esta Matris duas léguas ao pendor da Serra de 2 irmãos e ahi limita com a Freguesia d’Atalaia ao nascente, dista da Sede do Povoado da Pindoba três léguas ao poente, e limita ahi pelo Rio Parangaba com a Freguesia de Anadia, sendo a maior distancia da sede 5 leguas á estrada do Jundiá que limita com a Freguesia de Garanhuns (Província de Pernambuco) pela estrada do Corrente ao Norte, e ahi mesmo com a Freguezia de Santa Maria (Villa d’Imperatriz) tão bem ao norte. Ao Nordeste dista a matriz 4 leguas do Povoado do Lourenço, e ahi divide com Quebrangulo por uma estrada denominada da Matta limpa, não sendo bem intelligível esta estrada por haver ahi duas estradas do mesmo nome.<br />
<br />
2º Podia render hum conto de reis senão dividesse a mera estola com 4 sacerdotes que me ajudão pode render 600 a 700$000.<br />
<br />
3º Tem havido nos dous últimos annos Baptisados – 1325 – Casamentos – 183 – óbitos - 303.<br />
<br />
Porque alterações tem passado:<br />
<br />
Por lei n. 301 de 13 de Junho de 1856 foi esta Freguesia dividida ao meio tirando-se d’ella a freguesia de Quebrangulo pelo povoado do Lourenço. O material da Matriz não he bom por ser logar pobre e não achando Matriz apenas pude com os meus rendimentos e esmollas que pedi á meus parochianos edificar de pedra e barro, não se acha ainda acabada faltando os dous corredores e torres, porem o que está feito está limpo, existindo nella 3 altares, existindo no trono huma bella imagem do Senhor Bom Jesus do Bom Fim, de 5 palmos, doada no anno de 1885 pelo meu parochianno Manoel Bezerra dos Santos, num dos lateraes huma outra imagem da Divina Pastora, de 5 palmos, doada pelo meu parochiano Com-Superior Manoel de Farias Cabral, tem no centro da capella Mor Sacrário, e nella uma ambula de prata e para ella concorreo ajudar-me a pagar com 50$000 o tenente Coronel Theotonio da Santa Cruz Oliveira.<br />
<br />
Tem na Capella Mor uma bella alampada que no anno de 1852 a meo pedido deo o meu parochiano Capitão José Martins Ferreira, toda de prata, he uma das bôas da Província custando 400$000 no Porto, moeda forte.<br />
<br />
Quanto alfaias são poucas pela pobresa e não ser costume dar offertas a Igreja como praticão outros lugares e achando quando desta matriz tomei conta em Outubro de 1850 uma única casula de damasco branco com sebaste encarnado, e esta velha, pude com os tênues rendimentos da Fabrica e patrimônio comprar uma nova roxa com sebastes verdes, duas capas de Asperges de sêda branca e roxa, um turíbulo e caldeirinha galvanisados. Tendo acima fallado em José Martins Ferreira, este meu bom parochiano muito me tem ajudado no que mais necessito e mais não faz he por que tem muitos filhos, este mesmo José Martins a pouco acaba de dar-me huma imagem de S. Francisco de Assis para a capella do Cemitério vinda da Bahia por 350$000, e mais hum sino, que infelizmente sahio defeituoso na solda; logo depois do cholera deo-me hum conto de reis para erigir uma capella no cemiterio que ainda não funcciona, por tantas e grandes offertas sou obrigadíssimo a este meu parochiano, si em minha freguesia eu tivesse 2 José Martins a minha Matriz estaria em estado a nada desejar, não tratando em esmollas para festa do Padroeiro que elle igualmente tem concorrido. Não existe irmandade alguma. Há tão somente nesta villa uma capella de S. Francisco de Assis, que a pouco fallei erecta no cemitério de cholericos em 1856 e que ainda não funcciona e está sem patrimônio, a capella de Nossa Senhora da Conceição do Lourenço distante quatro léguas da matriz ao poente e ahi limita com Quebrangulo no povoado do mesmo nome, he de madeira, porem está limpa e tem duas casulas uma de damasco branco com sebaste encarnado e outra verde e roxo em bom estado, o não é bom, não tem patrimônio.<br />
<br />
A do Senhor Bom Jesus no Engenho Bananal dista trêz léguas da matriz ao poente, também é de madeira, está limpa porem aquella em muito melhor estado, não tem patrimônio nem ornamentos, existe ahi o Padre Joaquim Manoel da Costa como capellão recebendo meia estola, e funcciona com ornamentos seus.<br />
<br />
Existe igualmente ao norte, distante da matriz légua e meia no lugar Barro Branco outra capella de Nossa Senhora da Conceição. Esta é particular, está bem edificada tem os paramentos novos e precisos para os actos divinos, boas imagens e tudo devido ao zelo de seu proprietário Pedro José da Cruz Brandão, e não tem patrimônio. Há alguns outros nichos onde o povo resa terços. Esqueci-me de dizer que esta matriz tem um pequeno terreno que forma seo patrimônio, onde he edificada a matriz e a villa. A capella do Lourenço dista do Bananal huma légua. Esta matriz está no centro com suas vizinhas, sendo 9 leguas á Matriz d’Anadia, 9 a da Imperatriz, 9 a d’Atalaia, 8 e de Quebrangulo, distando mais a de Garanhuns, não obstante limitar com esta matriz 5 a 6 leguas.<br />
<br />
Collei-me em Fevereiro de 1851.<br />
<br />
Logo que desmembrou-se esta Freguesia da d’Atalaia parochiou n’ella o Padre Manoel Joaquim da Costa, sexagenário athe Fevereiro de 1837, encomendado, foi seo primeiro vigário collado José Antunes Alemanha, sexagenário, athe Abril de 1847. Parochiou como coadjuctor Pro Parocho athe Dezembro de 1848, em Janeiro de 1849 o Vigário de Pioca Jacintho de Messias Feijó athe Agosto do mesmo anno de Agosto athe Dezembro o coadjutor José Texeira de Mello, de Janeiro athe Setembro o Padre Manoel Joaquim da Costa de Setembro a 29 de Outubro o Padre Francisco G. de Araújo. Em Outubro principiei a parochiar esta Freguezia. Existem dentro da villa o coadjuctor João Lins de Araújo que tem cumprido os seus deveres ganhado a sympathia do povo pelo seu bom modo de viver, na Capella do Bananal distante três léguas o Padre Joaquim Manoel da Costa vive das suas ordens e muito me tem ajudado na vinha do Senhor, não menos me tem ajudado por se achar nos limites d’esta Freguesia com a de Anadia o Padre Francisco de Borja Barros Loureiro e nos limites d’esta com a de Atalaia no lugar Santa Efigênia o Padre José da Silva Machado. Talvez esta freguesia por ser pequena seja huma das que Deus lhe proporcionasse os meios para ser bem curada e ficar ella como no centro o que muito agradeço a Deus o terem todos prestado com gosto, paz e para aliviar-lhes parto o que rende e elles trabalhão. Esta Freguesia fica em paz e nada mais acrescento senão que Deus confiou-me um pôvo de bôa índole.<br />
<br />
Deus Guarde a V. Excª Revdª Senhor Dr. Deão Joaquim Francisco de Farias. M. D. Vigário Capitular.<br />
<br />
Assembléa 25 de Maio de 1865.<br />
<br />
O vigário Francisco Manoel da Silva.<br />
<br />
(De uma copia encontrada no archivo particular do vigario Loureiro).<br />
<br />
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..:: Documento No 6 ::.. <br />
<br />
D. João da Purificação Marques Perdigão por mercer de Deus e da Santa Sé Apostólica, Bispo de Pernambuco, e do Conselho de S. M.<br />
<br />
Fazemos saber, que por sua petição nos enviou a dizer Pedro José da Cruz Brandão, proprietário do Engenho Barro Branco, na freguesia da Assembléa que de Nossa licença se havia erigido a capella da Invocação de Nossa Senhora da Conceição no dito engenho Barro Branco da mesma freguezia, em lugar decente e livre de toda a communicação, como nos constou por certidão do Reverendo Parocho, e também de ser capaz para nella se celebrar o santo sacrifício da Missa e mais officios divinos, pedindo Nos por fim de sua supplica lh’a mandássemos benzer. E attendendo á sua justa supplica, mandamos passar a presente pela qual commettemos nossas vezes ao Reverendo Parocho da referida freguesia, para que por si e na forma do Ritual Romano possa benzer a dita cappela, visto Nos acharmos impedidos, para por nossa pessoa o fazermos, estando a dita capella paramentada na forma das nossas constituições e sem prejuiso dos direitos parochiaes. Dada em Maceió sob o nosso sello aos 11 de Novembro de 1863 e signal do nosso Reverendíssimo Vizitador da província. Eu José de Barros Accioli no impedimento do Secretario da Vizita o subscrevi. <br />
<br />
Camillo de Mendonça Furtado<br />
<br />
Delegado de S. Rv.<br />
<br />
(Copiado do original existente na Capella do Barro Branco).<br />
<br />
<br />
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<br />
<br />
<br />
Copyright 2005, Plátano Comunicação - todos os direitos reservadosUnknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-1142608468860296462006-03-17T12:13:00.001-03:002010-01-05T11:13:17.986-02:00Primeiro Relatório (Graciliano Ramos)Graciliano Ramos<br />
Relatório ao sr. governador Álvaro Paes <br />
<br />
Receita – 96:924$985 <br />
<br />
No orçamento do ano passado houve supressão de várias taxas que existiam em 1928. A receita, entretanto, calculada em 68:850$000, atingiu 96:924$985. <br />
<br />
E não empreguei rigores excessivos. Fiz apenas isto: extingui favores largamente concedidos a pessoas que não precisavam deles e pus termo às extorsões que afligiam os matutos de pequeno valor, ordinariamente raspados, escorchados, esbrugados pelos exatores. (...) <br />
<br />
Administração – 22:667$748 <br />
<br />
Figuram 7:034$558 despendidos com a cobrança das rendas, 3:518$000 com a fiscalização e 2:400$000 pagos a um funcionário aposentado. Tenho seis cobradores, dois fiscais e um secretário. <br />
<br />
Todos são mal remunerados. (...) <br />
<br />
Cemitério – 243$000 <br />
<br />
Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será insuficiente, mas os trabalhos a que me aventurei, necessários aos vivos, não me permitiram a execução de uma obra, embora útil, prorrogável. Os mortos esperarão mais algum tempo. São os munícipes que não reclamam. <br />
<br />
Iluminação – 7:800$000 <br />
<br />
A prefeitura foi intrujada quando, em 1920, aqui se firmou um contrato para o fornecimento de luz. Apesar de ser o negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo às escuras. É um bluff. Pagamos até a luz que a lua nos dá. (...) <br />
<br />
Instrução – 2:886$180 <br />
<br />
Instituíram-se escolas em três aldeias: Serra da Mandioca, Anum e Canafístula. (...) Presumo que esses estabelecimentos são de eficiência contestável. As aspirantes a professoras revelaram, com admirável unanimidade, uma lastimosa ignorância. Escolhidas algumas delas, as escolas entraram a funcionar regularmente, como as outras. <br />
<br />
Não creio que os alunos aprendam ali grande coisa. (...) <br />
<br />
Miudezas <br />
<br />
Não pretendo levar ao público a idéia de que os meus empreendimentos tenham vulto. Sei perfeitamente que são miuçalhas. Mas afinal existem. E, comparados a outros ainda menores, demonstram que aqui pelo interior podem tentar-se coisas um pouco diferentes dessas invisíveis sem grande esforço de imaginação ou microscópio. <br />
<br />
Quando iniciei a rodovia de Sant’Ana, a opinião de alguns munícipes era de que ela não prestava porque estava boa demais. Como se eles não a merecessem. E argumentavam. Se aquilo não era péssimo, com certeza sairia caro, não poderia ser executado pelo município. (...) <br />
<br />
Projetos <br />
<br />
Tenho vários, de execução duvidosa. Poderei concorrer para o aumento da produção e, conseqüentemente, da arrecadação. (...) Iniciarei, se houver recursos, trabalhos urbanos. (...) <br />
<br />
Empedrarei, se puder, algumas ruas. <br />
<br />
Tenho também a idéia de iniciar a construção de açudes na zona sertaneja. <br />
<br />
Mas para que semear promessas que não sei se darão frutos? Relatarei com pormenores os planos a que me referia quando eles estiverem executados, se isto acontecer. <br />
<br />
Ficarei, porém, satisfeito se levar ao fim as obras que encetei. É uma pretensão moderada, realizável. Se não realizar, o prejuízo não será grande. <br />
<br />
O município, que esperou dois anos, espera mais um. Mete na prefeitura um sujeito hábil e vinga-se dizendo de mim cobras e lagartos.Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-1142551305438281442006-03-16T20:19:00.001-03:002010-01-05T11:13:35.648-02:00Intertextualidade com o Manifesto Sururu (Tchello d´Barros)<div align="justify"></div><div align="justify"><strong>Intertextualidade com o Manifesto Sururu de Edson Bezerra</strong><br />
</div><div align="justify">por Tchello d´Barros<br />
</div><div align="justify">Edson Bezerra, aqui uma lúdica intertextuallidade com o Manifesto Sururu, esse breviário de saberes, falares e viveres, que você trouxe à tona numa linguagem poética impregnada de essências alagoanas, de ancestralidades, de elementos arquetípicos dessa terra, dessa gente. Seu manifesto é também uma desiderata, uma narrativa que resgata o lado até mesmo atávico da civilização que se desenhou nesta região de antigas sesmarias, o lado oposto das transculturizações - principalmente ianques - que descaracterizam o que cada povo tem de mais original, autóctone e autêntico. É também uma galeria de paisagens, personagens, imagens, fotografias, nomes e rostos, enfim, de elementos que urdem a tessitura de um lugar, deste lugar, que é tão único, tão raro, tão rico. O Manifesto Sururu não é um texto do Edson Bezerra, esse moço que vimos cantar no MISA, é uma escritura como que coletiva, entretecida por muitas almas, por muitas vozes, com ritmos de tambores e o chapinhar das águas da Mundaú. Um escrito que é também o canto de possíveis Yaras, Sacis e Curupiras, o grito de vários poetas, a dança dos brincantes das periferias e ainda um lamento antigo que ecoa pelo vento que acaricia os canaviais alagoanos. Esse 'vento imemorial' de Ledo Ivo, que desliza sobre as lagoas e vem brincar com as pandorgas dos meninos nas grotas de Maceió. Como o sopro que anima os pífanos, esse vento assobia por entre as palavras escritas no Manifesto Sururu, também é a brisa que acalenta as gentes ricas da Ponta Verde, Pajuçara e Jatiúca, mas ele leva mais longe os olores da cana doce, espalha as fragrâncias da cachaça artesasanal e os aromas do sururu-de-capote bem temperado, despinicado na mesa das famílias e nas rodas de amigos. Quando o Manifesto Sururu ecoa entre os artistas da terra, entre músicos, atores, escritores e tantos outros, é porquê atinge uma área densa de um grande coração plural, que há muito se angustia com os descasos, desmandos e desditas do meio cultural, essa substância intangível, que como o vento das lagoas, perpassa todas as outras instâncias de nossa sociedade, de nossas comunidades. O manifesto Sururu é também um aceno de possibilidades, um lance de dados, um apontar de dedos, um sinal de sirene do trem, um facho de luz do farol. Quem tem ouvidos que ouça, mas também escute a melodia desse vento. Quem tem olhos que veja, mas também possa enxergar a lua refletida nas águas das lagoas. Quem tem boca, mais que apreciar o sabor do sururu, que não se cale nessa hora de ajustar a bússula nos rumos da cultura. Quem tem olfato, mais que deliciar-se com os sabores e saberes locais, sinta o perfume de um novo tempo. E quem tem tato, faça contato com as mais genuínas manifestações da alagoanidade presentes nessa terra, nessa gente e nas entrelinhas do Manifesto Sururu.<br />
</div><div align="justify">Abraço inefável.<br />
</div><div align="justify"></div><div align="justify">Tchello d'Barros<br />
</div><div align="justify"></div><div align="justify">Escritor e artista visual<br />
</div><div align="justify"></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-1142551136305105682006-03-16T20:16:00.001-03:002010-01-05T11:13:52.797-02:00Manifesto Sururu (Edson Bezerra)<div align="left"></div><div align="left"><strong>Manifesto Sururu</strong><br />
</div><div align="left"></div><div align="left">por Edson Bezerra<br />
</div><div align="left">O manifesto sururu quer muito pouco. Quem sabe um pouco mais do que exercitar um certo olhar: um olhar atento por sobre as coisas alagoanas. O manifesto sururu não quer apostar e nem pousar em outras imagens. O que ele procura é exercitar olhos e sentidos por sobre (e dentre) antigas e permanentes imagens das coisas alagoanas: olhar primeiramente os canais que interligam as lagoas e os rios. Os canais sempre foram as nossas pontes e disto já o sabia Octávio Brandão.<br />
O manifesto sururu também fala da fome. Não da fome comum, mas da fome de devorar as Alagoas.<br />
Contra as derrapagens de uma modernidade vazia, uma outra assinalada de coisas alagoanas.<br />
Alagoas não foi feita (somente) pra turista ver.<br />
Pra turista ver e olhar o mar.<br />
No além-mar, pensar não outras terras. No além-mar pensar nossos interiores. Lagoas interiorizadas. Pra turista ver também. E que ele venha, e já que comemos o Bispo Sardinha, o comeremos também, mas antes disto ensinar ele a tomar banho de lagoa e comer caranguejo Uca com as mãos. Aliás, com todo estrangeiro deveria ser assim.<br />
Novas rotas. Rotas alagoanas: de canais e lagoas, sobretudo.<br />
O manifesto sururu não esta sozinho. O sururu, ele mesmo é o alimento e a caloria de milhares. O sururu é vida.<br />
O manifesto sururu está atento para os batuques noturno dos terreiros periféricos e fora de rota e também dos milhares de capoeiras espalhados.<br />
O manifesto sururu se alegra com a folia dos meninos de rua, com os guerreiros e com as tradições alimentadas pelos povos periféricos.<br />
Manifesto sururu: mistura e associação de moluscos, peixes, águas, negros, cafusos, morenos e de todas as mestiçagens possíveis das gentes alagoanas. Manifesto sururu: do vale do Mundaú para onde houver lagoas.<br />
Suas heranças são imagens, suas comidas e seus pais ancestrais. Assim: Calabar é nosso e, sobretudo Zumbi dos Palmares: migrantes deslocados da colônia central.<br />
Penso em imagens alagoanas. Penso que uma delas é a Mestra Ilda do coco tomando (no mínimo) caldinho de Sururu na beira da Mundaú.<br />
Penso em uma outra: a do Major Bonifácio melado de lama e dançando Carnaval na rota Bebedouro - Martírios. Ele, o major, bem que poderia ter também dançado capoeira.<br />
Uma outra ainda seria pensar a Tia Marcelina como se ela fosse Nossa Senhora dos Prazeres.<br />
No fundo somos gente-sururu e por isto trazemos nos olhos as imagens de todas as águas.<br />
Das águas do mar e do somatório das dezenas de lagoas e rios e olhos d’água espalhados até pelas periferias da cidade.<br />
Otávio Brandão: Mundaú: rio dos negros. São Francisco: rio dos brancos. Que vivam as lagoas todas: as vivas e as mortas. Somos filhos do barro, nascemos entre os batuques dos negros e da mistura da lama.<br />
Por isso: que estória é esta de Terra dos Marechais?<br />
Somos ainda a derradeira sobrevivência (e isto é fantástico) do extermínio do povo Caeté. Em nossa veia alem do povo Caeté, pulsa sangue negro. Os brancos nos trouxeram a mistura e (também) a morte.<br />
De todo modo, mestiços de índios, negros e brancos, estamos vivos.<br />
Cúmplices da modernidade temos o barro e a lama debaixo dos edifícios e dos asfaltos das ruas.<br />
Somos filhos de uma cidade restinga.<br />
Os nossos edifícios (assim como a nossa modernidade) foram construídos sob os terreiros dos negros e das moradas dos pobres. A nossa modernidade foi (está sendo) construída sobre os aterros dos manguezais e do massapé e é por isso que as vezes ainda sentimos cócegas nos pés: são eles, os caranguejos e as lamas.<br />
Sob os aterros, se instalaram os movimentos negros, seus batuques e danças. Guardamos então muitas saudades.<br />
Por uma nova cartografia: redesenhar roteiros visíveis, remarcar datas e reescrever novas geografias.<br />
Manifesto sururu: Simulações sem simulacros.<br />
Que por dentre as cenas das antenas parabólicas, outras cenas de imagens periféricas: Por uma reinvenção da cidade e celebração pública da memória dos nossos proscritos. E por falar nisso:<br />
Viva Calabar!!!!<br />
Além de toda ancestralidade, o erotismo do coco e dos fragmentos de nossas raízes periféricas.<br />
Os nossos terreiros são as nossas academias: semente de ritos e lugar de celebração e festas. Viva todas as alegrias. Viva o Terreiro de Mestre Felix e de todos os mestres.<br />
Saudades daqueles tempos. Antes do "quebra de 1912" o batuque era bem maior.<br />
Temos muitas dívidas: para com a morte de Tia Marcelina, por exemplo.<br />
E temos muitas outras. Uma delas é a seguinte: a Praça 13 de Maio deveria ficar na Praça dos Martírios e a estátua do negro Zumbi no pedestal no lugar do Marechal. Assim faríamos muitas festas e celebraríamos melhor o sincretismo de nossas mestiçagens. Quem sabe então ele, Zumbi, não rezaria uma missa pra depois dançar Xangô?<br />
Nós repudiamos o etnocídio e proclamamos todos a uma grande alegria.<br />
Viva a alegria de todas as festas. Quem antecedeu os Marechais foi Zumbi e antes dele, Calabar. Viva a subversão e a liberdade.<br />
Entre os nossos pobres (pobres específicos) aqueles que sobreviveram a maleita e a fome estiveram desde sempre os cantadores de coco, de toadas, de forro, das rodas de samba, os repentistas, os criadores do martelo alagoano, os capoeiras, os macumbeiros e mandingueiros. Em suma: as almas inspiradoras.<br />
Das lagoas. Também elas invadiram (e invadem) o mundo das imagens: de Guilherme Roggato a Celso Brandão.<br />
As palavras-mundo de Jorge de Lima e Ledo Ivo são roteiros cinematográficos de um imaginário alagoano.<br />
Do somatório de todas as águas: as águas do mar que invadiram a todos.<br />
Dos olhos d’água e do cheiro de maresia contra o cheiro agridoce das canas. Maresia alagoana: ela contaminou a todos: dos pisantes das terras alagoanas - dos índios e negros, brancos e holandeses e até mesmo aos piratas franceses.<br />
...e sobretudo do cheiro do sururu tirado fresquinho da lama: alimento dos negros e pobres. Imagem segura e maternidade de nossas imagens mães. Assim, Mestra Ilda também é Zumbi e Mestre Zumba também.<br />
Além de sentimentais, somos anfíbios, quer se queira quer não.<br />
Quem ainda não provou do sururu, tomou banho de lagoa é aleijado dos olhos e cego no corpo.<br />
Viva Deodato, outro negro artista.<br />
Sururu: ao redor dele, os bairros e os povoados se amontoaram e se enredaram: Ponta Grossa, Levada, Pontal, Bebedouro e Rio Novo. Todos filhos das águas.<br />
O sururu então, mais dos que os homens, inventou e recriou as nossas geografias: as cartografias de nossa primitividade. Ali naqueles espaços embrenhados dançava-se Macumba, fumava-se liamba, cantava-se o coco e se recriava um mundo: o mundo alagoano. Como isto foi possível?<br />
Na busca do sururu, os homens pobres desenharam ruas.<br />
Sururu: espaços coletivos, maternidade e memória. Nascedouro e rotas de outros espaços geográficos. Espaços de uma memória possível.<br />
Viva Jorge de Lima e Celso Brandão que filmou o "Pesca Sururu".<br />
Levada. Alguém lembra que ali havia um porto?<br />
Turismo primitivo: a Bica da Pedra, o banho no Cardoso, o Catolé. Lugares de luz com águas frescas e claras.<br />
O bar das Ostras.<br />
O porto de Bebedouro e de Santa Luzia do Norte, alguém lembra?<br />
"Sururulândia": Esta é nossa riqueza e desde sempre memória.<br />
Mas aconteceu que Maceió fugiu da mundaú. Pensou que a lama e os caranguejos e os homens-caranguejos iam engolir ela!!!!<br />
A nossa Aristocracia então (com medo e nojo) fugiu do barro - e fugiriam também da zoadas dos batuques, do coco e das macumbas e foram morar lá na banda das praias: Pajuçara, Ponta Verde e Jatiúca. E naquelas praias há pouco desertas, no lugar dos casebres e casas de paus a pique, foram montados os edifícios e as luminárias elegantes da cidade. E as águas do mar são diferentes das águas da lagoa.<br />
A gente sururu então ficou sozinha.<br />
Formou-se deste então duas gentes: a gente sururu e o povo rico da cana.<br />
De um certo modo, ao gosto do sururu, se somou o cheiro da cana. Alagoas então é de todo um pouco de cada pedaço.<br />
Mas, ao contrario da maternidade dos mariscos, os capins da cana se tornaram baionetas retocadas de sangue.<br />
Na verdade a cana nunca foi doce. Zumbi e os negros já desde sempre sabiam.<br />
O sururu também não é doce. Mas entre o doce e o salgado, e somado à mestiçagens das cantigas e do somatório das estórias todas, ele foi dando alma e corpo à gentes alagoanas.<br />
Por isto, é uma pena que o Farol não derrame sua luz na mundaú.<br />
O Farol nunca iluminou as lagoas. Nas lagoas não navegam os navios (afinal o que trazem os navios?), nas lagoas navegam apenas os peixes, os homens e os mariscos adormecidos e preguiçosos: o bagre, o mandim, o siri, o caranguejo e o sururu enfiado na lama<br />
Mas afinal, se toda festa tem um tempo, qual o tempo sururu?<br />
Sururu, cultura oral sururu. Sinestesias: pureza aberta e sem perigo.<br />
Sinestesias: um dia uma branco tomou caldo de sururu e ficou doido.<br />
Sururu: comida dos pobres:<br />
Nossa miséria é a nossa riqueza.<br />
Que ressuscitemos todas as histórias<br />
E que no banquete das mestiçagens periféricas<br />
Morram colonizadores e colonizados.<br />
E que por dentre o barro e cheiro da lama<br />
E no somatório de todas as imagens<br />
A Mundaú central,<br />
E nela a gente sururu seja imensa<br />
Feito um oceano sem margens.<br />
No somatório de todas as águas.<br />
* Texto transcrito do blog da banda alagoana "Vestindo a Carapuça", editado pelo poeta e música amigo Sóstenes Lima.<br />
Para ver mais detalhes e dimensões <br />
</div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-1142520295763947762006-03-16T11:42:00.001-03:002010-01-05T11:14:21.799-02:00E. J. Hobsbawn – Um Olhar Moderado sobre o 'Século dos Extremos' (Golbery Lessa)<div align="justify">E. J. Hobsbawn – Um Olhar Moderado<br />
sobre o 'Século dos Extremos'<br />
<br />
<br />
por Golbery Lessa<br />
<br />
Em quadras históricas como a que vivemos, marcadas pelo avanço da perspectiva e das práticas contra-revolucionárias, assiste-se ao quadro tragicômico da "conversão" de conhecidos intelectuais comunistas, ou seja, contempla-se a sua abjuração, aberta ou velada, dos princípios teóricos que fundamentam a propositura de revolução social.<br />
<br />
Fruição para liberais e social-democratas, constrangimento para nós marxistas que resistimos às ondas de choque, essas "conversões" aparecem como prova irrefutável da inviabilidade teórica e prática do socialismo. Ninguém melhor do que parte significativa da vanguarda revolucionária, agora desiludida, para colocar, de acordo com o costume ocidental, os primeiros torrões de terra sobre a urna fúnebre do "velho" pensador alemão.<br />
<br />
Os escritos desses novos poetas da ordem, como os papéis especulativos na bolsa, valorizam-se com uma rapidez vertiginosa, proliferam sob a proteção de inúmeras instâncias estatais, e passeiam lépidos, de mão em mão, ocultando a sua natureza precária. Tornam-se célebres não por acrescentarem um erro original ao pregão do proselitismo, mas por sua exemplaridade.<br />
<br />
Apontar apenas para a fragilidade ética dos indivíduos "convertidos" eqüivale a abandonar o método dialético, o que também acontece quando se sublinha de modo exclusivo as fraquezas teóricas e o contexto sócio-cultural. É necessário, pois, como tem demonstrado a melhor análise marxista sobre a intelligentsia – tendo Lukács e Gramsci à frente – determinar em cada caso as relações dinâmicas e complexas entre a totalidade social e as possibilidades éticas e teóricas de cada indivíduo.<br />
<br />
Os últimos anos da trajetória teórica do conhecido historiador inglês E. J. Hobsbawn vêm sendo marcados, segundo vários autores1, pelo seu paulatino e substancial afastamento em relação à propositura da revolução socialista. Apesar disso, essa metamorfose intelectual não tem sido, ao nosso ver, devidamente sublinhada pelos marxistas brasileiros. Obviamente, seria muito mais positivo se estivéssemos festejando grandes desenvolvimentos na historiografia revolucionária. Porém, não podemos fazê-lo, porque está dando-se justamente o contrário.<br />
<br />
O melhor caminho não é calar-se diante do fato, mas tentar explicá-lo e agir no sentido de sua superação. Essa atitude se justifica ainda mais no momento presente, no qual as idéias do autor em questão, principalmente àquelas apresentadas em seu livro A Era dos Extremos, vêm tendo um sucesso considerável e sendo apresentadas pelo próprio e por muitos outros, como coerentes com o método e a perspectiva de Marx e como a quintessência do caminho teórico e político mais adequado.<br />
<br />
O presente texto tem o intento de demonstrar a tese de que o historiador inglês abandonou, há alguns anos, a propositura da revolução social não por oportunismo ou qualquer outro defeito ético, mas fundamentalmente porque as suas bases teóricas e metodológicas nunca foram suficientemente coerentes com a sua posição revolucionária. Num certo momento de sua trajetória teórica, no seio de um determinado contexto histórico, essa antinomia finalmente se resolveu através da troca da revolução pela social-democracia e não do câmbio dos seus fundamentos teórico-metodológicos insuficientes pelo método marxiano. Esse desfecho não era uma necessidade inelutável, poderia ter-se dado o inverso com outro personagem ou com outras circunstâncias.<br />
<br />
Acreditamos que essa tese se aplica à grande maioria dos ex-marxistas contemporâneos. Porém, a nossa proposta é ir além dessa determinação geral, que é imprescindível mas insuficiente. Tentaremos perceber as singularidades da trajetória de Hobsbawn e relacioná-las com àquelas determinações gerais que perpassam tanto o seu caso como o de inúmeros outros ex-revolucionários, tentando apreender a história do seu pensamento em sua particularidade.<br />
<br />
I - As Aventuras de Asterix na Corte do rei Artur<br />
<br />
O método historiográfico utilizado por Hobsbawn, em seu recente livro A Era dos Extremos, é essencialmente o mesmo de suas outras obras muito conhecidas e claramente se aproxima do método da chamada escola francesa dos annales, a qual teve como principais representantes Marc Bloc, Lucien Febvre e Ferdinad Brudel. A única diferença significativa reside no fato de que Hobsbawn, ao contrário desses três autores, não se exime de tematizar as questões relativas ao Estado e as intricadas lutas políticas em torno do poder.<br />
<br />
A preocupação com a chamada "longa duração" é patente: as obras mais famosas do autor abarcam nada menos do que todos os aspectos – menos o filosófico, o que é sintomático – e todos os períodos daquilo que se convencionou chamar de modernidade, isto é, desde a Revolução Francesa até o presente. outros traços de inegável proximidade com os annales são um indisfarçado empirismo, o desprezo pela filosofia e uma fortíssima tendência a não aceitar a esfera das relações sociais de produção como momento predominante do ser social e de sua história.<br />
<br />
Esses gauleses desejavam depurar a historiografia das suas conseqüências revolucionárias, porém com o cuidado de não caírem no factualismo. Por isso retiveram as noções de totalidade e da importância causal da economia de uma maneira extremamente esgarçada e impura, o que transubstanciou a totalidade em um conjunto de partes justapostas e que – sem perceberem claramente – se paralisam mutualmente e usurpou das relações sociais de produção o caráter de momento predominante dos outros complexos sociais2.<br />
<br />
Uma totalidade sem momento predominante, em que as partes "interagem de maneira recíproca" de modo inteiramente equilibrado, apenas pode levar à imobilidade eterna, à uma equação de soma zero. Se tudo interage com tudo na mesma proporção, tudo anula as transformações de tudo. Se a religião muda para um lado, a economia para outro, a política para um terceiro etc., ou a sociedade se esfacela em vários pedaços, ou então as várias partes têm que abandonar a mudança e voltar para a situação inicial de harmonia.<br />
<br />
Restou, então, para os annales buscar o impulso à mudança "de fora", do "exterior" das formações sociais estudadas. Assim, Marc Bloc inicia o seu Sociedade Feudal com as invasões dos nórdicos e magiares à Europa da "idade das trevas", recém saída do Império Romano. Sua história feudal será a história da síntese ente elementos romanos e bárbaros. O movimento foi encontrado finalmente, já que sem movimento não há inteligibilidade nem aparência de inteligibilidade possível. Outro recurso será a história comparada, que permite o movimento em nível "mental" provindo da "comparação" de uma sociedade com outra análoga, como no seu livro em que compara o campo francês com o inglês. A "longa duração" é, nessa escola, quase sempre, "extenso espaço", onde coexistem várias formações sociais, as quais entram em contato com o tempo, o que trás a idéia de movimento. O "mediterrâneo" é palco de inúmeras formações sociais, que entram em contato e choque ...<br />
<br />
É claro que se trata de um mero truque: ou a contradição nasce do desequilíbrio, da desarmonia entre os complexos sociais ou não pode surgir do nada. A explicação sobre as contradições entre formações sociais não substitui a explicação sobre suas contradições internas, e essas determinam aquelas. Os bárbaros não invadiriam o império romano se esse não se fraturasse interiormente.<br />
<br />
Os títulos das obras de Hobsbawn mais conhecidas e importantes demonstram por si a opção pela longa duração: A Era das Revoluções, A Era do Capital, A Era dos Impérios, Nações e Nacionalismo, A História Social do Jazz, Mundos do Trabalho, Os Rebeldes Primitivos etc.<br />
<br />
Em Os Revolucionários e Políticas para uma Esquerda Racional, que reúnem inúmeras intervenções nos órgãos de imprensa, o autor analisa tempos curtos: conjunturas eleitorais, guerras localizadas, golpes de Estado etc. Nessas obras, fica patente um significativo empirismo. Sem a longa duração fica mais clara a insuficiência da análise. A dinâmica, nesse caso, é dada pela luta de classes, mas se resume a um olhar superficial, com forte tendência culturalista3.<br />
<br />
Fazendo um balanço geral da obra do autor, pode-se notar que esse busca superar o economicismo típico da Segunda Internacional e do movimento estalinista. Porém, não há, por outro lado, uma superação positiva, através da compreensão profunda do complexo da economia e do seu caráter predominante. A tendência dominante do autor inglês é "afrouxar" a determinação econômica dos outros complexos sociais. A Filosofia é abandonada desde o início, o que impede completamente qualquer possibilidade de solução satisfatória. Trata-se de um processo particularmente perverso e amplamente conhecido: o afrouxamento dos princípios básicos se dá, necessariamente, em paralelo com a aquisição de conceitos de outras perspectivas.<br />
<br />
O resultado, a "flexibilização" do pensamento do autor, aparece para ele mesmo – e para outros – como um ganho efetivo de capacidade de compreensão da realidade. Esse primeiro "ganho" de capacidade heurística estimula um novo "afrouxamento" e um novo "ganho" e, assim, sucessivamente, sem que a vítima perceba, uma bela manhã se descobre sentada à direita da rainha da Inglaterra!<br />
<br />
A recorrência ao conceito de classe e de luta de classes não tiram o autor de suas dificuldades, dado que tais conceitos, no grau de determinação em que são utilizados, não são suficientes para estruturar uma compreensão dialética da realidade. O seu conceito de consciência de classe, por exemplo, é bastante empirista, o que vai contribuir para uma visão extremamente culturalista da história do movimento operário.<br />
<br />
II - O Retorno Eterno ao 'Eterno Retorno'<br />
<br />
O livro A Era dos Extremos teve uma acolhida extremamente favorável no Brasil. Tem sido vendido em verdadeiras pencas como genuíno Best-Seller. Trechos da obra passaram a ser citados como sentenças oraculares na academia, no Congresso Nacional, nos chamados movimentos sociais e mesmo na vida cotidiana por pessoas das mais díspares posições ideológicas e políticas.<br />
<br />
Essa "unanimidade" relativa a um autor supostamente marxista nestes "tempos sem sol" teria que levantar desconfianças naqueles que ainda "pensam por si mesmos", o que não se deu na dimensão que esperávamos. A análise desse livro tem a potencialidade de revelar muito sobre a história intelectual do seu autor, principalmente porque é nele que a referida antinomia entre método e posição política se resolve. Além disso, pode concorrer para "dessacralizar" o conjunto de suas teses verdadeiramente medíocres relativas à história do século XX.<br />
<br />
O livro comporta todos os problemas metodológicos das obras anteriores do autor. Ao nosso ver, o seu sucesso reside nas conclusões pífias e reformistas que resultam do desenvolvimento conseqüente do método utilizado e na pretensão de explicar todos os aspectos do século XX num único livro, o que se harmonizou facilmente com o gosto da reacionária e mentalmente apressada opinião pública contemporânea. O sucesso de público e de crítica do livro se originou, contraditoriamente, no fracasso teórico do autor, na sua incapacidade de compreender o século XX. Resultou do fato de que Hobsbawn se enredou no labirinto da aparência e produziu uma visão reificada que se adequou perfeitamente ao senso comum deste final de século.<br />
<br />
Poderíamos demonstrar as fragilidades teóricas do livro e a grande distância em que o seu método se encontra do método marxiano a partir de algumas das inúmeras questões tratadas ao longo do texto, como por exemplo,<br />
<br />
1) as causas e as conseqüências dos grandes massacres do século XX;<br />
<br />
2) a conceituação do movimento fascista;<br />
<br />
3) a relação entre o desenvolvimento econômico do século XX e os seus outros complexos sociais;<br />
<br />
4) o mundo das artes neste século;<br />
<br />
5) as modificações no mundo do trabalho nas duas últimas décadas;<br />
<br />
6) a relação entre o público e o privado etc. Porém, ateremo-nos à primeira questão, não só pelas dimensões do presente texto, mas também porque acreditamos que é o suficiente para os nossos objetivos.<br />
<br />
O capítulo 1 do livro de Hobsbawn, intitulado A Era da Guerra Total, no qual ele analisa as duas grandes guerras mundiais, é fundamental para compreendermos o pensamento do autor no que se refere às causas e as conseqüências dos massacres do século XX.<br />
<br />
Ao longo das trinta páginas do capítulo referido, o autor fica muito longe de cumprir o que promete, ou seja, não consegue explicar satisfatoriamente porque aconteceram as duas guerras mundiais, porque esses conflitos se diferenciaram dos anteriores, e quais foram as conseqüências históricas advindas deles. Isso ocorre essencialmente pelo profundo empirismo utilizado na análise dos fatos, que é de tal ordem que dificulta inclusive, para quem ler, a identificação das "teses" e da "teoria" que está sendo explicitada no texto. O leitor é obrigado a investir-se da função de arqueólogo e separar com muito esforço, após vários esquadrinhamentos, a "terra fatual" dos pequeninos "artefatos teóricos" minimamente significativos.<br />
<br />
Para se ter uma idéia do vazio conceptual basta sublinhar o fato de que a palavra "capitalismo" aparece uma única vez, na penúltima das trinta páginas do capítulo, assim mesmo numa alusão ao que será tratado numa próxima seção do livro. Certamente, trata-se de uma façanha inédita: explicar as duas grandes guerras interimperialistas sem utilizar o conceito essencial para entender a sociedade na qual se deram.<br />
<br />
Quem procurar ler o referido capítulo notará que Hobsbawn procura explicar o aumento da dimensão dos massacres no século XX a partir da disseminação de uma cultura da violência e do desprezo à vida dos outros seres humanos, essa cultura teria sido gerada antes de tudo pela Primeira Guerra Mundial, a qual teria acostumado a população européia, por um lado, a ser indiferente aos imensos banhos de sangue e, por outro, a ser tão firmemente pacifista que não se dispunha a enfrentar atentados violentos à própria civilidade, e criou uma massa de veteranos de guerra prontos para guiar os seus povos a renovadas hecatombes. Uma das principais causas da reprodução desse "imaginário" da indiferença e da brutalidade foi a invenção de meios assépticos e impessoais de matar, como o bombardeiro e o rifle de longo alcance, os quais facilitariam a aceitação da violência a partir de desenvolverem a impessoalidade na guerra. Além disso também contribuiu muito o caráter "popular" dessas guerras, que obrigou os líderes políticos a mobilizarem a massa através da demonização dos seus inimigos. As novas gerações teriam apreendido esse "imaginário" com as antigas e passado adiante ...<br />
<br />
Salta aos olhos do leitor o fato de que o historiador inglês procura dar uma explicação basicamente culturalista para o aumento nas dimensões dos massacres. O complexo da economia sempre aparece ao lado ou subordinado às esferas da subjetividade e da política, e quando aparece como determinante é de uma maneira vaga e esquemática.<br />
<br />
Assim, por exemplo, o autor explica a amplitude e radicalidade da Grande Guerra – que desencadearia toda a "cultura da brutalidade" – pelo fato de que os interesses econômicos e políticos das grandes potências imperialistas eram radicalmente excludentes. É interessante sublinhar que, nessa tentativa de explicar o "motor inicial" da Grande Guerra e, consequentemente, da queda do grau de civilidade no século XX, a "economia" e a "política" aparecem fundidas numa identidade completa – "Na Era Imperialista a política e a economia se haviam fundido" –, o que demonstra mais uma vez a recusa do autor inglês a perceber o complexo da economia como momento preponderante da totalidade social. A verdadeira "causa primeira" da Grande Guerra aparece como se fosse a rivalidade "geo-histórica" das potências européias, o "movimento", como na escola dos annales, é encontrado no "extenso espaço" e não na natureza particular da economia dos países beligerantes.<br />
<br />
Isso fica novamente patente quando o autor procura explicar as principais causas da Segunda Guerra: "Talvez a guerra seguinte (a Segunda Guerra) pudesse ter sido evitada, ou pelo menos adiada se houvesse restaurado a economia pré-guerra como um sistema global de prósperos crescimento e expansão econômicos. Contudo, após uns poucos anos, em meados da década de 1920, nos quais se pareceu ter deixado para trás a guerra e perturbação pós-guerra, a economia mundial mergulhou na mais drástica crise que conheceu desde a Revolução Industrial. E isso levou ao poder, na Alemanha e no Japão as forças políticas do militarismo e da extrema direita".<br />
<br />
O historiador não faz nenhuma menção às profundas diferenças entre o capitalismo clássico da França, Inglaterra e Estados Unidos e o capitalismo retardatário da Alemanha, Japão e Itália, diferenciação que deveria ser base do entendimento das causas da guerra, já que foi o caráter retardatário das "Potências do Eixo" que explica tanto a possibilidade dos fascistas chegarem ao poder como a inevitabilidade do conflito. Para Hobsbawn, todo o mal-entendido poderia ter sido evitado se a economia mundial não tivesse entrado em crise. O que demonstra mais uma vez a sua maneira esquemática de entender a relação entre a economia e os demais complexos sociais. O autor fica impossibilitado de perceber que a única maneira de evitar a guerra teria sido a vitória do movimento revolucionário nos países de capitalismo retardatário, principalmente na Alemanha, vitória que era uma possibilidade real e que foi perdida por inúmeros erros político-ideológicos.<br />
<br />
A "causa primeira" do aparecimento da "cultura da brutalidade" teria sido, para o autor, a Primeira Guerra Mundial, e esse acontecimento teria sido determinado por um contexto geo-histórico que contrapôs de maneira radical os interesses políticos e econômicos das grandes potências européias. Ou seja, para Hobsbawn, no início de todo processo esteve presente interesses econômicos e políticos muito objetivos, mesmo igualando o complexo da economia ao complexo da política como esfera predominante, isto é, mesmo fundindo relações econômicas e relações políticas num mesmo todo indiferenciado, o historiador parte do que com alguma boa vontade poderíamos chamar de "plano da objetividade".<br />
<br />
Porém, se esse "plano da objetividade" produz o movimento subjetivo "ampliação da cultura da brutalidade", esse mesmo "plano da objetividade" não está presente, segundo o texto do autor, na "reprodução" do referido movimento subjetivo. O complexo da cultura se autonomiza e passa a se autoalimentar e reproduzir, apartando-se completamente de seu produtor "plano da objetividade". A autonomia absoluta da cultura não fica ainda mais patente porque o autor faz o "plano da objetividade" intervir mais uma vez através de mais outro acontecimento econômico-político: a Segunda Guerra Mundial. Com mais essa alavanca "objetiva" a autonomia absoluta da cultura aparece menos claramente e se torna mais aceitável, mas de nenhuma forma é efetivamente diminuída ou superada.<br />
<br />
Por fim, após esse percurso que fomos obrigados a trilhar no interior do texto de Hobsbawn, explicitaremos, sem ir muito além dos próprios dados fornecidos pelo autor, mas procurando utilizar o método dialético, qual deveria ser a explicação adequada do aumento da amplitude dos massacres no século XX e a sua relação com as duas grandes guerras mundiais.<br />
<br />
A escala "industrial" das guerras e de outros massacres perpetrados no século XX devem ser explicados pela radical complexificação, integração e concentração das economias capitalistas. Em economias com essas características, os danos causados aos inimigos em qualquer embate bélico são, necessariamente, astronômicos se comparados ao passado em termos absolutos. Antes da radical urbanização e industrialização, quando as economias dos beligerantes eram essencialmente agrícolas e pouco integradas, as guerras – sejam na Europa ou em qualquer outra parte do mundo minimamente desenvolvida – tinham que ser decididas principalmente entre os militares, buscava-se apenas causar um dano decisivo no exército ou na esquadra adversária.<br />
<br />
Por outro lado, é importante perceber que esses danos – essencialmente militares, mas não apenas – se eram pequenos se comprados aos atuais, para aquelas sociedades não o eram. Não havia parques industriais, entroncamentos ferroviários, aeroportos, centros administrativos-comerciais nevrálgicos param serem destruídos, nem uma população urbana suficientemente concentrada a partir da qual se poderia destruir parte significativa da força de trabalho e também espalhar o pânico, o desespero e a desorganização. Antes das primeiras décadas do século XX, não havia inclusive os meios bélicos capazes de destruir em grande escala, os quais obviamente apenas se tornaram possíveis com o desenvolvimento industrial.<br />
<br />
Diante da inevitabilidade da guerra de massas e, consequentemente, das grandes carnificinas, os indivíduos que viveram e vivem durante o século XX foram obrigados a adaptar o seu espírito a essa realidade, construíram estruturas psicológicas – conscientes e inconscientes – e morais que, se indiscutivelmente são em grande parte estranhadas, possibilitam a sobrevivência em situações radicalmente desumanas e desestruturantes. Por outro lado, os inúmeros progressos materiais trazidos pelo século XX possibilitam o desenvolvimento positivo de muitas dimensões da subjetividade, como por exemplo, a liberação da mulher, a chamada "revolução sexual", o arrefecimento da religiosidade etc.<br />
<br />
A ampliação da "cultura da brutalidade" se deu paralelamente à ampliação da "cultura da humanização". A coexistência dessas duas culturas contraditórias expressa, certamente, a coexistência de condições e possibilidades econômicas também contraditórias.<br />
<br />
A intensificação da socialização do homem, "o recuo das barreiras naturais" – processo sublinhado por Marx e Lukács – é necessariamente contraditório. O progresso histórico sempre coexiste e implica em muitos momentos de regressão. E mais: a própria potencialização do progresso implica a intensificação das possibilidade do regresso. Isso não significa que exista efetivamente a "lei do eterno retorno" na história humana, que não possamos visualizar uma escala de progresso significativa – mesmo que não linear – se compararmos os diversos modos de produção. Se levarmos em conta as dimensões históricas mais universais do gênero humano – a saber: o trabalho, a socialidade, a universalidade, a consciência e a liberdade –, teremos a possibilidade de perceber, por exemplo, que a sociedade capitalista possui um grau superior de progresso, de desenvolvimento dessas dimensões fundamentais, ao da sociedade medieval. Isso não significa que essa superioridade geral do capitalismo não possa, por si mesma, tornar alguns dos aspectos desse mesmo modo de produção mais desumanos, mais regressivos, do que os aspectos análogos no feudalismo. Assim, por exemplo, a capacidade produtiva na sociedade burguesa é infinitamente superior a da sociedade feudal, o que implica numa diferença muito grande na qualidade de vida, longevidade etc., porém, por outro lado, implica também numa grande diferença no que se refere à autodestruição: a feudalidade era incapaz de destruir todo o gênero humano, a sociedade regida pelo capital adquiriu as condições de realizar essa possibilidade inominável.<br />
<br />
O pessimismo de Hobsbawn, que perpassa não apenas o primeiro capítulo, mas todo o seu livro, surge do fato de que o autor é incapaz de entender esse complexo movimento contraditório que envolve o progresso e o regresso, e fez uma opção emocional – não fundamentada – pelo ceticismo (anteriormente, a referida incompreensão convivia com uma opção também emocional pelo otimismo).<br />
<br />
Como já afirmamos, o culturalismo presente nesse livro perpassa todas as obras mais conhecidas do autor. Porém, é apenas a partir desse trabalho que tal perspectiva teórico-metodológica leva Hobsbawn a conclusões anti-humanistas e anti-socialistas. A convicção socialista do autor tinha como base um arcabouço teórico-metodológico incompatível com essa mesma convicção. A derrocada do "socialismo real', o refluxo do movimento operário nos anos oitenta e as substanciais modificações societárias desse fim de século, colocaram abaixo o seu edifício comunista carente de um alicerce comunista.<br />
<br />
III - Os Belos Veleiros Vitorianos<br />
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O historiador inglês repete, como já assinalamos, na sua extensa carreira, os mesmos erros cometidos pela escola do annales e por muitos outros que não foram capazes de entender o método dialético, ou seja, aparta a história da filosofia e se recusa a perceber as relações sociais de produção como momento predominante no complexo social. Interdita, assim, a possibilidade de ir à raiz da realidade social. Navega o oceano científico com a intrepidez de um belo veleiro vitoriano, mas naufraga completamente. Os extremos de progresso e regresso e a luta extremada entre o capital e o trabalho que marcaram o século XX, requerem, para serem compreendidos, um olhar extremado, radical, o qual somente tem a possibilidade de possuir quem escolhe o lado do progresso e do trabalho. Nenhum pretenso termo-médio, nenhum tipo de olhar moderado é suficiente. Caso houvesse compreendido algum dia a maneira teoricamente adequada de traduzir as possibilidades cognitivas postas pelo trabalho, Hobsbawn hoje não seria um espécie de tradutor da "linguagem" das mercadorias, não teria uma opinião tão desesperançada sobre o gênero humano e certamente poderia adotar como divisa de seu veleiro vitoriano os seguintes versos de Hamlet: "que obra-prima é o homem! Como é nobre pela razão! Como é infinito em faculdade! Em forma e movimentos, como é expressivo e maravilhoso!"<br />
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1 - Ver, por exemplo, o norte-americano Vicente Navarro e o húngaro I. Mészàros. As opiniões do primeiro podem ser encontradas num texto sobre o Welfare State publicado na revista Lua Nova (n° 24), as observações críticas do segundo foram proferidas no Colóquio sobre Lukács, realizado em Maceió, Alagoas, em outubro de 1996.<br />
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2 - No que se refere às principais características da chamada "escola dos annales" seguimos de perto as formulações do livro Á História em Migalhas, de F. Dossé, Ensaio, 1994, SP. Acrescentamos apenas uma maior ênfase na demonstração das diferenças entre o método dessa escola e o método marxiano.<br />
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3 - Esse culturalismo é baseado numa interpretação subjetivista de Gramsci; a consciência de classe é confundida com o imaginário popular referente às lutas entre as classes, principalmente no seu aspecto político. Não se percebe, como Lênin percebeu, que a consciência de classe dos trabalhadores é a elaboração científica feita pelos intelectuais revolucionários das condições objetivas da massa trabalhadora e de seus interesses históricos, e não a média das intuições individuais dos trabalhadores.<br />
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Caro Leitor, esperamos que a leitura deste artigo, pertencente à Revista Práxis número 10, Outubro de 1997, tenha sido proveitosa e agradável.<br />
</div>Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-1142426098563821692006-03-15T09:33:00.001-03:002010-01-05T11:14:44.778-02:00Primeiros passos da formação de Alagoas (Dirceu Lindoso)<div align="justify"><br />
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Gazeta de Alagoas- Caderno Saber <a class="Link2" href="mailto:"></a><br />
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07/05/2005<br />
Primeiros passos da formação de Alagoas<br />
De como se fez a sociedade alagoana a partir dos conflitos e contradições dos primeiros tempos<br />
</div><div align="justify">por DIRCEU LINDOSO <br />
</div><div align="justify"></div><div align="justify">O medievalista russo Aaron J. Gourevitch, em sua obra clássica Kategorii Srednivekovoj Kul"tury (Moscou, l972), considera toda cultura, qualquer que seja a época, como um sistema semiótico universal. E, desse modo, acha que a pobreza na Idade Média (medium aevum) foi um fenômeno característico da época feudal. A categoria da pobreza era interpretada, nesse período, com referência à divisão sociojurídica da sociedade. O que a consciência daquela época chamava de pobres eram pessoas comuns, os não-privilegiados, e não via nenhuma inconseqüência lógica na oposição nobres/pobres, porque essas noções não eram estritamente econômicas, mas estritamente concernentes à propriedade. Desse modo, falava-se dos pobres de Cristo - os pauperes Christi - que eram homens que renunciavam aos bens do mundo para atingir o reino de Deus.A linguagem das categorias econômicas não tinha, portanto, autonomia e representava um dialeto de uma espécie de metalinguagem da cultura. As noções não se dissociavam, eram econômicas, teológicas e jurídicas, conjuntamente. A linguagem dos homens da Idade Média tinha uma excepcional polivalência semântica. E escreve: "Os termos mais importantes de sua cultura são plurissignificantes e recebem do contexto um sentido particular". A pobreza é uma das categorias básicas da cultura medieval, tendo, como outras, um sentido particular.É com essa concepção cultural da pobreza que o homem da Idade Média concebe o mundo. Essa concepção é uma das faces da nossa cultura colonial; a outra é a concepção da riqueza, sob a forma de bens e de abundância. Pobreza & Riqueza Os primeiros padres-visitadores do Santo Ofício que vieram ao Brasil Colonial constataram, na Bahia e em Pernambuco, uma sociedade que, baseada na riqueza de bens agrários e exponenciais, vivia na abundância e no luxo tutelar.Alguns historiadores póstumos vêem no fato um exagero de observação, já que essa não era uma abundância de todos os dias - mas só dos dias de festas e recepções - nem de todos os anos. Exagero ou não, ela foi registrada por observadores hábeis, a serviço da Inquisição, como o padre Fernão Cardim, constando de alguns documentos inquisitoriais.O padre Fernão Cardim registrou índios e colonos da sua época. Descreveu os índios e seus costumes, as plantas mais características, bem como os hábitos e usos dos colonos. Registrou, em seus papéis - apreendidos por piratas ingleses na viagem de retorno, e vendidos e publicados em Londres, posteriormente - com uma sinceridade quase de criança grande, os banquetes com que o receberam no Colégio da Bahia, em Recife e Olinda, e que mostravam a abundância e a riqueza patrimonial (Padre Fernão Cardim, Tratado da Terra e Gente do Brasil. Rio de Janeiro, l925). Exagero ou não, a imagem da abundância e riqueza formou-se e se contrapôs à imagem da pobreza. Daí em diante, formaram-se os arquétipos da pobreza e da riqueza. Primeiro, nas cartas jesuíticas e nos livros dos padres-visitadores; depois, na historiografia dos séculos XVII e XVIII, e nas crônicas dos cronistas flamengos que visitaram e residiram em Pernambuco, convertido num feitoria holandesa.A formação dos arquétipos da pobreza e da riqueza ocorreu quase simultaneamente. No final do século XVI, já tínhamos as duas: a dos padres-visitadores jesuítas, na Bahia; e, em Pernambuco, a formação do arquétipo da riqueza, expressa pela abundância e na vida de conforto nas casas-grandes dos engenhos de açúcar.Ao sul de PernambucoNos relatórios e cartas dos funcionários do rei, no sul de Pernambuco, formava-se a imagem da pobreza na miséria de índios aldeados e na escassez de conforto dos mucambos da região dos palmares e de matos frios. Era uma pobreza contrária à que reinara na medievalidade da Europa Ocidental, porque sua escassez se vinculava a uma concepção econômica desligada de vínculos teológicos. A medieval fora uma pobreza cultural e teológica, enquanto a que se formava no sul do antigo Pernambuco era uma pobreza estritamente econômica, com escravos negros transformados em objeto de comércio e índios trabalhando como escravos, lutando como soldados-servos, em aldeamentos controlados, e vendo destruída sua identidade tribal.A pobreza do mundo colonial do século XVII, quando os quilombos se formavam (e, a partir de 1674, o maior de todos - o dos Palmares -, destruído pelo Terço paulista, com o apoio de índios Tapuia-Kariri do sertão do Piauí) tinha um vínculo estritamente econômico, pois fora criado pelo uso do trabalho escravo de negros trazidos como cativos e aqui transformados em escravos, por moradores de engenho, a maioria composta de mulatos e sem terra. Na colônia, o mercantilismo impusera a sua marca sobre a vida colonial. A escravidão de negros cativos trazidos da África foi uma invenção mercantilista, a única maneira que os colonos ricos de Portugal encontraram para a explotação - permitam-me aqui o uso de um anglicismo - das terras do Brasil. A pobreza mucambeira ou quilombola tinha características culturais nítidas, pois era formada por uma massa de ex-sociais de transitória vida autônoma, que, quando despossuídos da condição de ex-sociais, retornavam à escravidão. Isso dura até o século XIX, quando os últimos mucambos, como o de Catucá (Recife), são destruídos ou desaparecem com a Abolição, em l888.A pobreza que aparece, no século XIX, no meio da Guerra dos Cabanos e no espaço geográfico papa-mel, ainda é mucambeira. E vai permeabilizar-se no mundo cabano alagoano-pernambucano, como um processo social de pobreza, de contraponto com a riqueza ou abundância de uma classe tutelar: a aristocracia rural.Dupla feiçãoNa formação das Alagoas, a sociedade que vai ser alagoana depois de 1817 apresenta-se com uma dupla face: a da abundância tutelar e a da pobreza social. Ambas com estrutura social e conotações econômicas. A sociedade já mercantilizada desenvolve um conteúdo econômico e esboça uma diferenciação cultural. Nela, o social prevalece sobre o cultural. Ela vai adquirindo uma autoconsciência social. Só que se especificam as ambivalências sociais, principalmente nas classes baixas; algumas delas - como a dos escravos - não chegam a ser uma classe. No máximo, um estamento, no qual as ambigüidades culturais prevalecem sobre as diferenciações econômicas. É o que descreve Tonelare sobre o mundo rural do sul de Pernambuco do século XIX - uma região rural especificamente de transição, com índios que contestam a posse da terra, com moradores que plantam de aluguel e lavradores empobrecidos. Essa região de Ipojuca, visitada pelo viajante francês, serve de exemplo a toda a região dominada pelos engenhos de açúcar.A comarca de Alagoas surge em 1774. O espaço alagoano passa 199 anos sem divisão administrativa, um espaço geográfico dominado pela abundância das águas, e daí o nome alagoas, pelas muitas que existiam de norte a sul. Só no século XVIII, depois da destruição do Quilombo dos Palmares e da ocupação flamenga de Porto Calvo, Alagoas aparece como um espaço de ocupação político-administrativa, ainda que precário. Passa a ser a comarca das Alagoas, uma divisão administrativa da capitania de Pernambuco. Os historiadores alagoanos mais antigos costumam preencher esse vazio colonial tentando localizar o descobrimento do Brasil por Cabral no litoral alagoano, desconhecendo que Diogo de Leppe descobriu o cabo de Santo Agostinho, antes de Cabral descobrir o Brasil no litoral da Bahia, e navegou pelo mar do norte de Alagoas, onde deu o bordo de retorno à Europa. Alguns meses antes de Cabral, mas que estabelecem uma precedência. Os pólos primitivos de colonizaçãoSão dois os pólos primitivos de colonização do território hoje alagoano: Penedo e Porto Calvo. O de Penedo, fundado em 1575, mais antigo e com uma orientação diferencial, pois dele surgiram a ocupação do sertão alagoano e a criação da civilização do couro [para usar a expressão célebre do historiador cearense João Capistrano de Abreu no seu livro Capítulos da História Colonial (1500-1800), um estudo clássico da nossa historiografia colonial].Porto Calvo, dez anos depois, inicia a formação dos engenhos de açúcar na zona das matas úmidas e justa-marítimas, baseada no trabalho dos negros escravos, trazidos cativos de África. Penedo, fundada como uma fortaleza de onde nasceu a cidade histórica, expandiu a colonização para o sertão, facilitada pelo rio São Francisco e pelos caminhos de gado e os trilhos de índios. Porto Calvo começou como fortaleza - que, no tempo dos holandeses, eram três, como mostra um quadro pintado por Frans Post - e ao pé da fortaleza surgiu a sociedade sob a forma de um casario e o engenho próximo do sesmeiro Christopher Linz, onde floresceram em terras cisunenses as plantações de cana e o complexo casa-grande, senzala, capela e engenho. De Penedo surgiu a conquista dos sertões alagoanos, e de Porto Calvo a sociedade tutelar dos donos de terras, de escravos e de fábricas de açúcar da futura Alagoas.Área do couroNo pólo de colonização de Penedo, gerou-se um tipo de sociedade formada de pastores, criadores de gado bovino e cavalar, construtores de currais de bois e conquistadores de sertão semi-árido, de vaqueiros-proprietários, baseada na fazenda de gado, e de vaqueiros-tangedores de rebanhos de gado. Uma sociedade de estrutura social mais simples, com o mínimo de distância social entre o vaqueiro-proprietário e o vaqueiro-tangedor, sem o uso do trabalho escravo dos negros comprados de navios negreiros. A estrutura dessa sociedade sertaneja era mínima, e os donos de currais nem sempre sabiam aonde iam os limites de suas terras, pois não havia cercados de demarcação. O gado pastava ao dará, e só nos rodeios se fazia a partilha do gado chucro, aplicando-se o ferro de marcar com as iniciais do dono ou qualquer outro símbolo. Só muito tarde as terras de pastoreio das savanas sertanejas passaram a ser demarcadas. Era uma sociedade - a do pastoreio são-franciscano - que punha como quase companheiros a vaqueirada-proprietária e a vaqueirada-tangedora. Não era visível a hierarquia da casa-grande, pelo fato de não haver escravos negros africanos e porque os índios se adaptavam a condições de servos-pastores e à vida de pastoreio. E não punham fim em sua vida nômade, pois os currais de bois andavam com a transumância dos rebanhos. A esse estilo de vida, Capistrano de Abreu chamou de "civilização do couro" e os elementos que ele define como característicos são válidos para todo o sertão, do semi-árido piauiense ao sertão do São Francisco. Em toda essa extensão, o sertão é um só, com pequenas variações que não chegam a ser uma diferença.A "civilização do couro", em Alagoas, inicia-se com a expansão da frente de colonização de Penedo, um tipo de colonização que tem por base o pastoreio em savanas semi-áridas e que não conheceu a escravidão negra, mas a servidão do índio de aldeia e de missões religiosas.Tapuias em guerraEm fins do século XVI e durante o século XVII, os índios Tapuia-Kariri uniram-se para atacar a frente dos currais de bois que invadiu o sertão, ocupando suas terras de caça. Foi a Guerra dos Bárbaros ou o Levante dos Tapuias. Os Terços paulistas e pernambucanos, por sua vez, atacaram os índios de corsos em várias frentes. O Terço paulista de Domingos Jorge Velho e Mendonça Arrais venceu os tapuias de corso do sertão do Exu, no Piauí. E só depois de terem reduzido os índios a soldados-servos, desceram para Alagoas, para o ataque à Cerca Real dos Macacos, onde é hoje União dos Palmares.Penedo teve um papel importante na Guerra dos Bárbaros. A jurisdição do capitão-mor de Penedo, segundo a carta do Rei ao Governador de Pernambuco, recaía sobre as aldeias situadas em Sergipe e Pernambuco.Assim, frei Manoel da Ressurreyção, que era do Conselho do Rei, mandava que se tirassem das aldeias cerca de 300 arcos bem armados de flecharia, e formassem os Terços de índios aldeados, para atacar os índios que lutavam contra os currais ou, como diz o texto de 1688, para enfrentar o excessivo poder dos Bárbaros, que eram os índios de corso. Foi nomeado novo capitão-mor o tenente Pedro Aranha Pacheco, morador de Penedo, que iria com esses índios socorrer, no Reino dos Guariguês, as tropas de Domingos Jorge Velho, que se achavam sem munição e gente para resistir aos ataques dos Tapuia-Kariri rebeldes.Outra patente de capitão-mor se passou a André Pinto Correa, cuja jurisdição ia de Cachoeira Grande - hoje Cachoeira de Paulo Afonso - até as últimas povoações de Carinhanha, extensão onde se localizavam as aldeias dos índios de Cajuru, do Tucuruá, de Geremoabo, de Caribes, de Kariri, dos Guaiases, dos Cuarapos, dos Tamaquiz, dos Rodelas, da Jacobina, dos Sacacarinhans e dos Papaiases, onde, diz o documento, se pode reunir "athe trezentos arcos, os mais bem armados de flecharia". Uma jurisdição ia de Penedo até Piranhas, no Baixo São Francisco; outra ia de Piranhas ao Médio São Francisco.Cana ao NorteNo pólo de colonização de Porto Calvo, gerou-se um tipo de sociedade cuja base era o trabalho escravo dos negros africanos. Os moradores eram empregados no corte de madeira de lei destinada aos estaleiros de Lisboa e da Inglaterra. Eram matas ricas em madeiras tortas para o cavername dos navios. Daí surgiu uma sociedade complexa e muito hierarquizada, de imensos latifúndios, polarizada entre a casa-grande e a senzala. O cume dessa sociedade era formado por uma aristocracia rural, que chegou ao século XIX, e foi bem estudada por Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala (1933) e Sobrados e Mucambos (1936).A destruição da confederação de mocambos do Alto Porto Calvo - levada a efeito pelas tropas dos sertanistas paulistas aliados aos índios Kariris, descidos do sertão dos Gurguéias e dos altiplanos sertanejos - criou condições para a fixação e ampliação da civilização do couro. A junção dos terços paulistas com as tribos vencidas da Guerra dos Bárbaros, e a libertação de Porto Calvo do domínio holandês, possibilitaram uma grande ampliação da área da cana-de-açúcar e dos engenhos - e o crescimento de uma sociedade baseada no trabalho do negro escravo, objetivando a produção do açúcar e sua exportação. A fixação da sociedade agrária nessa área se faz através da extinção dos índios de corso nos domínios agrícolas e com a importação de escravos da áfrica para o trabalho nas plantações e nos engenhos. Pequenas vilas surgem e se fixam, assim como se estruturam portos por onde são escoados o açúcar e madeiras para a construção naval.Índios e negros nos PalmaresOs índios Tapuia-Kariri e os negros mucambeiros enfrentaram-se, pela primeira vez, na Cerca Real dos Macacos, situada na serra do Barriga. Os índios Tapuia-Kariri, depois de derrotados nos sertões do Piauí, iam como servos-soldados do Terço paulista de Domingos Jorge Velho e seu lugar-tenente Mendonça Arrais. O procurador do mestre-de-campo, Bento Sorrel Camiglio, justificava sobre esses servos-soldados: "os soldados dele são seus servos que ele adquiriu, no decurso de mais de vinte anos à própria custa de sua fazenda, com o seu trabalho, e com muito risco de sua vida" (M.M. de Freitas. Reino Negro dos Palmares. II. Rio de Janeiro, l954, p. 633). Essa tropa de índios de corso, aprisionados e transformados a uma servidão militarizada, o Terço paulista usou para o ataque e cerco do mucambo da Cerca Real dos Macacos. Os índios Tapuia-Kariri eram usados contra os negros mucambeiros numa operação de grande escala, e os mucambos palmarinos foram caindo um a um. Os negros que não foram dizimados nos ataques foram colocados outra vez no estado de escravidão, vendidos para outras regiões ou exportados como mercadoria pelos negreiros para outros portos de escravos em outros países. Não se pode ter idéia de uma matança de tantos negros, uma mercadoria cara.O que se deve pensar é que o sumiço de tantos prisioneiros deve-se ao seu transporte para outros pontos do país ou ao fato de terem sido levados como escravos para outros países da América onde a escravidão existia, como Cuba, Jamaica e Haiti.Um fato se deve notar: a empresa dos Palmares foi uma profunda operação militar para o Terço já habituado a uma operação desse tipo - o de dizimar e escravizar populações indígenas nos sertões do Piauí -, ao mesmo tempo que foi uma operação financeira de venda de negros palmarinos aprisionados. A historiografia tradicional transformou Zumbi num grande herói suicida, jogando-se do alto de um despenhadeiro, onde encontrou a morte, para não cair prisioneiro. O fato do suicídio e morte heróica de Zumbi, o último dos chefes do Quilombo dos Palmares, é um fato que parece não pode ser provado, mas que ficou na historiografia alagoana, e depois brasileira, como arquétipo ou imagem histórica. Pode-se suspeitar de uma historiografia feita por senhores de escravos, ou seus descendentes, cheios de culpas pelo arrasamento de um tipo de sociedade, que, por existir, pôs em dúvida a racionalidade da sociedade tutelar da cana-de-açúcar, que tinha por trabalhadores negros escravos de origem africana. A história do destino dos prisioneiros da guerra contra a população mucambeira dos Palmares ainda não foi escrita. Mas precisa sê-lo para que a razão da história dos negros palmarinos ganhe cientificidade e seu lugar seja resguardado na História do Brasil. Isso porque, se outro motivo não existisse, existe a razão que lhes deu Alfredo Brandão: "O negro, em Alagoas, foi um dos maiores elementos de civilização" (Os negros na História de Alagoas apud Estudos Afro-Brasileiros. Rio de Janeiro, l935).De onde Alagoas surgiuA parte menos conhecida da história de Alagoas é a colonial. Até parece que Alagoas não tinha história que justificasse seu nascimento num papel comum de despacho assinado por Dom João VI em 1817, criando a capitania de Alagoas e separando-a da capitania de Pernambuco. A fábula inventada pelo grande historiador pernambucano Pereira da Costa dá as Alagoas como uma criação áulica, durante o período do Reino Unido, como "uma gratidão" por tropas alagoanas, saídas de Porto de Pedras, terem ajudado na derrota da Revolução Pernambucana de 1817. No espaço alagoano, ocorreram duas guerras fundamentais para sua criação: a Guerra dos Bárbaros ou o Levante Tapuia, que foi uma guerra dos currais de bois contra a confederação de tribos Tapuia-Kariri de índios de corso, que com a derrota dos Tapuia-Kriri consolidou o devassamento do sertão, configurando o quadro de uma entidade política que iria surgir em 1817. A conquista do sertão, tendo como pólo Penedo, foi importante, com a criação de povoados sertanejos, para que se configurasse um quadro de conquista e ocupação de um território; assim como a guerra contra o Quilombo dos Palmares, dissipando o maior aglomerado de negros escravos fugidos que se conhece em nossa história, e aliviando o medo histórico que espantou a nossa aristocracia rural. O medo foi tanto, que Zumbi entrou na História do Brasil como herói nacional. E entrou merecidamente, pela sua consciência da liberdade. Foram esses fatos que criaram uma autoconsciência social alagoana, em que ocultamos toda a nossa consciência nacional e nossas paixões, nossos sonhos e nossos desesperos. Alagoas já se prefigurava antes de 1817. Já era pensada como um sonho político, que o mais inteligente dos Braganças concretizou. Saiba o douto historiador pernambucano que uma simples gratidão política não cria um sonho político. São os fatos da vida social, o sangue derramado das paixões, os sonhos que duram séculos, a ida e a vinda dos homens, as suas vontades e amarguras, que fazem do sonho uma verdade. Alagoas surgiu da morte de milhares de índios, que hoje vivem encurralados em suas aldeias de sertão, da morte e prisão de milhares de negros escondidos nas Cabeceiras do Porto Calvo, para que, desse genocídio, dessas paixões humanas de raças tão diferentes, surgisse Alagoas. Uma vez escrevi: Alagoas é o que se ama e dói. Alagoas não nasceu do sonho de um monarca. Nasceu da morte de milhares de índios Tapuia-Kariri, da morte de milhares de negros de etnias diversas, do trabalho de milhares de homens pobres: índios, negros, brancos e mulatos. Houve uma riqueza de poucos e uma pobreza de muitos. Esse foi o jeito que encontramos de criar Alagoas. Pois é bom que se diga: Alagoas nasceu de uma grande paixão. A paixão pela vida, a paixão pela morte. A paixão pela riqueza, a resignação pela pobreza. E, desculpe-me o orgulho do nosso antigo Pernambuco, pelas escolhas que fizemos na História. Alagoas é terra mater.<br />
</div>Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-23899664.post-1142425882858131982006-03-15T09:29:00.001-03:002010-01-05T11:15:14.701-02:00Como explicar Alagoas? (Lelo Macena)<div align="justify">Como explicar Alagoas?<br />
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Sávio de Almeida: "Falo de quem é fundamental e em quem ninguém mexe"<br />
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LELO MACENA<br />
Repórter<br />
Para o historiador Luis Sávio de Almeida, considerado um dos nossos principais pensadores, Alagoas só começa a se preocupar em escrever sua história no final do século XIX, por meio dos textos de José Próspero Jeová da Silva Caroatá (1825-1890), João Francisco Dias Cabral (1834-1885) e Pedro Nolasco Maciel (1861-1909).<br />
Segundo ele, é a partir desses três personagens que se inauguram as formas de ver o Estado: são os três paradigmas, como ele define. Caroatá, em seu texto Crônicas do Penedo, publicado nos três primeiros números da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL), seria a visão declaradamente senhorial do poder. Dias Cabral, apesar de também representar esse segmento, começa a introduzir na história alagoana as classes menos favorecidas. Por fim, vem Pedro Nolasco Maciel, pelo fato de que este, no livro Traços e Troças: Crônica Vermelha, Leitura Quente, cuja primeira edição foi publicada em 1899, sem o nome do autor, busca definir o que seria “esta coisa” chamada os filhos do trabalho, uma categoria que se define historicamente em confronto com o capital, com o poder.<br />
Para Sávio, essas três leituras são fundamentais para o entendimento básico da formação histórica, política, social e econômica de Alagoas. “O Caroatá dá uma visão de Alagoas em todos os setores: da economia à política. Toda hora que você lida com uma questão chamada poder, passa por tudo isso. Todo livro é uma plataforma política. Principalmente os que dizem que não são. Não tem um que não seja. Caroatá é fantástico e extraordinário porque ele sabe disso. Ele não nega que está a serviço do poder local”, diz ele.<br />
O pesquisador segue apresentando a sua lista de títulos essenciais com o nome do maquinista João Ferro, segundo ele, um dos introdutores do pensamento de esquerda por aqui. “Ele sustenta uma discussão com a elite do pensamento de Alagoas sobre o que é socialismo em 1902”, explica Sávio.<br />
Seguindo em ordem cronológica, Sávio faz referência ao nome de Francisco de Paula Leite e Oiticica (1853-1927) e seu texto de título quilométrico: Memorial Biográfico do Comendador José Rodrigues Leite Pitanga. “Se o cabra não ler, vai ficar muito difícil entender Alagoas. Hoje seria considerado um texto de direita. Mas é imperdoável querer, por conta desse tipo de balizamento, deixar de dizer que é uma obra-prima”, ressalta. “É um artigo publicado em três números na Revista do Instituto Histórico. É fantástico! Extraordinário! O cara escreve sabendo que está em cima de um palanque, de uma plataforma política. Tem que ser lido sim”, observa Sávio.<br />
O historiador Nicodemos de Souza Moreira Jobim (1836-1913) é outro nome que integra a lista do pesquisador. Ele não lembrava o título do volume por ser muito extenso, mas a Gazeta trouxe para o leitor. Lá vai: História de Anadia em princípio arqueológico, contendo a descrição topográfica, nomes de todos os funcionários públicos, biografia de alguns de seus representantes, anais da igreja, genealogia das principais famílias da província que nela têm origem, remontando-se ao quinto grau em ascendência e crônica minuciosa de todos os acontecimentos, desde 1801 (publicado em 1881).<br />
“Esse cara é fundamental pela chacoalhada que ele dá no tipo de história que era feita. Ele baseia a história dele na história oral, em coisas que só agora são valorizadas. É genial pela audácia na forma de construir o texto com condições de informação que na época não tinham prestígio científico”, analisa ele. De acordo com Sávio, no texto de Nicodemos percebe-se a intelectualidade que vivia contida pela forma de organização da sociedade.<br />
Sigamos mais um pouco à frente, até chegar ao deputado estadual, juiz de direito e promotor Wenceslau de Almeida (1883-1936), outro escalado na seleção de Sávio de Almeida. “Ele representava o saber local, o erudito local. Era considerado um grande historiador, mesmo sem ter saído de Capela. Esse cara produziu textos que mostram como era a boa erudição local ligada aos documentos”.<br />
Vale ressaltar que o historiador Sávio de Almeida não se ateve aos títulos específicos dos nomes citados. Para ele, há que se ler a obra completa do autor.<br />
Depois de falar de Wenceslau de Almeida, Sávio cita Théo Brandão como mais uma leitura fundamental para a elucidação do enigma alagoano. “O Théo foi um dos melhores do Brasil. Eu não estou dizendo que eu concordo com ele, estou dizendo que ele é um dos melhores que eu já li em toda a minha vida, no tipo de coisa que ele fazia. Ele tem que ser lido. Especialmente a introdução do livro dele, Folguedos Natalinos. Brilhante!”, diz, aproveitando para incluir outro nome no rol das leituras cruciais sobre Alagoas: Manuel Diégues Júnior. “A influência do Diégues Júnior em Alagoas jamais foi estudada. Esse homem teve uma importância vital na formação da melhor intelectualidade em Alagoas. Eu estou falando do livro O Bangüê nas Alagoas”.<br />
Sávio não deixa de citar também o que ele define como “duas contrapartidas de Théo Brandão”, que são Félix Lima Júnior (1901-1986) e Abelardo Duarte (1900-1992). “O velho Félix é a classe média falando. Ele recupera a voz da classe média”.<br />
Em seu roteiro Sávio de Almeida faz questão de mencionar o historiador Moacir Medeiros de Santana, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, da Academia Alagoana de Letras e à frente do Arquivo Público de Alagoas desde 1961. Com mais de 50 obras publicadas sobre Alagoas e várias outras no prelo, Santana é apontado por Sávio como um autor fundamental dentro da bibliografia sobre o Estado.<br />
“O Moacir é uma espécie de virada em Alagoas. Ele tem textos fundamentais sem os quais não se entende isso aqui. O segundo capítulo do livro dele, chamado Uma Associação Centenária: História da Associação Comercial de Maceió, tem que ser lido”, diz Sávio, que chama a atenção ainda para outro título produzido por Moacir Santana, Contribuição à História do Açúcar em Alagoas (de 1970). “Ele tem coisas importantíssimas. O Moacir é um brilhante historiador”, observa.<br />
Sávio põe Moacir Santana no mesmo patamar de Dirceu Lindoso ao afirmar: “Quem também dá uma contribuição importante e é tão bom quanto o Moacir é o Dirceu Lindoso. São duas vertentes diferentes. O homem que vai em busca da documentação, que é o Moacir, e o homem que vai atrás da análise e da interpretação, que é o Dirceu Lindoso. Os dois são os mais importantes da nossa geração”, sentencia.<br />
O historiador segue enumerando nomes e títulos e não perde a oportunidade de citar a letra do frevo Nega Juju como um dos textos mais importantes da história alagoana. “O autor desse frevo é o primeiro cara que entende que folia pode ser geografia”, diverte-se ele. “Veja que eu não estou falando de ninguém consagrado. Eu não estou falando de Graciliano Ramos, nem de Lêdo Ivo. Já se falou demais. Eu estou puxando quem é fundamental e em quem ninguém mexe”, diz, ao explicar suas indicações.<br />
Dos nomes contemporâneos, Sávio prefere não citar ninguém da safra da produção intelectual acadêmica - mais especificamente os estudiosos ligados à área da pós-graduação. “A pós-graduação veio para colocar todos em um mesmo nível. Nessa situação de hoje, você não tem nomes que se distanciem. Eu me incluo entre eles. Os que se sobressaem na pós-graduação são os gênios. E aqui nós não temos gênios”, completa o historiador, embora não deixe de enxergar uma nova geração de estudiosos e pesquisadores vindo por aí. “Alguns deles serão fundamentais para o pensamento alagoano”, acredita.<br />
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Um olhar sobre o Baixo São Francisco<br />
Há 16 anos em Maceió e há mais de dez estudando o Baixo São Francisco, a socióloga e cientista política mineira Evelina Antunes Oliveira está entre os vários pesquisadores de outros Estados do Brasil que têm Alagoas como objeto de estudo.<br />
Evelina acabou de publicar o resultado de parte de uma pesquisa que desenvolve em algumas regiões ribeirinhas do Rio São Francisco, entre os municípios de Piranhas (AL) e Paulo Afonso (BA). Seu trabalho Nos Trilhos da História do Baixo São Francisco: Um Ensaio sobre a Estrada de Ferro Paulo Afonso, publicado numa reunião de textos sobre o Velho Chico chamada Rio Sem História? Leituras sobre o Rio São Francisco recebeu muitos elogios, inclusive do historiador Sávio de Almeida, que o classificou como uma grande contribuição para a história alagoana daquela região.<br />
COMEÇO DE CONVERSA<br />
Antes de dar início à lista das obras que elege como essenciais para pensar Alagoas, a socióloga trata de avisar: “Eu sou uma pesquisadora. Não tenho compromisso político e ideológico de enaltecer determinadas correntes. A minha função de pesquisadora é pensar sobre Alagoas, pois é aqui que eu trabalho. O local de nascimento do autor é o que menos me importa. A mim importa a reflexão que ele fez sobre Alagoas”.<br />
Dos autores do século XIX, ela começa citando o médico e jornalista Tomás Espíndola (1832-1889) e o seu Geografia Alagoana; Descrição Física, Política e Histórica da Província de Alagoas (1860). Evelina ressalta a universalidade do livro de Espíndola e a maneira pela qual o estudioso aborda os vários aspectos da geografia tratada.<br />
Tavares Bastos também serve de fonte para seus estudos. “Ele é da área do Direito, mas dá pistas importantes e bonitas sobre a sociedade alagoana de sua época. Ele tem considerações de natureza nacional que nos ajudam a pensar o que poderia estar acontecendo aqui”, explica.<br />
O livro Introdução à Antropologia, do alagoano Arhur Ramos, é outro citado pela pesquisadora. “O objeto dele também é nacional, não local, mas é lógico que ele contribuiu para a intelectualidade local”, diz ela, também citando Sobrados e Mocambos, do pernambucano Gilberto Freyre. “Ele qualifica com muita propriedade as relações sociais que se deram no Nordeste, e Alagoas é Nordeste. Não dá para pensar o que acontece em Alagoas sem pensar o que acontece no Brasil”, observa.<br />
Outro alagoano cujos trabalhos servem de base para as pesquisas de Evelina é Adalberto Marroquim, com seu Terra das Alagoas (1922). “Foi uma boa lanterna para iluminar minhas pesquisas sobre o Baixo São Francisco, sobre a estrada de ferro de Paulo Afonso. Eu estava querendo entender o que acontecia ali, naquela época”, diz. “É uma descrição, um mapa. É muito interessante também você ver o estilo de redação da época. Ele tem considerações interessantes sobre cada município alagoano do começo do século XIX”, comenta. Theodoro Sampaio é mais um nome imprescindível para quem pretende conhecer o Baixo São Francisco, segundo a pesquisadora.<br />
Contemporâneos<br />
Dos autores contemporâneos, Evelina cita o historiador Luis Sávio de Almeida como uma das principais fontes de sua pesquisa. Os estudos sobre as ferrovias alagoanas de Douglas Apratto Tenório, de 1977, também são mencionados pela socióloga, assim como Alberto Saldanha e seu estudo sobre o movimento estudantil no Estado.<br />
Evelina faz questão de incluir em sua lista nomes de pesquisadores e estudiosos que, para ela, desenvolvem trabalhos fundamentais sobre Alagoas e concentram seus estudos nesse pedaço de terra do Nordeste. São eles: Maria do Carmo Vieira, mineira, socióloga, com livros publicados sobre questões ambientais no complexo lagunar Mundaú-Manguaba; Regina Marques, Alice Plancherel, Bruno César e Raquel Rocha; Cícero Péricles e Fernando Lira (na área de Economia); Maia Cecília Lustosa, Paulo Décio de Arruda Melo,Regina Dulce Lins, Maria Angélica Silva, Ruth Vasconcelos, Siloé Amorim, Silvia Martins e Nara Salles. LM<br />
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Bruno César e a lista dos "dez mais"<br />
Citado por alguns dos estudiosos entrevistados pela reportagem como um dos principais nomes da pesquisa sobre a cultura alagoana, o professor Bruno César Cavalcante listou dez títulos os quais considera essenciais para o conhecimentos sobre o território alagoano, embora tenha feito algumas ressalvas.<br />
“A informação de e sobre Alagoas, ao menos nesses últimos 50 ou 60 anos, não mais está disponível em obras de síntese”, afirma ele. “De modo que não há ‘o livro’ que nos explique, que nos dimensione em várias frentes. Temos um ensaísmo constante, e de qualidade, mas deixamos de produzir obras do tipo ‘A História das Alagoas’, ou ‘A Civilização de Alagoas’ e similares”, diz.<br />
“Histórias” diferentes<br />
Dos autores alagoanos o pesquisador cita Sávio de Almeida, Dirceu Lindoso e Douglas Apratto quando o assunto é história política. “No passado, poderíamos dizer o mesmo de gente como Hugo Jobim ou José Prospero Caroatá; e até de viajantes estrangeiros que deixaram suas descrições mais rápidas ainda, a exemplo de Gardner, Ave-Lallemant e outros”, compara. Para a história econômica ou a sociedade formada em torno da economia do açúcar, Bruno cita Moacir Santana, Manuel Diégues Jr. e ainda Manuel Correia de Andrade.<br />
No segmento da cultura e do folclore, o pesquisador lembra os nomes de dois das escolas de Viçosa e Maceió. “É o caso de autores como Abelardo Duarte e Théo Brandão. Aí, nada temos que não uma imensa produção muito especificada, às vezes de um único folguedo, sem nenhuma análise com alcance que mereça ou justifique a inclusão numa lista tão pequena. O mesmo vale para os estudos étnicos, onde, aliás, há também bons estudos isolados”, justifica.<br />
A lista de livros do pesquisador é encabeçada por Formação de Alagoas Boreal, de Dirceu Lindoso. “É o livro mais belo, ao menos o mais agradável de ler, sobre a história alagoana, mesmo que não seja o mais amplo. Um livro para apaixonar o leitor pelos temas que descreve”. Depois vem mais uma obra de título gigantesco: Idéa da população da capitania de Pernambuco e das suas annexas, extenção de suas costas, rios, povoações notáveis, agricultura, número de engenhos, contractos e rendimentos reaes, augmento que estes tem tido & &, desde o anno de 1774 em que tomou posse do Governo das mesmas Capitanias o Governador e Capitam General José Cezar de Menezes (na grafia original), de José Cezar de Menezes. Segundo Bruno, o escrito vale por seu pioneirismo e antigüidade na descrição da paisagem local.<br />
Seguindo o roteiro de Bruno César Cavalcante, surgem ainda Geografia Alagoana, ou Descrição Física, Política e Histórica da Província das Alagoas, de Tomás Espíndola, Opúsculo da Descrição Geographica e Topographica, Phizica, Política e Histórica do que Unicamente Respeita à Província de Alagoas no Império do Brasil, de Hum Brasileiro, que talvez tenha sido escrito pelo Presidente da Província de Alagoas, Antônio Joaquim de Moura, Adalberto Marroquim, com seu Terra das Alagoas, lançado em 1922 - segundo Bruno “uma viagem imagética ao passado; um deleite visual antes de tudo” -, e O Bangüê nas Alagoas, de Manuel Diégues Júnior.<br />
Dirceu e Jorge de Lima<br />
O pesquisador Dirceu Lindoso e o seu A Utopia Armada também faz parte da lista e é considerado um dos títulos fundamentais para o estudioso. “Junto com a tese de doutoramento de Luiz Sávio [ainda inédita], é obra importantíssima por incluir os pobres [índios, caboclos e negros] também como atores da nossa história e da historiografia de e sobre Alagoas”.<br />
Geografia de Alagoas, de Ivan Fernandes Lima, também comparece no conjunto de Bruno César, juntamente com outras obras do autor, igualmente importantes, como Maceió, Cidade Restinga e Ocupação Territorial de Alagoas.<br />
Moacir Santana é citado por seu livro História do Modernismo em Alagoas. “Esse livro é a melhor fonte para se apreciar as relações entre a vida provinciana e os movimentos artístico-literários do Brasil, nas primeiras décadas do século”. Calunga, de Jorge de Lima, completa a lista das obras básicas para a compreensão de Alagoas, segundo Bruno César Cavalcante. LM<br />
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Luitgard Cavalcante e o legado dos literatos<br />
De sua casa, no bairro de Laranjeiras, na capital carioca, a antropóloga alagoana Luitgard Cavalcante Barros também topou o desafio de apontar os autores e os livros fundamentais para o entendimento da chamada “terra dos caetés” (ou seria “terra dos marechais”?). Enquanto organizava a confusão de papéis em sua mesa de trabalho, ela foi traçando a bibliografia que considera basilar para a compreensão da formação do Estado.<br />
“A Solidão dos Espaços Políticos, de Luis Nogueira Barros”, começa, citando o ensaio político do médico nascido em Pão de Açúcar, publicado em 1988. “É um livro muito interessante para se conhecer Alagoas”, diz. Outra fonte primordial, segundo ela, são os Relatórios de Províncias no Brasil, que podem ser encontrados na Biblioteca do Congresso Nacional. “Muita gente está bebendo dessa fonte”, comenta, dando o caminho das pedras para os pesquisadores desavisados. Viçosa das Alagoas, de Alfredo Brandão, recém-lançado em edição fac-similar estão nesse conjunto, junto com os escritos do professor Hélio Gazaneo.<br />
Para ela, a literatura alagoana representada por Graciliano Ramos, Jorge de Lima, Lêdo Ivo e Breno Accioly “dizem demais sobre Alagoas”. Luitgard diz que, antes dos historiadores, os literatos resolviam o problema. “São Bernardo e Vidas Secas são importantíssimos. Angústia é Maceió”, diz. “Calunga, de Jorge de Lima, é essencial”, avalia.<br />
O tio do contista Breno Accioly, Tadeu Rocha, e seu trabalho sobre Delmiro Gouveia, é citado por Luitgard como referência para o entendimento das relações sociais no sertão alagoano. A Utopia Armada, de Dirceu Lindoso, também entra na lista da antropóloga. Da história para o teatro, as peças de autoria de Pedro Onofre seriam mais uma indicação na busca dos caminhos para o entendimento do nosso Estado. E mais: Pontes de Miranda, Abelardo Duarte, Moacir Santana, Mário Marroquim, Medeiros Neto, Pedro Costa Rego, o poeta Aloísio Branco, o jurista Guedes de Miranda, o historiador Moreno Brandão, as crônicas de Arthur Ramos, Ernesto Senna, Douglas Apratto, Otávio Brandão e Walter Pedrosa. LM<br />
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Dirceu Lindoso busca fontes d'além mar<br />
Citado por boa parte dos estudiosos consultados, o professor Dirceu Lindoso é hoje uma unanimidade entre os principais nomes que se debruçam sobre Alagoas. Autor de títulos fundamentais que ajudam a desvendar episódios da nossa história, a exemplo de A Utopia Armada e Formação de Alagoas Boreal, o pesquisador nascido em Maragogi listou alguns livros e fontes nas quais, segundo ele, encontram-se guardados os registros necessários para a compreensão de seu Estado natal.<br />
Lindoso aponta fatos para ele cruciais, cujo entendimento é imprescindível para a compreensão de Alagoas. O processo de formação das cidades de Penedo, Anadia, Viçosa e Maceió é parte essencial desse quebra-cabeças, segundo o pesquisador. A Guerra dos Bárbaros (o levante das tribos confederadas Tapuias) e o que ele denomina de Guerra dos Palmares também seriam episódios importantes para esse processo.<br />
“Livros sobre a história de Alagoas quase não há. O que existe é documentação. Os documentos sobre a Guerra dos Palmares estão todos em Portugal”, afirma Dirceu. “Tem gente que fala que eu sou inventivo, mas eu pesquisei e li essa documentação”, diz ele.<br />
“Se você estudar a destruição de Palmares, você vai ver que o motivo foi a terra, que era muito fértil naquela região. Essa história de que os negros se suicidaram pulando de penhascos não existe. Eram mais de 30 mil negros e a maior parte foi vendida para o sul do Brasil e para a América Central”, conta.<br />
Pioneirismo<br />
Dirceu garante que foi ele o primeiro a tocar no assunto de que havia uma cultura alagoana - o termo cultura era tratado de outra forma. Ele afirma também que é pioneiro em Alagoas no uso do método de pesquisas históricas antropológicas. “Eu trouxe esse método novo de estudar a cultura alagoana que os outros historiadores não tinham”, observa.<br />
Segundo Lindoso, grande parte dos documentos históricos sobre Alagoas estaria na Europa. As informações sobre todas as tribos de índios que habitavam as regiões de Penedo até o alto sertão alagoano estão no Arquivo de Évora, em Portugal. O pesquisador conta ainda que o Arquivo das Índias Ocidentais, na Holanda, também guarda informações sobre a população indígena dos primórdios de nossa formação.<br />
Nos acervos de São Petesburgo, Torre do Tombo, Portugal, Leningrado, Luanda, Uidá, na Nigéria, e Moçambique estariam guardados, segundo Lindoso, documentos importantes sobre a história de Alagoas. “Essas são as minhas fontes. São diferentes das fontes de outros pesquisadores daqui”, explica. “A nossa história não começa aqui”.<br />
Da própria lavra<br />
Quanto aos livros, Dirceu começa indicando os seus: A Utopia Armada: Rebelião de Pobres na Mata do Tombo Real, A Interpretação da Província e Formação de Alagoas Boreal. O pesquisador diz considerar o livro de Manuel Diégues Júnior, O Bangüê nas Alagoas, um dos principais. Cita também Jaime de Altavila, Cristiano Barros, Théo Brandão, especialmente seu estudo sobre o pastoril, e Otávio Brandão.<br />
Sobre Alfredo Brandão, ressalta Viçosa das Alagoas e a sua conferência no Congresso de Cultura Negra do Recife, de 1934. Dirceu critica Próspero Caroatá, embora ache sua leitura fundamental. “Ele fala tanta coisa, mas não cita os negros como parte da população. É a história vista do copiá da casa grande”, observa. LM<br />
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Moacir Santana começa com Bangüê nas Alagoas<br />
Autor de mais de 50 obras sobre a história alagoana e seus personagens, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas e da Academia Alagoana de Letras, Moacir Medeiros de Santana escreveu obras importantes para a compreensão da formação histórica de Alagoas. À frente do Arquivo Público de Alagoas há mais de 40 anos, o historiador também listou as obras e documentos segundo os quais é possível entender a verdadeira alma alagoana.<br />
Ele começa citando O Bangüê nas Alagoas, de Manuel Diégues Júnior, e lembra da visita que fez ao escritor em seu apartamento, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, em 1969. “Ele morava na Rua da Matriz, em Botafogo, numa casa alugada”, conta Moacir.<br />
“Outra sumidade se chama Luis Sávio de Almeida”, diz Moacir Santana, citando Crendices e Superstições em Alagoas, O Negro e a Construção do Carnaval no Nordeste e Alagoas nos Tempos do Cólera, Comeram Dom Pero Fernandes Sardinha e Dois Dedos de Prosa com os Karapotó. “Este homem é uma enciclopédia ambulante”, comenta, sobre Sávio.<br />
Craveiro Costa (1874-1934) é outro considerado fundamental por Moacir Santana, de quem aponta os livros O Indicador Geral do Estado das Alagoas (1902) e Biografia do Visconde de Sinimbu (1937). “Ele era um funcionário público que tinha uma redação maravilhosa”.<br />
A Geografia Alagoana, de Tomás Espíndola, também entra na sua lista, assim como Alfredo Brandão, Otávio Brandão e Théo Brandão, especialmente O Folclore de Alagoas (1949). O jornalista e crítico literário Valdemar Cavalcanti (1912-1982) seria importante para o conhecimento da vida artística e literária de Alagoas. Dele, Moacir indica Jornal Literário (1960), 14 Poetas Alagoanos e suas colaborações em jornais da capital. Ainda no terreno literário, o historiador menciona Calunga e O Mundo do Menino Impossível, de Jorge de Lima, e a obra de Graciliano Ramos, onde estariam contidos aspectos relevantes de Alagoas.<br />
Moacir fala ainda do que ele chama de “livros ferramentas” ao citar os Anais da Biblioteca Nacional e o Dicionário de Victorino Blake, onde constam indicações importantes sobre publicações e onde elas podem ser encontradas. O ABC das Alagoas, de Francisco Reinaldo Amorim de Barros, um dicionário biobibliográfico, histórico e geográfico de Alagoas, lançado este ano pela editora do Senado Federal, é outra obra a ser consultada por quem pretende conhecer Alagoas, segundo Santana. LM<br />
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